Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1517/16.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A... vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a oposição por si deduzida no âmbito do processo de execução fiscal n.° 10012011... e apensos, da Secção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P. (IGFSS I.P.), inicialmente instaurado contra a sociedade «M..., Lda.», e que contra si reverteu, na qualidade de responsável subsidiário, para cobrança coerciva de dívidas de contribuições e cotizações para a Segurança Social referentes aos períodos de 2010/08, 2010/10, 2010/12, 2011/03, 2011/05, 2011/08, 2011/10, 2011/11, 2012/01, cuja quantia exequenda ascende ao valor global de € 20.146,26.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«1. Salvo melhor opinião através da prova documental junta pela executada, dúvidas não subsistem que a recorrente nunca praticou actos de gestão da sociedade durante o arco temporal descrito de 2010 a 2012. Na verdade,
2. A recorrente demostrou que quem exercia e era o responsável por todos os atos de gerência era o seu pai J.... Senão vejamos,
3. O seu filho R... nasceu a 30/4/2009 e o diagnóstico saiu em 03/09/2010 - Síndrome de Pallister Killian.
4. Sendo certo ainda que desde 14/09/2010 a 29/09/2010 esteve submetida a baixa para assistência ao seu filho que esteve internado. Acresce ainda,
5. A partir de 1/10/2010 ficou sob baixa médica por assistência a filho com deficiência até 27/11/2011 data em que ficou de baixa por gravidez de risco até ao nascimento do Afonso a 29/06/2012, tudo conforme documentos juntos com a oposição. Pelo exposto,
6. A reversão de execução funda-se em a executada ter sido sócia-gerente da empresa M..., LDA e por dívidas referentes ao período em que esteve submetida a baixa médica. Porém,
“2. Em 30-04-2009 nasceu o filho da Oponente, ao qual foi diagnosticado Síndrome de PallisterKillian (cfr. fls. 7 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Entre 14-09-2010 e 29-09-2010 a Oponente esteve de baixa para assistência a filho (cfr. fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Entre 01-10-2010 e 27-11-2011 a Oponente esteve de baixa para assistência a filho com deficiência / doença crónica (cfr. fls. 7 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Entre 28-11-2011 e 28-06-2012 a Oponente esteve de baixa por gravidez de riso (cfr. fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 20-02-2011 foi instaurado na Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS I.P, em nome da sociedade «M..., Lda.», o processo de execução fiscal n.° 10012011000..., para cobrança de dívida de cotizações e contribuições à Segurança Social no valor total de € 5.833,09 (cfr. fls. 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);”
7. A Requerente foi gerente da referida sociedade, mas no arco temporal aqui posto em crise não exerceu quaisquer funções na referida sociedade não tendo praticado actos de gestão da sociedade.
8. Era o seu pai J... quem praticava todos os actos de gerência.
9. A executada, cfr. supra, não praticou actos de gestão da sociedade durante o arco temporal descrito projeto de decisão de reversão, (2010 e 2012) atendendo à matéria de facto dada como provada nos pontos 2 a 6.
10. Aliás veja-se o entendimento do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito de outro processo contra a aqui executada, conforme despacho que se junta em anexo e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
11. Pelo que, ao decidir como fez o Tribunal “A QUO”, ao julgar improcedente o presente procedimento, com incorrecta interpretação dos factos e da Lei, violou o disposto nos artigos 45° da LGT, 297° do Código Civil, artigo 304°, n.°1, do Código Civil, razão pela qual, no entender da ora apelante, deve a presente Decisão ser revogada e, em consequência, a sentença reformulada.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente ser admitido e a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, a sentença reformulada.
Assim decidindo, farão V.Exas. a esperada e costumada JUSTIÇA.»

A recorrida, devidamente notificado para o efeito, não contra-alegou.
****

O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.

****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, na medida em que a Recorrente entende que a prova documental produzida, nomeadamente, da matéria de facto dada como provada nos pontos 2 a 6 resulta que esta não praticou atos de gestão na sociedade executada originária, sendo o seu pai quem praticava todos os atos de gerência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


1. Em 03-08-2006, através da AP. n.° 11/20060803 foi averbado na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade «M..., Lda.», tendo sido designada gerente a Opoente (cfr. certidão permanente a fls. 124 a 127 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 30-04-2009 nasceu o filho da Oponente, ao qual foi diagnosticado Síndrome de Pallister- Killian (cfr. fls. 7 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Entre 14-09-2010 e 29-09-2010 a Oponente esteve de baixa para assistência a filho (cfr. fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Entre 01-10-2010 e 27-11-2011 a Oponente esteve de baixa para assistência a filho com deficiência / doença crónica (cfr. fls. 7 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Entre 28-11-2011 e 28-06-2012 a Oponente esteve de baixa por gravidez de riso (cfr. fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 20-02-2011 foi instaurado na Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS I.P, em nome da sociedade «M..., Lda.», o processo de execução fiscal n.° 10012011000..., para cobrança de dívida de cotizações e contribuições à Segurança Social no valor total de € 5.833,09 (cfr. fls. 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 28-03-2011 foi entregue à sociedade «M..., Lda.», citação para o processo de execução fiscal n.° 10012011... e apensos no valor de € € 9.060,02, tendo o aviso de recepção sido assinado pela Oponente (cfr. fls. 23 a 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Em 30-03-2011, através de requerimento subscrito pela Oponente, foi solicitado o pagamento em prestações da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.° 10012011... e apensos (cfr. fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. Em 04-07-2011, através de requerimento subscrito pela Oponente, foi solicitado o pagamento em prestações da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.° 10012011… e apensos (cfr. fls. 37 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 18-07-2011 foi entregue à sociedade «M..., Lda.», citação para o processo de execução fiscal n.° 10012011002… e apensos no valor de € 6.059,83, tendo o aviso de recepção sido assinado pela Oponente (cfr. fls. 39 a 42 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. Em 18-07-2011, através de requerimento subscrito pela Oponente, foi solicitado o pagamento em prestações da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.° 1001201100… e apensos (cfr. fls. 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Caldas da Rainha em 30-03-2012, no âmbito do processo n.° 467/12.4TBCLD, foi declarada a insolvência da sociedade «M..., Lda.» (cfr. fls. 53 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
13. Em 01-10-2012, o Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS I.P. proferiu projecto de decisão de reversão contra a Oponente, relativamente às dívidas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal n. ° 10012011... e apensos (cfr. fls. 56 dos
autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 18-10-2012 a Oponente pronunciou-se por escrito sobre o projecto de reversão identificado no número antecedente (cfr. fls. 59 a 67 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. Em 23-10-2012 foi pelo Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS I.P. proferido despacho de reversão contra a Oponente, relativamente às dívidas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal n. ° 10012011... e apensos, com o seguinte teor:

1. DADOS DO PROCESSO
Os processos executivos foram instaurados contra a executada por dívidas à Segurança Social, conforme notificação dos valores em dívida em anexo.
Pelo não pagamento de contribuições e quotizações nos prazos legais, são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção nos termos do art. 211 ° da Lei n° 110/2009 de 16 de Setembro, calculados nos termos do Dec. Lei n° 73/99 de 16 de Março e custas processuais calculadas nos termos legais.
2. DOS FUNDAMENTOS
Não existe motivo para suspender a execução, conforme o disposto no artigo 1 69.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (C.P.P.T.), pelo que deve a mesma prosseguir a sua normal tramitação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 153.° do C.P.P.T e artigo 23.° e artigo 24.° n.° 1, alínea b), da Lei Geral Tributária (L.G.T.).
Na sequência das diligências levadas a cabo por esta secção de processo executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito do processo de execução referido em epígrafe, foi proposta a reversão da execução fiscal em relação à gerente A....
Procedeu-se a audiência de interessados, através de carta registada, nos termos constantes do artigo 23° n.° 4 e artigo 60.° da Lei Geral Tributária, fixando-se o prazo de 10 dias úteis para o exercício do direito de participação.
Terminado o prazo concedido para o efeito foi o referido direito exercido, sendo que, em súmula a requerente pretendeu demonstrar que não exercia a gerência efectiva da sociedade devedora originária, contudo, dos autos constam documentos assinados por esta, nomeadamente, requerimentos prestacionais.
Assim sendo, parece de manter a decisão de decisão, procedendo-se à reversão da execução fiscal em relaçao à mencionada gerente, durante o período contributivo da sua responsabilidade, dado que:
- Em resultado das diligências efectuadas no processo n° 10012011 00… e apensos conduiu.se pela insuficiência de bens na titularidade do executada, uma vez que das penhoras ordenadas às contas bancárias da devedora originária e aos créditos dos respectivos clientes não resultaram valores penhorados suficientes para a cobrança da dívida exequenda e dos acrescidos legais, por outro lado, também de acordo com a informação dispnível nos autos, a devedora originário não é proprietária de qualquer bem imóvel, nem são conhecidos quaisquer outros tipos de bens penhoráveis, nem sequer indicados à penhora pela própria devedora originária no uso da perrogativa prevista no artigo 215.° n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
- De acordo com informação constante da base de dados da Segurança Social, bem como dos demais elementos dos autos, verifica-se que é responsável subsidiário pelo pagamento da dívida, porquanto era gerente da executada nos períodos a que a dívida se refere.
3. CONCLUSÃO
Em conclusão, e atendendo aos elementos constantes no processo encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no na 2 do artigo 23.° do L.G.T., em conjugação com o artigo 153.° do C.P.P.T., por a efectivação da reversão contra o responsável subsidiário de acordo com o definido artigo 24° n.° 1 alínea b) da L.G.T., devendo a presente execução fiscal ser revertida para A..., NIF 228…, pelo período contributivo da sua responsabilidade.
Proceda-se a citação em reversão da referida gerente, através de carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 191.° n ° 3, do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
(cfr. fls. 68/frente e verso dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16. Em 25-10-2012 foi entregue à Oponente, citação para a reversão do processo de execução fiscal n.° 10012011... e apensos, no valor total de € 22.123,59 (cfr. fls. 69 a 71 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17. A presente Oposição foi remetida via fax à Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS I.P em 26-12-2011, tendo dado entrada neste Tribunal em 24-11-2016 (cfr. fls. 1 e 3 dos autos).
* * *

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
* * *

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme remissão efectuada em cada número do probatório.


*
Antes de mais cumpre apreciar a admissibilidade da junção com as alegações de recurso de um despacho proferido pelo coordenador da SPE de Leiria num outro processo de execução fiscal que foi revertido contra a Oponente.

Sobre esta matéria regula o disposto o art. 651.º do CPC, que prevê a junção de documentos no caso previsto no art. 425.º do CPC (ou seja, quando a sua apresentação não tenha sido possível até aquele momento) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

O documento em causa diz respeito a um despacho proferido pelo coordenador da SPE de Leiria num outro processo de execução fiscal que foi revertido contra a Oponente, datado de 27/01/2017, ou seja, é posterior à data da apresentação da p.i. (26/12/2011 – cf. ponto 1 da matéria de facto), contudo bem anterior à sentença, pelo que deveria ter sido junto na 1.ª instância, porque não se vislumbra, e nem sequer é invocada qualquer impossibilidade de junção em momento anterior. Por outro lado, não podemos considerar que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, pois esta limitou-se a apreciar o invocado na p.i., e circunscreveu a fundamentação da sentença à prova produzida. Nessa medida, não se encontram reunidos os pressupostos para a admissão do documento, pelo que se irá, a final, rejeitar a sua admissão.

Prosseguindo.

Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra o Meritíssimo Juiz do TAF Almada que julgou improcedente a oposição, entendendo, em síntese, que a exequente cumpriu o ónus da prova que sobre si recaía quanto à gerência de facto da Oponente, sendo que este não provou que não exerceu de facto a gerência da sociedade executada originária, e que era o seu pai que efetivamente exercia essa gerência.

A Recorrente não concorda com o decidido, entende que a prova documental produzida, nomeadamente, da matéria de facto dada como provada nos pontos 2 a 6 resulta que esta não praticou atos de gestão na sociedade executada originária, sendo o seu pai quem praticava todos os atos de gerência.

Contudo, sem razão. Nenhum reparo há a fazer ao decidido pelo Tribunal a quo, que na parte relevante para a decisão do presente recurso, entendeu o seguinte, que aqui se confirma:

“A única questão a decidir na presente Oposição consiste em saber se se verifica a ilegitimidade da Oponente por não ter exercido de facto a gerência da sociedade devedora originária.
Cumpre apreciar e decidir.
Alega a Oponente que, apesar der constar como gerente de direito no período temporal a que se refere a dívida exequenda, não exerceu de facto a gerência da sociedade, a qual foi exercida pelo seu pai J..., tendo estado de baixa, primeiro, para assistência ao seu filho e, posteriormente, por gravidez de risco.
(…)
Ora, no caso dos autos, como resulta do probatório, a Oponente foi gerente de direito da sociedade devedora originária desde a sua constituição até à sua declaração de insolvência a posterior dissolução, tendo sido sempre o único gerente da sociedade (cfr. n.° 1 do probatório).
(…)
Como também já se disse, foi alegada a gerência de facto, ancorada, por um lado, na circunstância de a Oponente ter sido nomeada gerente de direito e, por outro, ter subscrito requerimentos em nome da sociedade devedora originária.
Ora, conforme resulta do probatório, a Oponente apresentou requerimentos em nome da sociedade devedora originária, a solicitar o pagamento em prestações, das dívidas nos processos execução fiscal instaurados contra a sociedade devedora originária, nomeadamente em 30-03-2011, 04-07-2011 e 18-07-2011 (cfr. n.°s 8, 9 e 11 do probatório).
Ou seja, do probatório resulta que, para além de nomeada única gerente da sociedade desde a constituição da sociedade devedora originária até à declaração de insolvência, a Oponente praticou actos de gerência, materializados através da subscrição de requerimentos em nome da sociedade devedora originária dirigidos à Administração tributária.
Ou seja, temos de considerar que o exequente IGFSS I.P. fez a prova que lhe competia, pelo que, a partir daqui, caberia à Oponente contrariar a prova produzida.
A Oponente alegou e demonstrou que no período compreendido entre 14-09-2010 e 29-092010, esteve de baixa para assistência a filho, entre 01-10-2010 e 27-11-2011 esteve de baixa para assistência a filho com deficiência / doença crónica, e entre 28-11-2011 e 28-06-2012 a Oponente esteve de baixa por gravidez de risco (cfr. n.°s, 2, 3, 4 e 5 do probatório).
Alega ainda que a gerência da sociedade naquele período temporal esteve a cargo do seu pai, J.... Porém, nada nos autos evidencia essa gerência, pois nenhuma prova foi efectuada pela Oponente nesse sentido.
Pese embora a situação dramática pela qual a Oponente possa ter passado no referido período em que esteve de baixa, quer pelo nascimento do filho ao qual foi diagnosticado o Síndrome de Pallister - Killian, quer, posteriormente, pela baixa por gravidez de risco, situação essa à qual, nem o Tribunal, nem ninguém pode ficar indiferente, contudo, tal não é suficiente para demonstrar que a Oponente não exerceu a gerência da sociedade naquele período.
Com efeito, a Oponente foi sempre a única gerente designada e os requerimentos em causa foram subscritos precisamente naquele período temporal em que a Oponente se encontrava de baixa.
É certo que a Oponente alega, nas suas alegações escritas, que os referidos documentos foram assinados a pedido do seu pai J..., contudo, não foi feita qualquer prova do alegado.
É que se a Oponente deixou de exercer a gerência da sociedade, como alega, após o nascimento do seu primeiro filho e do diagnóstico da doença do mesmo, e no referido período temporal não exerceu a gerência, porque razão não renunciou a essa gerência e continuou a constar como gerente? Além disso, perante o quadro factual demonstrado, nomeadamente o período temporal em que esteve de baixa, seria perfeitamente possível demonstrar o não exercício da gerência, pois que bastaria para tal ter requerido a produção de prova testemunhal que pudesse atestar o exercício da gerência por parte do seu pai, algo que poderia ter feito quer em sede de audição prévia ao projecto de reversão, requerendo a audição do próprio pai, ou de qualquer pessoa que conhecesse os meandros do funcionamento da sociedade nesse período e tempo, quer, agora, em sede judicial.
Se dos autos constasse apenas a nomeação da Oponente como gerente, sem qualquer documento demonstrativo do exercício da gerência, ainda que a Oponente constasse como única gerente, o tribunal, face ao referido circunstancialismo fáctico, poderia, à luz das regras da experiência comum, considerar como não demonstrado o exercício da gerência.
Isto porque, apesar de ser lícito ao juiz inferir o exercício efectivo da gerência com base na gerência nominal quando resulte provado que no período das dívidas era ele o único gerente nomeado da sociedade e sem a assinatura do qual a sociedade não se podia obrigar e que a sociedade se manteve em actividade no período em causa, esse juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência partindo do facto de se tratar o oponente do único gerente inscrito já não se pode formar quando são alegados e demonstrados factos que manifestamente conflituam com o facto base que suporta aquele juízo (cfr. neste sentido, acórdão do TCA Sul de 22-03-2018, proc. n.° 534/10.9BELRS, acórdão do TCA Norte, de 21-02-2008, proc. n.° 00445/06.2BEPNF, e acórdão do TCA Sul, de 27-10-2016, proc. n.° 07665/14. Todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Sem a prova documental apresentada pelo exequente, e perante o quadro factual demonstrado pela Oponente, seria possível ao Tribunal, à luz das regras da vivência e experiência comum, considerar que, pelo menos, teria sido lançada a dúvida sobre o exercício da gerência, dúvida essa que teria de ser valorada a favor da Oponente e contra o Exequente.
Contudo, no caso dos autos, o Tribunal não pode lançar mão de tal entendimento, pois que a Oponente era a única gerente nomeada no período temporal a que se reportam as dívidas, e assinou documentos em nome da sociedade devedora originária perante terceiros, vinculando- a. E uma vez que o exequente fez essa prova, incumbia à Oponente demonstrar que não exerceu a gerência nesse período, e os documentos que assinou foi a pedido do alegado gerente de facto, o seu pai, sem que, contudo, tenha logrado fazer essa prova. Ou seja, o quadro factual demonstrado pela Oponente, apesar do inegável dramatismo associado ao mesmo, não é suficiente para abalar a prova produzida pelo IGFSS I.P.
Em conclusão, em face de tudo o que ficou dito, e sem necessidade de mais amplas considerações e ponderações, improcedem na totalidade as alegações da Oponente devendo, em consequência prosseguir o processo de execução fiscal os seus termos, conforme infra se determinará.”

Na verdade, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento de facto que lhe assacado, pois por um lado, é de confirmar na íntegra o juízo da sentença recorrida a propósito do cumprimento do ónus da prova pela exequente, para o qual se remete, e que não é colocado em causa pela Recorrente, e por outro lado, ao contrário do que entende a Recorrente não resulta dos pontos 2 a 6 que a Oponente não praticou atos de gestão na sociedade executada originária, nem que era o seu pai quem praticava todos os atos de gerência.

De tal factualidade apenas resulta que a Oponente estava, formalmente, de baixa para assistência do seu filho, mas manifestamente destes factos não se pode extrair a ilação de que deixou de praticar atos de gerência na sociedade executada originária, porque a tal conclusão obsta, desde logo, a factualidade constante dos pontos 7 a 11, da qual resulta que a Oponente no período de baixa e que se reporta a dívida exequenda continuou a conduzir os destinos da sociedade, na medida em que não só subscreveu o requerimento de pedido de pagamento em prestações, como também assinou os A/R da correspondência dirigida à empresa, quando na verdade a sede da empresa não coincide com o seu domicílio pessoal. Sublinhe-se que estas incongruências fáticas ficaram por explicar pela Oponente, que nem em sede de recurso se preocupou em aclarar, limitando-se a esgrimir os mesmos fundamentos da p.i.

Por outro lado, importa atentar ao contexto muito específico em que se insere o caso dos autos, nomeadamente o facto de a Oponente, desde sempre ter sido a única gerente de direito da sociedade executada originária, e mais admite que sempre foi a gerente de facto da sociedade, salvo no período em causa nos autos.

Ademais, ainda que o seu pai conduzisse os destinos da empresa nesse curto período, teria de resultar provado que o fez com animus decidendi, ou seja, com autonomia de decisão, pois considerando que a Oponente admite que sempre conduziu os destinos da sociedade executada originária, resulta das regras da experiência comum, que sempre seria esta que daria as instruções ao seu pai para que ele pudesse gerir uma sociedade que nunca geriu antes, e nessa circunstância, a Oponente ainda que por interposta pessoa sempre teria exercido de facto a gerência da sociedade executada originária.

A verdade é que a Oponente não só não alegou factos suficientes de modo a permitir ao tribunal compreender como se processou efetivamente a gerência de facto da sociedade executada originária no período de baixa da Oponente, como também não produziu prova testemunhal que auxiliasse essa compreensão.

Pelo exposto, importa confirmar a sentença recorrida, e negar provimento ao recurso.
****

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas.


II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

i) Não admitir a junção do documento junto com as alegações de recurso, ordenando-se o seu desentranhamento e devolução à Oponente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC;

ii) negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
****
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 13 de maio de 2021.

A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy