Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03209/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/17/2009
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. DUPLA TRIBUTAÇÃO. DISPENSA DE RETENÇÃO. LEI NOVA.
Sumário:1. As convenções celebradas entre Portugal e outros países contratantes com vista a eliminar a dupla tributação, em regra, não dispõem de regulamentação bastante para regular todos os aspectos atinentes à condições, formas e meios de prova, para as respectivas aplicações em cada um dos Estados outorgantes;
2. Assim, é lícito ao legislador nacional vir colmatar as faltas de regulamentação dessas convenções, desenvolvendo uma regulamentação complementar que seja harmoniosa com o sentido e alcance do texto das mesmas convenções;
3. Foi o que o legislador nacional fez com a nova redacção que introduziu no CIRC pela Lei n.º 32-B/2002, de 30.12, e o despacho ministerial n.º 11.701/2003, de 28 de Maio, que a veio executar, em que fixou a forma e o momento para a entidade residente no outro Estado contratante efectuar a prova do seu domicílio fiscal, para poder beneficiar da dispensa de retenção na fonte do imposto devido pelas prestações de serviços efectuadas ao ente nacional;
4. Tal prova, desde a entrada em vigor de tal lei e despacho – 1.8.2003 – tinha de ser efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, sob pena de o substituto tributário ficar obrigado a entregar a totalidade do imposto;
5. Só com a publicação da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2008) que veio dar nova redacção à norma do art.º 90.º-A do CIRC, tal prova pode ser feita a posteriori, e logra aplicação no caso concreto, por o legislador lhe ter atribuído eficácia retroactiva a todos os casos não decididos (art.º 48.º, n.º4).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. L ...Seguros, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A. A Recorrente foi objecto de fiscalização ao exercício de 2003 pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, na qual foram apuradas retenções na fonte alegadamente em falta, de que resultou a liquidação adicional de IRC n.º 2006 6420001917 e Juros Compensatórios.
B. Inconformada, em 06/11/2006 a Recorrente apresentou Impugnação Judicial onde alegou a invalidade das referidas liquidações de imposto e juros, também no que respeita aos pagamentos feitos a PABLO ROJAS e a L ...INTERNATIONAL HOLDINGS, INC. No que releva ao objecto deste recurso, alegou, em síntese, que as liquidações se fundam em condições e formalismos estabelecidos no artigo 90.º do Código do IRC (redacção em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2003) e no Despacho Ministerial n.º 1170/2003 (redacção em “vigor" desde 1 de Agosto de 2003) não estabelecidos nas CDT's celebradas com a Suíça e com os EUA, que assim quedam violadas por actos normativos de hierarquia inferior (artigo 8.º, n.º 2 da CRP) com a consequente invalidade dos actos de liquidação fundados nesses actos normativos internos ilegais e mesmo inconstitucionais. Essas “condições e formalismos" estabelecidos praeter legem (i.e., da CDT) seriam, no que ao caso respeita, a activação da protecção das CDT's depender de um formulário (“RFI") a certificar pelas administrações tributárias estrangeiras E a restrição do reembolso de imposto eventualmente retido (ou mesmo liquidado adicionalmente pela Administração Tributária) a uma janela temporal de 2 anos contados do facto gerador do imposto (tudo
estabelecido no artigo 90.º, n.ºs 3 a 5 do Código do IRC), BEM COMO a necessidade de certificação no formulário RFI do credor dos rendimentos ser seu beneficiário efectivo (estabelecido no Despacho Ministerial n.º 1170/2003). Subsidiariamente, a Recorrente alegou que a serem válidas essas obrigações estabelecidas pela ordem jurídica Portuguesa, sempre as liquidações seriam de anular mercê de estar em causa um benefício fiscal cuja demonstração dos pressupostos retroage à data da sua verificação (artigos 4.º, n.º2 e 11.º do EBF, na redacção à data) e da ora Recorrente ter feito prova, ainda que a posteriori, da verificação desses pressupostos de aplicação das CDT's. No que releva para este recurso a Recorrente juntou formulário RFI da L ...INTERNATIONAL HOLDINGS INC. emitido em 2005 mas certificando expressamente o exercício de 2003 para efeitos da CDT Portugal/EUA, e logrou provar pelo seu conhecimento pessoal que PABLO ROJAS era elegível para a CDT Portugal/Suíça, no que não foi contrariada pela Administração Tributária que, pelo contrário, corrobora-o expressamente (cfr. artigo 24.º da Informação dos Serviços de fls. 69), sendo certo que, perante a alegação da Recorrente, no caso de lhe subsitirem dúvidas podia e devia saná-las por meio de troca de informações com a sua congénere.
C. Por Ofício n.º 032521, de 19/04/2007, o Representante da Fazenda Pública pugnou pela improcedência da Impugnação Judicial, sustentando em síntese que a liquidação posta em crise pela ora Recorrente. A ora Recorrente não foi notificada para apresentar as Alegações nos termos do artigo 120.º do CPPT.
D. Em 12/12/2008 a ora Recorrente pediu a Aclaração da Sentença a quo, que foi todavia indeferida pelo Tribunal a quo em 09/02/2009. Em 13.03.2009 a Recorrente foi notificada do Despacho de Admissão deste Recurso da, aliás douta, Sentença aqui parcialmente sindicada, bem como da resposta do Serviço de Finanças de fls. 120 e segs. de onde nada se retira, pois para a Administração Tributária a liquidação sindicada continua totalmente válida.
E. A questão a discutir nestes autos é a já “clássica" controvérsia respeitante à aplicação das CDT's em Portugal, agora na convivência simultânea do artigo 90.º do CIRC na redacção da lei 32-B/2002 de 30/12) com o Despacho Ministerial 11701/2003 que aprovou o formulário de modelo oficial (modelo 12 RFI), sendo a questão aqui pleiteada respeitante a factos tributários ocorridos em 2003, altura em que existiu uma grande oportunidade para pacificar a cada vez maior litigância a este respeito.
F. Em 2003 não existia disposição similar ao artigo 90.º (hoje, artigo 90.º- A) do Código do IRC, mas antes Circulares da Administração Tributária (pontificando então a Circular
18/1999 da DGI) a regulamentar a aplicação das CDT's, insistindo a Administração Tributária em proceder a liquidações de imposto com fundamento no incumprimento dessas circulares, apesar das posições em sentido contrário dentro da própria Administração Tributária (vide Parecer n.º 136/01, da Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, emitido pelo jurista António Lima Guerreiro, tirado no Processo n.º
283/2001, e Despacho n.º 596/2001, de 28/12/2001, emitido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), bem como de grande parte da jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo os Acórdãos do TCA Sul, de 02-10-2007 (processo n.º 01891/07), de 16/05/2006 (processo n.º 504/05) e de 26-06-2007 (processo n.º 1.730/07).
G. O legislador do Orçamento de Estado para 2003 optou por introduzir o artigo 90.º e posteriormente o Despacho Ministerial criou os formulários RFI, restringindo por lei
interna as condições de aplicação das CDT's, o que traduz uma violação do pacta sunt servanta (no mesmo sentido, vide Alberto Xavier, ob. cit., pág. 541).
H. Quanto ao RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO, cumpre especificar nos pontos 6 e 7 da Sentença que o Modelo 12 RFI da L ...International Holdings INC junto como documento 2 junto à Audição Prévia é datado de 02.12.2005 mas refere-se
expressamente ao “Tax year 2003" o que não consta do ponto 7. da Fundamentação de facto da Sentença.
I. Acresce que não foi dado como provado que o Formulário 12 RFI exige a certificação da qualidade de Beneficiário Efectivo, o que é matéria de facto relevante para as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida (mormente para a propugnada da Recorrente), o que também deveria ter sido especificado, pelo que se requer a alteração em conformidade do ponto 7 da Fundamentação de Facto, nos termos conjugados do artigo 123.º, n.º2 do CPPT com os artigos 511.º, n.º1 e 712.º do CPC.
J. Requer-se ainda o aditamento de seguinte facto à Fundamentação de Facto: “12. O formulário Modelo 12-RFI aprovado pelo Despacho Ministerial 1170/2003 consagra a necessidade de certificar que o beneficiário do rendimento é beneficiário efectivo".
K. Quanto ao RECURSO DE DIREITO, alegam-se vários erros de julgamento, devendo tomar-se em consideração os seguintes dispositivos legais, com aplicação ao caso em apreço: artigo 7.º da CDT celebrada com os EUA e com a Suiça, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 90.º do CIRC (redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro), artigo 90.º-A, n.ºs 5 e 6 do Código do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007 de 31 de Dezembro,
artigos 8.º, 103.º e 112.º da CRP e, bem assim, artigos 4.º e 11.º do EBF, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho.
L. A Sentença em crise concluiu que para a Recorrente poder pagar os rendimentos à L ...INTERNATIONAL HOLDINGS INC e a PABLO ROJAS a partir de 1 de Agosto de 2003 necessitaria, por força do disposto no artigo 90.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRC, que estes lhe entregassem até ao “termo do prazo para entrega do imposto" formulários 12 RFI (aprovados pelo Despacho Ministerial 11701/2003) já certificados pelas Administrações Tributárias dos EUA e Suíça, respectivamente, sendo decidido na Sentença que os formulários RFI são um requisito formal imposto por lei, que se destina à “regulamentação dos aspectos probatórios relativos às CDT, em nada se revelando contrário às mesmas, nem se prevendo nenhum novo requisito substancial" que, não sendo obtidos oportunamente, “não podia, em consequência, ser reconhecido o direito à isenção de retenção".
M. Seguidamente concluiu a douta sentença que fica “o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto" e que isso “não viola as referidas convenções internacionais", nem os artigos 8.º e 103.º da CRP, e muito menos os artigos 4.º e 11.º do EBF, pois as medidas para evitar a dupla tributação económica internacional e interna
não são benefícios fiscais mas sim desagravamentos fiscais (exclusões fiscais ou situações de não sujeição tributária)". De modo a sustentar a sua tese a Sentença em análise considera relevante e oportuno aderir “sem reserva" à doutrina do douto Acórdão do STA de 31.01.2008 (processo 0888/07), transcrito no artigo 10.º deste Recurso.
N. A Recorrente entende que a douta Sentença a quo andou mal porque as CDT's com os EUA e a Suíça prevalecem sobre a legislação interna (artigos 8.º, n.º 2 e 112.º da Constituição da República Portuguesa), não condicionando a aplicação dos benefícios nelas previstos ao cumprimento de qualquer requisito de ordem formal interna, bastando para sua aplicação (quanto a rendimentos derivados da prestação de serviços a entidades não residentes em Portugal, como in casu) que seja demonstrado à entidade pagadora Portuguesa que os beneficiários dos rendimentos de prestação de serviços são residentes fiscais no outro estado contratante.
O. Assim, o artigo 90.º, n.ºs 3, 4 e 5, do Código do IRC viola os artigos 7.º das CDT's quando prescreve um formalismo para essa demonstração, consistente na certificação pelas Administrações Tributárias estrangeiras dos formulários aprovados pelo Despacho Ministerial número 11701/2003 de 28 de Maio de 2003 (exigíveis a partir de 1 de Agosto de 2003), sob pena da entidade pagadora ter que proceder a retenção na
fonte, à taxa aplicável segundo a legislação interna (cfr. artigo 90.º, n.º4, do Código do IRC). Com efeito, esse artigo 90.º, número 3, 4 e 5 do Código do IRC estabeleceu condições de prova mas também condições temporais para accionamento das CDT's, mormente a obtenção de formulários certificados pelas Administrações Tributárias estrangeiras aquando do momento do pagamento para beneficiar da dispensa de retenção na fonte ou no prazo de 2 anos para poder requerer reembolso – estas limitações não estão estabelecidas nas referidas CDT's com os EUA e com a Suíça. O artigo 90.º, número 3 e número 5 do Código do IRC ao estabelecer unilateralmente que a única forma de prova e, bem assim, o tempus do exercício do direito, fê-lo ao arrepio das CDT's, que não são lacunares mas outrossim não quiseram condicionar o acesso aos benefícios nela estabelecidos a formas de prova unilaterais ou a outros prazos não previstos nas CDT's; essa é, aliás, a interpretação conforme à “pacta sunt servanda" imposta pelos artigos 26.º, 27.º e 31.º a 33.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados assinada em 23/05/1969.
P. Por outro lado, os formulários 12-RFI aprovados por despacho Ministerial exigem, praeter legem (i.e., mais do que a CDT), a condição de beneficiário efectivo do credor dos rendimentos de serviços, o que é mais uma exigência doméstica Portuguesa que não consta das CDT's em causa para que os respectivos beneficiários possam usufruir da sua protecção.
Q. Assim, as condições exigidas pela ordem interna portuguesa (artigo 90.º, número 3, 4 e número 5 do Código do IRC e respectivos formulários aprovados pelo Despacho Ministerial) violam o disposto nas CDT's a que se devem subordinar por força do artigo 8.º, número 2 e do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, devendo por
isso os actos de liquidação fundados nessas normas ser considerados ilegais por violação de lei de hierarquia superior (as CDT's).
R. Por outro lado, não tem cabimento a adesão, acrítica, feita pela Sentença a quo ao Acórdão do STA de 31.01.2008, pois nestes autos estão em causa as CDT's com EUA e Suíça, as quais não têm disposição de alcance igual ao artigo 30.º da CDT com a França que foi escrutinada naquele aresto do STA. Sublinhe-se que esse artigo 30.º autoriza efectivamente o Estado Português a impor limitações internas, unilaterais, ao
estipular que “as autoridades competentes dos Estados Contratantes determinarão as modalidades de aplicação da presente Convenção.", mas o mesmo não sucede com as CDT's relativas aos EUA e Suíça, que não autorizam essa regulamentação, mormente (i) a obrigatoriedade de certificação da qualidade de residente estrangeiro por autoridade administrativa, (ii) o momento até quando se pode obter o reembolso e (iii) a qualidade de beneficiário efectivo.
S. Mas mesmo que tais CDT’s com os EUA e a Suíça autorizassem a regulamentação pela ordem jurídica interna (que não autorizam!), não seria possível alterar condições
contratadas nas CDT's. De facto, criar uma obrigação de certificação em formulário unilateral, estabelecer um prazo máximo (de 2 anos!) para activar as CDT's ou a necessidade do credor ser beneficiário efectivo é praeter legem ou CDT, violador do pacta sunt servanda, pois tais condições não constam da CDT.
T. Todavia, apesar de alegado na petição inicial de Impugnação, também este argumento foi prejudicado pela Sentença, que assim errou e deve ser substituída por Acórdão que julgue a ilegalidade da parte da liquidação ora recorrida.
U. Acresce ainda que, foi também violado o exigente princípio da reserva de lei formal, porquanto a obrigação do credor ser beneficiário efectivo só consta do Despacho Ministerial, pelo que este regulamento administrativo cria uma obrigação tributária, potencialmente determinante de responsabilidade tributária, que está sujeita a reserva de lei formal, conforme estabelecido no artigo 8.º, número 2, alínea c) da LGT, e no artigo 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Assim sendo, não constando os formulários em causa de acto legislativo, são os mesmos ilegais e, por conseguinte, também o são os actos de liquidação neles fundados.
V. É pois seguro concluir-se que a liquidação em causa assenta numa norma ilegal (artigo 90.º, números 3 e 5 do Código do IRC) por violação das CDT's em causa e dos artigos 8.º, número 2 e 112.º da CRP, e no cumprimento de uma obrigação acessória, praeter legem, susceptível de criar dívida de imposto e criada em desrespeito do princípio da legalidade (artigo 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º1, alínea i) da CRP e artigo 8.º, número 2, alínea c) da LGT), razão pela qual deve a liquidação escrutinada ser anulada também na parte recorrida nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo.
Caso não se entenda como se vem de ategar, no que não se concede, alega-se subsidiariamente quanto segue:
W. Prevenindo a hipótese do douto tribunal a quo não considerar o artigo 90.º do Código do IRS e o Despacho Ministerial desconforme às CDT's e à Constituição da República Portuguesa, a ora Recorrente alegou que, fruto das suas relações comerciais e até societárias (no caso da L ...INTERNATIONAL HOLDINGS, INC.) estava bem ciente que os seus credores eram residentes fiscalmente em estado contraparte de Portugal em CDT, pelo que estavam reunidos os pressupostos para aplicação da CDT. Note-se, aliás, que a Administração Tributária não contestou o carácter de não residente dos credores dos rendimentos e a sua “morada" nos respectivos países de residência (cfr. Relatório de Inspecção Tributária" e seu Anexo 7), pelo que o mesmo resultou assente na Sentença.
X. Sem prejuízo do exposto supra, à cautela e para o que aqui interessa, a Recorrente juntou em sede de Audição Prévia (à liquidação) formulário obtido da L ...INTERNATIONAL HOLDINGS, INC, de 02.12.2005. Estando assim demonstrada a residência fiscal dos credores dos rendimentos derivados das prestações de serviços estado contraparte de CDT, Portugal não tem a opção de tributar os rendimentos em causa através de retenção na fonte.
Y. Nesta conformidade, o benefício de aplicação das CDT's tem de retroagir os seus efeitos à data de verificação dos pressupostos do benefício, posto que tais rendimentos estão subtraídos ao poder tributário Português por força de convenção internacional que prevalece sobre o direito interno.
Z. Não se entende ainda como pode a Sentença a quo afirmar não se estar diante de “benefícios fiscais mas sim desagravamentos fiscais (exclusões fiscais ou situações de
não sujeição tributária)", porquanto a possibilidade de isenção de retenção na fonte concedida pela CDT é perfeitamente enquadrável na noção de benefício fiscal prevista no artigo 2.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nos termos do qual “São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior."
AA. Que se trata de benefício fiscal é também o douto Parecer de LIMA GUERREIRO (Parecer n.º 136/01), tirado no Processo n.º 283/2001 do Centro de Estudos Fiscais e de vários Acórdãos tirados por este douto Tribunal Central Administrativo (v. Acórdão do TCA Sul de 5/7/2005, Rec. 5675/01, de 03/11/2004, Proc. 00151/04, etc..) pelo que é de continuar a entender que os benefícios concedidos pelas CDT's são benefícios fiscais e não desagravamentos fiscais/situações de não sujeição.
BB. É aliás a própria Sentença recorrida que o denuncia ao referir expressamente “isenção de retenção" na página 8, 1.º parágrafo in fine (que é um benefício fiscal conforme resulta do próprio artigo 2.º, n.º 2 do E8F), e é, nada mais nada menos, que a própria Lei (!) que o qualifica como de “dispensa de retenção" (v. artigo 90.º) que é um benefício
Fiscal (cfr. cit. artigo 2.º, n.º2 do EBF).
CC. Perante esta tradição doutrinal e jurisprudencial (e pelos argumentos aí melhor aduzidos que aqui se dão por integralmente reproduzidos), bem como pela qualificação legal, que a Recorrente entende que o douto Tribunal a quo errou ao aderir ao já citado Acórdão do STA de 31.01.2008, que, além de arrancar do artigo 30.º da CDT Portugal/França (que como se disse não tem correspondência nas CDT's com os EUA e Suíça), defende tratar-se de um desagravamento/exclusão tributária chamando somente à colação NUNO DE SÁ GOMES in Manual de Direito Fiscal, 1998, Vol. I, pág. 334.
DD. Ora, consultada a obra em causa verifica-se que o autor se refere a “f) as medidas para evitar a dupla tributação económica, internacional e interna (créditos de imposto).", ou seja os créditos de imposto respeitam a um instituto bem definido na lei que, em 1998, tinham assento nos artigos 72.º, 73.º e 74.º do Código do IRC, pelo que não se vê como se possa sustentar nessa única passagem do Ilustre Autor (única que fundamenta a posição do STA) a qualificação dos direitos conferidos pelas CDT's como desagravamento ou exclusão tributária e não de um benefício fiscal, deitando por terra toda a já grande tradição jurisprudencial. Aliás, como é consabido, a qualificação dessas normas é de elevada complexidade e gera controvérsia internacional (ver, para
uma síntese, ALBERTO XAVIER, ob cit. pags. 53 a 91).
EE. Tudo visto, a Recorrente reitera que o artigo 7.º das CDT's com os EUA e a Suíça estabelecem um benefício fiscal, que retroage à data da verificação dos respectivos
pressupostos (artigos 4.º e 11.º do EBF na redacção à data) pelo que, estando provado perante a Administração Tributária
que, à data dos factos, a L ...INTERNATIONAL INC. e PABLO ROJAS eram respectivamente residentes fiscais nos EUA e na Suíça, tem que operar a dispensa de retenção do artigo 7.º dessas CDT's retroactivamente à data do facto tributário (artigos 4.º e 11.º do EBF na redacção à data), anulando-se a liquidação por ser ilegal.
FF. Ao decidir diferentemente errou a mui douta Sentença a quo na parte ora recorrida, devendo por isso ser substituída por outra que anule a parte da liquidação sindicada (artigo 135.º do CPA).
Sem conceder , acrescenta-se ainda que:
GG. Mesmo que, na senda do citado Acórdão do STA, se considerasse tratar-se de desagravamentos fiscais/situações de não sujeição e não benefícios fiscais, no que não se concede pelas razões acima invocadas, haveria então que determinar o exacto alcance dessa qualificação. Na verdade, excluindo-se o poder tributário Português por força do artigo 7.º da CDT, não é legítimo presumir que o legislador fiscal doméstico (do artigo 90.º, hoje artigo 90.º-A do Código do IRC) e a Administração Tributária (no Despacho Ministerial que aprovou os formulários RFI) “fizeram entrar pela janela o que se fez sair pela porta", criando condições não previstas na CDT que, a serem incumpridas, determinariam a responsabilidade da entidade residente pagadora dos rendimentos (reiterando-se aqui que a legislação interna [artigo 90.º do Código do IRC] criou uma condição temporal [2 anos para aplicação da CDT contados do facto tributário] e um formulário unilateral a certificar pela Administração Tributária estrangeira que é meio exclusivo para accionar as CDT's, ao passo que o Despacho Ministerial criou uma condição quanto aos sujeitos credores - serem “beneficiários efectivos"), pois daí resultaria, por um lado, uma inelutável violação de lei (CDT) por lei (artigo 90.º do Código do IRC) e acto administrativo ou regulamentar (o Despacho Ministerial) de hierarquia inferior (artigo 8.º, n.º 2 e artigo 112.º da CRP) que inquinaria irremediavelmente de invalidade o acto de liquidação deles decorrente (seja esta
ilegalidade sui generis por violação de tratado internacional ou mera anulabilidade nos termos do artigo 135.º do CPA).
HH. Na verdade, estando os rendimentos em causa excluídos do poder tributário Português, deve entender-se que o artigo 90.º do Código do IRC e os formulários 12 RFI aprovados pelo citado Despacho Ministerial criaram a forma típica de produzir a prova da não sujeição ao imposto português, mas não a única forma sob pena de criação de uma presunção jure e de jure proibida pelo artigo 73.º da LGT (ilisão de presunções consagradas em normas de incidência tributária) e também violadora do princípio da capacidade contributiva (artigos 104.º da CRP e 4.º da LGT).
II. A Recorrente fez essa prova, como se deixou sobejamente demonstrado, sendo incontroverso e mesmo afirmado quer pela Administração Tributária quer pela Sentença a quo, que estão em causa rendimentos de prestação de serviços auferidos pela L ...INTERNATIONAL HOLDINGS INC e PABLO ROJAS residentes fiscais, respectivamente, nos EUA e na Suíça, pelo que é inquestionável que estão verificadas todas as condições substanciais para accionamento das CDT's cuja protecção se reclama, tendo em conta que a Recorrente pode “reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhe for atribuída nos mesmos termos do devedor principal" (artigo 22.º, n.º 2, da LGT).
JJ. Aliás, para constatar a bondade do que se vem de afirmar basta verificar que na tese propugnada pela Sentença se se tratasse de redução de taxa já seria um benefício fiscal sujeito a retroagir à data de verificação dos pressupostos, ao passo que se se tratasse de exclusão tributária (que é, claro está, um maius face à mera redução de taxa) a demonstração das condições de acesso ao direito já não retroagiriam à data da verificação dos respectivos pressupostos...
KK. Entender o contrário será, aliás, interpretação de grande arbítrio e violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), bem como dos princípios da boa fé e imparcialidade (artigo 266.º, n.º 2 da dita lei fundamental). Não sujeição é não sujeição, pelo que feita a prova necessária a liquidação de imposto deve ser anulada por violação das normas jurídicas citadas (artigo 135.º do CPA)!
LL. Decidindo diferentemente também andou mal nesta parte a Sentença a quo, devendo ser proferido Acórdão que, em substituição, julgue também ilegal a parte aqui sindicada da liquidação, anulando-a.
Final e subsidiariamente.
MM. alega-se ainda o afastamento da responsabilidade da Recorrente por aplicação do artigo 90-A, n.º 6, do Código do IRC na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro ex vi artigo 48.º, n.º4 dessa lei, pois caso nada do acima procedesse, no que não se concede, sempre seria de anular a liquidação sindicada no que respeita à alegada falta de retenção na fonte sobre os rendimentos de prestação de serviços pagos à L ...INTERNATIONA HOLDINGS INC, porquanto foi junto em sede de audição prévia o formulário 12 RFI certificado pela administração tributária dos EUA com referência ao ano de 2003 (cfr. Documento 2 junto à Audição Prévia).
NN. Com efeito, tendo a Recorrente apresentado, ainda que em momento tardio (em sede de Audição Prévia), o formulário certificado da residência fiscal da L ...INTERNATIONAL HOLDINGS, INC., deve aplicar-se in casu o regime de afastamento da responsabilidade do substituto tributário previsto na actual redacção do artigo 90-A, n.º 6, do Código do IRC, na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro por força do artigo 48.º, n.º4 dessa mesma Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro
OO. De sublinhar que a Recorrente não invocou antes o mecanismo legal atrás referido porque o mesmo entrou em vigor após a apresentação da petição inicial e a Recorrente nunca foi notificada para apresentação de Alegações nos termos do artigo 120.º do CPPT, devendo a sua aplicação ser, com a devida vénia, feita agora por este Venerando Tribunal Central Administrativo através de Acórdão.

Nestes termos e nos mais de direito requer-se que seja prolatado Acórdão que, substituindo a douta Sentença recorrida, decida, a final, pela anulação da liquidação parcial aqui recorrida, com o que se fará a devida e costumeira Justiça!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter feito uma correcta apreciação da prova a que aplicou o direito correspondente, designadamente a doutrina contida no acórdão do STA de 31.1.2008, recurso n.º 888/07, a que também adere.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a matéria de facto constante do probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido proposto pela recorrente; Se em sede de IRC, no exercício de 2003, para factos tributários ocorridos a partir de 1.8.2003, o credor nacional de País com o qual exista convenção para evitar a dupla tributação do imposto, para que o sujeito passivo Português deixasse de reter o imposto devido nos pagamentos por prestações de serviços levadas a efeito por aquele, era necessário que, previamente, se encontrasse munido do modelo de formulário previsto no art.º 90.º, n.º3 do CIRC, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2003); E se por a norma do art.º 90.º-A, n.º6, do CIRC, introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que veio dispor que a prova da qualidade de residente para efeitos de aplicação das CDT’s poder ser efectuada a posterior, e a norma do seu art.º 48.º, n.º4, desta Lei, mandar aplicar retroactivamente tal regime, é o mesmo de aplicação no caso sub judice.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização pelos serviços da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, incidente sobre o exercício de 2003, no âmbito da qual foram apuradas retenções na fonte alegadamente em falta no montante de Euros 440.097,09, de que resultou a liquidação de IRC impugnada, com n.º 2006 6420001917, datada de 29 de Junho de 2006 (cf. demonstração de liquidação de retenções na fonte a fls. 30 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e 21 e segs. do PAT).
2. Nas conclusões do relatório da inspecção tributária referente à acção de fiscalização melhor identificada no ponto anterior, lê-se, designadamente, o seguinte (cf. fls. 21 e segs., do PAT):
(...)
As correcções em apreço resultam do facto do Sujeito Passivo não deter aquando do pagamento dos rendimentos relativos a prestações de serviços: os certificados de residência, para os rendimentos pagos até 31 de Julho de 2003; e os formulários aprovados pelo Despacho Ministerial n.º 11701/2003- Formulários/Convenções de 17 de Junho, para os rendimentos pagos a partir de 1 de Agosto de 2003, conforme estabelecido pela Circular 12/2003, da Direcção-Geral dos Impostos, de 19 de Julho.
Comprovação essa necessária em momento anterior ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto devido pelo pagamento dos rendimentos respeitantes a prestações de serviços, para que as disposições convencionais dos art. 22° (Espanha e Holanda), 21° (Suíça) e 24° (Estados Unidos da América) das CDT's celebradas entre Portugal e os respectivos países que dispensam de retenção na fonte de IRC esses rendimentos, possam ser aplicadas através do seu accionamento.
(...)
Tendo essa prova sido efectuada após o termo do prazo legal estabelecido para a entrega do imposto, encontra-se preenchido o pressuposto de facto e de direito para a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 90° do CIRC que claramente refere que "quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
3. Relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2003 e 31 de Julho de 2003, o imposto em falta apurado pela inspecção tributária corresponde a pagamentos efectuados à "Webinsurance Partners", à "Uria & Menendez y CIA Abogados, SC", à "Transiciel Barcelona, SL", ao "Institute for International Research", à "Ingesac Asociados, SLL", à "IB, SL", "Hebrero y Associados, SL", à "Electronic Data Systems Espana, SA", e à "Getronics Solutions, SL", todas com residência em Espanha (cf. fls. 53 a 55 do PAT).
4. Relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2003 e 31 de Julho de 2003, o imposto em falta apurado pela inspecção tributária corresponde ainda a pagamentos efectuados à "L ...International", com residência nos Estados Unidos da América (cf. fls. 53 a 55 do PAT).
5. Também relativamente ao período referido no ponto anterior, o imposto em falta apurado pela inspecção tributária corresponde igualmente a pagamentos efectuados à "Leading Minds - Enabling Corporate Vision", com residência na Holanda (Cf. fls. 53 a 55 do PAT).
6. Relativamente ao período compreendido entre 1 de Agosto de 2003 e 31 de Dezembro de 2003, o imposto em falta apurado pela inspecção tributária corresponde aos pagamentos efectuados à "Umbrella, Gerência de Riscos SL", à "Transiciel Barcelona, SL"; à "Tillinghast, PriceWaterhouseCoopers, SL",; à "Cincom Ibéria, SA", à "Electronic Data Systems Espana, SA", e à "Getronics Solutions, SL", todas com residência em Espanha; à "L ...International", com residência nos Estados Unidos da América; e a Pablo Rojas, com residência na Suíça (Cf. fls. 53 a 55 do PAT).
7. Em sede de audiência prévia, no ano de 2005, a impugnante juntou os "modelos 12 RFI" relativos à "Getronics Espana Solutions, SL", de 02.02.2005; à “Transiciel SL", de 27.04.2005; à "EDS Espana SA", de 19.05.2005; à "Uria Menendez & Cia Abogados, SC", de 2.06.2005; e à "L ...International Holdings, INC", de 02.12.2005 (acordo; cf. art. 8.º, da PI e ponto 49, da informação dos serviços, a fls. 58, do PAT).
8. A impugnante foi notificada para pagar o montante de Euros 49.997,62, relativo juros compensatórios, lendo-se na “demonstração de liquidação", a este propósito, o seguinte (cf. fls. 30 dos autos):
NOTA: Para consultar, na totalidade, as demonstrações de liquidação deverá dirigir-se a um Serviço de Finanças
9. Na "demonstração de liquidação" referida no ponto anterior apenas são explicitadas as liquidação de juros compensatórios relativamente às liquidações n.º 2006.611791 a 611795, que correspondem a imposto referente a pagamentos até 21 de Junho de 2003 (cf. fls. 30 dos autos}.
10. No ano de 2003 as autoridades fiscais espanholas não procediam à certificação dos formulários aprovados pela "Circular 12/2003", por as mesmas não estarem em língua espanhola (cf. artigo 46.º, da informação dos serviços, a fls. 77 do PAT}.
11. A impugnante apresentou garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal correspondente à liquidação impugnada (cf. fls. 17 do PAT}.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.


4. Na matéria das suas conclusões do recurso, concretamente nas suas conclusões H. a J., insurge-se a ora recorrente, que na matéria constante do ponto 7. do probatório fixado na sentença recorrida, quanto à entidade L ...International Holdings INC, foi fixado que também esta entidade veio a juntar o Modelo 12 RFI, mas não que o mesmo se refere ao ano de 2003, “Tax year 2003”, o que na sua tese não poderia deixar de ter interesse para o desfecho da solução do pleito, já que defende que tal prova pode ser feita a posteriori e que retroage ao momento a que se reporta por força do regime meramente declarativo dos benefícios fiscais, bem como pretende que seja levado ao mesmo probatório o conteúdo do formulário 12 RFI sobre a exigência de certificação da qualidade de beneficiário efectivo, ainda que, desta forma, não tenha dado cabal cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do CPC - que dispõe que, quando se impugne a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem quais os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Tal norma impõe ao recorrente um ónus alegatório acrescido, ao pretender impugnar a matéria de facto, especificando concretamente esses pontos que considera incorrectamente julgados, que destacará (1), bem como quais os meios de prova constantes dos autos que, em seu entender, levariam a que outra fosse a matéria provada, sob pena de o recurso não poder deixar de naufragar nesta parte.

Como a ora recorrente não deu cabal cumprimento ao que em tal norma se dispõe, designadamente quando não indica quais os concretos meios de prova constantes dos autos que impunham sobre tal matéria decisão diversa da recorrida, e também não constando essa prova dos autos e nem a ora recorrente aponta onde a mesma se possa encontrar, como lhe cabia, não pode esta matéria daquela primeira parte ser alterada, oficiosamente, por este Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC, em ordem a contemplar a solução plausível de direito (art.ºs 123.º, n.º2 do CPPT e 511.º, n.º1 do CPC), avançada pelo menos, pela ora recorrente, por a única prova constante dos autos e considerada para tal efeito foi a da informação de fls 77 do PAT apenso, no seu art.º 49.º (repetida a fls 58 destes autos), que expressamente menciona que a contribuinte fez tal prova mas não que reporte tal certificação ao ano de 2003, pelo que não é de alterar a matéria constante no citado ponto 7. do probatório fixado na sentença recorrida.

Quanto à questão relativa aos dizeres do formulário modelo 12 RFI, é questão que não deve mesmo ser levada ao probatório, por não se tratar de matéria que envolva qualquer factualidade mas sim antes se reporta ao direito, ou seja, se tais exigências do formulário para efeito dessa prova são legais ou não, defendendo a ora recorrente a sua não aplicação por excederem o conteúdo das convenções aplicáveis e como tais ilegais, não carecendo de qualquer fixação de prova do seu conteúdo para dirimir as questões a tais relativas, não sendo também de levar ao probatório tal matéria, pelo que improcedem as conclusões relativas ao invocado errado julgamento da matéria de facto.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial na parte relativa aos rendimentos pagos a partir de 1 de Agosto de 2003, única parte em questão no presente recurso, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a prova tinha de ser efectuada através dos modelos legalmente previstos na lei (art.º 90.º, n.º3 do CIRC e despacho ministerial n.º 11701/2003, de 28 de Maio) e tinha de ser prévia a tais pagamentos, exigência que não ofendia o teor das convenções celebradas, com excepção em relação à Espanha, pelo que em relação às entidades com residência na Suíça e na América, as liquidações eram legais por força da falta de apresentação prévia da devida prova, citando um acórdão do STA que, em questão paralela, no mesmo sentido teria decidido.

Para a recorrente de acordo com a matéria das restantes conclusões do recurso – conclusões k) e segs - e que delimitam o seu objecto, continua a entender que o articulado das convenções celebradas com os EUA e a Suíca se sobrepõe às normas internas do CIRC – seu art.º 90.º, n.ºs 3, 4 e 5 - que assim por estas normas foram violadas, não podendo ter aplicação na ordem jurídica portuguesa, que a doutrina do acórdão citado pela sentença recorrida não respeita a caso paralelo ao dos presentes autos por se reportar a convenção celebrada com a França de diverso conteúdo, doutrina do acórdão que, em todo o caso, não aceita, que tal regulamentação diversa da convenções estabelecida na lei viola o pacta sunt servanda, que o despacho ministerial viola o princípio de reserva de lei formal, que quanto à L ...International Holdings veio, à cautela, aquando do exercício de audição prévia, juntar o formulário em causa pelo que sempre os seus efeitos retroagiriam a 2003, que tais formulários, em todo o caso, não podem constituir a forma única de demonstrar a realidade de não sujeição ao imposto sob pena de violação do disposto no art.º 73.º da LGT e que sempre em relação à L ...International Holdings seria de anular o imposto porque veio a ser entregue, ainda que mais tarde, o referido formulário, fazendo-se aplicação do disposto no art.º 90.º-A, n.º6 do CIRC, na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro e do seu art.º 48.º, n.º4 desta mesma Lei.

Vejamos então.
Dispunha a norma do art.º 90.º do CIRC, na redacção então vigente introduzida pela norma do art.º 27.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) e a aplicável, sob a epígrafe, Dispensa de retenção:
1 - ...
2- Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial ou, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
3 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
4 - Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
5 - O sujeito passivo não residente, quando não tenha efectuado a prova no prazo referido no número anterior, pode requerer à Direcção-Geral dos Impostos o reconhecimento dos benefícios resultantes de convenção destinada a eliminar a dupla tributação e solicitar o reembolso do imposto retido na fonte, no prazo de dois anos a contar da data da verificação do facto gerador do imposto, mediante apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças.

E as convenções celebradas entre Portugal e os EUA e a Suíça, para evitar a dupla tributação, cuja existência se não encontra controvertida, tendo a ora recorrente transcrito a norma do seu art.º 7.º, com 7 números, a fls 197/198 dos autos, na sua alegação do recurso, dela se vê que o articulado de tal convenção em nada regula e disciplina quanto à dispensa de retenção na fonte por parte do sujeito passivo com sede em Portugal, antes visa evitar a dupla tributação por parte da empresa não sediada em Portugal e nem aqui com estabelecimento estável, na prestação de serviços cujos proveitos lhe são pagos pela empresa nacional, não se vendo como poderia ocorrer a colisão entre o que em tais convenções se dispõem e o que o legislador veio dispôr, designadamente nas citadas normas do art.º 90.º do CIRC, como invoca a recorrente, sendo certo que, desta forma, não pode estar em causa qualquer confronto do direito interno com as normas emanadas de tais convenções regularmente ratificadas e publicadas, a que, por força da norma do art.º 8.º, n.º2 da CRP, havia de resolver pela prevalência destas em detrimento daquelas, como não sofre dúvidas, pelo que as citadas normas dos n.ºs 3, 4 e 5 do art.º 90.º do CIRC e bem assim os respectivos formulários aprovados pelo citado despacho ministerial, tendo em vista dar execução àquele n.º3, em nada podem violar norma de fonte hierárquica superior, como constituem as convenções, por força do disposto no art.º 8.º, n.º2 da CRP.

As convenções em causa, elas próprias, não regulam todos os aspectos para que veio contemplar a não retenção na fonte, dos rendimentos distribuídos entre a sociedade nacional e as entidades não residentes, desta forma carecendo de uma intervenção legislativa do legislador do Estado outorgante para colmatar as faltas e insuficiências das convenções, como seja a propósito do que entende por domicílio fiscal e o momento em que este e outros requisitos necessários à aplicação das convenções, devem ser apresentados.

E foram estes e outros aspectos que o legislador nacional veio regular pelo citado art.º 90.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e a pormenorizar e dar execução no citado Despacho ministerial, como acima se transcreveu, que assim complementam os textos das convenções, surgindo como requisitos necessários à respectiva aplicação, não podendo, contudo, este texto complementar do legislador nacional revogar ou limitar o âmbito e conteúdo do próprio texto das convenções, sob pena de lhe ser desconforme e nessa medida não poder ser aplicado pela ordem jurídica nacional como acima se disse, antes cabendo ao legislador nacional desenvolver uma regulamentação complementar que seja harmoniosa com o sentido e alcance do texto das mesmas convenções, como no caso entendemos que aconteceu, pelo que a mesma não pode deixar de ser aplicada por este Tribunal.


Quanto à crítica que é formulada à sentença recorrida por ter aderido à fundamentação da doutrina contida no acórdão do STA de 31.1.2008, recurso n.º 888/07, transcrito numa sua parte na mesma sentença, também se entende que parte dessa fundamentação é perfeitamente transponível para o caso presente, como se fez na sentença recorrida, ainda que aquele tenha tratado de um caso abrangido por convenção celebrada entre Portugal e a França, por tal fundamentação ir de encontro ao que acima se expôs: aquelas normas do art.º 90.º do CIRC em nada colidem com o clausulado de tais convenções, designadamente com o conteúdo do art.º 7.º das presentes, já que estas nada regulam sobre a dispensa da retenção do imposto e os meios probatórios eleitos pelo legislador aptos e convenientes para esse efeito, pelo que o legislador português bem o podia fazer como veio então, sem beliscar o que quer que fosse que tivesse contratado como os outros Estados contratantes.


Também se não vê que as citadas norma do art.º 90.º do CIRC e despacho ministerial referido, possam violar o pacta sunt servanda, como invoca a recorrente – cfr. matéria da sua alínea S.) – matéria em que a mesma parte de um inegável equívoco ao pressupor que tais normas alteraram condições contratadas nas CDT’s, quando, como acima se viu, tal não aconteceu, já que tais convenções em nada dispuseram acerca da matéria sobre que foi emitida a regulamentação em causa e que, desta forma, unilateralmente, tenha sido alterada.

Este princípio do pacta sunt servanda visa preservar a estabilidade dos contratos e constitui entendimento segundo o qual os contratos devem ser cumpridos nos exactos termos em que foram celebrados. É este princípio que enforma o direito privado português, embora, dentro de dado condicionalismo e limites, se admita a resolução e modificação dos contratos.

O pacta sunt servanda usualmente referido no âmbito do cumprimento pontual dos contratos previsto na norma do art.º 406.º do Código Civil (CC) e a que a sua alteração ou extinção apenas pode ocorrer por mútuo consentimento também nunca a sua violação aqui poderia ocorrer, dando de barato que a mesma aqui lograva aplicação no pacto subjacente à matéria acordada entre Estados outorgantes, que seguramente não será direito privado, por sobre tal matéria objecto de regulação pelo legislador português não ter sido objecto de qualquer acordo e expresso no texto das mesmas convenções.


Também não colhe a violação do princípio da reserva de lei formal, por o citado despacho ministerial apenas ter vindo regulamentar um aspecto da prova para o efeito da dispensa da retenção na fonte, previsto nas parte final do n.º3 do citado art.º 90.º do CIRC – apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência - sendo por isso um regulamento secundum lege também chamado complementar ou de execução, que não praeter legem, destinado a regular um modelo de formulário previsto na lei da Assembleia da República, sendo que, em todo o caso, se não vê que tal despacho ministerial, ele próprio, tenha acrescentado qualquer outro requisito autónomo para essa prova, à margem da lei habilitante, designadamente que tenha acrescentado que o credor seja beneficiário efectivo, como invoca a recorrente na matéria da sua conclusão U), mas que do texto do mesmo Despacho publicado no Diário da República n.º 138, de 17.6.2003, pág. 9107, não vislumbrámos, mas tão só que veio dar execução ao disposto no art.º 90.º do CIRC, com a aprovação dos diversos modelos 7-RFI a 18-RFI.

Se a disciplina de tal regulamento contendesse com a disciplina fixada na lei ao abrigo do qual é emitido, indo para além de um seu aprofundamento, então o mesmo seria ilegal.
É que os regulamentos contém normas secundárias que completam ou desenvolvem leis anteriores sem as quais não podam ser elaborados (2).

De resto, e em todo o caso, não foi por aplicação de qualquer nova regra ou nova exigência de prova ou qualquer uma outra prevista em tal Despacho, ex novo, que a liquidação teve lugar, pelo que, mesmo a ter existido, sempre teria sido indiferente para esta, pelo que assim nunca a poderia afectar na sua validade.

Assim, não se vendo que o referido Despacho tenha criado normas jurídicas em matéria não contemplada na citada lei donde promana, e também não tendo criado qualquer novo imposto, nem regido sobre a sua incidência, a taxa, os benefícios fiscais e nem sobre as garantias dos contribuintes, sendo apenas estas as matérias sobre que existe o princípio da reserva de lei formal, nos termos do disposto nos art.ºs 103.º, n.º2 e 165.º, n.º1, alínea i) da CRP e 8.º da LGT, não pode o mesmo padecer de tal invocado vício de violação de reserva de lei formal.


Na matéria das conclusões W) e segs, pugna a impugnante e ora recorrente que mesmo admitindo a validade das normas do citado art.º 90.º do CIRC e respectivo despacho ministerial que, relativamente à L ...International Holdings, Inc., sempre a prova posteriormente entregue aquando do direito de audição, deveria servir para a prova exigível no citado artigo e despacho, por tal dispensa de retenção configurar um benefício fiscal que tem natureza declarativa, que por força do disposto nos art.ºs 4.º e 11.º do EBF, retroagem os seus efeitos à data do facto tributário respectivo.

Mas também neste ponto a recorrente carece de razão.

Sem embargo da natureza meramente declarativa dos benefícios fiscais que não constitutiva, tal só acontece quando a lei não dispuser ao contrário, como expressamente dispõe a norma do n.º2 do citado 4.º, n.º2 do EBF.

É certo que a norma do art.º 4.º n.º2 do EBF, na redacção então vigente, correspondente à do art.º 5.º n.º2 na republicação introduzida pelo Dec-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, atribuem como regra, ao reconhecimento dos benefícios fiscais, o efeito de meramente declarativo (salvo quando a lei dispuser o contrário), pelo que, ela própria, consagra ampla margem de liberdade ao legislador para ao contrário dispor, como dispôs, que assim a não afronta, antes com ela se compagina, pelo que no caso, uma vez não entregue previamente à colocação de tais rendimentos à disposição das entidades beneficiárias, os citados modelos de formulário de domicílio fiscal passados pelas autoridades fiscais dos Estados outorgantes das convenções, não lhes podendo aproveitar os apenas emitidos mais tarde, que assim não podem retroagir nos seus efeitos à data do termo do prazo para a entrega do imposto, como também se entendeu na sentença recorrida, desta forma não se encontrando efectuadas as aludidas provas de domicílio fiscal das referidas entidades beneficiárias em um outro Estado outorgante antes da data de tal entrega, pelo que o imposto deveria ter sido retido nos termos gerais, que a recorrente não cumpriu, que assim se mostra incorrida em ilegal falta de liquidação.

Como resulta dos transcritos artigos, toda a prova atinente à subsunção das entidades beneficiárias dos rendimentos ao texto das citadas convenções para evitar a dupla tributação tem de ser efectuada, perante a entidade que vai colocar tais rendimentos à sua disposição e previamente a tal colocação por força do citado art.º 90.º n.ºs 3 e 4 do CIRC, todos esses requisitos, que não à posteriori, constituindo assim, uma feição constitutiva para as entidades beneficiárias poderem obter no caso, a dispensa ou isenção de retenção de imposto na fonte, entre os quais se incluem pois, os certificados de residência nos outros Estados membros passados pelas entidades competentes que, não o tendo feito, como não se encontra em causa, a sua situação não se encontra subsumível ao regime das citadas convenções, não beneficiando pois dos respectivos regimes nelas contidos, pelo que a retenção na fonte teria de ser efectuada nos termos gerais, mas que não foi, pelo que a AT procedeu às liquidações atinentes, as quais assim não enfermam da ilegalidade apontada.

No mesmo sentido decidiu o acórdão do STA de 21.1.2009, recurso n.º 810/08-30, também a propósito de IRC do exercício de 2003, enquanto que os acórdãos citados pela recorrente na matéria da sua conclusão AA.), deste TCAS, que em contrário decidiram – de 3.11.2004 e de 5.7.2005, recursos n.ºs 151/04 e 5675/01 – se reportam, aquele primeiro ao IRS de 1996 a 1998 e este ao IRS de 1994, respectivamente, ou seja antes da alteração à norma do art.º 90.º do CIRC, que de forma diversa veio dispor, como acima se analisou.


Na matéria das conclusões GG) e segs pugna a ora recorrente que, em todo o caso, as normas do art.º 90.º do CIRC e despacho ministerial ao virem fixar certa espécie de prova típica para acesso aos benefícios de dispensa de retenção na fonte (formulários RFI e serem os credores “beneficiários efectivos”), mas não única, sob pena de violação do disposto no art.º 73.º da LGT e 104.º da CRP e 4.º da LGT, tendo de entender-se que a mesma pode ser efectuada por qualquer outra forma admitida em direito, e não se encontrando colocado em causa que aqueles dois prestadores de serviços tinham residência fiscal nos EUA e Suíça, sempre o benefício deveria ser considerado.

Também nesta matéria se entende que a recorrente carece de razão, já que a norma do art.º 73.º da LGT, que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência admitam sempre prova em contrário, apenas se reporta às normas de incidência do tributo, como nela própria expressamente se refere, que não quanto a normas de outra natureza, sendo que no caso, as normas do art.º 90.º do CIRC e do despacho ministerial se não reportam a quaisquer presunções e muito menos a normas de incidência do imposto, pelo que também não poderá deixar de improceder o recurso ao arrimo desta fundamentação.

De resto, como tem sido entendido a propósito de normas que consagram certa forma típica de prova para certos factos ou para ilidir certas presunções, como a constante no art.º 7.º, n.º5 do CIRS, tendo em conta o critério da disponibilidade e facilidade probatórias, as mesmas não são inconstitucionais e nem ofendem qualquer regra ou princípio que o legislador deva obediência - cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série de 21.11.2003 e os acórdãos do STA de 18.12.2002 e de 15.12.2004, recursos n.ºs 1435/02-30 e 1187/04, respectivamente.


Na matéria final das suas conclusões MM) e segs, vem a recorrente pretender que ao caso e quanto à L ...International Holdings Inc., em que foi junta a prova pelos respectivos formulários, lhe seja aplicada a disciplina contida no art.º 90.º-A do CIRC, na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que por força da norma do seu art.º 48.º, n.º4, tem eficácia retroactiva e só agora pode ser invocada em sede do presente recurso.

A norma do art.º 90.º-A do CIRC, foi introduzida pela norma do art.º 48.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), e tem a seguinte redacção:
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
6 – Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º2 do presente artigo e os n.ºs 3 e seguintes do art.º 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
7 - ...
8 - ...
9 - ...

Quanto à invocada norma do art.º 48.º, n.º4 da mesma Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, que a recorrente invoca que teria mandado aplicar retroactivamente o regime do citado e transcrito n.º6 do art.º 90.º-A do CIRC, tem a seguinte redacção:
4 – O afastamento da responsabilidade prevista no n.º4 do art.º 90.º e no n.º6 do art.º 90.º-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.

Tendo em conta estas normas dos art.ºs 90.º, n.º4, 90.º-A, n.º6 do CIRC e a presente norma do n.º4 do art.º48.º desta Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, tendo a mesma vindo a apresentar a prova requerida quanto à referida L ...International Holdings Inc., aquando do exercício do direito de audição prévia, para a dispensa da retenção do imposto, através da entrega dos respectivos formulários legais, como não se encontra em causa – cfr. matéria do ponto 7.º da matéria de facto da sentença recorrida – nesta parte e com esta fundamentação o recurso tem de proceder, com a anulação da liquidação em causa na parte respectiva, por preenchimento de todos os pressupostos que a lei fixa para o caso e pelo efeito retroactivo que esta lhe veio a atribuir, e esta norma do art.º 48.º, n.º4 desta lei, lograr prioridade de aplicação face à do art.º 663.º do CPC, que manda atender aos factos posteriores à propositura da acção de forma restrita, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, por esta própria norma mandar atender, em primeiro lugar, ao contido noutras disposições legais (3) .

Por outro lado, como ensina o Professor Alberto dos Reis (4), por encerramento da discussão entende-se tanto o que se verifica na 1.ª instância, como o que se verifica na 2.ª. Suponhamos que o facto ocorre depois de encerrada a discussão na 1.ª instância; já não pode ser atendido na sentença. Mas, se houver recurso, pode o facto ser alegado perante a Relação, contanto que o seja até ao encerramento da discussão neste tribunal.

E no caso, para além de não se encontrar em causa qualquer alteração superveniente factual, mas tão só do direito aplicável, a ora recorrente até às presentes alegações do recurso não pode vir a alegar a aplicação de tal regime jurídico, já que a petição inicial de impugnação deu entrada em data anterior à da publicação da presente Lei e no caso não houve lugar a alegações pré-sentenciais, pelo que apenas neste momento processual o foi possível invocar, sendo também por aqui de atender a esta motivação do recurso.


É assim de conceder parcial provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida nesta parte e de anular a correspondente liquidação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida na parte em que manteve a liquidação quanto à retenção relativa à L ...International Holdings Inc., a qual se anula, mantendo-se a sentença no demais.


Custas pela recorrente na medida do decaimento.


Lisboa,17 de Dezembro de 2009

(1) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do TC n.º 122/2002 e acórdão do TCAN de 31.1.2008, recurso n.º 65/03.
(2) Cfr. neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa 1989, Lições aos alunos do curso de Direito , em 1988/1989.
(3) Cfr. no mesmo sentido os acórdãos do STA de 21.1.2009 e de 21.10.2009, recursos n.ºs 810/08-30 e 518/09, respectivamente, também já citados no texto do acórdão. .
(4) In Código de Processo Civil, anotado, Vol. V. Reimpressão, Coimbra 1981, pág. 85.