Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2499/15.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL
DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA
NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO - REQUISITOS
Sumário:I A notificação da decisão de aplicação da coima deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva – Artigo 79º n.º e 2 do RGIT.
II A falta de prova da notificação dos termos da decisão, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79º RGIT, constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação, como resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º RGIT.
III A nulidade da decisão que aplicou a coima, não pode ser suprida pelo teor da notificação da decisão, cujo regime está previsto no nº 2 do artigo 79º.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

Q... - E..., Lda., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras, que lhe aplicou a coima no montante de € 2.184,00, no âmbito do processo de contraordenação nº 1....

O Tribunal Tributário de Lisboa (TT), por decisão de 19 de maio de 2020, julgou procedente o recurso.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. O tribunal a quo ao determinar a anulação da notificação da decisão, sem considerar todos os elementos, porquanto da prova produzida, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida e não obstante carece de ordenar todas as diligências que considera úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer, neste sentido entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento.

B. Analisada a petição inicial de recurso de contra-ordenação verifica-se que a arguida percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título de ilícito contraordenacional, pelo que não lhe foram coarctados quaisquer direitos de defesa. 

C. Acresce que, o procedimento contraordenacional e os elementos dos autos, tiveram como base um pedido de reembolso efetuado pela Recorrente, que foi alvo de inspeção, houve necessariamente intervenção da própria Recorrente.

D. No entanto e apesar disso vem elencar o desconhecimento dos fundamentos que sustentam a aplicação da decisão por falta de notificação da decisão de aplicação de coima.

E. A conclusão da douta decisão é contrária porquanto estando todos os elementos disponíveis para conhecimento nos presentes autos, afigura-se que a decisão sancionatória contém os elementos bastantes no que respeita aos factos típicos, resultando que a mesma foi devidamente notificada a Recorrente, não obstante da mesma poder aceder a todos os elementos versus www.portaldasfinancas.gov.pt ou mesmo dirigindo-se ao serviço de finanças de torres vedras e consultando o processo.

F. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no n.° 1 do art.° 13.° do CPPT, do artigo 70.° e 79°, n° 2 do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


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A recorrida, Q... - E..., Lda., devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, devendo, em seu entender, a douta sentença sob recurso ser mantida na esfera jurídica, uma vez que não sofre qualquer vicio.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1. ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, aplicável “ex vi” do artigo 3.º al. b), do RGIT e do artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, as questões suscitadas são as de saber se a decisão recorrida errou no julgamento de facto e de direito ao decidir que a notificação da decisão de aplicação de coima não contém os termos da decisão (artigo 79. ° n.º 1 alíneas a) a f) e n.º 2 do RGIT) consubstanciando nulidade insuprível do processo de contraordenação (artigo 63. ° n.º 1 alínea d) também do RGIT).

Em caso de procedência cabe ainda aferir das questões que se deixaram prejudicadas, nomeadamente, (i)legalidade da coima que lhe foi aplicada, porquanto a prestação tributária não deixou de ser entregue ao credor tributário.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

“1. Em 24/05/2013 foi elaborado auto de notícia que identificava a Recorrente como sujeito passivo e responsável pela prática dos factos aí relatados, no qual se inscreveu no campo dedicado à “Descrição dos Factos, Data e Local da Verificação da Infracção” o seguinte: “... Aos vinte e quatro dias do mês de Maio de dois mil e treze... no exercício das minhas funções, numa acção de inspecção interna, para informação do reembolso de IVA do, do período 2012- 03T de 72.808,51, do sujeito passivo Q... E... LDA, NIPC: 5..., com sede na Qta D..., 2560-000 Dois Portos a qual se encontra colectada no serviço de Finanças de Torres Vedras (1589), pela actividade de turismo no espaço rural a que corresponde o CAE: 055202, verifiquei pessoalmente que: 1 - O sujeito passivo deduziu indevidamente no campo 20 da(s) D.P.(s) do(s) período(s), 2010-09TIVA no valor de 10.920,00 conforme documento(s) discriminado(s) no Quadro I porque a(s) factura(s) não contêm a denominação usual dos bens transmitidos e a quantidade transmitida. A factura refere apenas Venda de equipamentos, móveis, louças, utensílios e decoração do Restaurante D.... QUADRO I... Período Factura/recibo Data Valor IVA Total - 2010/09T 3146 26-07-2010 52.000,00 10.920,00 62.920,00... Nos termos da alínea b) do n.° 5 do art° 36° do CIVA As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencial mente e conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foí acordada a sua devolução De harmonia com o disposto na alínea a) do n.° 2 do art. ° 19° do CIVA Só confere direito a dedução o imposto mencionado, em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo e nos termos do n.° 6 do mesmo artigo para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal a ; faturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 36,° do mesmo diploma. A falta acima descrita origina inexatidão na D.P. do período 2010-09T que constitui infração prevista e punível pelo art.° 119 n.° 1 do RGIT. ” - cfr. fls. 2 e 3 dos presentes autos.

2. No auto de notícia referido em 1. constam como normas infringidas os artigos 19°, n.° 2 e 36°, n.° 5 do CIVA e como normas punitivas os artigos 114°, n.°s 2 e 5 alínea f) e 26, n.° 4 do RGIT - cfr. fls. 2 dos presentes autos.

3. Na sequência da elaboração do auto de notícia referido em 1. e 2. foi instaurado, em 25/03/2015, sobre a Recorrente o processo de contra-ordenação n.° 1... - cfr. fls. 9 dos presentes autos.

4. Tendo por referência a factualidade e as normas jurídicas indicadas no auto de notícia referido em 1. e 2. foi determinada, no quadro do processo de contra-ordenação referido em 3., a notificação da Recorrente para apresentar defesa, realizar pagamento antecipado ou proceder ao pagamento voluntário nos termos dos artigos 70°, 75° e 78° do RGIT, respectivamente - cfr. fls. 10 e 11 dos presentes autos.

5. Em 26/05/2015 foi proferida, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras, decisão de fixação de coima no processo referido em 3., a qual apresentava a seguinte “Descrição Sumária dos Factos”: Aos vinte e quatro dias do mês de Maio de dois mil e treze... no exercício das minhas funções, numa acção de inspecção interna, para informação do reembolso de IVA do, do período 2012-03T de 72.808,51, do sujeito passivo Q... E... LDA, NIPC: 5..., com sede na Qta D..., 2560-000 Dois Portos a qual se encontra colectada no serviço de Finanças de Torres Vedras (1589), pela actividade de turismo no espaço rural a que corresponde o CAE: 055202, verifiquei pessoalmente que: 1 - O sujeito passivo deduziu indevidamente no campo 20 da(s) D.P.(s) do(s) período(s), 2010-09T IVA no valor de 10.920,00 conforme documento(s) discriminado(s) no Quadro I porque a(s) factura(s) não contêm a denominação usual dos bens transmitidos e a quantidade transmitida. A factura refere apenas Venda de equipamentos, móveis, louças, utensílios e decoração do Restaurante D.... QUADRO I. Período Factura/recibo Data Valor IVA Total - 2010/09T 3146 26-07-2010 52.000,00 10.920,00 62.920,00... Nos termos da alínea b) do n.° 5 do art° 36° do CIVA As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencial mente e conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução De harmonia com o disposto na alínea a) do n° 2 do art.° 19° do CIVA Só confere direito a dedução o imposto mencionado, em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo e nos termos do n.° 6 do mesmo artigo para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal a ; faturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 36,° do mesmo diploma. A falta acima descrita origina inexatidão na D.P. do período 2010-09T que constitui infração prevista e punível pelo art.° 119 n.° 1 do RGIT - os quais se dão como provados... ” - cfr. fls. 13 dos presentes autos.

6. Na decisão referida em 5. vêm indicadas como normas infringidas os artigos 19°, n.° 2 e 36°, n.° 5 do CIVA; como normas punitivas os artigos 114°, n.°s 2 e 5 alínea f) e 26, n.° 4 do RGIT; como período de tributação 201009t; como data da infracção o dia 15/11/2010; e como coima fixada, o valor de 2.184,00€ - cfr. fls. 13 dos presentes autos.

7. Da decisão referida em 5. constam como elementos considerados para a definição da medida da coima aplicada





- cfr. fls. 14 dos presentes autos.

8. Na decisão referida em 5. foi proferido pelo Chefe de Finanças de Torres Vedras despacho com o seguinte conteúdo: “Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. ° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 2.184,00 cominada no(s) Art(s)° Art. ° 114 n° 2 e 5 f) e 26 n.° 4°, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. ° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro. Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com benefício de redução no prazo de 15 dias (78°/2 RGIT) ou sem benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79°/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de "Reformatio in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e Financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível)... ” - cfr. fls. 14 dos presentes autos.

9. Na decorrência da decisão referida em 5. a 8. foi determinada a notificação à Recorrente dessa mesma decisão, a qual foi empreendida remetida em 25/06/2015 com o seguinte conteúdo: “... Fica notificado, de acordo com o estatuído no n.° 2 do art.° 79.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente notificação, efectuar o pagamento da coima aplicada no processo supra referido por despacho de 2015-07-10, do Chefe do Serviço de Finanças, que se anexa, no montante de 2.184,00 ouros, e das custas processuais no valor de 76,50 euros ou, querendo, recorrer judicialmente contra tal decisão, conforme previsto no art.° 80.° do mesmo regime legal, vigorando, neste caso, o princípio da proibição da Reformatio in Pejus (a sanção aplicada não será agravada salvo se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível); Mais fica notificado de que se efectuar o pagamento voluntário da coima no decurso do prazo de 15 (quinze) dias a contar da presente notificação, beneficia da redução para 75% do montante mencionado no ponto anterior, conforme previsto no n.° 2 do art.° 78° do RGIT, não podendo no entanto o valor da coima a pagar ser inferior ao montante mínimo legal respectivo, acrescido do valor das custas processuais acima indicadas. Porém, o pagamento voluntário da coima não afasta a aplicação das sanções acessórias ore vistas na lei e se, até à decisão, não tiver regularizado a situação tributária perde o direito à redução e o processo prossegue para cobrança da parte da coima nos n.°s 3 e 4 do art. ° 78° do RGIT. Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostre efectuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á à cobrança coerciva da coima e das custas processuais referidas no ponto 1, mediante processo dc execução fiscal, conformo previsto no artigo 65. do RGIT. Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço http://vvww.portaldasfmancas.gov.pt ou no serviço de finanças instrutor do processo... ” - cfr. fls. 15 dos presentes autos.

10. Em 10/07/2015 foi elaborada 2° notificação da referida em 9. dirigida à Recorrente, tendo a mesma sido remetida nos mesmos termos que a referida em 9. - cfr. fls. 16 dos presentes autos.

11. A decisão referida em 5. a 8. não foi anexada às notificações referidas em 9. E 10.

12. O presente recurso foi apresentado em 24/08/2015.

Factos não provados.

Com relevância para a pronúncia a emitir no presente processo, dá-se como não provado o seguinte facto:

a. À Recorrente foi enviada a decisão referida em 5. a 8. dos factos provados.

b. A Recorrente tomou conhecimento do conteúdo da decisão referida em 5. A 8 dos factos provados.

Motivação da matéria de facto:

A decisão da matéria de facto, efectuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, nomeadamente o Auto de Notícia, Decisão de aplicação de coima e as cópias das decisões judiciais juntas aos presentes autos que mereceram a credibilidade do Tribunal e não foram impugnados, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.

Quanto aos factos não provados os mesmos assim se deram em virtude da total ausência de prova sobre a sua verificação e/ou ocorrência.»


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Do direito

Na situação sub judice, a Recorrente (FP), não se resigna com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou verificada a nulidade insuprível do processo de contraordenação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT, por considerar que a notificação da decisão de aplicação de coima não contém os termos da decisão de fixação de coima referidos nas alíneas a) a f) do n.° 1, tal como determina o n.º 2, ambos, do 79° do RGIT.

Nas conclusões das alegações do recurso interposto vem invocado erro de julgamento, porquanto, afirma a recorrente, “… da prova produzida, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida…” e acrescenta que “… carece de ordenar todas as diligências que considera úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer, …” – concl. A.

Argui ainda, “… que a arguida percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título de ilícito contraordenacional, pelo que não lhe foram coartados quaisquer direitos de defesa.” – concl. B.

O que justifica, acrescentando que “… o procedimento contraordenacional e os elementos dos autos, tiveram como base um pedido de reembolso efetuado pela Recorrente, que foi alvo de inspeção, houve necessariamente intervenção da própria Recorrente.” – concl. C.

Com o que pretende concluir no sentido de que a arguida, aqui recorrida “… foi devidamente notificada (…), não obstante do mesmo poder aceder a todos os elementos versus www.portaldasfinancas.gov.pt ou mesmo dirigindo-se ao serviço de finanças de torres vedras e consultando o processo.” – concl. E.

Decidido o Mmo juiz a quo, no que para o caso releva, estribou-se no o seguinte elóquio fundamentador:

«(…)
Comecemos por conhecer da nulidade que a Recorrente imputa à notificação da decisão de aplicação de coima.
Proferido sobre situação de facto em tudo idêntica à que conforma o presente recurso emitido sobre o mesmo quadro jurídico foi o Acórdão TCA Sul, de 28/11/2019, tirado no processo n.° 2477/17.6BELRS, a cujo conteúdo, tanto quanto ao discurso fundamentador mobilizado, como quanto à solução jurídica propugnada aderimos na íntegra e sem reservas, pelo que tanto por economia de meios, como enquanto forma de dar cumprimento às exigências de interpretação e aplicação uniformes do direito consagradas no artigo 8°, n.° 3 do Código Civil, passamos a transcrever o excerto relevante do mesmo, mobilizando-o como fundamentação da presente pronúncia.
Exaram-se os seguintes termos no Acórdão TCA Sul, de 28/11/2019, processo n.° 2477/17.6BELRS: “... A MMa juiz considerou que “...a notificação da decisão de aplicação da coima não cumpre o art. 79°, n. ° 2, do RGIT porquanto não identifica o infrator, nem contém os elementos que determinaram a aplicação da coima tal como exige o art. 79°, n.°2 do RGIT.
Com efeito, a notificação da decisão de aplicação da coima à ora recorrente, não contém os termos da decisão no que concerne à identificação do infrator e dos elementos que determinaram a aplicação da coima, tal como exige o art. 79°, n. ° 2, do RGIT, designadamente a identificação do infractor, autor da contraordenação, e os requisitos de fixação da coima, designadamente, a existência ou não de actos de ocultação, a existência ou não de beneficio económico, a frequência da prática de contraordenações, a existência de dolo ou negligência, obrigação de não cometer a infração, a situação económica financeira da recorrente e o periodo de tempo decorrido desde a prática da infração, pelo que esse notificação énula por força do art. ° 63°n. ° 1 alínea d) do RGIT”.
E acrescentou.
“Apesar da decisão de aplicação da coima constante dos autos conter esses elementos, a notificação da decisão de aplicação da coima à ora recorrente não contém os referidos elementos”.
E por isso determinou a “...anulação da decisão de aplicação da coima destes autos e os ulteriores termos do processo...” ordenando que após trânsito os autos sejam remetidos à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notemos, em primeiro lugar, que a sentença recorrida não anulou a decisão de aplicação da coima, antes decidiu que apesar da decisão de aplicação da coima conter os elementos (exigidos pelo n.° 2 do art.° 79° RGIT) a notificação que foi efetuada à arguida não os contém e por isso é nula (a notificação) por força do art. ° 63° n.° 1 alínea d) do RGIT.
Portanto, não é sobre a nulidade da decisão que a sentença versa, mas sim sobre nulidade da notificação dessa decisão.

A notificação que junta como documento n.° 1 não contém a decisão de aplicação da coima nem contém todo o seu conteúdo.
A AT, contudo, não ofereceu qualquer prova de que o conteúdo da decisão de aplicação da coima tenha sido notificado à arguida. E embora nas conclusões de recurso o Exmo. Representante da Fazenda Pública refira que Aquando da notificação de aplicação da coima é enviado em anexo ao arguido a decisão de aplicação da coima (Conclusões F) a J), é precisamente o envio desse “anexo” que não está demonstrado.
A AT juntou aos autos cópia da decisão e na informação dos serviços menciona-se que na notificação efetuada da decisão de aplicação da coima-pagamento voluntário/recurso nos termos do art. 79° do RGIT constam os elementos contribuíram para a fixação da coima (fls. 43 dos autos).
Mas não ofereceu qualquer prova de que a decisão tenha sido notificada à arguida. E não é verdade que na notificação efetuada constem os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Ora, de acordo com os n.°s 1 e 2 art.° 79 do RGIT, a notificação deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.° 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
Mas a verdade é que a AT não provou ter efetuado a notificação dos termos da decisão.
Ora, não contendo a notificação efetuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.° 1 do art. 79° RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.° 1 do art. 63° RGIT, e que é do conhecimento oficioso (art. 63°/5 RGIT).
Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, acompanhada da decisão, após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.

Acresce que a faculdade prevista no art. 37º/1 do CPPT que permite aos interessados requerer a notificação de fundamentos da decisão que tenham sido omitidos na notificação, não é aplicável às decisões de aplicação de coima em processo de contraordenações tributárias …”- acórdão disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Ora, tal como no aresto cujo excerto supra transcrevemos, também no caso sub judice estamos perante uma situação em que a decisão de fixação de coima contém todas as formalidades exigidas pelo n.° 1 do artigo 79° do RGIT, sendo a notificação dessa decisão de fixação de coima à Recorrente que é totalmente omissa quanto ao conteúdo da decisão de aplicação de coima que pretende notificar, isto é, dar a conhecer, à Recorrente - cfr. 9. a 11. dos factos provados.
Sendo que no presente caso, tal como no do aresto cujo excerto supra transcrevemos, não foi adquirido pelo processo qualquer prova de que o conteúdo da decisão de fixação de coima referida em 5. a 8. dos factos provados.
Assim sendo, tal como no caso que enforma o aresto que supra citámos, nos presentes autos é de se concluir que a notificação da decisão de aplicação de coima constante de 9. e 10. dos factos provados não contém os termos da decisão de fixação de coima referidos nas alíneas a) a f) do n.° 1 do artigo 79° do RGIT, tal como determinado no n.° 2 do mesmo artigo 79°, o que, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 63° do RGIT consubstancia nulidade insuprível do processo de contra-ordenação.
O que determina, na decorrência do afirmado no parágrafo supra, a anulação da notificação à Recorrente da decisão de aplicação de coima recorrida no presente processo, assim como dos seus ulteriores termos.
Procedendo a anulação constante do parágrafo supra (…) » – fim de citação

O assim decidido não nos merece qualquer censura, termos em que se acompanha o decidido e o aproveitamento do aresto deste TCA proferido em 28/11/2019, em que se fundamenta e no qual aqui também nos louvamos.

Deste modo e atento o que se deixa exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude o n.º 2 do artigo 79º do RGIT (os termos da decisão), consubstanciando nulidade insuprível da notificação consagrada no art.º 63.º n.ºs 1, alínea d), do mesmo diploma, pelo que a sentença que assim o decidiu deve manter-se, devendo desta forma improceder o presente recurso jurisdicional.

Dito isto, importa, a titulo de nota final, acrescentar um breve apontamento quanto à renovação do ato ora declarado nulo, para o que transcrevemos a posição que uniformemente tem vindo a ser seguida nos tribunais superiores retirada do acórdão do acórdão do STA, proferido no processo 270/10, em 28/04/10, que se pronuncia sobre uma questão de nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima, mas que “mutatis mutandis” tem aplicação no caso em análise.

Diz-se ali: “decretada em processo judicial de contra-ordenação a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação da coima, há lugar à baixa dos autos à autoridade tributária que aplicou a coima para eventual renovação do acto sancionatório.

A razão de ser deste entendimento, encontra-se claramente espelhada, entre muitos outros, no Acórdão deste Tribunal de 3 de Junho de 2009 (rec. n.º 444/09), para o qual se remete no que à fundamentação jurídica da decisão agora tomada respeita.

Aí se deixou expresso o seguinte entendimento, igualmente válido no caso dos autos:

«Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.

Ora, como se tem vindo a dizer em inúmeros acórdãos desta Secção (v. Acs. de 6/11/02, 18/2/04, 22/9/04, 11/4/07, 20/6/07 e 31/10/07, nos processos 1507/02, 1747/03, 531/04, 204/07, 411/07, e 754/07, respectivamente), a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa ser sanada, mas antes que o decurso do tempo não tem esse efeito, pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.

Assim, a nulidade por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima não impede que venha a ser proferida nova decisão em substituição da anulada desde que prolatada até ao trânsito em julgado da decisão final, tanto na fase administrativa como na judicial” – fim de citação

Termos em que, e como se determinará, após baixa dos autos ao tribunal recorrido, deverá este remeter os mesmos à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista à possível renovação do ato de notificação.

III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, mais se anulando todo o processado subsequente à notificação da decisão de fixação da coima, devendo o processo baixar ao Tribunal a quo para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do ato de notificação.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de março de 2021




[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]

Hélia Gameiro Silva
(assinado digitalmente)