Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2709/19.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ENTREGA DE IMÓVEL QUE CONSTITUI CASA DE MORADA DE FAMÍLIA DO DETENTOR.
Sumário:Nos termos do regime da entrega de imóvel vendido na execução, na situação em que o mesmo é ocupado por terceiro que faz daquele a sua habitação, o deferimento do pedido de efectivação da entrega do imóvel ao adquirente deve ser sujeito à comunicação prévia às entidades competentes para acautelar o direito à habitação do requerido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
A Fazenda Pública deduziu, ao abrigo do artigo 151º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), incidente para efectivação e posse de imóvel, pedindo a passagem de mandado judicial onde se determine o auxílio das autoridades policiais em diligência de arrombamento e substituição de fechaduras para tomada de posse efectiva e entrega ao adquirente, do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …………………, sob o artigo 5…., fracção “E”, vendido no âmbito do processo de execução fiscal nºs ………………. e apensos.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 279 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), julgou o pedido improcedente. Inconformada, a Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, encerrando as suas alegações de fls. 301 e ss (numeração em formato digital – sitaf), com o seguinte quadro conclusivo:
«A - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou improcedente o incidente para a efetivação da posse e entrega de imóvel requerida pela Fazenda Publica, alegando a previsibilidade de danos morais irreparáveis para a família que nele habita.
B - Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que da prova junta aos autos se não podem extrair as conclusões plasmadas na douta sentença.
C - Antes de mais, é entendimento da Fazenda Publica que a M. Juiz entra em contradição e ambiguidade na presente sentença, pois, por um lado, no ponto III.2.1- Da suspensão por alegada causa prejudicial, conclui que “o presente incidente tem, como melhor veremos adiante, um regime especial, simplificado, urgente por natureza, incompatível com a suspensão pretendida. Por fim, as providências cautelares caracterizam-se pela sua instrumentalidade e provisoriedade, logo, a questão aí resolvida será decidida provisoriamente, não podendo, por isso, constituir questão prejudicial. Também não pode ser causa prejudicial a ação para o reconhecimento do direito de preferência referida no facto provado 7. Na verdade, como acima se referiu, a suspensão acabaria por consubstanciar uma suspensão da execução fiscal fora dos condicionalismos legais e, de qualquer modo, o presente incidente é urgente por natureza, incompatível com a suspensão.” E, por outro lado, no ponto III.2.2 – Da entrega do imóvel, ao concluir que “se neste incidente fosse autorizada a entrega efetiva do imóvel, com a consequente expulsão da aludida família enquanto estão pendentes as referidas ações, prevê-se que causasse danos morais irreparáveis a essas pessoas.” Entra em contradição e ambiguidade pois, acaba por “atribuir efeitos suspensivos” ao processo de execução fiscal fora dos condicionalismos legais, incompatíveis com o processo de execução fiscal em si mesmo e, com o presente incidente.
D - Assim, forçoso é concluir que ao abrigo da al. c) do nº 1 do art.º 615º do CPC a sentença padece de nulidade por ser ambígua na sua fundamentação e decisão.
E - Todavia, caso os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores assim não o entendam,
F - No que respeita ao teor da ação proposta pelo residente no imóvel Jorge Batista de reconhecimento do direito de preferência e na condenação do promitente vendedor na restituição do sinal em dobro, diremos:
G - De acordo com o disposto no n.º 7, do artigo 249.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sobre a “Publicidade da venda”, «Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu direito no ato da adjudicação».
H- A falta de notificação dos titulares do direito de preferência tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular (art. 819°, n°2, do CPC), que é o de possibilitar-lhes a instauração de ação de preferência.
I- Se, depois da venda, o preferente tiver êxito na ação de preferência, o preferente substituir-se-á ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra (art. 839°, n°2, do CPC), podendo exercer os direitos que este tem de pedir a anulação da venda pelos fundamentos indicados na alínea a) do n°1 do art. 257°, do CPPT., de pedir a entrega dos bens, contra o detentor, na própria execução, nos termos previstos nos art.ºs. 828.º.° e 861.º do CPC, e de requerer o levantamento da penhora e o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam, nos termos do art. 824.º, n°2, do Código Civil.
J - Significando que sem estar verificada a procedência da ação de preferência, não poderá ser invocado o correspondente direito como o faz o Requerente.
K - Por outro lado, não está evidenciado nos autos a omissão por parte da AT., de qualquer dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo do requerente Jorge Batista, em matéria tributária.
L - Tudo o quanto é invocado pelo Requerente é lateral ao ato de venda levado a efeito pelos Serviços da AT., porquanto, como se deixou demonstrado, é matéria cujo desfecho há-de ter lugar entre promitente comprador, compradora e promitente vendedor.
M - A Fazenda Nacional mais não fez que acionar o processo de execução, levando-o à venda, sua conclusão, em observância dos princípios da indisponibilidade e da proibição da moratória com assento nos art.ºs 30.º e 36,.º da LGT.
N - Ainda que não exista nos autos qualquer referência ao facto de a adjudicatária necessitar do imóvel para residir, nem teria de existir porque não é isso que aqui está em causa, não se lhe pode sobrepor o facto de o requerente Jorge Batista lá residir há vários anos, pois esse facto não lhe dá qualquer direito, pois este sabia que o imóvel não era seu e como o mesmo refere, esteve anos para tratar da celebração do contrato definitivo. Mais, comparando os títulos referentes ao imóvel vendido, temos que a Alexandrina possui um termo de adjudicação que lhe confere o direito de propriedade e o requerente Jorge Batista apenas um contrato de promessa de compra e venda que nada mais lhe dá que a promessa da celebração do contrato definitivo ou a restituição em dobro do que havia pago a título de sinal caso o contrato prometido não venha a realizar-se. O facto de lá residir nada acrescenta ao título que tem, pois como invoca o M. Juiz do Ministério Publico no seu parecer no processo que corre termos sob o nº 1717/17.6BESNT, já acima transcrito, “a entrega antecipada do imóvel, traditio, ocorrida na vigência do contrato promessa, não é um efeito do contrato, resulta apenas de uma convenção de natureza obrigacional entre o promitente-vendedor, o dono da coisa, e o promitente-comprador, e deste modo o mesmo, autorizado pelo promitente-vendedor e por tolerância deste é nesta perspetiva um mero detentor precário pois não age com animus possidendi, mas apenas com o corpus possessório.”
O - Ora, “proteger” este direito ao domicílio da forma como se descreve na douta sentença ora recorrida, para alem de colidir com toda a génese do processo de execução fiscal, e com a legalidade do mesmo, nomeadamente com a fase da venda dos bens neles penhorados e com o direito de propriedade de quem os adquire de forma legal, abriria, por tempo indeterminado, um leque de manobras dilatórias postas à disposição de quem as pudesse aproveitar.
P - Pelo que, salvo melhor entendimento, e com todo o respeito, andou mal o tribunal ao julgar improcedente o presente incidente.
Q - Recorre ainda a Fazenda Publica quanto à guia de custas emitida pelo douto tribunal a quo, com a referência 7………………….., com a importância a pagar de €1.285,20, até 05-06-2020.
R - Todavia, tratando-se, como se trata, de um incidente, havia lugar a tributação em custas a fixar em harmonia com os princípios da causalidade e da sucumbência, e de acordo com o disposto no artigo 7º, nº 4 e 8, do RCP.
S - A tributação seria de fixar no arco compreendido entre 0,5 UC a 5 UC (tabela II-A, item outros incidentes, anexa ao RCP), e não, salvo o devido respeito, segundo a tabela I.
T - Pelo que, deve a deverá a guia para pagamento da taxa de justiça n.º7………………. notificada à Fazenda Publica ser anulada.
U - Por todo o exposto, verifica-se que a sentença proferida padece de nulidade ao abrigo do disposto na al. c) do nº 1 do art.º 615º do CPC; porém, caso assim se não entenda, deverá determinar-se a procedência do presente incidente, por a venda efetuada no processo de execução fiscal não padecer de qualquer ilegalidade nem haver prejudicialidade de qualquer das ações propostas pelo requerente Jorge Batista, que obste à entrega efetiva do imóvel à adjudicatária do mesmo; e ainda a anulação da guia de custas notificada à fazenda Publica por violação do disposto nos nº 4 e 8 do art.º 7º do RCP e tabelas I e II anexas.
V - Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, levando a que também preconizasse uma errada valoração da factualidade dada como assente violando os normativos supra referenciados.
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Não há registo de contra-alegações
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O Digno Magistrado do M.P. regularmente notificado emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso e de a “…sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido”.
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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
1- Em 25-02-2009, a S.................... ………………Civil, Lda. celebrou contrato-promessa de compra e venda, na qualidade de promitente-vendedora, com J …………………., na qualidade de promitente-comprador, tendo por objecto o imóvel abaixo identificado em 2, constando da cláusula sexta do mesmo contrato que o promitente-comprador entrava nessa data na posse da referida fracção autónoma - vd. o facto provado c) na sentença do TAF de Sintra proferida no proc. ………../17.2BESNT, cuja cópia foi junta aos autos com o Requerimento Inicial (RI), aqui dada por reproduzida.
2- No processo de execução fiscal n.º ………………..e apensos, instaurado em 26-05-2010, para pagamento coercivo de dívidas de IMI e coimas, em 30-02-2014 foi penhorado à executada S.................... C…………., Lda. o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ......., sob o n.º ..…………-E, como fracção autónoma «segundo andar esquerdo – habitação», e inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ………….. sob o art.° ……….., fracção "E”, sita na Av., Dr. …………., n.º ……., 2.º esquerdo, L …………, C………….., pertença da executada, tendo a penhora sido registada, pela Ap. 6441, de 19-06-2014 (conforme certidão do Registo Predial, informação de 29-10-2019 e cópia da sentença do TAF de Sintra no proc. ……../17.2BESNT, juntos aos autos com o RI e aqui dados por reproduzidos).
3- Foi nomeada fiel depositária desse imóvel referido em 2 I ………………….. (informação de 29-10-2019 junta aos autos com o RI, aqui dada por reproduzida).
4- Por despacho de 11-07-2017 foi marcada a venda do referido imóvel em 2 (informação de 29-10-2019 junta aos autos com o RI, aqui dada por reproduzida).
5- A decisão de adjudicação desse imóvel referido em 2 recaiu sobre a proposta apresentada por A………………….., que pagou o valor proposto e os encargos respectivos (cópia do auto de adjudicação e informação de 29-10-2019 juntos aos autos com o RI, aqui dados por reproduzidos).
6- J ………………. intentou providência cautelar, dando origem ao processo n.º………./17.2BESNT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, pedindo a suspensão de todos os efeitos da venda de imóvel referido em 2, efectuada no processo de execução fiscal n° ………………..e apensos, vindo essa providência cautelar a ser julgada improcedente, tendo ainda sido interposto recurso sobre a mesma, o qual foi julgado improcedente por Acórdão proferido pelo TCA Sul, de 11/4/2019 (alegado pela AT e não controvertido e conforme sentença do TAF de Sintra junta com o RI).
7- J ……………………, invocando direito de preferência na aquisição do imóvel acima referido em 2, intentou contra a Autoridade Tributária e Aduaneira e os aí contra-interessados S.................... – C………., Lda. e A ……………. a acção para o reconhecimento de um direito prevista no artigo 145º nºs 1 e 3 do CPPT, que tem o n.º 1717/17.6BESNT e corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, pedindo que «seja reconhecido direito do Requerente a exercer preferência na aquisição do imóvel» identificado em 1 e «caso assim não se entenda […], que seja o promitente vendedor condenado à restituição do sinal em dobro, acrescido de juros de mora desde o respectivo vencimento e até integral pagamento, com as consequências legais», aguardando essa acção que seja proferida sentença (conforme certidão do TAF de Sintra, entrada a 11/2/2020).
8- Em 04-10-2019 foi notificada a fiel depositária acima identificada em 3 do Ofício com o n.º 3219, de 23-09-2019, do Chefe do Serviço de Finanças 5 de Lisboa, para no prazo de 10 dias proceder à entrega do aludido imóvel, o que ela não fez (cópia do Ofício n.º 3219 e cópia do AR da carta de notificação juntas aos autos, aqui dadas por reproduzidas).
9- A…………………, adjudicatária do referido imóvel, veio requerer à AT «a entrega das chaves e da fracção, livre e devoluta de pessoas e bens, no prazo de 10 dias» (conforme requerimento junto aos autos e aqui dado por reproduzido).
10- Em 21-02-2020 J ………………….. intentou providência cautelar contra os sócios da promitente vendedora S...................., A……………..e a Autoridade Tributária, que corre termos como proc. n.º ……../20.0T8CSC, no Juízo Central Cível de ....... - Juiz 2, pedindo que seja «judicialmente reconhecido o direito do Requerente reter na sua posse o imóvel fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar esquerdo, de tipologia T2, com lugar de estacionamento designado pelo número seis, localizado no piso menos 1, do prédio urbano sito na Avenida Dr. ………………….., n.° 255, nos …………, freguesia de C……………, concelho de ......., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ....... sob a ficha número ….. da Freguesia de ………..», e «serem os Requeridos condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que ponham ou possam pôr em causa o direito de retenção do Requerente sobre o referido bem imóvel», aguardando essa acção que seja proferida sentença (conforme cópia da PI da aludida providência cautelar junta aos autos).
11 – J …………………… apresentou nestes autos um requerimento (de 22/2/2020, com a ref. 006845169) alegando:
- Ser o «promitente adquirente do imóvel objecto dos presentes autos, estando a habitar o imóvel de forma pacífica e pública há mais de 11 anos, data muito anterior à venda judicial do imóvel em sede de execução fiscal»;
- Referindo que «perante o incumprimento definitivo por parte da promitente vendedora […] tem o direito a que alude a 2ª parte do artigo 442.°, n.° 2 do Código Civil, ou seja, de exigir o sinal pago em dobro, pelo incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, assim se constituindo credor daqueles na quantia de € 80.000,00»;
- Concluindo que, «por esse motivo, nos termos do artigo 755.º, n.°1 alínea f) do Código Civil, […] beneficia também de um direito de retenção sobre o dito imóvel, que é oponível a terceiros como a Autoridade Tributária.»
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Factos não provados: Dos autos não resulta provado que, até à data da autuação do presente incidente, a depositária tenha entregado as chaves do imóvel em causa à adquirente. // Também não resulta provado que tenha sido proferido qualquer despacho de anulação de venda ou deduzido o correspondente incidente.
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Motivação da matéria de facto: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos formou-se com base nos factos alegados e não controvertidos e nos documentos não impugnados constantes dos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório. // Os factos não provados decorrem de não existir nos autos qualquer prova da ocorrência dos mesmos.
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

12. Por meio de sentença proferida em 20.03.2020, pelo Tribunal Tributário de Sintra, foi julgada improcedente a acção de reconhecimento do direito a exercer o direito de preferência sobre o imóvel em causa nos autos, intentada por J ………………… contra a Fazenda Pública (referida no n.º 7).
13. A sentença referida no número anterior transitou em julgado em 02.07.2020.

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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.
iii) Erro de julgamento quanto ao segmento de condenação em custas.

2.2.2. A sentença julgou improcedente o pedido de autorização de arrombamento do imóvel em causa nos autos. Aí se consigna que «(…) [e]fectuando a ponderação de bens, consideramos que entre o interesse público da execução fiscal e a tutela da propriedade de A…………. versus a manutenção na habitação de J …….., alegadamente detentor do imóvel há vários anos e com direito de retenção, deve prevalecer, no presente momento, a situação de J…………….. e sua família. Efectivamente, se neste incidente fosse autorizada a entrega efectiva do imóvel, com a consequente expulsão da aludida família enquanto estão pendentes as referidas acções, prevê-se que causasse danos morais irreparáveis a essas pessoas».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença em crise o desvalor da nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que a mesma, por um lado, considera que não é de deferir o pedido de suspensão da instância em razão da pendência da acção intentada por A………………, ocupante do imóvel, com vista ao reconhecimento do direito de preferência sobre a alienação do mesmo, porquanto tal consubstanciaria uma suspensão da execução fiscal fora dos condicionalismos legais; por outro lado, afirma-se que «se neste incidente fosse autorizada a entrega efectiva do imóvel, com a consequente expulsão da aludida família enquanto estão pendentes as referidas acções, prevê-se que causasse danos morais irreparáveis a essas pessoas».
Vejamos.
Dispõe o artigo 615.º/1/c), do CPC, que «[é] nula a sentença quando // os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». Compulsado teor da sentença em crise, verifica-se que a apontada contradição não se confirma. A mesma rejeita a tese da relação de prejudicialidade entre os processos em causa, o que não significa que a existência da acção de reconhecimento do direito preferência, a par da notícia da habitação do prédio por parte do agregado de A ……………, não possam conduzir o tribunal à rejeição do pedido de entrega do imóvel ao seu adquirente, com o inerente despejo do agregado que o habita, com base na ponderação de bens jurídicos em presença.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente sustenta que o ocupante do imóvel não alega, nem comprova o encabeçamento de qualquer direto passível de ser oposto ao direito do adquirente à entrega do imóvel, no âmbito da execução fiscal. Mais refere que «comparando os títulos referentes ao imóvel vendido, temos que a Alexandrina possui um termo de adjudicação que lhe confere o direito de propriedade e o requerente J ………. apenas um contrato de promessa de compra e venda que nada mais lhe dá que a promessa da celebração do contrato definitivo ou a restituição em dobro do que havia pago a título de sinal caso o contrato prometido não venha a realizar-se. O facto de lá residir nada acrescenta ao título que tem»
Vejamos. Uma vez liquidado o preço e satisfeitas as obrigações fiscais, «os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados. // Seguidamente, o agente de execução comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil» (1).
«O adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens». «O órgão de execução fiscal pode solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado ao adquirente» (artigo 256.º/2 e 3, do CPPT). «A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei (artigo 34.º/2, da CRP).
A tramitação do incidente de entrega do imóvel adquirido na execução fiscal ao comprador é regulada pelo disposto nos artigos 859.º a 867.º do CPC – “Da execução para entrega de coisa certa”, ex vi artigo 2.º/e), do CPPT.
O recorrido habita o imóvel, na qualidade de promitente-comprador, tendo obtido a posse do mesmo, por tradição da promitente vendedora (n.º 1 do probatório). Nesta medida, o recorrido exerce o direito de retenção sobre o imóvel (artigo 755.º/1/f), do CC). «(…) [O] direito de retenção de que beneficia legalmente o promitente-comprador visa garantir o pagamento [do crédito resultante do incumprimento do contrato-promessa imputável ao promitente-vendedor], importando salientar que o promitente-comprador adquire por essa via da retenção, uma posse legítima e titulada» (2). Todavia, o direito de retenção caduca com a efectivação da venda executiva (artigo 824.º/2, do CC).
Feito o presente enquadramento, verifica-se que a situação em exame nos autos assemelha-se àquela em que o executado habita o imóvel, em virtude de contrato de arrendamento ou outro tipo de acordo celebrado com o anterior senhorio, dado que em ambos os casos, até à venda executiva, existiu a posse titulada de imóvel, usado como habitação do agregado; imóvel que, entretanto, foi alienado na execução fiscal a terceiro, adquirente, que requer a entrega do bem.
Este TCAS teve ocasião de apreciar situação semelhante à dos presentes autos, através do Acórdão de 07/06/2018, P. 2555/15.6BESNT (3). Aí se consigna que: «Estando em causa o pedido de determinação da entrega das chaves do imóvel vendido na execução, o qual constitui casa de morada da família do executado, sem que esteja assegurado o realojamento do respetivo agregado, deve o órgão de execução fiscal comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes».
«O artigo 861.º, n.º 6, do CPC, relativo à entrega da coisa, determina que, quando está em causa a “casa de habitação principal do executado”, tem de: (i) se aplicar “o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863.º; (ii) “caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado”, tem de ser feita comunicação, pelo agente de execução, antes do arrombamento, das dificuldades de realojamento «à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes». // (…) // Estando em causa o pedido de determinação da entrega das chaves do imóvel vendido na execução, o qual constitui casa de morada da família do [recorrido], e não tendo sido assegurado o realojamento do agregado, cabe ao órgão de execução fiscal comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (artigo 861.º, n.º 6, 2ª parte, do CPC). Diligência cuja observância não foi assegurada nos autos. Sem embargo, a mesma configura uma condição a realizar em momento anterior à consumação da diligência, o que não impede o deferimento da mesma. // De onde resulta que o pedido de entrega efectiva do imóvel, com a utilização da força policial, caso seja necessário deve ser deferido, com a comunicação antecipada do facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (artigo 861.º, n.º 6, 2ª parte, do CPC). Tal comunicação deve ser realizada com antecedência mínima, que se julga razoável de sessenta dias, em relação à data da consumação da diligência» (4).
Ao julgar em sentido diferente do referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter, deve ser substituída por decisão que defira o requerido, sem esquecer a comunicação prévia, com antecedência mínima, que se julga razoável, de sessenta dias, em relação à data da consumação da diligência.
Termos em que se impõe julgar procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto entende que a tributação em custas, segue o regime previsto no Regulamento de Custas Processuais para os «outros incidentes».
Está em causa a decisão de incidente enxertado na execução fiscal, com vista à entrega efectiva do imóvel ao seu adquirente, previsto no artigo 151.º/1, do CPPT. A este propósito, determina o artigo 7.º do Regulamento de Custas Processuais, que «[a] taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento» (n.º 4). «Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas». Afigura-se ser de seguir no caso, a orientação fixada pelo STA, através do Acórdão de 20/10/2010, P. 0655/10, a propósito da reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, nos termos da qual, «[a] dependência estrutural da reclamação prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT em relação à execução fiscal obsta a que a instauração da reclamação seja considerada para efeitos de taxa de justiça inicial como equiparada à introdução em juízo de um processo novo. // Assim, é aplicável à determinação da taxa de justiça inicial devida não os valores constantes da Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais, mas sim a Tabela II do mesmo RCP».
Donde resulta que a tributação em custas deve atender ao disposto na Tabela II - “Outros incidentes” do RCP – 0,5 a 5 UCs. Ao decidir em sentido discrepante a sentença sob recurso não se pode manter, devendo ser substituída por decisão que fixe a taxa de justiça em 2 Ucs.
Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i) Rectificar a decisão de condenação em custas em 1.ª instância, da qual passa a constar a condenação no pagamento de 2 Ucs.
ii) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e deferir o pedido de efectivação da entrega do imóvel ao adquirente, sem esquecer a comunicação prévia às entidades competentes (com conhecimento ao recorrido), com a antecedência mínima de sessenta dias em relação à data da consumação da diligência.

Custas pelo recorrido, que se fixam em 1UC.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Hélia Gameiro da Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Artigo 828.º do CPC ex vi artigo 2.º/e), do CPPT.
(2) Marco Gonçalves, Embargos de terceiro na acção executiva, Coimbra Editora, 2010, p. 146.
(3) Disponível em www.dgsi.pt.
(4) Acórdão de 07/06/2018, P. 2555/15.6BESNT.