Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2685/15.4BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:10/04/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:NULIDADE DECISÓRIA
IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DE FACTO; DIREITO DE LIVRE CIRCULAÇÃO E RESIDÊNCIA DOS CIDADÃOS DA EU E DOS SEUS FAMILIARES
DIREITO À FAMÍLIA E DIREITO DA CRIANÇA À UNIFICAÇÃO FAMILIAR, OU A MANTER CONTACTOS COM OS SEUS PROGENITORES
RAZÕES DE ORDEM, SEGURANÇA OU SAÚDE PÚBLICA
CONDENAÇÕES PENAIS ANTERIORES; AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
LEI N.º 37/2006, DE 09-08
Sumário:I - Só ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação se existir uma violação grave desse dever, quer porque na sentença se omita, de todo, o quadro factual em que era suposto assentar, ou este seja ininteligível; quer porque a sentença padeça, em absoluto, de falta de fundamentação de Direito, por não revelar qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, decifráveis os fundamentos da decisão;
II - Os art.ºs. 636.º, n.º 2, 640.º e 662.º do CPC impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
III – As restrições do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da EU por razões de ordem, segurança ou saúde pública devem ser justificadas com base em comportamentos pessoais, reais e actuais;
IV- A separação familiar originada por uma medida do Estado, como a cessação de uma autorização de residência, com a consequente e provável expulsão de algum dos progenitores, deve obedecer ao princípio da proporcionalidade e atender ao direito à família e ao direito da criança à unificação familiar, ou a manter contactos com os seus progenitores;
V - Invocando-se na PI que o acto que denegou o pedido de autorização de residência ao A. não atendeu ao seu comportamento real e actual, nem à situação familiar e de vida actual, aduzindo-se factos concretos acerca de tal comportamento e situação, cumpria ao Tribunal de 1.ª instância aferir do respeito do principio da proporcionalidade, considerando toda essa factualidade, abrindo a necessária instrução dos autos;
VI - A decisão de denegação do direito de residência do A. não pode basear-se em razões de mera prevenção geral, nem as condenações penais anteriores podem, por si só, servir de fundamento para a denegação do direito de residência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
J... interpôs recurso da sentença do TAF de Almada, que julgou a presente acção improcedente, fazendo claudicar o pedido do A. para que fosse anulada a decisão do Subdirector Regional de Lisboa dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 21-07-2015, de indeferimento do seu pedido de autorização de residência, por falta de fundamentação e por violação do direito fundamental à unidade familiar e para que o R. fosse condenado a conceder-lhe o título de autorização de residência como familiar de uma cidadã da União Europeia, ao abrigo do art.º 15.º da Lei n.º 37/2006, de 09-08.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 53º. A decisão recorrida apenas visa a proteção de bens jurídicos contra uma ameaça alegadamente real e atual por parte do Recorrente que não fundamenta para além da prevenção geral que entende ser necessária em face das condenações anteriores do mesmo.
54º. É uma errada aplicação da Lei n.º 37/2006 que fundamenta a decisão recorrida.
55º. Mas é também uma errada apreciação dos factos nos autos.
56º. Dos factos nos autos, consta, apesar da omissão dos mesmos na sentença, que o Recorrente foi sujeito a apreciação judicial com vista à concessão da liberdade condicional.
57º. Para o efeito de prolação da sentença no âmbito da concessão da liberdade condicional foi elaborado competente relatório social datado de 16/6/2015, dos autos consta o número do processo judicial que o solicitou e comprovativo do mesmo, juntando-se cópia do mesmo em anexo.
58º. Bem como consta que o Recorrente obteve a concessão da Liberdade Condicional com o parecer favorável do Ministério Público.
59º. O referido Relatório Social concluía sob a epígrafe “Recetividade e Inserção no Meio Comunitário” que não antecipava qualquer problema no eventual retorno do recluso (o Recorrente) ao atual meio comunitário.
60º. Por decisão em processo de Liberdade Condicional esta foi concedida ao Recorrente, em junho de 2016, por este preencher os pressupostos formais para o efeito, bem como porque o Tribunal pôde formular um juízo atual de prognose favorável sobre o comportamento do Recorrente no meio social, ou seja, o Tribunal afirmou a expetativa de que o Recorrente, uma vez em liberdade, conduziria a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, dos autos consta o número do processo judicial no qual esta decisão foi proferida e comprovativo da mesma.
61º. Todavia, é um facto que por decisão judicial criteriosa, informada tecnicamente e atual, o Recorrente foi julgado não constituir ameaça à ordem pública.
62º. A decisão recorrida segue a decisão da Recorrida de considerar o Recorrente uma ameaça atual à ordem e segurança públicas sem o fundamentar para além da remissão das condenações que este sofrera.
63º. A apreciação pelo tribunal a quo destes factos carreados aos autos pelo Autor é nula, pois o tribunal a quo não se pronunciou sobre os mesmos.
64º. A apreciação que é feita nos autos de concordar com a decisão impugnada da Recorrida de que o Recorrente é uma ameaça à ordem e segurança públicas, é errada por ser discordante de factos que constam dos presentes autos.
65º. Foi alegado e apresentada a prova então disponível, e dispensado de mais prova cfr. ao despacho saneador nos autos, que o Recorrente em liberdade manteria o mesmo trabalho e ordenado que tinha à data em que foi preso.
66º. Todavia, a decisão recorrida omite estes factos e não se pronuncia sobre os mesmos.
67º. Tendo ainda a decisão recorrida feito uma apreciação errada da relação do Recorrente com os filhos contrária à que resulta dos factos supra referidos constantes dos autos, os quais nem sequer considera apesar de alegados e ainda que indiciariamente comprovados no processo instrutor nos autos.
68º. O Recorrente cumpre todos os requisitos para que lhe seja concedida a residência comunitária requerida, cfr. o reconhece a Recorrida e a decisão recorrida.
69º. O direito em causa não foi concedido ao Recorrente por a Recorrida ter invocado impedimento a tal pretensão com fundamento na referencia do mesmo constituir uma ameaça à ordem e segurança pública nacional.
70º. A fundamentação da ameaça real e atual à ordem pública que a Recorrida alega que o Recorrente constitui: deve ser atual.
71º. O comportamento do Recorrente que consta dos autos apesar de indiciar a constituição de eventual ameaça à ordem pública e segurança pública, não subsiste como fundamentação suficiente do invocado impedimento à concessão da residência requerida.
72º. A fundamentação exigida para o efeito deve ser criteriosa, concretizada e individualizada, composta de factos atuais, e deve ser proporcionada com os demais valores a proteger, nomeadamente, a unidade da família o Recorrente, a qual é de nacionalidade portuguesa e residente em território português.
73º. Não deve tal fundamentação basear-se apenas em condenações anteriores datadas de há anos, mais de cinco anos atrás, designadamente, factos de 2007 a 2011, quando a decisão impugnada da Recorrida data de julho de 2015.
74º. Não corresponde tal fundamentação aos critérios exigidos para que legalmente se verifique o impedimento invocado pela Recorrida à concessão ao Requerente do cartão de residência comunitário para o qual reúne todos os requisitos legalmente exigidos à sua concessão.
75º. A decisão recorrida faz uma errada aplicação da lei ao não verificar a falta de atualidade da fundamentação do impedimento à concessão pretendida pelo Recorrente.
76º. Bem como, o tribunal a quo ao não se pronunciar sobre o assunto, omitiu o seu dever judicial de pronuncia.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “21º Os factos alegados nos termos do artigo 91º n.º 4 do CPTA, não podiam ter sido considerados na decisão final do TAF de Almada.
22º O indeferimento do pedido de reconhecimento do direito de residência do cidadão cabo-verdiano J....fundamenta-se no não cumprimento dos requisitos legais do artigo 15º da Lei n.º 37/2006 de 9/8.
23º O recurso deve ser considerado improcedente, uma vez que a sentença impugnada foi proferida nos termos e respeito dos princípios e normas aplicáveis.
24º O conteúdo específico do interesse público em causa encontra completa e legitima identificação no procedimento prosseguido, que respeitou todas as garantias do ora impugnante.
25º Em suma, o pedido aqui formulado é de todo improcedente, uma vez que a validade do acto administrativo de indeferimento do pedido se configura como insindicável.”

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
“B) Entre 13/03/2007 e 13/03/2009 e 07/04/2009 e 13/03/2011, o Autor foi titular de autorização de residência temporária (cfr. fls 19 dos autos);
C) Em 21/07/2009, o Autor foi condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano, pelo crime de roubo, no âmbito do processo n.º 814/07.0PAMTJm, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Montijo (cfr. fls. 25 e 26 do PA);
E) Em 15/04/2011, o Autor foi condenado na pena de oito anos de prisão, pelos crimes de injúria, roubo e resistência e coação sobre funcionário, no âmbito do processo n.º 2016/10.0PBSTB (cfr. fls. 25 e 26 do PA);
F) Em 13/08/2011, nasceu T…., filho do Autor e de A… (cfr. fls. 13 do PA);
G) Em 24/11/2013, nasceu V…., filho do Autor e de A…. (cfr. fls. 11 do PA);
H) Em 13/11/2013, o Autor foi condenado na pena de 133 dias de prisão, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada no âmbito do processo-crime n.º 39/09.0PAMTJ, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Montijo (fls. 25 e 26 do PA);
I) Em 10/03/2015, o Autor casou com A…. (cfr. fl.s 7 do PA);
J) Em 15/05/2015, o Autor requereu a concessão do título de autorização de residência, nos termos da Lei n.º 37/2006, de 09/08 (cfr. fls. 58 a 61 do PA);
K) Em 03/06/2015, foi elaborada informação pelos serviços da Entidade Demandada, na qual se propõe o indeferimento da pretensão do Autor (cfr. fls. 53 a 60 do PA);
L) Com data de 01/06/2015, foi remetido ao Autor o ofício n.º 12053M5, pelo qual se comunica o projeto de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência e o prazo de 10 dias para apresentar alegações por escrito (cfr. fls. 62 e 63 do PA);
M) Em 12/06/2015, o Autor recebeu o ofício melhor identificado na alínea anterior (cfr. fls. 68 do PA);
N) Em 15/06/2015, o Autor apresentou alegações escritas (cfr. fls. 64 a 66 do PA);
O) Em 10/07/2015, foi elaborada informação pelos serviços da Entidade Demandada, tendo-se proposto o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência, com os fundamentos seguintes:
«(…) O tribunal da comarca de setúbal condenou o requerente por acórdão de 2011/10/14: Pela prática de 3 crimes de roubo na pena de dois anos e seis meses;
Pela prática de um crime de roubo na pena de quatro anos e seis meses;
Pela prática de um crime de ofensas qualificada na pena de seis meses de prisão, convertida em 180 dias de multa;
Pela prática de um crime de resistência e coação sob funcionário na pena de 4 meses de prisão convertida em 120 dias de multa.
Pela prática de um crime de injúrias agravadas na pena de 120 dias de multa. Em cúmulo foi condenado na pena única de oito anos de prisão.
(…) No acórdão do tribunal da relação de Évora, refere-se que o arguido antes desta condenação já tinha sido condenado:
- Por sentença de 2009/07/21, pela prática de um crime de roubo praticado em 2007/11/03, na pena de 10 meses de prisão suspensa por um ano;
- Por sentença de 2011/05/27, pela prática de um crime de roubo, praticado 2011/02/18, na pena de 2 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período;
- Por sentença de 2011/02/18, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado em 2008/11/26 na pena de 250 dias de multa;
- Por sentença de 2011/03/28, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em 2009/06/29 na pena de 1 ano de prisão suspensa por igual período;
- Por sentença de 2009/06/28, pela prática de um crime de roubo, praticado em 2010/06/27, na pena de 2 anos de prisão suspensa por igual período de tempo.
No presente acórdão estão em apreciação os seguintes factos:
- Em 2010/06/20, o arguido integrado num grupo com cerca de 30 individuos, na zona dos bares da avenida Luísa Todi em Setúbal, injuriou os agentes da PSP, devidamente uniformizados efetuavam o patrulhamento policial. Quando os agentes o tentaram algemar o arguido, este desferiu diversos socos e pontapés no aludido agente, enquanto os outros indivíduos começaram a arremessar varias pedras que iam apanhando na via pública.
- Em 2010/08/12, cerca das 12horas, o arguido avistou C…, abordou-o e pediu-lhe um cigarro, enquanto o mesmo se preparava para lhe entregar um cigarro o arguido aproveitou e num movimento brusco puxou-lhe com força o fio de ouro de cor amarela e um pendente no valor global de 500€.
- Em 2010/11/01 cerca das 7 horas e 30 minutos na avenida Luisa Todi, em Setúbal o arguido acompanhado de 2 outros indivíduos aproximaram-se de F…, pela retaguarda, subitamente, o arguido agarro o F…. pelo pescoço, projetando- o com força no solo, com este caído e imóvel no solo, o arguido puxou o fio de ouro amarelo com uma medalha com o valor de 200€.
-Em 2010/11/28 cerca das 12 horas na Av. Bento de Jesus Caraça em Setúbal, o arguido avistou E…, aproximou-se deste pela retaguarda, envolveu um dos braços o pescoço do sobredito, o vulgarmente designado por “Gravata”, arrastou-o por um túnel ali existente, desferiu vários socos que o projetaram para o solo, com o E…. caído no solo o arguido retirou-lhe a carteira e o telemóvel tudo no valor global de 449€.
- Em 2011/03/13, cerca das 14 horas e 50 minutos, na rua Gomes Cardim, em Setúbal, o arguido aproximou-se de G…., de 87 anos, com dificuldade de locomoção e disse-lhe “quero o fio”, logo após, o arguido puxou com força o fio amarelo que a idosa trazia ao pescoço.
- Em 2011/01/29, cerca das 4 horas junto ao bar “absurdo” nesta cidade de Setúbal, o agente da PSP N…, apercebendo-se de uma altercação entre um grupo de indivíduos e seguranças do bar, na tentativa de apaziguar os ânimos, o agente identificou-se, sem nada o poder prever, o arguido desferiu um murro na face direita do agente da autoridade, seguidamente agarrou numa cadeira da esplanada e arremessou-a na direção do agente.
Refere ainda o acórdão “… o arguido possui múltiplos e extensos antecedentes criminais – nomeadamente pela prática de crimes de roubo e de ofensas à integridade física qualificada. E por alguns deles foi condenado em penas de prisão suspensas na sua execução – poucos meses antes de ter optado praticar os factos ora em apreciação.
…Portanto, a advertência que então sofreu não foi suficiente para o afastar da senda do crime.
…Atentas estas considerações, e visualizando os factos em apreço, conclui-se que nem a idade do arguido, nem as regras gerais da aplicação da atenuação especial das penas, justificam que o mesmo beneficie deste regime.
Com efeito, o arguido vem-se dedicando à prática da violência contra as pessoas, esta inerente às ofensas à integridade física e aos roubos, com acentuada frequência, parecendo, até, algo natural para si.
…Portanto o dolo do arguido foi muito intenso ao longo de todo o referido período temporal.”
“Sobre o Estado Português não recai qualquer obrigação moral ou jurídica de integrar no seu seio quem provindo doutras paragens, manifesta um comportamento inamistoso com a Lei que nos rege” In Acórdão do supremo tribunal de justiça de 2013/10/30.
As atitudes violentas do requerente não se coadunam com a vivência em sociedade, tornando-se uma ameaça real e atual que afetam os interesses fundamentais desta mesma sociedade.
(…) O requerente foi detido a primeira vez em 2011/04/07; em 2011/08/13 nasceu o primeiro filho do requerente; em 2013/11/24 nasce o segundo filho e em 2015/03/10 o requerente contrai casamento com a mãe dos filhos, A…., que apresenta como responsável nos presentes autos.
Consultada a Segurança social do requerente verificamos que o mesmo apresenta as seguintes retribuições:
No ano de 2008 de Julho a Setembro. No ano de 2009 no mês de Dezembro.
No ano de 2010 nos meses de Janeiro e Fevereiro.
O requerente não apresenta uma atividade laboral consistente antes de ser condenado.
Tanto o primeiro como o segundo filho nascem enquanto o requerente já se encontrava detido.
O requerente como hóspede do País que lhe dá acolhimento deveria ser mais escrupuloso e cumpridor da legalidade que se encontra estabelecida.
DA CONCLUSÃO/PARECER:
Analisado o caso sub judice, verifica-se que o requerente foi condenado na pena de 2 anos e seis meses de prisão efetiva.
As alegações feitas não alteram os factos/pressupostos que levaram à proposta de indeferimento, propondo-se assim que seja indeferido a pretensão do requerente por não reunir os requisitos legalmente impostos (…)» (cfr. fls. 78 a 86 do PA);
P) Em 21/07/2015, o Subdiretor Regional proferiu despacho de concordância com o teor da informação referida na alínea anterior (cfr. fls. 77 do PA);
E) Em 30/07/2015, a Entidade Demandada comunicou ao Autor o indeferimento do pedido de autorização de residência (cfr. fls. 91 do PA);
F) Em 03/11/2015, deu entrada neste Tribunal a petição inicial da presente ação (cfr. fls. 1 dos autos).”

Nos termos dos artigos 662.º, n.º1 e 665.º, n.º 1, do CPC, alteram-se e acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
A) O A. nasceu em Cabo Verde em 06-11-1990 (cfr. fls. 1 do PA e de fls. 116 verso a 118 dos autos);
G) Em 29-06-2016, foi prolatada no âmbito do Processo n.º 441/13.3TXEVR-A a decisão de concessão de liberdade condicional ao A. e Recorrente, a partir de 29-06-2016, pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir, ou seja, até 08-07-2020, conforme doc. de fls. 120 a 124 do processo em suporte de papel, qua aqui se dá por integralmente reproduzido.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória, por a decisão recorrida ter entendido que o A. e Recorrente constituía uma ameaça actual à ordem e segurança públicas,
sem fundamentar esse julgamento para além da remissão para as condenações penais que o mesmo sofrera;
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto, por não ter sido dada por provada a existência e o conteúdo do relatório social datado de 16-06-2015, que foi junto aos autos, que foi concedida a liberdade condicional ao A. e Recorrente por decisão de 26-06-2016, havida no P. 441/13.3TXEVR-A, com parecer favorável do Ministério Público (MP), por se entender que o A. e Recorrente não constituía uma ameaça à ordem pública e por não ter sido dado por provado que o Recorrente está a trabalhar desde 04-07-2016;
- aferir do erro decisório, por ter sido feita uma errada aplicação da Lei n.º 37/2006, de 09-08 e uma errada subsunção dos factos ao Direito, por o Recorrente ter uma relação significativa com os filhos, designadamente com o filho mais velho, assim como, por o Recorrente não constituir qualquer ameaça real e actual à ordem e segurança publica e a remissão para decisões penais fundadas em factos que remontam de 2007 a 2011, não se reconduzir a uma fundamentação que considere a situação actual.

Vem o Recorrente invocar uma nulidade decisória por omissão de fundamentação.
O juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou os fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Na sentença, o juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final (cf. art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Não obstante, não tem o juiz que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar.
Por seu turno, só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória. Nestes termos, determina o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão. Igualmente, o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, comina com a nulidade, a sentença que omita pronúncias que sejam devidas, ou para os casos em que o juiz conheça para além das questões de que podia tomar conhecimento.
Ou seja, só ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação se existir uma violação grave desse dever, quer porque na sentença se omita, de todo, o quadro factual em que era suposto assentar, ou este seja ininteligível; quer porque a sentença padeça, em absoluto, de falta de fundamentação de Direito, por não revelar qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, decifráveis os fundamentos da decisão.
Ora, no caso em apreço o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Explicou o Tribunal o seu raciocínio, alicerçando-o num elenco que factos, que foram indicados na sentença, a que se seguiu uma apreciação de Direito, para, por fim, se decidir sobre os pedidos formulados pelo A. Logo, com esta fundamentação não ocorre nenhuma nulidade por omissão de pronúncia. O Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade decisória.
Por conseguinte, falece a invocada nulidade da decisão.

Vem o Recorrente invocar um erro no julgamento da matéria de facto, por não ter sido dada por provada a existência e o conteúdo do relatório social datado de 16-06-2015, que foi junto aos autos, que foi concedida a liberdade condicional ao A. e Recorrente por decisão de 26-06-2016, havida no P. 441/13.3TXEVR-A, com parecer favorável do MP, por se entender que o A. e Recorrente não constituía uma ameaça à ordem pública e por não ter sido dado por provado que o Recorrente está a trabalhar desde 04-07-2016.
Os art.ºs. 636.º, n.º 2, 640.º e 662.º do CPC impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o Tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no Tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo Tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o Tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Ora, apreciado o recurso do Recorrente, é notório cumprimento defeituoso dos ónus que resultam dos art.ºs. 636.º, n.º 2, 640.º e 662.º do CPC, porquanto no recurso não se especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Em ponto algum do recurso o Recorrente indica quais os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida ou qual a concreta decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O Recorrente limita-se a arguir que juntou aos autos o Relatório social, a decisão judicial e a prova de que está a trabalhar. Mas não diz que tenha feito essas alegações fácticas num concreto articulado, indicando-as especificadamente e que tenha junto a esse articulado a indicada prova.
Quanto ao relatório social de 16-06-2015, a sua existência e uma parte do seu conteúdo são alegados nos art.ºs 45.º a 48.º da PI (inicial, que foi apresentada em 03-11-2015 e a PI aperfeiçoada). Porém, contrariamente ao que ora se alega em recurso, o A. e Recorrente não juntou a essa PI a prova do que alegava, não tendo junto o indicado relatório aquando da apresentação a PI inicial ou aperfeiçoada, ou posteriormente.
Ou seja, o indicado relatório não foi junto aos autos pelo A.
Por seu turno, o R., na contestação que apresentou, apesar de não impugnar especificamente as alegações feitas pelo A. nos art.ºs 45.º a 48.º da PI, opõe-se à invocação do A. de que não constitui uma ameaça à ordem e segurança pública, expressando-se contra o se diz afirmado nos art.ºs 45.º a 48.º da PI.
Ou seja, as alegações que são feitas nos art.ºs 45.º a 48.º da PI vem contraditadas em termos do seu conteúdo substancial na contestação apresentada. E, como se disse, o A. não obstante fazer essas alegações, não juntou aos autos a prova das mesmas, desde logo, apresentando nos autos uma cópia do Relatório que refere.
Em suma, frente à prova feita nos autos não haverá qualquer erro de julgamento por não ter sido dada por provada a existência e o conteúdo do Relatório social datado de 16-06-2015.

Vem também o Recorrente invocar um erro na fixação da matéria de facto provada, porque foi concedida a liberdade condicional ao A. e Recorrente por decisão de 26-06-2016, havida no P. 441/13.3TXEVR-A, com parecer favorável do MP.
A indicada decisão é posterior à data da apresentação da PI inicial. Logo, o correspondente facto não poderia constar dessa PI.
Porém, o A. apresentou em 19-07-2016 uma PI aperfeiçoada e a pretexto deste aperfeiçoamento alegou no art.º 27.º que, em 29-06-2016, por decisão judicial, foi-lhe concedida liberdade condicional, juntando a cópia da indicada decisão de 26-06-2016, havida no P. 441/13.3TXEVR-A. Nos art.ºs 37.º a 39.º da PI aperfeiçoada reafirma a existência daquela decisão.
Admite-se que a conduta processual do A. foi errada, pois a PI aperfeiçoada estava vinculada à correcção do pedido (ver despacho de fls. 96), sendo errada e ilegal a correcção desta com a introdução de mais alguns artigos, a acrescentar nova factualidade. Estando feito um convite ao aperfeiçoamento, em termos vinculados, adstrito à correcção do pedido, com o acrescento ou substituição pelo pedido condenatório, não podia o A. vir a alterar alguns artigos da PI, introduzindo nova factualidade, não alegada na PI inicial.
Diferentemente, nos termos do art.º 86.º do CPTA, competia ao A., no prazo de 10 dias após o conhecimento da decisão judicial, proferida no P. 441/13.3TXEVR-A, vir aos autos alegar e juntar a existência da mesma, enquanto facto superveniente. Só assim se garantiria à contraparte o direito ao contraditório pleno e efectivo, passando aquele facto a ser incluído nos temas da prova – cf. art.º 86.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA.
Mas, é também verdade, que a nova PI aperfeiçoada foi aceite nos autos, sem que o Tribunal se apercebesse das alterações introduzidas.
O R. não invocou a existência de nenhuma irregularidade ou nulidade por via daquele (errado) aperfeiçoamento.
Entretanto, nas alegações que apresentou ao abrigo do art.º 91.º-A do CPTA, o A. não alega em termos claros e especificados a existência da decisão de 26-06-2016, havida no P. 441/13.3TXEVR-A, com parecer favorável do MP, limitando-se a dizer que o processo de liberdade condicional corre nos indicados autos e que lhe “foi concedida a Liberdade Condicional” – cf. art.ºs 38.º a 40.º e 42.º das indicadas alegações.
Assim sendo, não obstante o indicado facto ter sido introduzido nos autos de forma ilegal, a pretexto da apresentação de uma PI aperfeiçoada somente em relação ao pedido final, é também certo que aquela PI aperfeiçoada foi aceite pelo Tribunal sem quaisquer reparos. O R. também não arguiu nenhuma nulidade frente a essa aceitação.
É também certo que o referido facto resulta de forma firme e irrefutável da instrução da causa, pois foi junta a sua prova aquando da entrega da PI aperfeiçoada e nas alegações acaba por ser referido.
Trata-se de um facto que tem relevo enquanto facto instrumental. Nessa mesma medida, nos termos dos art.ºs. 413.º, 607.º, n.º4 do CPC, ex vi art.º 90.º, n.º 2, do CPTA, altera-se a matéria de facto que foi dada pelo Tribunal recorrido, acrescentando a referência à prolação de tal decisão que concedeu a liberdade condicional ao A. e Recorrente.
Quanto ao invocado parecer favorável do MP, dos autos não resulta a prova do seu conteúdo, havendo apenas menção na decisão acima referida da sua existência e sentido decisório e nada mais.
Junto a este recurso o A. voltou a entregar cópia da mencionada decisão.
A junção de documentos com o recurso só deve ocorrer nas situações excepcionais previstas no art.º 425.º do CPC, ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento feito em 1.ª instância – cf. art.º 651.º, n.º 1, do CPC.
A decisão que se juntou já está nos autos e não cumpre aqueles artigos. Logo, é inadmissível a sua nova junção nesta fase. Deve a mesma ser desentranhada e devolvida ao apresentante.

Vem também o Recorrente imputar um erro decisório à decisão proferida, por não ter dado por provado que o mesmo está a trabalhar desde 04-07-2016.
Tal como ocorre com o anterior facto que o Recorrente diz mal julgado, também a circunstância de o A. estar a trabalhar desde 04-07-2016, é um facto introduzido nos autos de forma ilegal, porque alegado ex novo no art.º 28.º da PI aperfeiçoada. Esse facto é, depois, reafirmado no art.º 26.º das alegações apresentadas ao abrigo do art.º 91.º-A do CPTA.
Não obstante a ilegalidade cometida pelo A., a PI aperfeiçoada foi admitida nos autos, sem que a contraparte suscitasse a nulidade de tal acto.
Mas, até à data da prolação da decisão recorrida, o A. e Recorrente não fez qualquer prova do indicado facto.
Assim, a decisão não errou quando não deu provado que o A. estava a trabalhar desde 04-07-2016, porque a correspondente prova não constava dos autos.
Junto a este recurso, o A. e Recorrente entregou a cópia do seu contrato de trabalho e de uma declaração que para lá remete.
A junção do contrato de trabalho e a declaração de fls. 229, não cumprem os art.ºs 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, acima indicados.
O contrato de trabalho ora junto tem a data de 30-09-2016, sendo bem anterior à prolação da decisão recorrida (datada de 28-02-2018). Podia o A. ter junto aquele contrato aos autos, nos termos do art.º 86.º do CPTA, apresentando um articulado superveniente onde alegasse tal facto, até 10 dias após a data da correspondente celebração. Porém, o A. optou por não exercer esse direito processual, que assim ficou precludido.
Quanto à declaração de fls. 229, apesar de datada de 11-04-2018, portanto de data posterior à decisão recorrida, é uma mera confirmação daquele contrato, para o qual remete, nada inovando.
O referido contrato não é, assim, de conhecimento superveniente. Também não se tornou necessária a sua junção aos autos em virtude da decisão recorrida. Nestes termos, a referida junção aos autos do indicado contrato de trabalho e da declaração de fls. 229, não podem ser admitidos, havendo que determinar-se o seu desentranhamento e a correspondente devolução ao apresentante.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório por a decisão recorrida ter feito uma errada aplicação da Lei n.º 37/2006, de 09-08, e uma errada subsunção dos factos ao Direito, por o Recorrente ter uma relação significativa com os filhos, designadamente com o filho mais velho, assim como, por o Recorrente não constituir qualquer ameaça real e actual à ordem e segurança publica e a remissão para decisões penais fundadas em factos que remontam de 2007 a 2011, não se reconduzir a uma fundamentação que considere a situação actual.

Para sustentar estas alegações o Recorrente juntou aos autos, agora em fase de recurso, o doc. de fls 227, uma declaração da Caritas datada de 04-08-2015.
Porque esta declaração não é de conhecimento superveniente e não se tornou necessária por decorrência do julgamento de 1.ª instância, nos termos dos art.ºs 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, deve ser desentranhada e devolvida ao apresentante, por a sua junção nesta fase de recurso ser inadmissível.

Vejamos, agora, dos erros imputados à decisão recorrida.
Em 15-05-2015, o A. e Recorrente requereu a concessão do título de autorização de residência, nos termos da Lei n.º 37/2006, de 09-08.
Em 21-07-2015, esse pedido foi indeferido pelo Subdirector Regional da Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo, do SEF, com base na fundamentação indicada nos facto provado em O) – cf. também o facto provado em P). No texto da proposta de indeferimento, para a qual o impugnado remete, invoca-se o percurso criminal do requerente do pedido, ora A. e Recorrente, as suas condenações e atitudes violentas, indicando-se que constitui uma ameaça real e actual aos interesses da sociedade. Mais se indica, que os filhos do requerente nasceram quando estava detido e que não apresenta actividade laboral consistente antes de ser condenado. Conclui-se, depois, pelo indeferimento do pedido.
Nos termos dos art.ºs 2.º, al. e), i), iii), 3.º, n.º 1, 7.º, nº 1, d), 2, 9.º, n.º 1 e 15.º, da Lei n.º 37/2006, de 09-08, que regula o direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia (EU) e dos seus familiares, estes familiares, quando não tenham a nacionalidade de um Estado-Membro e acompanhem ou se reúnam com um cidadão da EU, têm direito a residir no território nacional por um período superior a 3 meses, desde que preenchidas uma das seguintes condições: (i) o exercício no território de uma actividade profissional subordinada ou independente; (ii) a disponibilidade de recursos e de um seguro de saúde; (iii) ou a inscrição num estabelecimento de ensino público ou privado, oficialmente reconhecido, acrescida da comprovação da posse de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os seus familiares e da titularidade de seguro de saúde. Nos termos do art.º 15.º da citada lei, apresentados os documentos ali indicados, os referidos familiares têm direito a ver-lhes emitido um cartão de residência.
Determinam depois, os art.º 22.º a 28.º da mesma Lei, que o direito de livre circulação e residência dos cidadãos da EU só podem ser restringidos por razões de ordem, segurança ou saúde pública, desde que respeitados os condicionalismos ali estipulados.
Quanto às “medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes ao princípio da proporcionalidade e basear-se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão, a qual deve constituir uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade, não podendo ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral” – cf. art.º 22.º, n.º 3, da Lei n.º 37/2006, de 09-08.
Determina o n.º 4 do citado art.º 22.º que “a existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para as medidas referidas no número anterior”.
Estipula o art.º 23.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 37/2006, de 09-08, o seguinte: “1- Antes de adoptar uma decisão de afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública, é tomada em consideração, nomeadamente, a duração da residência do cidadão em questão no território nacional, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no País e a importância dos laços com o seu país de origem.
2- Os cidadãos da União e os seus familiares, independentemente da nacionalidade, que tenham direito a residência permanente não podem ser afastados do território português, excepto por razões graves de ordem pública ou de segurança pública.
3- Excepto por razões imperativas de segurança pública, não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União se estes tiverem residido em Portugal durante os 10 anos precedentes ou forem menores.”
Relativamente às restrições do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da EU por razões de ordem, segurança ou saúde pública e à obrigação destas serem justificadas com base em comportamentos pessoais, reais e actuais, já se pronunciou o TJCE nos P. n.º C-482/01,Georgios Orfanopoulos e outros e C-493/01, Raffaele Oliveri c. Land Baden-Württemberg, de 29-04-2004
No Ac. do TJCE nos P. n.º C-482/01, Georgios Orfanopoulos e outros e C-493/01Raffaele Oliveri c. Land Baden-Württemberg, de 29-04-2004, a este propósito, indica-se o seguinte: “66 Quanto às medidas de ordem pública, resulta do artigo 3.° da Directiva 64/221 que, para serem justificadas, estas devem fundamentarse exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em causa. É precisado nesta mesma disposição que a mera existência de condenações penais não pode automaticamente justificar tais medidas. Como o Tribunal de Justiça declarou, designadamente, no acórdão de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau (30/77, Colect., p. 717, n.° 35), o conceito de ordem pública pressupõe a existência, afora a perturbação da ordem social que qualquer infracção à lei constitui, de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade.
67 Sendo verdade que um EstadoMembro pode considerar que o uso de estupefacientes constitui um perigo para a sociedade capaz de justificar medidas especiais contra os estrangeiros que infringem a legislação relativa aos estupefacientes, a excepção de ordem pública deve, no entanto, ser interpretada de maneira restritiva, pelo que a existência de uma condenação penal só pode ser considerada na medida em que as circunstâncias que lhe deram origem revelam a existência de um comportamento pessoal que constitua uma ameaça actual para a ordem pública (v., designadamente, acórdão de 19 de Janeiro de 1999, Calfa, C348/96, Colect., p. I11, n.os 22 a 24).
(…) 99 Por último, há que sublinhar a necessidade de respeitar o princípio da proporcionalidade. Para apreciar se a ingerência em causa é proporcional ao fim legítimo prosseguido, no caso em apreço, a protecção da ordem pública, há que ter em conta, designadamente, a natureza e a gravidade da infracção cometida pelo interessado, a duração da sua residência no EstadoMembro de acolhimento, o período que decorreu desde que foi cometida a infracção, a situação familiar do interessado e a gravidade das dificuldades que o cônjuge e os seus eventuais filhos podem encontrar no país de origem do interessado (v., no que respeita ao artigo 8.° da CEDH, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Boultif c. Suíça, de 2 de Agosto de 2001, Recueil des arrêts et décisions, § 48).
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção), pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Verwaltungsgericht Stuttgart, por despachos de 20 de Novembro e 4 de Dezembro de 2001, declara:
(…) 3) O artigo 3.° da Directiva 64/221 opõese a uma prática nacional segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais não são obrigados a tomar em consideração, ao verificar a legalidade da expulsão determinada a um cidadão de outro EstadoMembro, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes que possam implicar o desaparecimento ou a diminuição significativa da ameaça actual que constitui, para a ordem pública, o comportamento da pessoa em causa. É esse o caso sobretudo se decorrer um longo prazo entre a data da decisão de expulsão, por um lado, e a data da apreciação desta decisão pelo órgão jurisdicional competente, por outro.
4) Os artigos 39.° CE e 3.° da Directiva 64/221 opõemse a uma legislação ou uma prática nacional segundo a qual a expulsão do território de um cidadão de outro EstadoMembro que foi condenado a uma determinada pena por delitos específicos é proferida, apesar de se terem em conta considerações de ordem familiar, baseandose na presunção de que este deve ser expulso, sem que seja devidamente tido em conta o seu comportamento pessoal nem o perigo que representa para ordem pública.
5) O artigo 39.° CE e a Directiva 64/221 não se opõem à expulsão de um cidadão de um EstadoMembro que foi condenado a uma determinada pena por delitos específicos e que, por um lado, constitui uma ameaça actual para a ordem pública e, por outro, residiu vários anos no EstadoMembro de acolhimento e pode invocar circunstâncias de ordem familiar contra a referida expulsão, desde que a apreciação efectuada caso a caso pelas autoridades nacionais da questão de saber onde se situa o justo equilíbrio entre os interesses legítimos em presença seja feita de acordo com os princípios gerais do direito comunitário e, designadamente, tendo devidamente em conta o respeito dos direitos fundamentais, como a protecção da vida familiar.
6) O artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 64/221 opõse a uma disposição de um EstadoMembro que não prevê um processo de oposição nem um recurso, que abranja também um exame da oportunidade, contra uma decisão de expulsão de um cidadão de outro EstadoMembro tomada por uma autoridade administrativa, quando não foi criada uma autoridade independente dessa administração. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se os órgãos jurisdicionais como os Verwaltungsgerichte estão em posição de examinar a oportunidade das medidas de expulsão.” Cf. ainda, entre outros, os Acs. do TJCE n.º C371/08, Nural Ziebell c. Land BadenWürttemberg, de 08-12-2011 ou C430/10, Hristo Gaydarov c.Direktor na Glavna direktsia «Ohranitelna politsia» pri Ministerstvo na vatreshnite raboti, de 17-11-2011.
Por seu turno, no art.º 36.º da CRP protege-se a família, o casamento e a filiação e no art.º 69.º determina-se o direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado “com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”.
Igualmente, o direito à família é protegido pelos art.ºs. 7.º e 24.º, n.º 3, da Carta de Direitos Fundamentais (CDF) e pelo art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
Nos termos destes preceitos, o Estado deve assegurar o justo equilíbrio entre o direito da criança a manter contactos com os seus progenitores e os interesses públicos v.g. de ordem e segurança pública, que justifiquem a separação familiar. Ou seja, a separação familiar originada por uma medida do Estado, como a cessação de uma autorização de residência, com a consequente e provável expulsão de algum dos progenitores, deve obedecer ao princípio da proporcionalidade e atender ao direito à família e ao direito da criança à unificação familiar, ou a manter contactos com os seus progenitores. Aqui, dever-se-á atender ao superior interesse da própria criança (para além do interesse dos próprios progenitores em conservarem esses contactos). Nesta aferição do interesse da criança, há que atentar na situação concreta, à idade, maturidade ou à integração familiar, social ou económica.
Também conforme o art.º 24.º, n.º 3, da CDF, o contacto entre a criança e os seus progenitores deve ser regular, directo e deve permitir o desenvolvimento de uma relação pessoal.
Sobre a separação entre crianças e os seus progenitores por decorrência de medidas que visem a salvaguarda o interesse público, já se pronunciou o TEDH em vários casos, v.g. nos P. Gül c. Suíça, n.º 23218/94, de 19-02-1996, Üner c. Países Baixos, n.º 46410/99, 18-10- 2006, Boultif c. Suiça, n.º 54273/00, de 24-04-2008, C.G c. Bulgária n.º 1365/07, de 28-06-2011 ou Horych c. Polónia, n.º 13621/08, de 17-04-2012.
Nas indicadas decisões, o TEDH invocou a necessidade de articular o superior interesse da criança, o direito à família, à unificação familiar, ou o direito da criança manter contactos com os seus progenitores, com os interesses de ordem pública que determinaram a separação familiar.
Feito este enquadramento, facilmente concluímos que a decisão recorrida não pode ser mantida.
Como decorre da fundamentação adoptada pela decisão recorrida, não obstante ali se afirmar que as anteriores fundamentações penais não eram fundamento bastante para que se julgasse preenchido o conceito de “ameaça real, actual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade”, a verdade é que se acaba por fazer improceder a acção com base naquelas condenações e no seu desvalor penal e social. Na decisão, com fundamento nas referidas condenações, na sua gravidade e na consequente reincidência comportamental do A., conclui-se pelo preenchimento daquele conceito. No restante, invocando-se que os filhos do A. “nasceram quando este se encontrava já detido”, conclui-se que “não se alcança em que medida este contribui para a sua educação, mormente garantindo o sustento dos mesmos com o fruto do seu trabalho” e considera-se não violado o direito à reunião familiar (remetendo, depois, a fundamentação para o decidido nos Acs. do STA n.º 340/17, de 04-10-2017 e do TCAS n.º 415/16.2BELLE, de 02-02-2017 e n.º 13534/16, de 15-02-2018).
Conforme decorre dos presentes autos, na PI o A. alegou que o SEF não ponderou a sua situação concreta, tal como determina o art.º 22.º da Lei n.º 37/2006, de 09-08, e que não agiu em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pois no momento da prolação da decisão administrativa impugnada já não representava um perigo para a sociedade.
Nessa PI o A. alega que reside no território nacional desde os 9 anos de idade, para onde veio com a Mãe, já falecida e com um irmão. Passou, após o falecimento da Mãe, por um centro educativo onde estabeleceu fortes laços com a comunidade portuguesa. No sistema escolar português concluiu o curso profissional de electricista e exerceu essa profissão no ano de 2008. Mais diz o A., que aqui vivem os seus irmãos, com quem tem uma relação próxima, que no país de origem não conhece ninguém e que a sua avó e tios vivos residem na França. Alega ainda o A., que é casado com uma cidadã portuguesa e tem 2 filhos nascidos em 2011 e 2013, com quem tem uma relação próxima, prestando-lhes cuidados, atenção e garantindo-lhes o sustento. Igualmente, invoca o A. que foi condenado à pena de prisão quando tinha 20 anos e enquanto se encontrava sob pulseira electrónica frequentou um trabalho numa empresa que declarou pretender manter-se a dar-lhe trabalho como fiel de armazém. Aduz ainda o A., que no estabelecimento prisional concluiu o 12.º ano de escolaridade. Mais alega o A., que no Relatório para a concessão da adaptação à liberdade condicional se reconhece que frente à actual situação do A. e ao reconhecimento critico face à sua anterior conduta, não se antecipa qualquer problema no eventual retorno do recluso ao actual meio comunitário.
Na PI aperfeiçoada, que foi aceite nos autos, como já se indicou, o A. acrescenta que desde 04-07-2016 está a trabalhar.
Da decisão prolatada em 29-06-2016, proferida no âmbito do Processo n.º 441/13.3TXEVR-A, de concessão de liberdade condicional, referida em G), indica-se, que no estabelecimento prisional o A. e Recorrente começou a frequentar o ensino secundário, que de Outubro a Dezembro de 2013 o A. e Recorrente frequentou e concluiu com sucesso o curso de pedreiro, que este responsabiliza-se pelos crimes cometidos, que demonstra arrependimento e que manifesta um forte desejo de reorganizar a sua vida de forma socialmente responsável. Nesta decisão indica-se a prática dos crimes “num condicionalismo circunstancial e que aparenta estar ultrapassado: morte da mãe, abandono por parte do pai, inserção no agregado do irmão que não tinha condições para lhe prestar qualquer ajuda e procura da sobrevivência num ambiente social problemático”. Igualmente, indica-se que o A. “apresenta um projecto de vida suficientemente estruturado para o seu regresso à vida livre, o qual passa por morar com a mulher e os dois filhos (de três e quatro anos de idade), em casa cedida por familiar, a exercer actividade laboral”.
Pelo saneador de fls. 130 e 131, o Tribunal de 1.ª instância entendeu inexistir matéria de facto relevante para a causa, que permanecesse controvertida, e determinou o prosseguimento do processo para alegações.
Porém, na decisão recorrida, com relação às supra indicadas alegações do A., apenas se considerou entre os factos provados a circunstância de o A. ser casado e pai de 2 crianças nascidas em 2011 e 2013. Quanto às restantes alegações do A. nada se julga – se provadas ou não provadas essas alegações.
Depois, através de um juízo meramente formal e conclusivo, julga-se pela verificação das razões de ordem e segurança pública que justificam a restrição do direito de residência do A., considerando-se que o comportamento actual do A., porque violento e danoso para a sociedade, assim o permite, acrescendo-se, que porque os seus filhos nasceram enquanto esteve preso, não os sustentará.
Como acima se indicou, frente aos art.º 22.º a 28.º da Lei n.º 37/2006, de 09-08, o direito de residência do A., porque casado com uma cidadã portuguesa e com filhos portugueses, só poderia ser restringido por razões de ordem e segurança pública, se tivesse por base razões relacionadas com o comportamento do A., aferido em termos reais e actuais. Naquela decisão haver-se-ia de ponderar, também, à luz do princípio da proporcionalidade, a circunstância de o A. ser pai de duas crianças de tenra idade, com quem terá laços afectivos.
O TJCE nos P. n.º C-482/01, Georgios Orfanopoulos e outros e C-493/01, Raffaele Oliveri c. Land Baden-Württemberg, de 29-04-2004, acima indicados, é claro ao exigir o respeito pelo princípio da proporcionalidade e a obrigação dos Estados ponderarem, aquando da introdução de medidas de ordem pública, que restrinjam os direitos de residência de familiares de cidadãos de Estados-membros, a necessidade dessa ingerência face ao fim (legítimo) que é prosseguido, tendo em conta “designadamente, a natureza e a gravidade da infracção cometida pelo interessado, a duração da sua residência no Estado-Membro de acolhimento, o período que decorreu desde que foi cometida a infracção, a situação familiar do interessado e a gravidade das dificuldades que o cônjuge e os seus eventuais filhos podem encontrar no país de origem do interessado”.
Por conseguinte, para proceder a uma apreciação materialmente correcta do litígio, cumpria ao Tribunal de 1.ª instância aferir do respeito daquele princípio da proporcionalidade, considerando toda a factualidade envolvente à situação e ao comportamento do A., em termos reais e actuais, sendo certo que tal factualidade permanecia controvertida e não decorria de mera prova documental. Ou seja, porque a factualidade alegada na PI, quanto ao comportamento actual e real do A., era uma factualidade não coincidente com aquela que foi atendida no acto impugnado, cumpria ao Tribunal de 1.ª instância entender tal factualidade como controvertida, cuidando de proceder à necessária instrução dos autos.
Atendendo aos factos provados em O) e P), a decisão de indeferir o pedido de autorização de residência do A., não obstante indicar razões relativas ao comportamento do A., relacionadas com as suas atitudes violentas, alicerça esses factos, essencialmente, nas anteriores condenações penais. Depois, sem embargo de se referir às relações familiares do A. e Recorrente, procede a uma ponderação através da qual as afasta essencialmente pela circunstância de os seus filhos terem nascido enquanto esteve preso.
Os fundamentos adoptados no acto de indeferimento são contraditados pelo A. nesta acção, nos termos acima indicados.
Na PI aperfeiçoada, o A. veio impugnar o indicado indeferimento e pedir a condenação do SEF a conceder-lhe o título de autorização de residência como familiar de uma cidadã da União Europeia, ao abrigo do art.º 15.º da Lei n.º 37/2006, de 09-08.
Logo, para apreciar a presente acção, da ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de autorização de residência, por não considerar o comportamento real e actual do A. e a sua actual situação familiar e de vida e para conhecer do pedido condenatório, o Tribunal recorrido não se poderia bastar com a prova já coligida nos autos, pois mantinham-se controvertidos os factos alegados pelo A. e relativos a esse comportamento real e actual.
Assim, dos autos apenas resulta agora provado que que o A. tem 29 anos, que é casado, que tem dois filhos de tenra idade e que goza de liberdade condicional.
Mas nada se averiguou quanto à sua permanência em Portugal, aos restantes laços estabelecidos pelo A. no nosso território, à sua situação actual, à invocada inserção na sociedade, ou à circunstância de já não representar uma ameaça ou perigo para a sociedade. Quanto a estes últimos aspectos, a única prova que foi feita reconduz-se ao elenco das condenações penais.
Como se referiu, a decisão de denegação do direito de residência do A. não pode basear-se em razões de mera prevenção geral, nem as condenações penais anteriores podem, por si só, servir de fundamento para a denegação do direito de residência.
O A. foi punido por crimes muito graves: de roubo, de injúria, de resistência, de coacção sobre funcionário e de ofensa à integridade física qualificada, crimes estes que apontam para uma situação que pode subsumir-se naquele critério de razões de ordem e segurança pública.
Porém, a simples prova da existência destas condenações e o juízo conclusivo sobre a consequente ameaça que o A. representa, com desprezo para o comportamento pessoal e actual do A. e para a sua actual situação de vida, não basta para justificar a restrição do seu direito de residência, à luz do princípio da proporcionalidade.
Acresce que, no caso, verifica-se que o A. é pai de duas crianças, havendo aqui que ponderar-se, também, o superior interesse das mesmas, não só porque dependam do seu sustento - o que foi alegado, mas a decisão recorrida não cuidou de fazer prova – mas, igualmente, porque se deva ponderar ao denegar o direito de residência do A. o direito das crianças a manterem contactos com os seus progenitores e à unificação familiar.
Admite-se, frente à factualidade apurada nos autos, que enquanto esteve preso o A. não terá sustentado os seus filhos. Porém, face ao alegado nos autos não se pode retirar, como se faz na decisão recorrida, que apenas pelo facto de o A. ter estado preso e os seus filhos terem nascido nessa altura, entre os mesmos não se desenvolveram laços afectivos, típicos de uma relação de filiação. Daquela primeira circunstância também não se pode retirar que tais laços inexistam actualmente, sendo certo que o A. está em liberdade condicional. Nessa mesma medida, também não está certo nos autos que o A. não sustente os seus filhos ou que não contribua para o seu sustento e educação.
De notar, que caso se prove a necessidade actual de sustento dos filhos, haveria que ponderar-se essa circunstância na decisão a tomar – cf. a este propósito os Acs. do TC n.º 232/2004, de 31-03, P. nº 807/99, e n.º 181/97, de 05-03, P. n.º 402/96.
Neste ponto, refira-se, que não obstante a decisão administrativa em questão ser a relativa à denegação do direito de residência, há que considerar-se que esta decisão terá como consequência necessária a prolação pela Administração de uma subsequente decisão sobre o afastamento do território do Recorrente (que deverá respeitar os critérios do art.º 23.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 37/2006, de 09-08). Logo, ainda que estas duas decisões sejam formalmente diferentes, compreende-se a alusão do A. ao consequente afastamento do território, ocorrência que pretende também obstar ao formular o pedido condenatório. Sem embargo, nos presentes autos está em causa, apenas aquela denegação do direito de residência, inexistindo, segundo os factos trazidos a litigio, qualquer decisão subsequente, que determine o seu afastamento do território português.
Em suma, a decisão recorrida errou quando julgou improcedente a presente acção, considerando apenas o teor da decisão administrativa impugnada e a existência de condenações penais anteriores, que apontavam para um comportamento violento por banda do A., que conduziria ao preenchimento do conceito de razões de ordem pública ou de segurança pública.
No caso, exigia-se a abertura de um momento de instrução para averiguar dos factos alegados pelo A., que permanecem controvertidos, relativos ao seu comportamento actual, não coincidente com os elementos aduzidos e ponderados na decisão administrativa impugnada.
Ou seja, há que anular a decisão recorrida porque não cuidou de apurar acerca dos factos alegados pelo A. e relativos ao seu comportamento actual, por forma a poder aferir da correcção do juízo de proporcionalidade entre a decisão administrativa tomada e aquele comportamento, assim como, em relação aos restantes interesses em jogo e relativos ao direito à família, à unidade familiar e o direito dos filhos do A. a não serem separados do seu progenitor por força da denegação da autorização de residência em Portugal e de uma ulterior decisão de afastamento coercivo.
Consequentemente, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. c), do CPC, haverá que determinar a baixa dos autos para que se amplie o julgamento aos factos alegados pelo A. e que permanecem controvertidos, relativos ao seu comportamento actual, havendo-se de decidir, de seguida, atendendo ao que vier a ser provado.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos para que se amplie o julgamento aos factos alegados pelo A. e que permanecem controvertidos, relativos ao seu comportamento actual, havendo-se de decidir, de seguida, atendendo ao que vier a ser provado;
- custas pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
- desentranhe-se e devolva-se ao apresentante os documentos juntos ao recurso, de fls. 225 a 227 a 236, por ilegais e inadmissíveis. Custas de incidente pelo mínimo, pelo A. e Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze.

Lisboa, 4 de Outubro de 2017.

(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)