Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02552/08
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/15/2009
Relator:Lucas Martins
Descritores:I. IRC
II. CUSTOS DE EXERCÍCIO
III. INDISPENSABILIDADE.
Sumário:1. À luz do preceituado no art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, a indispensabilidades dos custos ou perdas à realização de proveitos e à manutenção da fonte produtora é de aferir a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária concretamente exercida e com abstracção de um qualquer e necessário nexo causal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «U ..., S.A.», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão documentada de fls. 183 a 194, inclusive, dos autos e que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial enquanto deduzida contra liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1997, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

5.1. Subjacente à decisão recorrida está um facto, dado como provado pelo Julgador a quo que não foi invocado e objecto de qualquer prova. Ora o Julgador está, salvo os limites dos factos de conhecimento oficioso, notórios ou decorrentes de presunções judiciais, limitado aos alegados pelas partes e não pode dar como provado, um facto não alegado.

5.2. O Julgador a quo incorre num equívoco de leitura, porquanto o facto alegado pela aqui recorrente, em resposta à afirmação da administração fiscal, que defendeu que o programa vendido em 1996 estaria obsoleto, menciona que nunca se poderia considerar como obsoleto, um programa que a própria C ... ainda utilizava em exclusivo em 2003 para o exercício da sua actividade comercial.

5.3. Nunca se disse nem afirmou que nos anos subsequentes à venda de saber fazer, a C ... continuou a exercer para a U ... a mesma actividade, mas sim que a C ..., nos anos subsequentes, pelo menos até 2003, continuou a exercer a sua própria actividade comercial com o mesmo programa que a Administração Fiscal considera obsoleto.

5.4. Aceitou-se apenas, que no ano da transacção que teve lugar nos finais de 1996 e nos anos de 1997 e 1998,a C ... prestou serviços à U ... e mesmo estes, foram decrescendo quanto á sua natureza, embora a facturação tenha aumentado, apenas em razão da duplicação da carteira de clientes.

5.5. O Tribunal a quo decidiu que o período de arranque da actividade seria necessariamente curto, numa visão unilateral sobre o que consiste a respectiva implementação, sendo certo que esta envolveu a contratação e formação de pessoal, a migração de todos os dados, a negociação e contratação de centenas de oficinas espalhadas por todo o País e tudo isto sem deixar de prestar aos clientes, os serviços até então sub--contratados à C ..., os quais duplicaram em 1997 por força do aumento de carteira da U ....

5.6. Ou seja, o Tribunal não indagou sobre se a U ... para exercer directamente o exercício da actividade de gestão de frotas, carecia ou não do Saber Fazer transmitido pela C ..., ou se lhe era necessário ou não o respectivo programa informático de execução. Limitou-se a concluir que essa necessidade era incompatível com o facto de, nos anos posteriores, a C ... continuar a prestar esses serviços. Facto esse não verdadeiro nem provado.

5.7. O Tribunal a quo desconsiderou o custo, porque não aferiu o mérito e adequação deste pela utilidade que proporciona, tendo em conta o escopo visado no desenvolvimento dos negócios e na obtenção de proveitos, mas sim utilizou como critério o tempo que o adquirente do bem, do direito ou da utilidade o levou a implementar.

5.8. Ao julgar como fez, violou a decisão sob recurso entre outros que V. Exas. doutamente suprirão, o disposto nos artigos 99.º, 100.º e 124.º do CPPT.

- Conclui pela procedência do recurso com as legais consequências.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 232, pronunciando- -se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso, uma vez que ficou demonstrado nos autos que, no exercício de 1997, “a recorrente apresentou amotizações no imobilizado relativas a um bem que não «detinha» efectivamente (…)” sendo, nessa medida, irrelevante o teor das conclusões 5.1. a 5.4..

*****
- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, remetendo para os elementos constantes dos autos e segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;
- MATÉRIA DE FACTO -

A). A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, na sequência das Ordens de Serviço n.º 2115 e 96457 de 14.10.1999, relativa aos exercícios de 1996 e 1997, tendo sido efectuadas, para o que aqui importa, correcções técnicas ao IRC no montante de € 209.294,57 (41.959.794$00) e € 255.846,74 (51.292.667$00), conforme identificada no parecer e despachos do relatório de inspecção, a fls. 66 do PA apenso aos autos – cfr. cópia do relatório de inspecção junta a fls. 66 a 92 do PA, o que se dá por integralmente reproduzido.

B). Como consta do relatório de inspecção, as correcções técnicas ora impugnadas foram efectuadas com os fundamentos que a seguir se indicam:

Exercício de 1996

- indemnizações extraordinárias no montante de 33.000.000$00 (€ 164.603,31)

A correcção foi efectuada conforme ponto 3.1.4. do relatório de inspecção tributária, por se ter entendido que a impugnante contabilizou na conta 69802 – indemnizações extraordinárias a verba de 33.000.000$00 (€ 164.603,31), conforme nota de débito n.º 1244 de 17.12.1996, emitida pela empresa N ... – Comércio de Automóveis, Ldª., respeitante a indemnização paga pela impugnante a esta empresa por atraso na entrega de viaturas, considerando ser a responsabilidade pelo atraso das referidas viaturas da sociedade TUPI II, de acordo com a carta anexa à respectiva nota de débito (cfr. fls. 111 do PA), enten(den)do-se, portanto, que deveria a ora impugnante ter facturado esta verba a esta última sociedade, e não a ter suportado como da sua inteira responsabilidade, como custo do exercício.
Tendo concluído que o montante em causa foi contabilizado como custos e perdas extraordinários, quando deveria ter sido contabilizado em conta de terceiros apropriada, procedeu-se à correcção impugnada, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, al. c) do CIRC.

Exercício de 1997

Aquisição de software, amortização de 49.995.000$00 (€ 249.374,00)

“… a empresa contabilizou duas notas de débito emitidas pela empresa A ... – Gestão de Frotas Manutenção e Garantias, geralmente denominada de C ..., n.ºs 90248 e 90249 de 30/11/1996 no valor de 75.000.000$00 cada uma, mais IVA no valor de 25.500.000$00, referente à transferência de programas de software de tecnologia de gestão de frotas.
No entanto, verificamos através de contactos efectuados com aquela empresa que se tratava já de um software obsoleto, por outro lado todo o trabalho referente a gestão de frotas continuou a ser feito por aquela empresa, utilizando o software facturado à “U ... – S.A.”, no total de 150.000.000$00 mais IVA, valor que esta contabilizou na conta “42” e que começou a ser amortizado em 1997, à taxa de 33,33%, tendo assim, amortizado neste exercício o valor de 49.995.000$00. este valor não foi aceite fiscalmente, por se tratar de um custo não comprovadamente indispensável á realização de proveitos e manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do CIRC.”

C). A impugnante pagou à N ...r uma indemnização no montante de 33.000.000$00, respeitante a atrasos na entrega a esta sociedade por parte da impugnante de viaturas alugadas à sociedade TUPI II, tendo a impugnante debitado 38.610.000$00 – cfr. documentos de fls. 110 e 111 do PA e depoimento das testemunhas Carlos Monteiro e Maria Paula Guimarães.

D). A impugnante accionou uma garantia bancária, prestada pela TUPI II, junto do Banco Espírito Santo, no montante de 32.000.000$00 – cfr. documento de fls. 57 dos presentes autos.

E). Em 30.11.1996, a A ... emitiu as notas de débito n.º 90248 e 90249, de 75.000.000$00 (sem IVA) cada, perfazendo um valor total de 150.000.000$00, tendo como descrição “valor referente a transferência da tecnologia de gestão de frotas e de contratos de manutenção e utilização dos sistemas informáticos”, as quais serviram de suporte à amortização efectuada em 1997 – cfr. documentos a fls. 131 e 132 do PA.

F). A impugnante confessou, nomeadamente no artigo 50.º e 81.º da p.i. ter procedido no exercício de 1997 à amortização de um programa informático que corresponde às notas de débito supra identificadas.

G). A A ... continuou a debitar custos à impugnante, relativos a gestão de frotas, após a data de emissão das referidas notas de débito – cfr. documentos de fls. 133 a 142.

H). No ano em causa e nos anos seguintes, todo o trabalho de gestão de frotas da impugnante foi executado pela A ..., a qual utilizou para o efeito o mesmo software vendido à impugnante – cfr. documentos de fls. 133 a 142 e artigo 80.º da p.i..

I). Em consequência das correcções supra identificadas, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 8310000200, relativa ao exercício de 1996, no valor de € 112.704,06 (22.595.135$00), bem como a liquidação de IRC do exercício de 1997, com o n.º 8910001993, pela qual se altera o prejuízo declarado de € 779.834,86 (156.342.853$00) para um prejuízo corrigido de € 523.988,12 (105.050.186) – cfr. cópia dos documentos de cobrança junto a fls. 24 e 27 dos autos e prints a fls. 149 a 152 do PA).

J). A impugnante procedeu em 09.03.2001 ao pagamento do montante apurado pela liquidação de IRC n.º 831000020, ora impugnada, de € 112.704,06 (22.595.135$00), conforme resulta da informação prestada em 14.02.2006, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, junta a fls. 156.157 do PAT e do carimbo de validação aposto no documento de cobrança respectivo.

K). Em 06.06.2001, a ora impugnante apresentou reclamação graciosa (n.º 3107-01/ 400185.0) dos actos tributários ora impugnados, com os fundamentos constantes na petição junta a fls. 2 a 5 e 7 a 10 dos autos de reclamação graciosa apensa aos presentes autos).

L). A reclamação graciosa foi indeferida pelo despacho de 02.01.2002, notificado á ora impugnante pelo ofício n.º 1072, de 11.01.2002 – cfr. despacho de indeferimento, ofício de notificação e respectivo registo com aviso de recepção, a fls. 45 e 56 dos autos de reclamação apensa aos presentes autos.

M). Em 29.01.2002, conforme carimbo aposto a fls. 32 a impugnante deduziu a presente impugnação.

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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos referidos nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.
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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida que «a decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, as informações oficiais constantes dos autos e nos depoimentos das testemunhas».
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- Do cotejo das conclusões do presente recurso, enquanto balizadoras dos respectivos objecto e âmbito, com as alegações de que são uma síntese, verifica-se que a recorrente sindica, desde logo, o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido, no que concerne á matéria levada às als. G). e H). (pontos 7 e 8) do probatório – cfr., particularmente, o teor do 3.º §, a fls. 217 dos autos.

- Como o atestam as referidas als., o Mm.º juiz recorrido para dar por assente tal factualidade, arrimou-se, de forma exclusiva, ao teor do art.º 80.º, da p.i., e aos docs. que constituem fls. 133 a 142, necessariamente do PAT apenso, seja porque o processo de reclamação graciosa, igualmente apenso, não comporta paginação tão alta, seja porque de fls. 133 a 142, destes autos, o único documento de prova existente é uma certidão da produção da prova testemunhal produzida na impugnação n.º 29/2002, em 2006JUL12,e aproveitada para este processo (cfr., v.g., fls. 137).

- Rememorando as referidas alíneas, o Mm.º juiz recorrido considerou estar demonstrado que, em 1997, “a A ... continuou a debitar custos à impugnante, relativos a gestão de frotas, após a data de emissão das referidas notas de débito” e que, nesse mesmo ano “(…) e nos anos seguintes, todo o trabalho de gestão de frotas da impugnante foi executado pela A ..., a qual utilizou para o efeito o mesmo software vendido à impugnante”; Ora se a matéria constante da al. G). não sofre contestação, face ao teor da referida documentação (as ditas fls. 133 a 142), já o mesmo se não pode afirmar quanto ao teor da alínea subsequente.

- De facto, aqueles referidos documentos o que permitem extrapolar é que, com referência aos meses de Março a Dezembro, inclusive, do exercício de 1997, a «A ...», com referência à actividade de gestão de frotas, debitou à recorrente custos, nos valores ali referenciados, o que, não se questionando que se reportem à referida gestão pela utilização do «software» em causa, não permite, no entanto e por si, concluir que, como se diz na dita al. H)., tais custos sejam os correspondentes à totalidade dos incorridos com a referida gestão de frotas, no exercício em causa; Por outro lado, o que o art.º 80.º, do articulado inicial, consubstancia é um raciocínio argumentativa no sentido de informar a ilação extrapolada pela AT, de que o «software» em questão era obsoleto, uma vez que não só se tratava do mesmo «software» utilizado pela «A ...», no exercício de 1997, como o era, ainda, por ela utilizado no exercício de 2000, contrariando, assim e no entender da recorrente, a possibilidade de se concluir que tal programa já estaria fora de condições de utilização em 1997.

- Ou seja, dos elementos a que se ancora a decisão recorrida, nenhum deles, por si ou em conjunto, permite concluir, como ali se fez, que no exercício de 1997 e nos subsequentes toda o trabalho de gestão de frotas da impugnante foi levada a cabo pela «A ...».

- Assim e a coberto do preceituado no art.º 712.º/1 do CPC, altera-se a redacção da al. H)., do probatório, por forma a que onde se lê «(…) todo o trabalho de gestão de frotas da impugnante foi executado (…)» se passe a ler »(…) todo o trabalho de gestão de frotas da impugnante foi, pelo menos, executado também (…)».
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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Quanto ao mérito a recorrente insurge-se contra o decidido e, na medida em que, por ele acobertado, contra as correcções operadas pela AT, no entendimento de que ao contrário do considerado pelo Tribunal, que nem sequer o diligenciou indagar, o exercício da sua actividade de gestão de frotas carecia do know-how que lhe foi transmitido pela «A ...», designadamente com o «software» de execução em questão que foi, assim, necessário ao respectivo exercício.

- Dito de outra forma, a recorrente, como desde sempre fez (cfr. art.ºs 90.º e segs. da p.i.), contesta a fundamentação substancial a que se ancorou a AF para proceder às correcções da matéria colectável declarada referente ao exercício de 1997 – único em causa no presente recurso – e decorrentes da despesa com a aquisição daquele «software», sendo certo que, tal como se dá conta na al. B). do probatório, tal fundamentação consistiu, apenas e só, no seguinte discurso jurídico;
“… a empresa contabilizou duas notas de débito emitidas pela empresa A ... – Gestão de Frotas Manutenção e Garantias, geralmente denominada de C ..., n.ºs 90248 e 90249 de 30/11/1996 no valor de 75.000.000$00 cada uma, mais IVA no valor de 25.500.000$00, referente à transferência de programas de software de tecnologia de gestão de frotas.
No entanto, verificamos através de contactos efectuados com aquela empresa que se tratava já de um software obsoleto, por outro lado todo o trabalho referente a gestão de frotas continuou a ser feito por aquela empresa, utilizando o software facturado à “U ... – S.A.”, no total de 150.000.000$00 mais IVA, valor que esta contabilizou na conta “42” e que começou a ser amortizado em 1997, à taxa de 33,33%, tendo assim, amortizado neste exercício o valor de 49.995.000$00. Este valor não foi aceite fiscalmente, por se tratar de um custo não comprovadamente indispensável á realização de proveitos e manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do CIRC.”

- Ou seja, a não aceitação de tal despesa, como custo, radicou exclusivamente no entendimento de que o mesmo não constituía um custo comprovadamente indispensável à realização dos proveitos e manutenção da fonte produtora, face ao que preceituava o art.º 23.º do CIRC, uma vez que, por um lado, os autores do relatório terão, com fonte na «A ...», concluído que o «software» transmitido era obsoleto e, por outro, na afirmação, indemonstrada, de que todo o trabalho referente à gestão de frotas continuou a ser feito pela última com o programa informático facturado á recorrente.

- É, assim, assertivo, que tudo gira à volta do conceito de indispensabilidade dos custos, para a respectiva relevância jurídica, face ao que preceituava o art.º 23.º do CIRC.

- E, nesta matéria, cabe, desde logo, notar que no que toca à noção de “necessidade” e/ou “indispensabilidade” prevista no art.º 23.º/1 do CIRC e a que a AT se arrimou para proceder às correcções aqui em causa, não deixamos de nos identificar com a jurisprudência e a doutrina, quando preenche tal conceito por reporte ao interesse societário do sujeito passivo que pretende qualificar as (determinadas) despesas como custos fiscalmente relevantes.

- Em suporte desse entendimento socorremo-nos do Ac. deste Tribunal tirado no Proc. n.º 1.107/06, de 2007JUL17 e de que respigamos, por transcrição, o seguinte excerto (1);

«Nos termos do art. 23° nº l do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.(...).
(...).
A questão a decidir passa, portanto, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido art. 23º do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis. Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Sem embargo da relevância assumida pela realidade juridico-economica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr, o ac. do STA, de 23/9/98, AD 452/453, p. 1057, citado pela recorrente) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da AT, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito.
Ora, como se disse, o art. 23° do CIRC dispunha, na redacção à data(2) :
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(...)».
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.»
(…)
«Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro..
«Neste sentido vai, também, o entendimento de António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pags. 113 e sgts.), quando sustenta que «A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).
A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». (1)
Para este autor, a interpretação para a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica. (…) uma interpretação da indispensabilidade em função do objecto social e da actividade desenvolvida pela sociedade. A identificação com a actividade comercial, industrial ou agrícola desenvolvida pelo sujeito passivo é critério suficiente. Se se quiser falar de “relação causal”, esta só pode ter lugar por via de uma ligação entre os custos e a actividade da empresa. Nunca entre os custos e os proveitos ou a manutenção da fonte produtora.» (negrito da nossa autoria).

- Isto mesmo para quem, como nós, se perfila na linha dos que consideram que não basta a ocorrência de toda e qualquer despesa, desde que subsumível ao tipo de actividade exercida pelo sujeito passivo, para que, necessariamente, tenha/possa ser havida como custo fiscal relevante para efeitos do artigo em questão, considerando-a como “indispensável”, sob pena de se não vislumbrar qualquer efeito e, muito menos, útil, à letra da lei que, apesar de subsequentes alterações legislativas, desde o tempo do CCIndustrial (art.º 26.º do respectivo compêndio legal) até ao exercío aqui em causa (art.º 23.º/1 do CIRC) sempre manteve o conceito de “indispensabilidade” como pressuposto legal à qualificação de determinada despesa como custo fiscal, mas que entendem que essa aferição se há-de processar numa relação entre o custo (despesa) e a actividade, concretamente, desenvolvida pelo sujeito passivo, assim tendo, de alguma forma, ínsita a necessidade de apreciação “a posteriori” da gestão empresarial; mas, reafirma-se, apenas enquanto pressuposto à referida aferição, em concreto, do custo à actividade societária e já não quanto à bondade e/ou oportunidade, particularmente económica, da realização dessa mesma despesa.

- Ou seja acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflicta uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos.

- Isto é, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre “(...) a bondade da gestão empreendida (...)”, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinado despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos.

- Mas, sendo assim, como se entende dever ser, logo se intui que a razão se encontra do lado da recorrente, no que à sentença diz respeito, na medida em que a Mm.ª juiz recorrida veio a considerar que a aferição da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais se há-de processar por referência aos proveitos obtidos.

- Assim, na sentença recorrida e com pertinência ao que se vem de referir, consignou-se, nesta matéria e particularmente, o seguinte;

«Esta matéria não poderá deixar de ser analisada em função do estabelecido no artigo 23.º do CIRC que dispõe que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Ora, perante» a factualidade tida por provada de que a «A ...», após ter vendido o «software» em causa, à recorrente, continuou a debitar-lhe custos relativos á gestão de frotas, tendo, em 1997 e nos exercícios seguintes, executado todo o trabalho da recorrente inerente a tal actividade «torna-se difícil, se não impossível, entender que os custos de amortização do referido software sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da impugnante.»

- Conclui-se, assim, que, quer a AF, num primeiro momento, quer a decisão recorrida, na medida em que deu cobertura à actuação daquela, vieram a entender que não se encontrava demonstrado, - cabendo o respectivo ónus à impugnante -, que as importâncias aqui em causa e não aceites como custos fiscais relevantes foram indispensáveis à obtenção de proveitos da recorrente, em juízos de valor que se prendem com a bondade e oportunidade de tais despesas, segundo critérios de (boa) gestão, uma vez que não questionam, em concreto, nem a realização de tais despesas pela recorrente, nos montantes indicados, nem que elas fossem adequadas à concretização do seu escopo societário.

- E, sendo assim e na linha do que acima se referiu, forçoso se impõe concluir que a razão se encontra do lado da recorrente.
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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e em julgar procedente a presente impugnação, no que concerne ao exercício de 1997, co todas as consequências legais.
- Sem custas.

Lucas Martins (Relator)
Pereira Gameiro (1º Adjunto)
José Correia (2º Adjunto)

(1) Cfr. ainda, os Acs. deste Tribunal subscritos, na mesma qualidade, pelo ora relator, tirados nos Porcs. n.º 1902/07 e 1691/07, respectivamente, em ;
(2) Redacção que, como ao que aqui nos importa, é a aplicável aos exercícios em questão – redacção dada pela Lei n.º 127-B/1997DEZ20.