Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1474/14.8BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL;
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
Sumário:I. Os gestores ou administradores de uma sociedade tem o dever de a apresentar à insolvência quando se verifique uma situação de insusceptibilidade de satisfação de obrigações vencidas, que em função das respectivas características intrínsecas, designadamente o seu montante, denotem a incapacidade de continuar a satisfazer a generalidade dos créditos que sobre si recaem. Não se justifica o dever de imediata apresentação à insolvência face às primeiras dificuldades de tesouraria e de cobrança de créditos.
II. Age sem culpa o gestor que tenta ultrapassar as dificuldades de tesouraria, provocadas pela impossibilidade de cobrança dos créditos da empresa, através da angariação de novos clientes e da redução das despesas e com sacrifício do seu património pessoal, ainda que tais diligências se venham a revelar infrutíferas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1. Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do TAF de Almada que julgou procedente a oposição à execução fiscal nº ….., do Serviço de Finanças do Seixal 1, inicialmente instaurado contra a sociedade «B….., LDA», e que reverteu contra o opoente B….., na qualidade de responsável subsidiário, veio interpor recurso jurisdicional.
*
1.2. O objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª Entendeu-se na douta Sentença, ora questionada, que o oponente logrou ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda de IVA que e sobre si impendia.
2.ª Conforme decorre dos autos, o acto de reversão teve a sua origem no facto de a devedora originária não ter bens suficientes para fazer face às dívidas exequendas e ainda no facto do oponente ser o gerente de facto da devedora originária.
3.ª Alegando o oponente, designadamente, que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
4.ª E conquanto não haja colocado em causa a gerência de facto, que não contribuiu para a diminuição do património da sociedade e muito menos para a insuficiência do mesmo.
5.ª Porém, a verdade é que deixou arrastar a situação [(cf. petição inicial) PI – 7.º e ss)] durante cerca de 3 anos (2010/2012), balanceando entre a cessação da actividade e/ou a continuidade da mesma.
6.ª E ainda que assim não seja entendido, a verdade é que se tratou de uma decisão naturalmente extemporânea atento o estatuído, à data, pelo artigo 18/1 do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE) - Artigo 18.º - 1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.”
7.ª Decorrendo, ainda, do artigo 3.º, sob a epígrafe, Situação de insolvência, que “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. “
8.ª Na verdade, em 2010, a sociedade já se encontrar impossibilitada cumprir as suas obrigações vencidas.
9.ª Enfim, levando a cabo uma gestão ao arrepio do estatuído no CIRE e, em tudo, menos conforme ao estatuído designadamente no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, gestão, essa, que o decurso do tempo se encarregaria de demonstrar, tratar-se de uma gestão, não somente irrelevante para a sociedade, mas especialmente ruinosa, conduzindo, como conduziu, à insustentabilidade da antedita sociedade.
10.ª Assim sendo, ao invés do referido na douta Sentença, fica (uma vez mais) provado que o Oponente não conseguiu demonstrar ter feito tudo, quanto lhe era possível, para que a sociedade executada pudesse sobreviver e saldar as suas obrigações fiscais.
11.ª Na verdade, ao invés do alegado na douta PI e do referido na douta Sentença, tudo acontecendo por não ter observado, em devido tempo, tal como decorre da alínea a), do n.º 1, do art.º 64.º do CSC], o dever de cuidado que a situação exigia, desde logo, como acima referido, não …“revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado…”
12.ª Infirmando, assim, o depoimento (artigo 48.º das alegações) da testemunha (filho) que declarou que recebiam em letras e “… que tal resultava do contrato de prestação de serviços assinado com a L…...”
13.ª Com o devido respeito, mas não é verdade. Antes resultando do contrato, conforme n.º 3, da Cláusula 10.ª – Condições de facturação e pagamento - de 3 de Agosto de 2009, junto aos autos a fls…, tão-somente que: - Os pagamentos serão efectuados a noventa dias, contados a partir da data de recepção das facturas pela L…..”.
14.ª E recebendo em letras de câmbio, a B….., Lda., tinha suportar o desconto junto do Banco.
15.ª E confrontado com o pagamento em letras de câmbio, o que fez o gerente? Aceitou uma condição de pagamento não contratualizada, não é verdade?
16.ª Situação que, de todo, não configura acto de gestão diligente e criterioso, por se revelar prejudicial para as contas da sociedade. Tão simples quanto isso. O gerente “foi atrás dos outros”, como decorre do depoimento da mesma testemunha - artigo 50.º das alegações – “… todos os empreiteiros assim recebiam.”
17.ª Quanto ao restante clausulado do contrato de subempreitada, em matéria de penalidades? Só para a B….., Lda.!
18.ª Constatando-se, assim que a B….., Lda., atento o clasulado do contrato de subempreitada em questão, que esta subscreveu, estava “atada” de pés e mãos à L….., funcionando a D….. como um embuste.
19.ª Com efeito, trata-se de um contrato desequilibrado, designadamente em matéria sancionatória, para a B….., La., situação que se agravou com a imposição de ter de aceitar os pagamentos em letras de câmbio.
20.ª Logo, o gerente, ao subscrevê-lo negligenciou os interesses da sociedade e, consequentemente, os interesses dos trabalhadores.
21.ª Dai que nos interroguemos se pode a alegada dívida da D….. (aproximadamente € 140.000,00) ter qualquer expressão, no contexto da falência de uma empresa como a B….., Lda, cuja facturação chegou a atingir 2, 3 milhões só num ano? Com o devido respeito, mas entendemos que não.
22.ª Acrescendo ainda que o gerente (subempreiteiro) não devia ignorar que não está só no mundo das subempreitadas, sendo a concorrência tida como normal numa economia de mercado, como a portuguesa, ancorada naturalmente na lei da oferta e da procura.
23.ª Tudo porque a actividade da empresa dependia quase a 100% dos trabalhos fornecidos à L…...
24.ª Constatando-se, assim, a ausência de uma gestão pragmática, compensada por um certo amadorismo, decorrente de eventual impreparação para o cargo. Em suma, falta de visão (daquele nicho) de mercado.
25.ª Diz a sabedoria popular …”que não se deve por todos ovos no mesmo cesto…”, havendo que respeitar a mais básica das regras de investimentos e evitar concentrar, como no caso, a carteira das subempreitadas num único empreiteiro, como praticamente acontece no presente caso.
26.ª Tal como decorre da petição (PI – 11.º e ss) “Sendo que, em média, 85% da facturação respeitava a trabalhos de reparação naval efectuados nos estaleiros navais da L…...”
27.ª Daí que, face à perda de confiança na antedita empresa, o ora Oponente devia, em tempo, procurar (novas subempreitadas) novos empreiteiros.
28.ª Assim, salvo o devido respeito, que é muito, não deverá proceder a pretensão do ora Oponente, até porque, mesmo em sede audiência e inquirição de testemunhas, também não logrou produzir prova susceptível de contrariar a convicção da Administração Tributária.
29.ª Mutatis mutandis, quanto à alegada redução de salários, porque cremos que tal argumento também não colhe. Estamos a falar de vencimentos mensais, à data, entre 2011 e 2012, já de si inflacionados.
30.ª Ou seja, de vencimentos mensais (embora ilíquidos) que oscilavam entre € 3.800,00 e os € 2.542,00.
31.ª O mesmo quanto à antedita D…..SA, como se pode ler no DOC. 5 II, as causas conhecidas da insolvência, desta, remontam ao ano de 2008, situação que um gestor diligente não deveria ignorar.
32.ª A B….., LDA., foi constituída em finais de 2004, mais concretamente em 1 de Outubro, tendo, em 2009, facturado 2, 3 milhões de euros.
33.ª Sendo que, a correspondência trocada data do ano da insolvência daquela, tendo ocorrido, mais concretamente, entre 25 de Agosto e 29 de Novembro de 2011. E tal como se pode ler, ainda, na douta Petição Inicial (PI-15.º e ss) ali, apenas se faz referência ao montante da dívida à B….., LDA, € 140.000,00, nada sendo referido quanto à data em que a mesma foi constituída e ao que foi efectivamente feito para a cobrar.
34.ª Sim, porque, atento o supra exposto, a correspondência trocada em 2011, estava naturalmente condenada ao fracasso, sendo sintomática a forma como esta termina, com um “Certos da vossa melhor compreensão…”.
35.ª Consequentemente, face à realidade fáctica, conclui-se que, o ora Oponente, enquanto Gerente, não actuou com os deveres de cuidado, bem como com a diligência de um gestor criterioso, a que estava obrigado, tal como decorre designadamente do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais – CSC.
36.ª Na verdade, com o devido respeito, se assim é, como se pode alegar que a gerência fez tudo o que estava ao seu alcance para pagar o imposto, defender a empresa e os seus colaboradores?
37.ª Porém, o ora oponente, ao consentir na manutenção do arrastar da situação, balanceando entre a cessação da actividade e/ou a continuidade da mesma, mais não fez que escavar o arruinamento da empresa. Daí que a Fazenda Pública entenda que o oponente não logrou provar que não lhe deve ser assacada culpa pela frustração dos créditos tributários.
38.ª E, em consequência, defenda a improcedência da presente Oposição, por da mesma, ao invés do referido na douta Sentença, não resultar provado que a falta de pagamento não lhe é imputável, devendo o despacho de reversão ser mantido na ordem jurídica, com todas as consequências legais.
39.ª Tal como resulta do Acórdão do Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/03/2010, no recurso n° 58/09, disponível em www.dgsi.pt, as normas que determinam a responsabilidade dos gerentes relativamente às dívidas tributárias são normas de carácter substantivo pelo que deverão ser aplicadas as normas que estiverem em vigor à data dos factos a que se reporta a reversão, ou seja, à data a que se reportam os impostos ou contribuições em causa.
40.ª Ora, a dívida em causa é referente a IVA 2013/04, de 2007, determinando o artigo 24° da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção em vigor à data dos factos, que: "1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dividas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (...)"
41.ª Desta norma resulta que são dois os regimes distintos de responsabilidade dos corpos sociais das sociedades pelas dívidas tributárias onde a responsabilidade assenta sempre na insuficiência do património societário.
42.ª No caso da alínea a) compete à Administração Fiscal (AF) provar que a falta de pagamento decorre da culpa do gerente na falta ou insuficiência do património societário para fazer face ao pagamento das dívidas fiscais.
43.ª No caso da al. b) a responsabilidade pela falta de pagamento, porque esta ocorre durante o período da gerência, a lei presume a responsabilidade por essa falta e impende sobre o gerente o ónus da prova da falta de responsabilidade pela falta do pagamento. Prova que, o ora oponente, salvo o devido respeito não fez, não ilidindo o ónus que sobre si impende.
44.ª Ora, desde logo, de acordo com o disposto no aludido artigo 64° do CSC, cumpre afirmar que, sobre todos os administradores/gerentes impende o dever de administrar com diligência as sociedades . ou seja, todos os administradores/gerentes têm o dever ou a obrigação geral de vigilância sendo que este dever não deve ser aferido pelo padrão de referência do bonus pater familiae, mas sim e como estabelece a alínea a) do n° 1 do artigo 64° do CSC, tendo como padrão de referencia a figura do gestor criterioso e ordenado.
45.ª Será este padrão de referência que servirá para aferir da responsabilidade dos administradores. Porém, sobre os administradores das sociedades comerciais impende, ainda, o dever de cuidado que se desdobra, entre outros, no dever de monitorizar a actividade da sociedade (duty of monitor) que implica a obrigação de acompanhar e vigiar a actividade social.
46.ª Embora isto não signifique que o gestor deve saber de tudo o que se passa no dia-a-dia da sociedade, mas impõe o dever de instalar sistemas adequados de vigilância e controlo da informação e eventualmente realizar investigações quando tome conhecimento de factos anómalos.
47.ª Não estamos aqui perante obrigações de resultado mas sim obrigações de meios, ou seja, da forma como desempenham as suas funções - Prof. António Pereira de Almeida, obra citada, pág. 270.
48.ª E para que se possa afirmar que os administradores/gerentes violaram os seus deveres para com terceiros, nomeadamente para com os seus credores é necessário que tenham violado normas que se destinem a proteger os credores.
49.ª E no caso das dívidas para com o credor Estado o administrador/gerente tinha que provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Ora, como ficou provado nas presentes alegações, o Oponente nada prova neste sentido.
50.ª Limitando-se, sem colocar em causa a sua gerência de facto na sociedade, a alegar “…que não contribuiu para a falta ou insuficiência dos bens desta.” O que é verdadeiramente pouco, porque sendo gerente da sociedade, uma das obrigações que sobre si impende e que visa a protecção dos credores, entre outras, é o dever de apresentar a sociedade à insolvência (artigos 18° e 19° do CIRE) quando verifica que o património social não é suficiente para solver as dívidas sociais, entre as quais se encontram as dívidas ao Estado.
51.ª O que apenas aconteceu, não quando verificou que o património social já não era suficiente para solver as dívidas, mas somente, como referido, cerca três anos depois, não obstante o agravar da situação com o decurso dos dias, dos meses e dos anos.
52.ª Decisão naturalmente fora de tempo, atento o disposto no n.º 1, do artigo 18.º do CIRE, que, ao tempo, estatuía o dever de requerer a declaração da insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
53.ª Presentemente, na sequência da alteração introduzida pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, tal deverá acontecer dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência - Artigo 18.º “[...] 1 — O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê -la.”
54.ª Sendo que, se em sede de CSC a culpa não se presume, já em sede de LGT, mais concretamente do seu artigo 24°, n° 1, a culpa presume-se no caso da alínea b) e no caso da alínea a) é sobre a AF que impende a obrigação de provar a culpa do gerente/administrador.
55.ª Ou seja, no caso da alínea b) incumbe ao gerente a prova de que não foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente para solver as dívidas ao Estado e, no caso da alínea a), é sobre a AF que impende o ónus da prova.
56.ª Ora o Oponente não provou que não por culpa sua que o imposto não foi pago, sendo certo que pelo menos violou os seus deveres de um gestor cuidadoso e criterioso. De facto, enquanto gerente da sociedade deveria assegurar que os orçamentos que fazia eram suficientes para pagar aos seus credores, sejam eles trabalhadores ou Estado.
57.ª Mais, a situação, como provado nos autos, não somente se deteriorava, cada dia que passava, como se arrastou tempo demais, tendo a sociedade sido apresentada à falência somente em 8 de Março de 2012, fora do tempo legalmente definido como conveniente ou apropriado, demasiado tarde, tendo a sentença sido proferida em 27 de Março de 2012.
58.ª Ora, aqui chegados, torna-se imperioso a colocação das seguintes questões:
- Qual o motivo por que a B….., Lda., aceitou um contrato de subempreitada tão desequilibrado?
- Qual o motivo por que aceitava os pagamentos em letras de câmbio, quando tal obrigação não decorria do contrato?
- Por que motivo, face a tal imposição da L….., não recorreu à barra dos tribunais?
59.ª Venerandos Juízes Desembargadores, atentas estas questões, torna-se difícil perceber o modelo em que, ao longo dos anos, tais relações sinalagmáticas assentavam, nem os autos a tal nos ajudam.
60.ª Acresce ainda referir que a B….., Lda., nenhuma referência faz a eventuais valores que a L….. não lhe tenha pago, mas somente à dívida da D….., SA. O que se estranha, atenta a falência.
61.ª Por outro lado, e como se afirmou acima, o critério para aferir da culpa da insuficiência do património não pode ser somente a do bom pai de família, mas, ainda, a de um gestor cuidadoso e meticuloso.
62.ª E isso claramente o Oponente não foi. Com efeito, uma vez nomeado gerente e iniciado o exercício das suas funções, o Oponente passou a ter obrigações, não só para com a sociedade, como para terceiros, obrigações essas que emergem, desde logo, dos estatutos da sociedade.
63.ª Assim, como referido, entre outros, o gerente tem o dever de administrar a empresa de modo a que subsista e cresça, orientando a demais atividade daquela, cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos e sempre de molde a evitar que o património social se torne insuficiente para a satisfação das dívidas da empresa.
64.ª E, quando houver risco de o património social se tornar insuficiente para pagamento do passivo da sociedade, tem ainda a obrigação de pedir em tribunal a convocação dos credores para que estes e o juiz decidam o destino da empresa, conforme, entre outros, os Artigos 71.º a 84.º e 252.º a 262.º do Código das Sociedades Comerciais, o Artigo 1140.º do CPC e o Artigo 18.º do CIRE.
65.ª Assim, não tendo o Oponente, gerente daquela sociedade, logrado fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não são da sua responsabilidade, deve concluir-se, num juízo de normalidade, que não usou da diligência de um gestor cuidadoso e meticuloso e, assim, que não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.
66.ª Sobre esta questão, remetemos para o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 07-06-2011, no Processo n.º 03389/09, disponível em versão integral para consulta em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/ , no qual se pode ler o seguinte: “Como bem se refere na sentença recorrida, extrai-se daquele artigo que a culpa de que aqui se cuida em sede de responsabilidade subsidiária dos gerentes, não se reporta ao incumprimento de pagar impostos, pois, neste âmbito são outras as normas legais aplicáveis - de foro contra-ordenacional ou até mesmo criminal, mas está antes reportada à omissão da diligência exigível a um gerente de que cure do património da empresa por forma, a assegurar que, desse património se possam pagar os credores da sociedade. É por isso mesmo que, como se salienta na sentença, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente (administrador) e só relativamente a dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo se faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dividas tributárias pela sociedade não lhe é imputável”.
67.ª E ainda para o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido, em 21-05-2015, no Processo n.º 08445/15, disponível em versão integral para consulta em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf /, no qual se pode ler – “Sumário – 1. Apesar da declaração de insolvência da sociedade executada originária, não deve a presente oposição ser apensa ao processo falimentar ao abrigo do artº.180, do C.P.P.T., porque deduzida por responsável subsidiário e em que é discutida a verificação dos requisitos de que depende a reversão da execução, assim não havendo qualquer razão que possa justificar a apensação.
2. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
3. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
4. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
5. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr. al. b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
6. É pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
7. A culpa em causa no art.º 24, n.º 1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C. Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº. 64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.”
68.ª Decorre ainda da douta Sentença que não resultou provado que o Oponente haja sido notificado do projecto de decisão de reversão e que a Representação da Fazenda Pública faz alusão que o projecto de reversão foi remetido por carta registada com indicação alfanumérica RQ…..PT e recebida a 1 de abril de 2014 e dimana inequívoco que o aludido registo não pode respeitar à expedição do projeto de decisão de reversão.
69.ª Nos termos do n.º 3, do arigo 38.º do CPPT, a notificação para efeitos do direito de audição é feita por carta registada.
70.ª Com o devido respeito, vem o Oponente alegar que não foi notificado, mas nada refere que destino deu à carta registada com indicação alfanumérica RQ…..PT e recebida a 1 de abril de 2014.
71.ª Não obstante, é salientado na douta Sentença que o Oponente administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais, matéria de que naturalmente discordamos, daí a razão de ser das presentes alegações de recurso.
72.ª Mas, a admitir-se que se está perante um gestor diligente, criterioso e ordenado, o que somente em termos académicos se concebe, também se esperaria, se dúvidas as tivesse, que se dirigisse a um Serviço de Finanças, para conhecer do motivo da existência de tão inusitada notificação, ou, no mínimo, que dissesse ao Tribunal que destino lhe deu.
73.ª O que não foi feito.
74.ª Não pode, pois, com o devido respeito, que é muito, considerar-se que o Oponente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda de IVA que e sobre si impendia.
75.ª Ao não fazer tal prova, deve considerar-se improcedente a oposição e julgar parte legítima para a execução fiscal o oponente quanto a tal dívida, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.
76.ª Assim, não tendo o oponente, enquanto gerente da devedora originária, logrado fazer prova de que o incumprimento da dívida, ora em apreço, não é da sua responsabilidade, deve concluir-se, num juízo de normalidade, que não usou da diligência de um gestor cuidadoso e meticuloso, razão pela qual não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia.
77.ª Nada, pois, a censurar na reversão em causa devendo a mesma manter-se na ordem jurídica do oponente.
78.ª O oponente é, nessa medida, responsável pelo pagamento da dívida de imposto e deve ser considerado parte legítima na presente execução, mantendo-se o despacho que contra ele decretou a reversão.
79.ª Ao assim não entender, a douta Sentença recorrida violou o artigo 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT.
80.ª Não podendo, assim, a mesma ser mantida, antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da recorrente e, em consequência, julgar a oposição improcedente.
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1.2.2. Contra-alegações
O recorrido não apresentou contra-alegações.
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1.2. Parecer do Ministério Público
Neste TCA Sul o EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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1.3. – Questões a decidir
Apurar se a sentença padece de erro de julgamento por considerar que o recorrido não actuou culposamente na diminuição do património societário
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2. Fundamentação
2.1. De facto
Nos termos do art.º 663º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na primeira instância, por não ter sido impugnada
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2.2. De Direito
Nas suas prolixas conclusões do recurso, que manifestamente não cumprem o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, a recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, que julgou procedente a oposição deduzida pelo recorrido, por considerar que este logrou provar que a diminuição do património da devedora originária não resultou de culpa sua, alegando que outra deveria ter sido a decisão quanto à sua culpabilidade.
Em síntese alega que este não demonstrou ter actuado no exercício do cargo como um gestor diligente e prudente, capaz de evitar a insuficiência do património social e assim impedir que os créditos da empresa não pudessem ser satisfeitos.
A sentença, depois de discorrer sobre o quadro legal que permite a responsabilização dos gerentes e administradores pelas dívidas fiscais das sociedades, suporta-se na matéria de facto para extrair a conclusão que não se provou a culpa do recorrido e, pelo contrário, que este demonstrou ter agido sem culpa. Diz a sentença:
Resulta da factualidade assente que:
A sociedade “B….., LDA” apresentou um trajeto ascendente até finais de 2009, tendo a sua faturação a partir de 2010 e com a crise de repercussão nacional e europeia, decrescido drasticamente.
Note-se que, conforme consta na alínea L) da factualidade assente, extrai-se da factualidade vertida no probatório da sentença de insolvência que a sociedade devedora originária “B….., LDA” apresentou, com referência ao exercício de 2010, um ativo de €1.077.336,07, um passivo de €1.110.511,45, um resultado líquido negativo do exercício no valor de €5.423,42 e um total de capital próprio negativo de €33.175,38.
E que, só em finais de 2011, a crise financeira se instalou, efetivamente, na sociedade “B….., LDA”.
Contribuindo, necessariamente, para esse decréscimo o facto da faturação da empresa advir, maioritariamente, cerca de 80% a 90% da reparação naval que era realizada nos estaleiros navais da L….., em Setúbal e na Mitrena a bordo dos navios que entravam no estaleiro. E bem assim pela circunstância dos pagamentos na sociedade L….. serem efetuados a 90 dias, conforme resulta expresso do contrato de prestação de serviços, consignado na alínea H) da factualidade assente.
E bem assim, a insolvência da sociedade “D….”, levando a que a sociedade “B….., LDA” não tenha conseguido recuperar os créditos no valor de €148.503,96.
E nessa medida, foi prolatada sentença de insolvência a 27 de março de 2012.
Resulta, assim, inequívoco que o Oponente provou a proveniência, as causas que levaram à crise financeira, e à inexistência de bens para pagamento das dívidas e ulteriormente à própria insolvência da sociedade devedora originária.
Atentemos, ora, se o Oponente fez prova de que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições.
Do acervo probatório resulta que o Oponente envidou vários esforços de negociação, concretamente, em termos de períodos temporais e de carência, das dívidas junto das Instituições Bancárias, designadamente, do Millennium BCP, os quais se revelaram infrutíferos.
Mais resulta provado que o Oponente envidou esforços de angariação de novos clientes, mormente, junto dos estaleiros Espanhóis e da Polónia, os quais se revelaram, igualmente, improdutivos.
Que procedeu à redução da sua própria remuneração como membro de órgão estatutário e do outro sócio F….., tendo, igualmente, reduzido despesas básicas, como água e café.
Conforme resulta da alínea G) da factualidade assente foi acordado que o pagamento do bem imóvel seria efetuado através do fornecimento e serviços da subempreitada de fornecimento e montagem de serralharia civil, fornecidos pela “B….., LDA” à “D…..” ou a empresa por esta indicada, ou seja, através de desconto de faturação, a verdade é que o bem imóvel em questão nunca veio a integrar a esfera jurídica da sociedade devedora originária. Concluindo-se, em face da conjugação e inferência da factualidade constante nas alíneas F), G) e I) que a escritura pública do bem imóvel se gorou por facto totalmente imputável à proprietária e não ao Oponente.
E, bem assim, que o Oponente quando confrontado com o insucesso das medidas referidas nas alíneas anteriores, tomou a decisão de apresentar a empresa à insolvência.
De relevar que, do confronto das alíneas K) e L) e Y) resulta que entre a assunção efetiva de crise financeira e a apresentação à insolvência por parte do Oponente decorreram apenas meses, o que permite inferir, desde logo, ao abrigo das regras da experiência que o Oponente perante uma situação de precariedade financeira, requereu atempadamente a insolvência da mesma, demonstrando uma conduta diligente.
Ademais, importa ter presente, neste particular, que foi apresentado um plano de insolvência, constando no item 8. “Plano de Reembolso das Dívidas” o pagamento integral dos créditos de capital e juros vencidos no valor global de €35.853,33, com perdão dos juros vincendos até à data de início do plano de reembolso, contemplando este o reembolso em 36 prestações mensais postecipadas com data estimada na primeira prestação a 31 de julho de 2012, taxa de juro nominal de 7,007% ao ano.
Sendo que o aludido plano foi aprovado por decisão datada de 16 de janeiro de 2013, porém na sequência de interposição de recurso por parte do Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, foi revogada a decisão e recusada a homologação do Plano de Insolvência, seguindo os seus termos legais.
Mais uma vez os factos descritos anteriormente permitem extrair a conclusão, que o Oponente quando resolveu apresentar a sociedade devedora à insolvência estava ciente da sua viabilidade, desde logo, porque foi apresentado plano de recuperação o qual, como visto, foi inicialmente homologado.
Note-se, outrossim, que as dívidas exequendas em questão respeitam a 2013/04, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 04 de julho de 2013, sendo que a sentença de insolvência foi decretada a 27 de março de 2012, determinando que a administração da massa insolvente ficasse a cargo da administração do devedor, sendo a mesma fiscalizada pelo administrador de insolvência e que a recusa de homologação, ocorreu em 15 de julho de 2013.
Sendo, ainda, de relevar que em face de avais pessoais que o Oponente havia contratualizado em nome da sociedade devedora originária “B….., LDA”, e dos quais foi chamado a responder, foi obrigado a apresentar-se à insolvência particular, tendo a mesma sido decretada em 15 de Março de 2013.
Tendo, a final, sido provado que o Oponente estava na “B….., LDA” diariamente desde as 06h 30m da manhã até cerca das 19h00, 20h00 ou mesmo 22h00, incluindo sábados domingos e feriados, o que permite inferir uma conduta de preocupação e de zelo.
Em face da factualidade supra aludida, resulta que o Oponente não se limitou a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de insuficiência patrimonial, deu conta de medidas concretas que adotou, como visto, diligências junto das Instituições Bancárias, tentativa de angariação de novos clientes, apresentação à insolvência e redução de despesas e custos com o pessoal, no sentido de assegurar que, face ao avolumar das dívidas tributárias com o passar do tempo, o património social seria suficiente para responder pelas mesmas.
Afigura-se, assim, que o Oponente fez prova que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, donde, de uma atuação diligente, criteriosa e prudente. Demonstrando, por isso, que a falta de pagamento das dívidas não lhe foi imputável, ou seja que a falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento dos impostos se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
Dito de outro modo, foi feita prova de que o Oponente desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades e assim impedir a depauperação do património social.
O Oponente logrou provar que adotou medidas no sentido de obviar ou, pelo menos, minorar as consequências da previsível situação de insuficiência do património social.
E por assim ser, entende-se que o Oponente atuou com diligência e critério, assegurando os direitos dos credores da empresa, maxime do Estado, logo não estão reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o Oponente pelo pagamento das quantias exequendas de IVA, tendo sido ilidida a presunção de culpa na forma como geriu os destinos da empresa. Procede, assim, a arguida ilegitimidade.
Nas conclusões 5.ª a 12.ª a recorrente alega, porém, que o recorrido não agiu diligentemente ao retardar a apresentação da devedora originária à insolvência. A esta observação já a sentença tinha dado resposta: o oponente apresentou a empresa à insolvência depois de comprovada a inviabilidade económica daquela, sendo que entre o início da crise financeira e a apresentação à insolvência decorreram apenas meses, o que demonstra que o Oponente a requereu atempadamente.
Concorda-se com esta argumentação, na medida em que não são os primeiros sinais de dificuldade que determinam a apresentação à insolvência de uma empresa. Qualquer gestor diligente e prudente, imbuído dos deveres do cargo, tentará ultrapassar as dificuldades antes de recorrer à medida extrema que a insolvência representa. Essa é a normalidade de conduta na generalidade dos casos e não aquela que, ao que parece, a recorrente perfilha, sendo até censurável que um gestor apresente a sua empresa à insolvência ao sinal de primeira dificuldade.
Por outro lado, a melhor interpretação das normas do CIRE que a recorrente invoca não conduz ao resultado interpretativo a que chegou, nem sequer de um ponto de vista literal. A situação de insolvência a que aludem os artigos 3.º e 18.º, n.º 1, do CIRE, é uma situação de impossibilidade absoluta do cumprimento das obrigações vencidas, que não se confunde com a mera impossibilidade temporária de tal cumprimento. Noutros termos, a situação de insolvência exige que se verifique uma situação de insusceptibilidade de satisfação de obrigações vencidas, que em função das respectivas características intrínsecas, designadamente o seu montante, denotem a incapacidade do devedor em continuar a satisfazer a generalidade dos créditos que sobre si recaem.
No caso sub judice, o retardamento da apresentação à insolvência ficou a dever-se, como assinala a sentença e se extrai da matéria de facto, à expectativa das dificuldades serem ultrapassadas, sendo certo que entre o começo destas e a apresentação à falência mediaram apenas meses.
E não está provado, nem a recorrente o demonstra, que esse retardamento agravou significativamente a situação da empresa em prejuízo dos seus credores.
O artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, consagra presunções juris et de jure de insolvência culposa, que contrastam com as presunções estabelecidas no n.º 3, que podem ser ilididas mediante prova em contrário, como decorre do artigo 350.º, n.º 2, do CC.
Ora, o incumprimento do dever de requerer a insolvência, previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, como pressuposto culposo da insolvência nos termos do n.º 1, do referido artigo, não ficou demonstrado, ressaltando da matéria de facto precisamente o inverso.
Assim, se mesmo em relação às presunções juris et de jure do n.º 2 sempre se exigiria a existência de um nexo de causalidade entre a conduta do recorrido e a situação de insolvência – nexo esse que não se vislumbra poder ser dado como adquirido através da matéria de facto quer a sentença fixou – então por maioria de razão se tem de considerar que o alegado retardamento de apresentação à insolvência não configura uma situação de culpa do recorrido.
Se bem que o n.º 2 do artigo 186.º do CIRE exija a culpa grave e para efeitos das alíneas do n.º 1 do artigo 24.º da LGT baste a mera actuação culposa, nem esta se divisa no alegado retardamento, que em bom rigor não se verifica, como acima se explicitou.
Improcedem, portanto, as referidas conclusões.
Nas conclusões 13.ª a 16.ª a recorrente alude aos pagamentos da L…. em letras de câmbio, sugerindo que a sua aceitação “não configura acto de gestão diligente e criterioso, por se revelar prejudicial para as contas da sociedade”.
Esta afirmação tem algum caráter de inusitado, visto que o uso das letras de câmbio constitui um meio normal de pagamento no giro comercial. Não se alcança, por isso, qual a relevância que a aceitação desse meio de pagamento tem na demonstração da alegada falta de diligência e critério na gestão da devedora originária, sendo certo que à recorrente competia demonstrar, como e de que forma, é que o recurso às letras prejudicou as contas da sociedade. O que de todo não fez.
Improcedem estas conclusões.
Quanto às conclusões 16.º a 27.º, as mesmas consubstanciam a peculiar visão da recorrente quanto à gestão da sociedade, mas em rigor não passam de meras afirmações de lugares comuns sem qualquer relevância jurídica, denotando uma visão parcial que tem pouco a ver com a realidade empresarial. Em rigor, a posição exprimida pela recorrente equivale a afirmar que a Administração Tributária pode sindicar a governance das empresas privadas, sem que, contudo, o ordenamento jurídico lhe reconheça tal prerrogativa.
Portanto, todos os argumentos esgrimidos nestas conclusões não passam de meros flactus vocis que nenhuma relevância têm para demonstrar a alegada culpa do recorrido na gestão da sociedade.
Quanto à alegada “perda de confiança” na L….. e à opinião de que o recorrido devia ter procurado novos empreiteiros, valem as considerações anteriormente produzidas, tanto mais que não resulta da matéria de facto que fosse verificável tal perda de confiança. De resto, a recorrente olvida que a crise financeira mundial que já se havia instalado, bem como os efeitos dela decorrentes, certamente impediriam a escolha de empreiteiros a bel-prazer do recorrido…
É surpreendente a afirmação contida na conclusão 28.ª, de que “não deverá proceder a pretensão do ora Oponente, até porque, mesmo em sede audiência e inquirição de testemunhas, também não logrou produzir prova susceptível de contrariar a convicção da Administração Tributária”. A convicção da Administração Tributária vale o que vale. A relevante é a convicção do tribunal…(cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC).
Enfim, porque as restantes conclusões afinam pelo mesmo diapasão das que ancedentemente se escalpelizaram, não merece a pena alongarmo-nos na apreciação de cada uma delas em concreto, já que todas elas refletem a, como se disse, peculiar visão da recorrente relativa à dinâmica e à gestão empresarial, mas que não é aquela que em sede de normalidade pauta a vida das sociedades.
A ânsia de carrear argumentos levou até a recorrente a tentar conferir relevância a meras fórmulas de etiqueta empresarial, como sucede com a invocação da expressão “Certos da vossa melhor compreensão” (conc. 34.ª), que ao contrário do pretendido por aquela não logra provar nem concorrer para demonstrar a alegada falta de diligência e cuidado na gestão por banda do recorrido.
Quanto às considerações de ordem legal, designadamente as que se prendem com a presunção de culpa do recorrido [artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT], a matéria de facto fixada na sentença – que, sublinhe-se, não foi posta em causa e em relação à qual não se vislumbram motivos para ser alterada nos termos do artigo 662.º do CPC – não apoia as considerações expendidas, sendo patente que essa matéria demonstra que o recorrido fez o que lhe era exigível (e até mais do que isso, visto que sacrificou o seu património na gestão da sociedade), para tentar reverter a situação em que caíra a empresa.
De resto, mesmo tratando-se de uma dívida de IVA, a circunstância deste não ter dado entrada nos cofres do Estado não é relevante, face à matéria de facto plasmada na sentença, que omite qualquer referência à cobrança do imposto e ao destino dos valores cobrados. Aliás, nada foi alegado nos articulados que pudesse apoiar a colheita de tais factos.
Sendo certo que não corresponde à normalidade da dinâmica empresarial que das importâncias facturadas seja reservado o montante do IVA; a regra é a inversa, a utilização de todo o montante no giro comercial da empresa no pressuposto de quando surgir o momento do pagamento se reúnam os meios suficientes para tal. De todo o modo, reitera-se, nada foi alegado que permita supor, sequer, que o IVA em dívida chegou a ser cobrado.
Concluiu-se, por conseguinte, em linha com a argumentação da sentença, que não foi demonstrada a culpa do recorrido na diminuição do património social e, concomitantemente, que foi afastada a presunção de culpa que sobre si recaía nos termos do referido artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.
E como é óbvio, se o arguido provou a premissa maior - que não foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente - provou igualmente a premissa menor: de que o não pagamento dos créditos tributários se ficou a dever a culpa sua, que sempre a recorrente devia demonstrar para efeitos da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
Em resumo em para concluir, a tese da recorrente explanada nas suas extensas conclusões – que como é sabido delimitam o objecto do recurso – não logra convencer quanto à culpa do recorrido nem demonstrar que a bem fundamentada sentença merece ser revista. De facto, é precisamente o inverso, pois a matéria de facto – que, insiste-se, não foi impugnada – suporta a judiciosa e acertada conclusão a que chegou a sentença e, pelo contrário, retira todo o apoio à posição da recorrente.
O que equivale a dizer que o recurso não merece provimento e que, ao invés, deve ser confirmada a sentença recorrida.
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3. Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela Fazenda Pública.
D.n.
Lisboa, 2020-06-25
Benjamim Barbosa
Ana Pinhol
Isabel Fernandes