Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:133/19.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2019
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO; VALOR DA CAUSA; SANÇÕES PECUNIÁRIAS; CUSTAS.
Sumário:i) O valor da causa, quando o seu objeto se consubstancia na impugnação de decisão sancionatória de aplicação da pena de multa, corresponde ao valor correspondente ao critério do conteúdo económico do ato, a saber, o montante da sanção aplicada, nos termos do art. 33.º, introito e alínea b), do CPTA.

ii). Exatamente porque o valor da causa é o montante pecuniário da multa, podendo esta não atingir o valor da alçada dos TCA é que o regime dos recursos em matéria sancionatória segue o disposto no art. 142.º n.º 3, alínea b), do CPTA sendo admissível o recurso jurisdicional independentemente do valor da causa, pela especificidade da matéria – direito sancionatório - e pela natureza dos direitos e interesses em causa.

iii) Atento o que, no pressuposto que antecede, a conjugação do disposto art. 2.°, n.ºs 1 e 5, respetiva tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria n.° 301/2015, de 22.09, não se revela totalmente desproporcional e nem compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Futebol C.....- Futebol, sad, apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto contra a Federação Portuguesa de Futebol, impugnação do acórdão proferido a 26.02.2019, pelo Plenário da Secção Profissional do Conselho de Disciplina daquela Federação, que, no âmbito do procedimento disciplinar instaurado - proc. n.º 36 – 18/19 – negou provimento ao recurso hierárquico interposto e manteve a decisão recorrida que aplicara as seguintes sanções: i) sanção de multa de 383,00€, pela prática da infração prevista e punida pelo art. 187.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento Disciplinar da LFPF; e ii) sanção de multa de 1.434,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187.º, n.º 1, alínea b), Regulamento Disciplinar da LFPF.

Por decisão do colégio arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto, datada de 16.09.2019, foi decidido negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Com aquela não se conformando, veio o Recorrente, Futebol C.....- Futebol, sad, interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:

i) A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para 30.000,01 - ao invés do valor total das multas por que foi condenada - foi feita em violação do previsto no art. 33.°, b), do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade, fixando-se o valor da acção no montante de € 1.817,00, e daí extraindo-se as devidas consequências.

ii) No presente caso, a demandante recorreu de uma condenação pecuniária no valor total de € 1.817,00 e, não tendo esse recurso obtido provimento, confronta-se com uma fixação de custas no total de € 6.014,70, o que se revela totalmente desproporcional e compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º, n.º 1 e 268.º-4 da CRP).

iii) Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (artigos 20.° e 268.°, n.º 4 da Constituição) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.

iv) Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.°, n.os 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.a linha), da Portaria n.° 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.° da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.°, n.º 1, e 268.°, n.º 4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.° da CRP).

Termos em que se requer seja o presente recurso julgado procedente, com as devidas e legais consequências.

Mais requer a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2.°, n.ºs 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo I, 2." linha, da Portaria n.° 301/2015, com o previsto nos artigos 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.°- I e 268.°-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.° da CRP), com as legais consequências.»

Contra-alegou a Federação Portuguesa de Futebol, concluindo do modo que segue:

1. Em causa no presente recurso de apelação está um alegado erro na fixação do valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil e um euros) e, por conseguinte, a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva.

2. Sinteticamente, entendeu o Tribunal a quo que, in casu, preponderará o critério relativo a bens imateriais do artigo 34.º, nº 1 do CPTA.

3. De facto, o interesse imaterial que subjaz à pretensão da Recorrente é muito mais do que uma mera revogação de uma decisão disciplinar, indo muito além do valor económico que as sanções pecuniárias que estão em análise demonstram.

4. Ao aludir ao princípio da culpa, constata-se que os interesses invocados, são de ordem constitucional e excedem claramente meros limites quantitativos, motivo pelo qual, o Tribunal a quo, ao utilizar o critério supletivo constante do artigo 34.º do CPTA, não violou o disposto no artigo 33.º, al. b} do mesmo Código.

5. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado à decisão recorrida, andou bem o Colégio de Árbitros na fixação do valor da causa, pelo que, deve decisão arbitrai ser mantida.


Neste Tribunal Central Administrativo, a DMMP emitiu pronúncia no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.

Com dispensa de Vistos aos Mmos. Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente dos presentes autos, mas com divulgação prévia do projeto de acórdão, importa agora, em conferência, apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

A questão a apreciar é, pois, a seguinte:

i) Do erro na fixação do valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) e, por conseguinte, da violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, quanto às custas processuais devidas em sede dos processos de arbitragem necessária no Tribunal Arbitral do Desporto (doravante TAD).

II. Fundamentação de facto e de direito

No item i) das conclusões vem assacado ao acórdão do TAD de incorrer em erro de julgamento por modificação do valor da causa em violação do regime estabelecido no art. 33.º, alínea b), do CPTA.

Esta questão tem sido decidida por este tribunal de recurso, no sentido com o qual concordamos, e por esse motivo aqui transcrevemos, a título de exemplo, a parte decisória proferida a 07.11.2019, no processo n.º 2/19.3BCLSB, desde já se adiantando que assiste razão ao Recorrente, pois: “o objecto da causa consubstancia a impugnação da decisão sancionatória de aplicação da pena de multa; tal significa que compete aplicar o regime específico referente ao critério do conteúdo económico do acto, a saber, o montante da sanção de carácter pecuniário que foi aplicada, nos termos do artºs. 33º b) CPTA. Exactamente porque o valor da causa é o montante pecuniário da multa, podendo esta não atingir o valor da alçada dos TCA’s - € 30000 mais € 0,01 -, o regime de recurso em matéria sancionatória segue o disposto no artº 142º nº 3 b) CPTA sendo justificada a admissibilidade de recurso independentemente do valor da causa, pela especificidade da matéria – direito sancionatório - e pela natureza dos direitos e interesses em causa. Consequentemente, no caso presente o valor que compete é o resultante do pedido de anulação da multa aplicada (…)».

Assim sendo, no caso em apreço, estando em causa a aplicação de duas sanções pecuniárias, o valor da ação será o correspondente ao somatório dos respetivos valores, a saber: 383,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo art. 187.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento Disciplinar da LFPF; e 1.434,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo art. 187.º, n.º 1, alínea b) do mesmo regulamento, o que perfaz o total de € 1.817,00 correspondente ao valor da ação nos termos do art. 33.º, n.º 1, alínea b) do CPTA(1).

Pelo exposto, considera-se procedente a suscitada questão do erro na fixação do valor da causa e revoga-se, nesta parte o acórdão recorrido.

Atento o que, e no pressuposto que antecede quanto ao critério relevante para a fixação do valor da causa, terá de ser analisada a questão subsequentemente suscitada pelo Recorrente, ao pretender que este tribunal desaplique, ao abrigo do art. 204.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) a norma resultante da conjugação do disposto art. 2.°, n.ºs 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria n.° 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º4/5/6 da Lei do TAD, (…) com as legais consequências em virtude de no presente caso, o Recorrente ser obrigado recorrer junto do TAD de uma condenação pecuniária no valor total de € 1.817,00 e, não tendo esse recurso obtido provimento, confronta-se com uma fixação de custas no total de € 6.014,70 [para um valor processual fixado em 30 000,01 euros], o que se revela totalmente desproporcional e compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Vejamos.

Os preceitos indicados como suporte da norma a desaplicar são os seguintes:

Artigo 2.º da Portaria n.º 301/2015, de 22.06:

1 A taxa de arbitragem necessária corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante.

(…)

5 A fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral que vier a ser proferida pelo tribunal arbitral, em função do valor da causa, nos termos do anexo I.»

Por sua vez, da segunda linha do Anexo I da citada Portaria n.º 301/2015, resulta que nas causas de valor compreendido entre os 30.000,01 euros e os 40 000,00 euros, a taxa de arbitragem é sempre de 900 euros, os honorários do coletivo de árbitros somam 3.000 euros e os encargos administrativos 90 euros.


Esta questão tem sido objeto de apreciação por este tribunal de apelação(2), pelo Supremo Tribunal Administrativo(3), nos termos seguintes – cfr. recente acórdão STA n.º 033/18.0BCLSB, de 21.02.2019, e do qual se transcreve, pelo resumo da questão que comporta, o seguinte:

«(…) insurge-se a recorrente com o juízo de improcedência expendido no mesmo acórdão quanto ao pedido de isenção de custas, porquanto alegadamente proferido em violação do disposto nos arts. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2, e 268.º, n.º 4, todos da CRP.

77. Esta questão fundamento de recurso mereceu já resposta concordante deste Supremo nos citados acórdãos de 18.10.2018 [Proc. n.º 0144/17.0BCLSB] e de 20.12.2018 [Proc. n.º 08/18.0BCLSB] no sentido de que a não concessão à Federação Portuguesa de Futebol da isenção da taxa de arbitragem não viola o referido quadro normativo.

78. Afirmou-se na motivação daquele juízo, que aqui se acompanha e reitera, que «[e]fetivamente, resultando dos arts. 76.º, n.º 2, e 77.º, n.º 3, da Lei do TAD [Lei n.º 74/2013, de 6.9, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16.6] que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22.9, nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se pode verificar qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita» e que, nessa medida, fosse violadora do art. 13.º da CRP, sendo que também «é insuscetível de infringir os citados preceitos constitucionais a circunstância de, eventualmente, a legislação que introduziu a arbitragem obrigatória se traduzir num agravamento da responsabilidade tributária da recorrente, quando nem sequer é alegado que o novo regime seja de tal modo gravoso que dificulte de forma considerável o acesso aos tribunais» e que, desta forma, se possam considerar postergados os comandos insertos nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da CRP.»

Assim como, ainda mais recentemente, esta matéria foi também alvo de pronúncia por parte do Tribunal Constitucional – Acórdão n.º 392/18, de 16.10.2019, proferido no processo n.º 392/18 – no sentido da não inconstitucionalidade, in casu, das normas constantes do art. 2.º, n.º 1 e 4, da Portaria n.º 301/2015, de 22.09, em conjugação com a primeira linha da tabela constante do seu anexo 1.

Considerando que é inteiramente aplicável ao caso em apreço a doutrina que dimana do citado aresto do Tribunal Constitucional, pois, apesar de as pronúncias de não inconstitucionalidade não surtirem de lege um efeito preclusivo da discussão da inconstitucionalidade das normas legais, fazendo apenas caso julgado no processo - cfr. art. 80.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional -, o certo é que a doutrina que dimana desta decisão negativa, proferida em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, que aqui se transcreve na parte que relevante, tem inteira aplicabilidade ao caso em apreço.

Vejamos.

«(…) Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita mas uma justiça economicamente acessível à generalidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um centro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13).

(…)

O mesmo raciocínio será transponível para as custas judiciais e para as custas cobradas no TAD -, dado que também nesta área, onde nem sequer impera idêntico princípio, se procura a racionalização na utilização da justiça, uma vez que os recursos são limitados e se pretende reservá-los para aqueles que mais deles careçam.

Independentemente de outras ponderações, trata-se aqui de aplicar um princípio geral de cobertura e imputação de custos, sendo legítima a adoção de medidas aptas a assegurar a sustentabilidade económica de um serviço público prestado por entidades privadas e a imputação do respetivo custo sobre quem, concluindo pela necessidade da utilização desse serviço público, especialmente dele beneficia.

Não questionando tais premissas, o que o Tribunal recorrido defende é que o montante das custas cobradas no TAD por processos arbitrais necessários de valor até 30.000,00 é demasiado elevado, em si mesmo e por comparação com o montantes cobrados nos tribunais estaduais, podendo atingir montantes muito superiores ao valor da causa, como se considerou ser o caso, o que constitui «um condicionamento excessivo e injustificado do acesso aos tribunais por via tributária ou paratributária», especialmente censurável porque as partes não têm a possibilidade de optar, em alternativa, pelo recurso aos tribunais do Estado, que deixaram de ter competência na matéria.

O problema levantado situa-se, pois, ao nível do princípio constitucional da proibição do excesso aplicável em matéria de restrição de direitos fundamentais dos cidadãos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).

(…) Sucede que, (…), há razões constitucionalmente aceitáveis para essa diferença de valores, que se prendem com a natureza privada do TAD - que tem nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento (artigo 1.º, n.º 3, da Lei do TAD) -, o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral, e as próprias características do serviço de justiça prestado pelo TAD.

Note-se, quanto ao primeiro ponto, que a capacidade de auto-financiamento do TAD é essencial para assegurar a sua independência e imparcialidade, quer em relação à administração pública do desporto, quer em relação aos organismos que integram o sistema desportivo cfr. artigo 1.º, n.º 1, da referida lei. A redução do preço do serviço especializado de justiça prestado pelo TAD para níveis equivalentes aos que vigoram na justiça estadual comportaria o risco de comprometer, ou a subsistência do TAD, considerando os custos tendencialmente mais elevados da atividade de arbitragem, ou a sua independência e imparcialidade, que necessariamente passam pela garantia de um estatuto de efetiva autonomia económico-financeira em relação a todas as partes potencialmente envolvidas nos litígios que compete àquele tribunal decidir.

Por outro lado, se é certo que tanto pode recorrer para o TAD um praticante desportivo como uma sociedade anónima desportiva, como é o caso do A., SAD (artigo 52.º da Lei n.º 74/2013), com diferenciados níveis de rendimentos, é razoável que o nivelamento do valor das custas processuais se faça de modo a permitir a viabilização, em condições de independência, de uma entidade jurisdicional que tem por função prestar um serviço de justiça compatível com as necessidades próprias do sistema desportivo, assegurado que esteja, como está, que ninguém será impedido de aceder à justiça desportiva por insuficiência de meios económicos (cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 301/2015, na redação da Portaria n.º 314/2017).

Finalmente, não é possível ignorar que o serviço de justiça desportiva prestado pelo TAD, também no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária, está normativamente estruturado em termos que garantem a competência e qualificação especializada dos árbitros, por um lado, e a prolação de decisões em tempo compatível com a natureza específica do tipo de litígios abrangidos pela sua jurisdição, por outro.

Com efeito, o TAD integra na sua composição o Conselho de Arbitragem Desportiva (CAD), órgão que é composto por 11 membros, sendo 2 deles designados pelo Comité Olímpico de Portugal, 2 designados pela Confederação de Desporto de Portugal e 1 pelo Conselho Nacional do Desporto, de entre juristas de reconhecido mérito e idoneidade, com experiência na área do desporto (artigos 9.º e 10.º, n.º 1, alíneas a) a c), da Lei do TAD). Compete ao CAD, designadamente, estabelecer a lista de árbitros do TAD, com base em propostas apresentadas por entidades com responsabilidades institucionais no sistema desportivo (artigo 21.º), e promover o estudo e a difusão da arbitragem desportiva, bem como a formação específica de árbitros, nomeadamente estabelecendo relações com outras instituições de arbitragem nacionais ou com instituições similares estrangeiras ou internacionais (artigos 11.º, alíneas a) e g), da mesma lei). Essa lista de árbitros é integrada, no máximo, por 40 árbitros, designados de entre juristas de reconhecida idoneidade e competência e personalidades de comprovada qualificação científica, profissional ou técnica na área do desporto (artigo 20.º, n.º 2). Acresce que a competência arbitral necessária é sempre exercida por um colégio de três árbitros, podendo cada parte designar um árbitro, devendo os árbitros assim designados escolher o terceiro, que atuará como presidente do colégio (artigo 28.º, n.ºs 1 e 2).

Por outro lado, em atenção às exigências próprias do sistema desportivo, a tramitação do processo arbitral obedece a um padrão comum de simplicidade, celeridade e eficácia, que se manifesta, por exemplo, na regra da continuidade dos prazos processuais, que não se suspendem aos sábados, domingos e feriados, nem em férias judiciais (artigo 39.º, n.º 1), na possibilidade da redução dos prazos legalmente previstos (artigo 40.º), já por si muito curtos, sendo de 5 dias o prazo geral para a prática de atos processuais (artigo 39.º, n.º 3) e de 15 dias o prazo de prolação da decisão final, que se conta da data do encerramento do debate da causa (artigo 58.º, n.º 1), incorrendo os árbitros que obstem a que a decisão seja proferida dentro do prazo legal em responsabilidade pelos danos causados (artigo 45.º).

O serviço de justiça prestado pelo TAD revela, assim, um nível de especialização e rapidez que, sendo imposto por razões de interesse público com relevância constitucional (artigo 79.º da Constituição), beneficia diretamente os operadores do sistema desportivo. É, pois, razoável que o maior custo necessariamente implicado na prestação desse serviço seja suportado por quem, tendo condições económicas para tanto, como é manifestamente o caso do A., SAD, e da Federação Portuguesa de Futebol, dele objetivamente beneficia.

Conforme é referido no Acórdão n.º 155/2017, «[p]ara que se possa considerar existir uma clara desproporção que afeta o carácter sinalagmático de um tributo não se pode atender apenas ao carácter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço (acórdãos nºs. 640/95 e 1140/96); ela há-de igualmente ser aferida em função de outros fatores, designadamente da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo (cfr. acórdãos nºs. 1140/96; 115/02 e 349/02).»

Ora, estando em causa a prestação do serviço público de justiça, como é o caso, a utilidade do serviço não deve ser aferida tendo em consideração apenas o valor da causa, mas todos os benefícios com expressão económica que decorrem das características específicas do serviço prestado, designadamente quanto ao (menor) tempo de resposta e o (maior) grau de especialização. (…)»

Em suma, face à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, e, bem assim, a que vem sendo firmada por este Tribunal Central Administrativo Sul – cfr. se expôs supra -, na motivação de um juízo de não inconstitucionalidade das normas em apreço, que aqui se acompanha e reitera, claudica a última alegação de recurso, sendo que, a questão da violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade, na sequência da revogação da decisão recorrida quanto à fixação do valor da causa, sempre estaria, em parte, prejudicada.


III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, fixando à causa o valor de €1.817,00, com as demais consequências legais, designadamente, quanto à determinação do valor da taxa de arbitragem e demais encargos do processo no TAD.

Custas a cargo da Recorrida.

Lisboa, 10.12.2019.



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Dora Lucas Neto


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Pedro Figueiredo


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Cristina Santos


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(1).Neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, 2017, pg. 232.

(2).Acórdão deste TCA Sul, de 07.11.2019, P. 2/19.3BCLSB, supra citado, e demais jurisprudência no mesmo referida.
(3).v. P. 0144/17.0BCLSB, de 18.10.2018, P.08/18.0BCLSB, de 20.12.2018; P.033/18.0BCLSB, de 21.02.2019