Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:237/18.6 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
- SEGURO DE VIDA
- RESGATE ANTECIPADO
Sumário:I. Nos termos da subalínea 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2º do CIRS, as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objeto de resgate antecipado pelos beneficiários, são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

J. A. L. O. M., com os sinais dos autos, veio recorrer da sentença, que julgou improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenção na fonte, relativa ao ano de 2017.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

a) Entendeu-se na Douta Sentença sob escrutínio que a pretensão do ora Recorrente não era merecedora de provimento e para se decidir como se decidiu albergou-se a Douta Sentença totalmente em Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a que diz aderir integralmente e sem reservas o que, salvo o devido respeito por quem assim não pensa, resultou numa decisão incorrecta.
b) A aceitar-se como boa a tributação/retenção na fonte efectuada tal enferma de erro na interpretação e aplicação do vertido no artigo 2º do CIRS ao concluir pela tributação como rendimentos do trabalho os valores em causa, isto atento o consagrado no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS.
c) Pois que no presente caso não só o segurado era a SPAC na data da constituição do fundo, ou seja, uma entidade distinta da entidade patronal, como nenhum dos demais requisitos constantes daquele normativo se encontram preenchidos para a sujeitar a tributação, conclusão esta que nem pode sair beliscada pelo facto de a T. se ter, posteriormente, em 1994, assumido como segurada, porque deste mesmo modo o exercício do direito dependeria, ou decorreria, do vínculo laboral, continuando a não constituir um direito adquirido do trabalhador, ora Recorrente, nem a contemplar a possibilidade de antecipação uma vez que não se verifica a possibilidade de antecipação do resgate antes de preenchidas as condições previstas no contrato.
d) O Recorrente ao atingir as condições previstas no contrato resgatou a parte que lhe cabia no aludido fundo, mas se a resgatou nessa altura era aquela em que efectivamente o podia resgatar sem que houvesse uma antecipação de qualquer recebimento.
e) Como resulta do contrato, o recebimento era para ser colhido quando se encontrassem preenchidos os respectivos pressupostos apenas se devendo considerar antecipação se o Recorrente o tivesse feito antes, o que aquele não fez.
f) O preceito em apreciação, embora de leitura difícil, permite identificar duas situações matriz, a saber:
i) A de direitos adquiridos e individualizados;
ii) A de não existência de direitos adquiridos e individualizados mas em que existe resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade.
g) A acrescer a estes dois segmentos surge, efectivamente, o trecho que refere:
«ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.»
h) Sucede que este trecho complementa os dois segmentos anteriores sendo tal o que resulta da expressão «em qualquer caso», querendo isto dizer que o mesmo não é autónomo como que valendo de per se.
i) O referido trecho legislativo só admite a seguinte interpretação/leitura:
i) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários e em que haja recebimento de capital;
ii) Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital.
j) Ou seja, o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e assim sendo, como inegavelmente o é, tem SEMPRE de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários.
k) A situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário, mas para se aplicar a segunda hipótese referida teria que existir SEMPRE uma antecipação do recebimento pois que o preceito legal refere:
«sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade
l) Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato, mas não foi isso que se passou pois o ora Recorrente só recebeu na data prevista no contrato pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista pelo que não se está, efectivamente, perante a ocorrência de facto tributário.
m) Cumpre compaginar o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em que a Douta Sentença se alcandora com o probatório fixado; De acordo com o facto dado como provado (Vide ponto 4 dos factos dados como provados) consta que o Recorrente poderia efectuar o resgate ao perfazer 60 anos de idade e foi isso, e em tal momento temporal, que aquele o fez; E que a entrega dos valores ao Recorrente tem por fundamento a perda de licença de voo após perfazer 60 anos de idade.
n) Não consta, e bem pois o Recorrente a elas não aderiu, do probatório fixado a adesão do Recorrente às condições particulares do contrato que estabeleciam a data do vencimento como sendo aos 65 anos e só se tal se tivesse dado como provado é que se poderia considerar aplicável a doutrina que emana do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
o) Pois que no mesmo se escreveu:
«Foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora recorrente ter 65 anos – que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura –, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A.»
«Nos termos do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A) ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.»
p) Pelo que, e bem ao contrário do decidido, a correcta leitura do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, quando no mesmo se faz alusão às condições particulares e aos 65 anos como sendo a data do vencimento, só faria sentido se do probatório fixado constasse tal facto mas não só não consta como o que consta é diverso, é o de que o resgate podia ser feito quando o Recorrente atingisse os 60 anos de idade.
q) Ora se o podia fazer nessa idade e não constando do probatório fixado a adesão, por parte dos Recorrente, a quaisquer condições particulares, então o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo lido a contrario leva à conclusão que o Recorrente defende, ou seja, só se estivesse provada uma antecipação no recebimento em relação à data prevista, que não está, é que o raciocínio da Douta Sentença seria passível de sustentação, pois que de outro modo não a é.
r) E foi exactamente isto, e numa situação com contornos iguais à presente, que, com enorme lucidez e espírito critico, se entendeu em bem recente Acórdão do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, de 09/07/2020, tirado no Processo nº 896/07.5BEALM, citado no corpo alegatório e também aí parcialmente transcrito.
s) Violou a Douta Sentença recorrido o artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, não se podendo, assim, manter e devendo ser revogado e substituído por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente consistente na anulação total do acto tributário questionado.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente, tudo o mais com as consequências legais.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação quanto às retenções na fonte que foram efetuadas a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitantes ao ano de 2017.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. J. A. L. O. M., ora impugnante, prestou serviço como piloto aviador na T. – A. P., até perfazer 60 anos– facto não controvertido;
2. Apesar de só atingirem a idade da reforma aos 65 anos de idade, os pilotos da T. encontravam-se impedidos, por caducidade da sua licença de voo para a aviação comercial, de conduzir aviões após atingirem os 60 anos de idade – facto não controvertido;
3. No dia 01 de janeiro de 1991, foi celebrado um contrato de seguro de grupo através do S. P. A. C.l (SPAC), que tinha inserta uma cláusula nos termos da qual o seu subscritor, pelos motivos acima aduzidos, tinha um benefício de reforma – facto não controvertido;
4. Quando o impugnante atingiu os 60 anos de idade, acionou a referida cláusula, cumprindo os requisitos previstos no Acordo de Empresa e no contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 050… REF S.. XXI, com efeitos a 01 de janeiro de 2016 – facto não controvertido e cfr. informação constante do documento de fls. 128 da paginação eletrónica;
5. No dia 23 de março de 2017, foi efetuada a operação “Quitação de Resgate” (à qual correspondeu a ordem de pagamento n.º 20171..) do certificado individual de Seguro da Pessoa Segura, o ora impugnante - cfr. documento de fls. 129 da paginação eletrónica;
6. No dia 23 de março de 2017, a companhia de seguros emitiu um recibo de quitação de regaste, no valor ilíquido de € 84.384,94 – cfr. documento de fls. 129 da paginação eletrónica;
7. Ao processar o pagamento do referido resgate, a companhia de seguros retirou daquele montante, para efeitos de IRS, os seguintes montantes:
- 11,20% de prémios posteriores a 01.01.2001 (€ 2.007,76), no valor de € 224,84, a título de rendimentos da categoria E, invocando o artigo 5.º, n.º 3 do Código do IRS;
- 30,00% no valor de € 21.201,74, a título de rendimento da categoria A, invocando o artigo 2.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRS – cfr. documento de fls. 129 da paginação eletrónica;
8. No dia 23 de março de 2017, foi, igualmente, efetuada a operação de “Quitação de Resgate” (à qual correspondeu a ordem de pagamento n.º 20171..) do certificado individual de Seguro da Pessoa Segura, ou seja, do ora impugnante, tendo a companhia de Seguros emitido na mesma data um recibo de quitação de resgate, no valor ilíquido de € 11.835,06 – cfr. documento de fls. 128 da paginação eletrónica;
9. No processamento do pagamento referido em 8), a companhia de seguros retirou daquele montante, para efeitos de IRS, 11,20% de prémios posteriores a 1 de janeiro de 2011 (€11.835,06), no valor de € 1.325,53, a título de rendimentos da categoria E, mencionando o disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Código do IRS – cfr. documento de fls. 128 da paginação eletrónica;
10. No dia 4 de julho de 2017, o impugnante apresentou reclamação graciosa contra as retenções na fonte efetuadas pela sociedade “G., S. V., S.A.” referente aos alegados rendimentos das Categorias A e E e à apólice n.º 0506178, no valor global de € 22.752,14 – cfr. documento de fls. 114 a 130 da paginação eletrónica;
11. No dia 27 de setembro de 2017, a Direção de Finanças de Santarém, após análise da reclamação graciosa referida em 10), emitiu “INFORMAÇÃO”, da qual se extrai se extrai o seguinte:
“(…)
Do direito
No âmbito da instrução do pedido em sede de uma outra reclamação graciosa apresentada pelo mesmo contribuinte e de idêntica matéria e por se tratar de assunto que suscita alguma dificuldade interpretativa, até pelas decisões em sentido contrário verificadas, solicitou o Serviço de Santarém à Direção de Serviços de IRS, sobre o seu enquadramento, tendo inicialmente sido prestada a informação que refere o seguinte:
- Tendo-se constatado que subsistiram dúvidas quanto ao entendimento da DSIRS, referido no âmbito do pedido de esclarecimento desse serviço no processo de reclamação graciosa n.º 20892014040022170, instaurado em nome de J. A. L. O. M., NIF 152.., adicionalmente informa-se o seguinte:
1- O entendimento anteriormente prestado (emitido através de correio eletrónico datado de 27.06.2016), respeita a contribuições para o regime complementar de segurança social que não foram suportadas pela respetiva entidade patronal;
2- Porém, as importâncias resgatadas do seguro de vida que correspondam a contribuições despendidas pela própria entidade patronal, não tendo sido tributadas na esfera dos seus trabalhadores quer tratando-se de “meras expectativas”, quer tratando-se de direitos adquiridos abrangidos pela isenção prevista no artigo 18.º do EBF, aquando do seu recebimento, a componente capital enquadra-se na categoria A – n.º 3 al. b) do n.º 3 do artigo 2.º e a componente rendimento é tributada na categoria E – n.º 3 do artigo 5.º ambos do CIRS;
3 – Nos termos do n.º 3 do citado artigo 18.º, verificando-se o disposto na parte final do n.º 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, beneficia de isenção o montante correspondente a um terço das importâncias pagas ou colocadas à disposição com o limite de 11.704,70€.
A situação ora controvertida reflete precisamente o posicionamento da DSIRS, ou seja, ao valor do resgate total (96.220,00€, ou seja, 84.384,94€+€11.835,06), foi deduzido as retenções na fonte da categoria E e da categoria A, conforme se comprova através da declaração de Quitação de Resgate emitida pela seguradora G. S. e pela declaração modelo 10, entregue pela T. Conforme se pode comprovar foi tido em conta o benefício fiscal nos termos do n.º 3 do artigo 18.º do EBF, em que beneficia de isenção, o montante correspondente a um terço das importâncias pagas ou colocadas à disposição, com o limite de 11.704,70€.
(…)
Considera também, que as importâncias recebidas em razão do resgate total do seguro subscrito pela sua entidade patronal não se encontram sujeitas a tributação em sede do IRS dado que as apólices iniciadas até 31.12.1990, os rendimentos de capitais são excluídos de tributação.
Acresce que o contrato de seguro de grupo, titulado pela apólice de reforma coletiva n.º 050.. REF S.. XXI, teve efeito somente a 01.01.2016, caindo, assim por terra tal argumentação quanto a este contrato.
Refere ainda o SP, e junta informação redigida pela Divisão de Justiça Administrativa de Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito de Processo de Reclamação Graciosa apresentado por um colega de profissão, na qual obteve provimento, para concluir que se a AT arrepiar caminho no âmbito da mesma legislação, em relação a um comportamento antes assumido perante um colega do reclamante na mesma e exata situação incorre em manifesto abuso de direito, violando o artigo 334.º do Código Civil.
Importa esclarecer que a informação prestada não se trata de uma informação vinculativa, nem de uma orientação genérica.
E mesmo aquelas deixam de prevalecer por cumprimento de decisão judicial. (…) O entendimento agora expresso, tem por base o cumprimento escrupuloso dos normativos legais e entendimento defendido por tribunais superiores, não se verificando, em momento algum, o instituto do abuso de direito, por parte da administração fiscal.
Cumpre, então, concluir que os montantes recebidos a título de resgate dos contratos de seguro de grupo em causa constituem rendimento de trabalho dependente, nos termos do artigo 2.º, n.º 3, al. b) 3) do CIRS tendo sido a entidade patronal, T. –A. P., S.A. quem suportou os prémios correspondentes aos contratos de Seguro de Grupo, enquanto segurada, e liquidados à C. S. G., a qual, aquando do resgate, pagou diretamente ao beneficiário/pessoa segura, procedendo desse modo à retenção da importância correspondente ao IRS (…)”
- cfr. documento de fls. 138 a 141 da paginação eletrónica;
12. O impugnante foi notificado da informação referida na alínea anterior e não exerceu o direito de audição prévia – cfr. informação constante de fls. 143 da paginação eletrónica;
13. No dia 15 de novembro de 2017, a chefe de divisão, no âmbito de competência delegada pelo Diretor de Finanças de Santarém, proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documento de fls. 142 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes do processo e do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram credibilidade.
A documentação em questão não foi objeto de impugnação, ou sequer reparo, por quaisquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade.
O tribunal teve, ainda, em consideração o acordo das partes relativamente à factualidade dada como provada, a qual não foi objeto de impugnação, o que, aliás, se compreende, dado que a questão controvertida é de natureza jurídica e não factual


II.2 Do Direito

O Impugnante, ora Recorrente, era piloto aviador e trabalhava para uma companhia aérea nacional (cf. alínea 1 dos factos provados).

E, quando atingiu os 60 anos de idade resgatou o prémio de seguro respeitante ao contrato identificado na alínea 3) dos factos provados. Sobre esse montante foram retidos na fonte € 22 752,14 (cf. alíneas 2 a 6 do probatório), relativamente a rendimentos nas Categorias A e E de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

Anote-se, desde já, que apesar de o Impugnante, ora Recorrente se insurgir contra totalidade das retenções na fonte, no presente recurso nada alega quanto à ilegalidade da retenção efetuada na categoria E), pelo que a questão não pode aqui ser conhecida. Com efeito, nas conclusões das alegações de recurso o Recorrente concentra todo o ataque legalidade da retenção na fonte efetuada na Categoria A) de IRS (rendimentos de trabalho dependente), decisão à qual imputa erro de julgamento, de facto e na aplicação do direito.

O Impugnante não se conformando, pois, com a retenção na fonte que incidiu sobre o prémio de seguro posto à disposição pela companhia de seguros com quem o sindicato, primeiro, e a entidade patronal, depois, acordaram um seguro de grupo, apresentou reclamação contra a liquidação de IRS efetuada a qual foi de indeferida.

É contra esta decisão da reclamação e a sentença que julgou improcedente a impugnação que vem interposto o presente recurso.

A questão sobre se o resgate de contrato de seguro em causa, pode ou não ser qualificado como rendimento do trabalho dependente e sujeito a tributação em sede de IRS, foi apreciada na sentença recorrida que seguiu a principal jurisprudência dos Tribunais Superiores, e da qual cita os Ac. STA, 2ª Seção, de 2017.10.11, Proc. nº 0195/16 e Ac. STA, 2ª Seção, de 2017.12.13, Proc. nº 303/17, decisões com as quais concordamos e que aqui também seguiremos.

Vejamos:

Dizia o artigo 2º do CIRS, com a epígrafe Rendimentos da categoria A:
(…)
3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:
(…)
a) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente:
(…)
3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal:
i) Com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários;
ii) Para os fins previstos na subalínea anterior e que não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade;

Como é consabido, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) acolheu o conceito de rendimento acréscimo (artigo 1/2 CIRS), em que a tributação incide, em princípio, sobre todo e qualquer incremento patrimonial. Na Categoria A são tributados os rendimentos do trabalho dependente, que incide sobre todas as vantagens acessórias postas à disposição do trabalhador (fringe benefits), quer em dinheiro quer em espécie.(1)

Estas vantagens acessórias, são definidas no artigo 2/3.b) CIRS como abrangendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica. Nas diversas alíneas da mesma norma, o legislador ensaiou a construção de uma lista, não exaustiva, de remunerações acessórias do trabalho dependente passíveis de tributação em IRS(2).
Entre essas alíneas, encontramos, a subalínea 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, que acima transcrevemos.

Defende o Impugnante, ora Recorrente, que o rendimento em causa não se inclui no âmbito da norma de incidência real e está mesmo expressamente dele afastado, por não ter havido antecipação alguma da disponibilidade do capital, que apenas foi recebido na data em que atingiu as condições previstas naquele contrato.

No caso, tal como no apreciado no Ac. STA citado, dúvidas não há que o montante em causa foi recebido no âmbito de um contrato de seguro em que figura como tomadora a entidade patronal do Impugnante, que foi quem satisfez os prémios do seguro.

E, o próprio Impugnante, ora Recorrente, confirma ter acionado a cláusula quando atingiu os 60 anos de idade e não aos 65 anos (cf. ponto 4 dos factos provados).

A questão é, pois, a de saber se o montante recebido pelo Impugnante da seguradora está sujeito a tributação em sede de IRS e, logo, objeto de retenção na fonte.

Como expende José Guilherme Xavier de Bastos, (3)se a entidade patronal constituir a favor do “coletivo” dos trabalhadores seguros de vida ou outros produtos financeiros, como fundos de pensões ou planos poupança-reforma (…) só quando aqueles direitos e benefícios entram na esfera jurídica individual do trabalhadores, passando a não depender da qualidade de trabalhador, as quantias despendidas pelas entidades patronais passam a ser contadas como rendimentos da categoria A dos trabalhadores beneficiados.

A lei, todavia, manda que também incida IRS da categoria A sobre aquelas importâncias sempre que, posto que os produtos financeiros em causa ainda não tenham originado direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários, estes procedam à antecipação da sua disponibilidade, através de resgate, adiantamento, remição, ou recebimento do capital, mesmo que isso se verifique quando os beneficiários já tenham reunido os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou que esta se tenha verificado.

O texto é claro e não deixa dúvidas, as importâncias em causa, caso tenha havido antecipação da sua disponibilidade, estavam sujeitas a tributação em sede de IRS, como rendimentos do trabalho dependente (Categoria A).

Alega, todavia, o Recorrente, que não houve qualquer antecipação relativamente à data prevista no contrato [cf. alíneas d), e) e l) das conclusões de recurso], e, logo, que o rendimento em causa não se encontrava sujeito a tributação, nem a qualquer retenção na fonte.

Mais alega, na conclusão n) das alegações de recurso, que não foi levado ao probatório nem, naturalmente, dado como provado na sentença recorrida que o Impugnante, ora Recorrente, tenha aderido às condições particulares do contrato que estabeleciam a data do vencimento como sendo aos 65 anos de idade. Chamando à colação o decidido no recente Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 9 de julho de 2020, Proc. nº 896/07.5BEALM.

Todavia, a motivação daquela decisão que assenta no circunstancialismo concreto daquele processo e que não é transponível para os presentes autos. Com efeito, considerou-se ali que após a convolação dos autos em processo de impugnação judicial, deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento da petição, despacho esse que foi omitido. Mais impugnava-se, ali, a liquidação de IRS efetuada com base na declaração modelo 3 apresentada pelo contribuinte e contra o indeferimento da reclamação apresentada contra essa liquidação.

Nos presentes autos, contudo, o Impugnante, ora Recorrente, na petição de impugnação logo alegou não ter havido qualquer antecipação da disponibilidade, através de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade.

Mais alega não ter subscrito as condições particulares da apólice de seguro.

Todavia, e como já referido supra, o contrato de seguros em causa foi celebrado entre a entidade patronal e a companhia de seguros, e tem como beneficiários um grupo dos trabalhadores da empresa.

O tomador do seguro, entidade que celebra o seguro, é a entidade patronal do beneficiário.

E, o contrato estabelece, nas condições particulares e/ou adenda, a idade de 65 anos como data de recebimento/vencimento.

Ora, o Impugnante, ora Recorrente não outorgou o contrato, nem é, como vimos, o tomador do seguro: é o beneficiário do contrato.

Neste enquadramento, é inócua a afirmação de que o impugnante, ora Recorrente, não subscreveu/aderiu às condições particulares do contrato: apenas o tomador do seguro o podia ter feito.

Nestes termos, a decisão recorrida que julgou improcedente a impugnação, seguindo a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo, não merece a censura que lhe foi feita e é, pois, de confirmar.

Em face do exposto improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I. Nos termos da subalínea 3 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2º do CIRS, as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objeto de resgate antecipado pelos beneficiários, são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 25 de novembro de 2021

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora
















1) Cf. citado Ac. STA, de 2017.10.11, Proc nº 0195/16.
2) Id.
3) Aut. Cit., IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Ed., 2007, pág. 75 e seguintes