Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:752/07.7BELBS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
AUDIÊNCIA PRÉVIA.
Sumário:A formalidade da audição prévia degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

G... Energia, SGPS, S.A., tendo incorporado por fusão, G... - G... Portugal, SGPS, S.A, veio impugnar o despacho proferido pelo substituto legal do Director-Geral da DGCI, no âmbito do recurso hierárquico, por si apresentado, contra decisão de deferimento parcial de reclamação graciosa, relativa a liquidação adicional de IRC do exercício de 1990, no montante total de € 193.833,90 deduzindo acção administrativa especial, convolada em impugnação judicial por despacho de fls.165.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 16 de Março de 2018, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a G... — G... Portugal, S.A. veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 16 de Março de 2018, que julgou improcedente a impugnação deduzida pela G... — G... Portugal, S.A. (doravante, Recorrente ou Impugnante) contra o despacho proferido pelo substituto legal do então Director- Geral da DGCI, no âmbito do recurso hierárquico, por si interposto contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, relativa à liquidação adicional de IRC do exercício de 1990, no montante de € 193.833,90.

2) A Impugnante pretende, na verdade, a anulação do acto de liquidação adicional de IRC de 1990, imputando à decisão de indeferimento do recurso hierárquico vício de forma por preterição do direito de audiência prévia e vício de violação de lei por não terem sido considerados os benefícios fiscais resultantes de rendimentos de títulos da dívida pública interna, conforme previsto no Decreto-Lei n.° 143-A/89, de 3 de Maio e nos n.°s 3 e 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho.

3) A AT entendeu que a Impugnante não foi capaz de fornecer os elementos exigidos como prova dos rendimentos da divida pública interna emitida depois da publicação do Decreto-Lei n.° 143-A/89, de 03 de Maio, para poder usufruir dos benefícios fiscais al previstos.

4) Por seu turno, o Tribunal a quo julgou improcedente a fundamentação deduzida pela Impugnante, e, em consequência, determinou a manutenção dos actos tributários impugnados, sob o pressuposto de que, por um lado “apesar de se considerar que ocorreu a violação do direito de audição prévia, a mesma não tem efeito invalidante do acto impugnado, improcedendo o alegado quanto ao vício referido”, e que, por outro lado, que “não sendo possível apurar em concreto a qualificação e montante dos rendimentos auferidos a título de juros de dívida pública, que não os já considerados em sede de reclamação graciosa, não podem ser reconhecidas as deduções efectuadas a esse título, sendo válidas as correcções impugnadas”. Concluindo, com efeito, a final pela improcedência da impugnação.

5) Tendo por base a fundamentação da decisão recorrida acabada de mostrar, defende a Recorrente que a Sentença está ferida de anulabilidade, porquanto o Tribunal fez uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito aplicável, em termos de se poder mesmo alegar a violação de princípios basilares do direito, em que aquele essencialmente assenta: o Tribunal não captou adequadamente a razão de ser das normas e o tipo de casos que as mesmas pretendem abranger, para o que terá contribuído uma aplicação insuficiente da doutrina disponível e uma submissão forçada dos dispositivos legais aos factos provados.

6) Com efeito, no que diz respeito ao tema da preterição do direito de audição prévia, deve atender-se ao facto de, no caso sob análise, terem sido reconhecida e supervenientemente apresentados, pela AT, os seguintes factos e fundamentos novos, que pesaram na decisão e sobre os quais a Impugnante não teve oportunidade de se pronunciar antes da decisão final: a. Extemporaneidade da Reclamação Graciosa apresentada em 1994 (a qual foi anteriormente julgada tempestiva); b. Recusa de apreciação da correcção relativa ao cálculo do imposto, no valor de Esc. 908.910$001Euros 4.533,62 (desconsiderando-se, aliás, a decisão já tomada em sede de Reclamação Graciosa); c. Elementos informativos solicitados através do Ofício n.° 1950 de 17/06/1992 da Direcção de Serviços de Fiscalização e Empresas; d. Liquidação emitida pela Administração Fiscal em 1995.

7) A Impugnante, por seu turno, não trouxe factos novos ao processo em sede de Recurso Hierárquico, já que apresentou um quadro explicativo da matéria em causa, cuja apreciação foi efectuada pela AT, pela primeira vez no processo em sede de Recurso Hierárquico.

8) Atendendo ao exposto, a não notificação da ora Impugnante para exercer o seu direito de audição prévia em sede de Recurso Hierárquico constitui uma clara violação do princípio da participação, consagrado no artigo 60° da LGT.

9) Para além de que consubstancia ainda uma violação do principio do contraditório no procedimento tributário, consagrado no n.° 1 do artigo 45.° do CPPT: “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão”.

10) A este nível, convém recordar, por todos, a posição assumida pelo STA, em Acórdão proferido em 24 de Outubro de 2012, no âmbito do processo n.° 0548/12.

11) O direito de audição não é uma garantia menor ou desprezível: sobretudo estando em causa a necessidade de demonstração casuística de gastos que a contabilidade regista e de que faz boa fé, não poderia (e nem se compreende que) a AT encurtar o caminho de defesa e de demonstração fáctica do contribuinte. Claramente, a presente causa constrói-se sobre uma falta de entendimento e boa comunicação entre Administrado e Administração, e esse é um vício que se imputa, em primeira linha, sempre à Administração, que, ao praticar actos lesivos, que se projectam na esfera privada, assume um particular dever de Fundamentação, tentada que seja a verificação documental em sede inspectiva e cumprido que seja o direito de participação do contribuinte na sua tomada de decisão.

12) A decisão proferida em primeira instância, a manter-se, viola os princípios enunciados e as normas dos artigos 58.° e 60°, n° 7, da LGT, e 104° do CPA.

13) No que diz respeito ao tema do Acréscimo de Euros 189.300,28 ao lucro tributável, deve referir-se que, nos termos do Decreto-Lei n.° 143°-A/89, do 03 de Maio (regime fiscal dos juros da dívida pública), aplicar-se-ia uma dedução de 20% do rendimento decorrente dos títulos da dívida pública ao lucro tributável.

14) Para efeitos da comprovação de que os referidos juros decorreram de títulos da dívida pública emitidos no período relevante (neste caso, em 1990), a AT entendeu que é imprescindível que o sujeito passivo demonstre que a dedução efectuada ao lucro tributável corresponde efectivamente a 20% dos proveitos contabilizados relativos àqueles juros. A AT alega, a este respeito, que, dos elementos apresentados pela ora Impugnante, não é possível estabelecer uma relação entre eles (declarações bancárias e extractos das contas onde foram efectuados os lançamentos dos proveitos), já que os mesmos não individualizam a atribuição dos rendimentos ou não especificam a qualificação dos mesmos.

15) Foi precisamente para facilitar o referido cruzamento de dados que a ora Impugnante elaborou e apresentou em sede de Recurso Hierárquico o quadro designado nessa sede como documento 4.

16) No entanto, a AT insistiu, ainda assim, na impossibilidade de estabelecer uma relação entre os vários valores constantes dos referidos documentos, designadamente do referido quadro. Como já explicitou a ora Impugnante, em sede de Recurso Hierárquico, os valores referentes aos números de ordem 3, 4, 19, 20, 32 e 35 não são coincidentes com os extractos de conta, em virtude de ter sido efectuada a especialização do exercício.

17) Sucede, contudo, que, quando a AT invoca a alegada violação do artigo 59.°, n.° 4 da LGT por não terem sido apresentados elementos solicitados em 4 de Abril de 2003, já haviam decorrido 13 anos sobre os factos, não sendo exigível tal pedido. Atenda-se a este respeito ao disposto no n.° 1 do artigo 121° do Código do IRC: “Os sujeitos passivos de IRC, com excepção dos isentos nos termos do artigo 9.°, são obrigados a manter em boa ordem, durante o prazo de 10 anos, um processo de documentação fiscal relativo a cada exercicío”. Dispõe ainda o n.° 5 do artigo 115° do Código do IRC que “Os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos”.

18) Sobre este ponto, deve sublinhar-se, por todos, a tese propugnada pelo STA, em Acórdão proferido em 8 de Novembro de 2006, no âmbito do processo n.° 0244/06, de acordo com a qual:

19) “II — Não tendo o contribuinte apresentado quaisquer elementos justificativos dos valores considerados como valores de aquisição de imóvel, alegando que já não os possuía “pelo decurso do tempo ”, não pode a Administração Fiscal concluir que aquele não fez a prova dos elementos que compõem o respectivo valor de aquisição, designadamente daqueles que sejam diferentes do preço propriamente dito e levar em consideração o valor constante da escritura para efeito de cálculo de menos/ mais-valias.

20) III — Pelo que, não tendo a Administração Fiscal feito a demonstração da incorrecção da fixação do valor contabilístico, não é legítimo, uma vez decorrido o prazo a que alude o predito art 98°, n° 5, exigir do contribuinte a prova do mesmo.”

21) Esta posição é integralmente aplicável aos factos dos presentes autos, não podendo ser simplesmente, neste caso, desaplicada. Na verdade, na situação sob análise, os elementos probatórios exigidos, não poderiam ter sido exibidos, por razões que o legislador bem compreende e contempla.

22) A decisão proferida em primeira instância, encontrando-se em oposição com este princípio, viola as normas dos artigos artigo 59.°, n.° 4 da LGT e n.°s 1 e 5 do artigo 121° do Código do IRC.

23) O mesmo se diga em relação ao Acréscimo de Euros 4.533,62, relativamente ao qual entendeu a AT, em sede de Recurso Hierárquico, que não deveria proceder à respectiva apreciação, já que esta matéria constava de outra nota de liquidação que não a reclamada. Isto, apesar de tal matéria ter sido apreciada em sede de Reclamação Graciosa e de, por essa via, se ter sanado qualquer eventual vício na interposição da reclamação. Alega a AT que esta correcção se reflectiu na note de liquidação n.° 8..., de 03/02/1995, acto que não foi reclamado.

24) No entanto, na Reclamação Graciosa apresentada pela ora Impugnante, esta reclamou de todas as correcções efectuadas pela AT no âmbito da inspecção ao exercício de 1990, nas quais se integra a referida correcção.

25) Em sede de Reclamação Graciosa, a AT alegou, mais uma vez, que não era possível estabelecer uma relação entre os elementos bancários enviados e os valores contabilizados. No entanto, em sede de audição prévia da Reclamação Graciosa, a ora Impugnante explicou a decomposição do montante de Esc. 5.533.69$00, enviando cópias dos extractos de conta onde foram efectuados os respectivos lançamentos na contabilidade, bem como uma cópia do lançamento de Esc. 2.105.753^00, efectuado pelo B... (B...), em 4/01/1990, pelo montante de Esc. 52.105.750500.

26) Acresce ainda que, conforme refere a ora Recorrente em sede de Recurso Hierárquico, uma análise mais atenta dos elementos enviados à AT permitiria verificar que retirando ao montante de Esc. 52.105.753500 o valor de Esc. 50.000.00000, relativo à aplicação financeira, restaria o valor do rendimento, evidenciado como tal no documento emitido pelo B…, cujo lançamento (n.° 395 no extracto de conta 78200000) foi especializado pela G..., SGPS, no valor de Esc. 69.041510.

27) Também neste ponto, devem ser tidos em conta os princípios supra enunciados, relacionados com a circunstância de a ora Recorrente que já não se encontrar obrigada, nos termos da lei (n.° 1 do artigo 121° e n.° 5 do artigo 115°, ambos do Código do IRC) a manter a documentação de suporte relativa às operações e aplicações financeiras que ocorreram no exercido de 1990, aqui se aplicando a mesma jurisprudência e as mesmas conclusões.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante exerce a sua actividade no âmbito da produção e distribuição do gás, encontrando-se inscrita com o CAE 410200 - cf. documento de fls. 19 do PAT;

B) Na sequência de acção de inspecção interna, realizada em 12/1/1993 à declaração de rendimentos em sede de IRC da Impugnante, relativamente ao exercício de 1990, foi elaborada a declaração Modelo 22, na qual foram efetuadas, entre outras, as seguintes correcções:

a. Linha 21, quadro 18 - Esc. 60 148 719$00 (€ 300.020,55);

b. Linha 35, quadro 18 - 40 053 124$00 (€ 199.784,14);

c. Linha 5, quadro 11 - 908 910$00 (€ 4.533,62) - cf. documento de fls. 13 a 15 do PAT;

C) Os serviços de inspecção consideraram os seguintes fundamentos para efectuarem as correcções:

a. Na linha 21, quadro 18 - «...reposição de provisão constituída nos termos do CCI, correspondentes a 25% dos encargos com férias vencidas em 1988 e pagas em 1989, conforme disposto na alínea a) n.º2 do artigo 13.º do DL 442-B/88 de 30/11»

b. Na linha 35, quadro 18 - «não é de aceitar a dedução, dado tratar-se de aplicações financeiras de custo prazo em bilhetes de tesouro, não enquadráveis no disposto no art. 2º do DL 143-A/89 de 03/05»

c. Na linha 5, quadro 11 - «não é de aceitar a dedução dado tratar-se de aplicações de curto prazo com características idênticas a operações de reporte não enquadráveis nos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º do DL n.º 215/89, de 2/7» - cf. documento de fls. 13 a 15 do PAT;

D) Em 20/05/1994, na sequência das correcções mencionadas na alínea anterior, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.° 8..., no montante de 150.033.890$00, referente ao exercício de 1990 de IRC, com data limite de pagamento de 15/08/1994 - cf. documento de fls. 10 e 11 do PAT;

E) Em 13/12/1994, a Impugnante apresentou reclamação graciosa relativamente à liquidação adicional identificada em D) - cf. documento de fls. 3 a 36 do processo de reclamação graciosa;

F) Em 04/04/2003, foram solicitados à Impugnante, através do ofício n.° 09797, os seguintes elementos:

«- Fotocópia dos certificados dos Bilhetes do Tesouro que proporcionaram rendimentos de títulos de dívida pública interna no valor de esc. 208.656.925$ e que originaram o beneficio fiscal de esc. 41.731.385$; assim como o extracto da conta de proveitos onde esses rendimentos estejam reflectidos.

- Fotocópia dos comprovativos do rendimento no valor de esc. 5.533.698$ que originaram o crédito de imposto no valor de esc. 908.910$, assim como a prova da respetiva relevância contabilística nos proveitos.» - cf. documento de fls. 53 do processo de reclamação graciosa;

G) Em 14/05/2003 a Impugnante solicitou a prorrogação de prazo para entrega da documentação solicitada na alínea F) - cf. documento de fls. 54 do processo de reclamação graciosa;

H) Em 26/05/2003, através do ofício n.° 15014, foi concedido à Impugnante, prorrogação do prazo para apresentar os elementos solicitado na alínea F), por mais 10 dias - cf. documento de fls. 55 do processo de reclamação graciosa;

I) A Impugnante não apresentou os elementos solicitados - cf. consulta ao PAT;

J) Em 10/11/2003, foi, pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, proferido despacho de concordância com a proposta de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, aposto sobre o parecer de 17/10/2003, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, determinando a audição previa do Reclamante, e onde consta nomeadamente o seguinte:

«Concordo com o teor da presente informação pelo que sou de parecer que a reclamação em apreço seja deferida parcialmente com os fundamentos de fls. 45 a 52, salientando-se ainda o seguinte:

1. Quanto à parte deferida

Da conjugação dos art0s 12° e 13° do Dec. Lei 442-B/88, de 30/11, que aprovou o CIRC, resulta que a reclamante apenas estava obrigada a acrescer 25% dos encargos com férias relativos ao exercício de 1988, considerados como custo no exercício de 1989. É a própria Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária que afirma no Documento de Correção (DC 22) que o exercício de 1989 acumulou um custo (de 1988) de apenas 52.066.827$. A verba a acrescer seria apenas de 13.016.707$ e não de 60.148.719$.

2. Quanto à parte indeferida

A reclamante não comprovou os factos alegados no que toca aos certificados dos Bilhetes do Tesouro que proporcionaram os rendimentos de títulos da dívida pública interna, bem como aos rendimentos no valor de 5.533.698$ que originaram o crédito de imposto no valor de 908.910$.

E, validamente notificada para o fazer, não prestou os esclarecimentos indispensáveis sobre a situação tributária, nem enviou os elementos solicitados (que estão em seu poder) violando o princípio da colaboração estabelecido no art. 59.º, n.º4, da LGT.» - cf. documento de fls. 61 do processo de reclamação graciosa;

K) Em 19/01/2004, após prorrogação do prazo para o efeito, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia, alegando, nomeadamente, o seguinte:

«(...) 6. No ponto 10 da Notificação, solicitam o envio das fotocópias dos certificados dos bilhetes do Tesouro (B.T.) que proporcionaram rendimentos de títulos de dívida pública interna no valor de esc. 208.656.925 e que originaram o beneficio fiscal de esc. 41.731.385$, bem como o extracto da conta de proveitos onde esses rendimentos sejam refletidos

7. Em relação às fotocópias dos certificados de B.T., a ora exponente está a tentar obter do Instituto de Gestão do Crédito Público, entidade a quem compete a supervisão da emissão e gestão da divida pública, os elementos comprovativos das aplicações que efectuou e que estão a ser objeto das correcções fiscais, no montante de esc. 40.053.123$00 = € 199.784,14;

8. A ora exponente envia em anexo em anexo 13 (treze) fotocópias das declarações das entidades bancárias envolvidas na emissão dos B.T, onde constam os rendimentos e retenções na fonte, referentes às aplicações efetuadas e 3 (três) cópias dos extractos das contas de proveitos que reflectem os movimentos das respectivas operações. (...)

9. A ora exponente envia cópia dos extractos da conta dos proveitos, onde relevam os valores correspondentes ao rendimento de esc. 5.533.698$00, sendo esc. 3.427.945$00 (conta 78150000), esc. 60.041$10 (conta 78200000), e cópia do lançamento efetuado pelo B..., no montante de esc. 52.105.753$40 (50.000.000$00 + 2.105.753$40).» - cf. documento de fls. 72 do processo de reclamação graciosa;

L) Com a sua pronúncia juntou documentos emitidos pelas entidades bancárias comprovando a retenção na fonte de IRS relativamente a rendimentos auferidos provenientes de aplicações em Bilhetes do Tesouro e protestou juntar fotocópias dos certificados dos Bilhetes do Tesouro - cf. fls. 73 do processo de reclamação graciosa;

M) Em 16/03/2004, pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa foi proferido despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, aposto sobre informação, onde consta, nomeadamente, o seguinte:

«(...) Conclusão:

14 - A reclamante não enviou documentos que comprovem de forma suficiente rendimentos de dívida pública interna emitidas depois da publicação do DL 143-A/89, de 3 de maio-1989, para poder usufruir do benefício previsto no seu artigo 2.º, pelo que se mantém a correção de Esc. 40.053.124$, efetuada pela inspeção.

15 - Embora a correção no valor de esc. 908.910$ = € 4.533,62, efetuada pela inspeção no quadro do imposto, tenha produzido efeitos através da liquidação adicional n.º 8..., mas como a reclamante a ela se refere, na petição aqui analisada, requerendo a sua anulação, nos termos já referidos, também é proposto o indeferimento por não terem sido enviados comprovativos das alegações.

16 - Quanto à correção reclamada no valor de esc. 60.148.719$ = € 300.020,55 é atendida na parte de esc. 47.132.012€ = € 235.093,48, e consequentemente na parte correspondente aos juros compensatórios.

Pelo exposto, propomos deferimento na parte das correcções de € 235.093,48 e respetivos juros compensatórios.

V - Conclusão

Dado o exposto e tendo em atenção os facto s e fundamentos invocados no projeto e no âmbito do direito de audição, propomos o deferimento na parte controvertida de € 245.577,34, sendo de € 235.093,48 relativa às correções relacionadas com férias vencidas em 1998 e de 10.483,86 relacionadas com benefícios fiscais.

Consequentemente serão reduzidos os juros compensatórios e a derrama.

VI - Proposta de decisão

Analisados os elementos a seguir assinalados:

- Fundamentos invocados na petição do reclamante

- Folhas 1 a 96 dos autos

- Outros elementos carreados para o processo

E atendendo à:

- Legitimidade do reclamante

- Tempestividade do pedido

E nos termos da presente informação, propõe-se que a reclamação seja:

Parcialmente deferida.» - cf. documento de fls. 97 a 195 do processo de reclamação graciosa;

N) Na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, foi a liquidação com o n.° 8..., parcialmente anulada, pelo montante de € 10.483,86, referente a benefícios fiscais enquadrados no Decreto-lei n.° 143-A/89, mantendo-se a correcção à matéria colectável no montante de € 189.300,28 e a correcção à coleta no valor de € 4.533,62 - cf. documento de fls. 97 a 105 do processo de reclamação graciosa;

O) Em 23/03/2004 a impugnante tomou conhecimento do despacho referido na alínea anterior - cf. documento de fls. 110 do processo de reclamação graciosa;

P) Em 21/04/2004, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças - 12, recurso hierárquico, onde consta, nomeadamente o seguinte:

« (...) 3.° Em 19 de janeiro de 2004, a Recorrente, através do exercício de audição prévia (Documento 2), concordou com a decisão dos serviços tributários, em relação ao facto tributário mencionado em a) e solicitou que fossem desconsideradas as correções propostas pela Administração Fiscal no que respeita aos factos descritos em b) e c).

4.º Na decorrência do exposto, a G... SGPS foi notificada pela Administração Fiscal, mediante oficio n.º 12209 de 22 de março de 2004 (Documento 3), do deferimento parcial relativamente ao facto tributário mencionado em b), no montante de esc. 10.509.126$00=€ 52.419,30.

5.º Assim, manteve-se a correção à matéria colectável no montante de ESC. 37.951.299$00=€189.300,28 e a correção à coleta no valor de esc. 908.910$00 = €4.533,62. (...)

Nestes termos requeremos a Vexa:

- a anulação da correção à matéria colectável e à coleta, referidos no número 5 deste requerimento, no valor de € 189.300,28 e € 4.533,62, respectivamente.

- o consequente reconhecimento dos benefícios fiscais, resultante do investimento em títulos de divida pública, efectuados pela G..., SGPS.» - cf. documento n.° 2 junto com a petição inicial e fls. 3 do processo de recurso hierárquico;

Q) Em 23/10 /2006, o Substituto Legal do Diretor Geral da DGCI, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico referido na alínea S), onde consta, nomeadamente, o seguinte:

«(...) Através do ofício n.0 1950 de 17.06.1992 da Direção de Serviços de Fiscalização de Empresas a empresa foi notificada para apresentar os elementos descritos nos pontos 16 e 17, que se transcrevem, relacionados com a matéria recorrida:

16. Discriminar detalhadamente por normativo legal e dentro deste por produto financeiro a dedução efetuada na linha 35 do quadro 17 da declaração mod. 22 do IRC apurada no quadro 05 do anexo 22-A, no montante de Esc. 41 731 385$00, indicando entidade que atribui o rendimento, rendimento ilíquido e conta onde foi contabilizado, retenção na fonte, imposto sobre sucessões e doações e ainda relativamente aos títulos de dívida pública, a respetiva data de emissão. Solicita-se ainda que, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 4.º do DL 215/89 se comprove a data de emissão.

17. Justificar o valor de Esc. 908 910$00, apurado no quadro 081 do anexo 22-A, relativo ao regime transitório de benefícios fiscais estabelecido no artigo no DL 215/89, indicando por produtos financeiros, data de emissão, período de vida mínimo (quando aplicável) entidade que atribui o rendimento, rendimento ilíquido e conta onde se encontra contabilizada e ainda a retenção na fonte efetuada.

A reclamação foi indeferida não só porque não foi possível estabelecer uma relação entre as declarações das entidades bancárias apresentadas e os extractos das contas de proveitos 7815 e 787, conforme invocado pela recorrente, mas essencialmente por:

- Não terem sido enviados os documentos de suporte dos lançamentos em contas de proveitos relacionados com o rendimento associado ao benefício fiscal.

- As informações constantes das declarações bancárias não serem suficientes por não identificarem o tipo de rendimento e assim se comprovar inequivocamente que se tratam de juros enquadráveis no benefício estabelecido através do DL n.º 143-A/89 de 03.05. 

A recorrente, no exercício do direito de audição na fase de reclamação, estava ciente de que os comprovativos solicitados eram imprescindíveis à aceitação do benefício fiscal declarado, ao afirmar, no ponto 7, estar a tentar obter do Instituto de Gestão do Crédito Público comprovativo das aplicações (fls. 18 dos autos de recurso hierárquico).

Contudo, em sede de recurso hierárquico a recorrente não apresentou mais elementos comprovativos, limitando-se a elaborar um quadro que constitui o Doc. 4 anexo ao recurso, onde identifica o valor do rendimento, a entidade bancária e o lançamento na conta de proveitos.

Só se deduz ao resultado líquido os rendimentos que estão englobados no resultado contabilístico.

Da comparação efetuada pela recorrente verifica-se que não constam nos extractos das contas de proveitos os seguintes rendimentos relativos às entidades:


«Imagem no original»



A empresa também não provou, em alguma fase do processo, se os rendimentos respeitam a bilhete de tesouro, enquadráveis no benefício.

Por sua vez, as declarações das entidades bancárias em muitos casos não identificam o tipo de rendimento, afigurando-se que a emissão das mesmas apenas tinham por efeito a informação dos valores de IRC retidos no ano de 1990, e não reúnem todos os requisitos necessários à comprovação do benefício.

Considerando ainda todos os elementos dos autos, verifica-se que a reclamação foi intempestiva, por se encontrar precludido o prazo de 90 dias previsto no artigo 102.º do CPPT, conforme referido no ponto III.1. desta informação.

Quanto à correcção efectuada ao cálculo do imposto, no valor de 908 910$00 (€ 4 533,62), relevada no acto tributário consubstanciado na liquidação n0 8... de 03.02.1995, constitui um acto distinto do reclamado (liquidação n.0 8... de 20.05.1994). Essa matéria não poderia ter sido reclamada na petição apresentada em 13.12.1994, pelo que não procedemos à sua apreciação na presente informação de recurso hierárquico.

Em face do exposto afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.

3 - Conclusão

Face ao exposto, somos de parecer que não merece provimento o recurso hierárquico interposto da decisão de deferimento parcial da reclamação.

4 - Direito de audição

Tendo em conta que a decisão ora tomada se baseia nos mesmos factos, sobre os quais já foi exercido o direito de audição e não tendo sido trazidos ao processo quaisquer dados novos, é de dispensar nova audição, nos termos da alínea c) do n.º 3 da Circular n.º 13/99 de 8 de Julho.» - cf. documento de fls. 35 a 47 dos autos e 61 a 67 do processo de recurso hierárquico;

R) A Impugnante não foi notificada para exercer o direito de audição prévia, antes de proferida a decisão sobre o recurso hierárquico apresentado - não contestado;

S) Em 18/12/2006 a impugnante tomou conhecimento do indeferimento do recurso hierárquico - cf. fls. 70 do processo de recurso hierárquico;

T) Em 20/03/2007, foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, ação administrativa especial, convolada, por despacho de 13/01/2010, em Impugnação - cf. documentos de fls. 3 e de fls. 165 a 168 dos autos.


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Não resultou provado que as deduções efetuadas, referentes às correções impugnadas, decorreram de juros de títulos da dívida pública, emitidos no período relevante (1990).

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A convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos documentos constantes dos mesmos e do processo administrativo tributário apenso, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões de recurso verifica-se que a Recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito.

Vejamos, então.

Da preterição do direito de audição prévia

A sentença recorrida considerou que, efectivamente, tinha sido preterido o direito de audição prévia da ora Recorrente em momento anterior à decisão do recurso hierárquico interposto na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 1990. No entanto, a sentença acabou por não conceder eficácia invalidante àquela preterição, por força da aplicação do princípio do aproveitamento do acto.

Recuperemos a sentença, no segmento ora relevante:

“(…) Considera-se assim que a decisão do recurso hierárquico, que apreciou a petição do recurso, na qual foi alegada a ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, é uma «nova decisão» face à decisão da reclamação graciosa, que foi desfavorável, em parte, sendo ainda que foi invocada como matéria de facto nova a referida pela Impugnante, pelo que, teria a Impugnante que ser notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

Questão já diversa, é a que tem a ver com a não projecção de efeitos invalidantes do aludido vício procedimental.

A jurisprudência do STA tem vindo a decidir que, não obstante a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e permitir-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil - cfr. o Acórdão do STA, de 03/03/04, no recurso n.° 1240/02.

Ou seja, como se disse no Acórdão do STA, de 24/10/2007, proferido no recurso n.° 429/07, «(...) nem sempre a omissão da audiência conduz à anulação do acto a que se reporta. Designadamente, deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar.»

No entanto, como se acrescenta no aresto citado, que aqui acolhemos «o princípio do aproveitamento do acto apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão.»

Assim, importa saber se, não devem reconhecer-se à reconhecida omissão de pronúncia efeitos invalidantes do acto impugnado, por estarem verificados os pressupostos do funcionamento do princípio do aproveitamento do acto.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto, que, não tendo suporte directo em disposição legal, assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e que se apresenta de acordo com os pressupostos fixados na lei - admitindo-se, nesses casos, que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto do procedimento.

No caso em concreto, verifica-se que a Impugnante exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa - cf. Alínea K) do probatório), tendo, após o exercício de tal direito, sido proferida a decisão final que manteve o constante no projeto de decisão, apesar do invocado.

O Recurso hierárquico apresentado, manteve os mesmos argumentos, já considerados em sede de audiência prévia, tendo apenas a Impugnante acrescentado um quadro (documento n.° 4 anexo ao recurso) meramente explicativo, onde constam os valores referentes ao rendimento, a entidade bancária e o lançamento na conta de proveitos.

Apesar de ter anexado o quadro referido, não apresentou quaisquer outros elementos comprovativos que permitissem alterar a decisão proferida em sede de reclamação graciosa.

Contudo, entende a Impugnante que foram suscitados em sede de recurso hierárquico factos e fundamentos novos que pesaram na decisão e sobre os quais não teve oportunidade de se pronunciar.

Vejamos.

No que se refere à extemporaneidade da reclamação graciosa apresentada em tal facto é irrelevante dado que, apesar do alegado, a reclamação foi objeto de análise e decisão pelos serviços, tal como é, inclusive, referido na própria informação sobre a qual foi decidido o recurso hierárquico - cf. Alínea L) do probatório).

Quanto à recusa de apreciação, relativamente ao cálculo de imposto no valor de € 4.533,62, vem a Administração Fiscal invocar, em sede de recurso hierárquico, que tal acto é distinto do acto reclamado, pelo que, não é apreciado nessa sede.

Contudo, verifica-se que o acto em causa, apesar de decorrente de diferente acto de liquidação, foi igualmente analisado em sede de reclamação graciosa, tendo sido indeferido, por também não terem sido enviados os comprovativos do alegado - cf. Alínea M) do probatório).

Quanto aos elementos informativos solicitados através do ofício n.° 1950, de 17/6/1992, da Direção de Serviços de Fiscalização e Empresas, constata-se que a Impugnante teve oportunidade, porque para tal foi notificada em 2003, de entregar todos os documentos e elementos necessários à prova do alegado, quanto aos rendimentos obtidos, referentes a juros de dívida pública - cf. Alínea F) do probatório.

Quanto à Liquidação n.° 8..., emitida pela Administração Fiscal em 1995, também nada de novo foi acrescentado aos factos pela AT, dado que, a Impugnante já tinha reclamado das correções que conduziram a tal liquidação e sobre tal liquidação já se tinha pronunciado a AT na decisão da reclamação graciosa.

Certo é que a AT, na sequência do alegado pela ora Impugnante na Reclamação Graciosa, procedeu à anulação parcial das correcções efectuadas (cf. alíneas M) e N) do probatório).

Verifica-se assim, que a Impugnante não deixou de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, nem tão pouco perdeu a oportunidade de apresentar novos documentos, uma vez que, notificada pela AT em 2003, não o logrou fazer, nem no prazo concedido, nem posteriormente.

Dispõe ainda o Acórdão do STA, de 25/06/2015, proferido no âmbito do processo n.° 01391/14, sobre o principio do aproveitamento do ato: «A pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio deve ser a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.»

Pelo exposto constata-se que, apesar de se considerar que ocorreu a violação do direito de audição prévia, a mesma não tem efeito invalidante do acto impugnado, improcedendo o alegado quanto ao vício referido.(…)”

Assente que foi, pela sentença, que houve, efectivamente, preterição da audição prévia, a questão que importa apreciar prende-se, apenas, com o entendimento ali vertido quanto à carência de efeito invalidante do acto impugnado, daquela omissão procedimental.

A Recorrente, quanto a este aspecto, vem dizer que houve factos e fundamentos novos que pesaram na decisão do recurso hierárquico e sobre os quais não teve oportunidade de se pronunciar, a saber:

· Extemporaneidade da Reclamação Graciosa apresentada em 1994;

· Recusa de apreciação da correcção relativa ao cálculo do imposto, no valor de Esc. 908.910$00;

· Elementos informativos solicitados através do Ofício nº 1950 de 17/06/1992 da Direcção de Serviços de Fiscalização e Empresas;

· Liquidação emitida pela AF em 1995.

Invoca, ainda, a Recorrente que trouxe factos novos ao processo de recurso hierárquico (quadro explicativo da matéria em causa) cuja apreciação foi efectuada pela AT, pela primeira vez, no processo em sede de Recurso Hierárquico, concluindo pela violação dos princípios da participação e do contraditório por parte da sentença recorrida.

Adiantemos que não tem razão.

A sentença recorrida analisou, como supra vimos, cuidadosamente, cada um dos argumentos ora repetidos em sede de recurso, tendo concluído que a Impugnante não deixou de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, nem tão pouco perdeu a oportunidade de apresentar novos documentos, uma vez que, notificada pela AT em 2003, não o logrou fazer, nem no prazo concedido, nem posteriormente.

A posição adoptada pela sentença recorrida afigura-se-nos correcta, apoiada em jurisprudência do STA, de que é exemplo, também, o Acórdão do STA de 07/03/2019, proferido no âmbito do processo nº 561/03, do qual se extrai o seguinte:

“(…) em casos excepcionais a formalidade de audiência prévia pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do acto. É o que sucede, por exemplo, quando está em causa uma atividade vinculada da administração em que a decisão não poderia ser outra que não a efectivamente tomada.

E de facto decorre do princípio de aproveitamento dos actos administrativos, que a anulação de um acto viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado.

Tem-se entendido que a aplicação deste princípio de aproveitamento do acto envolve a violação das prescrições relativas ao procedimento e à forma, mas não de um vício de violação de lei (vício em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objecto e ao conteúdo – cf. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, (Direito Administrativo Geral, edição D. Quixote, Tomo III, pag. 158),

Como ensinam aqueles autores (Ob. citada, Tomo III, pag. 49), «por vezes, a ordem jurídica comina, prima facie, a invalidade (nulidade ou anulabilidade) para um acto jurídico da administração que padece de determinado vício, mas permite que, reunidas determinadas circunstâncias, o acto em causa passe a ser considerado como simplesmente irregular.
Este fenómeno é exclusivo dos vícios formais. Situações típicas são as de degradação da forma legal e de degradação de formalidades essenciais em não essenciais (supra, 18-24): quando as finalidades que a prescrição da forma ou das formalidades exigidas para um determinado acto foram plenamente atingidos por outro meio, torna-se inútil o cumprimento daqueles requisitos formais.»

Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem acolhido a aplicação eventual deste princípio nos casos de actos administrativos feridos por vício de forma e de procedimento (preterição de formalidades essenciais), mas não por vício de violação de lei.
Neste sentido a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a sublinhar que a inoperacionalidade dos vícios se reporta «a irregularidades procedimentais (v.g. falta de audiência) que dada sua natureza instrumental se degradam perante o resultado final, ou vícios que se desvalorizam totalmente perante a natureza vinculada de actos praticados conforme à lei (apesar das irregularidades cometidas), ou porque subsistem fundamentos exactos bastantes para suportar a validade do acto» – cfr. Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2010, recurso 855/09, e por todos o acórdão deste Supremo Tribunal de 18-11-2009, proferido no processo 0434/09, onde é feita uma sistematização dos casos admitidos pela jurisprudência e uma referência às posições doutrinárias no direito comparado.(…)”

Concordamos com a apreciação efectuada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente com a sua alegação recursiva não logrou convencer este Tribunal quanto ao invocado erro de julgamento, sendo, pois, de manter o decidido, improcedendo este segmento do recurso.

Da comprovação relativa aos juros

Dissente a Recorrente do decidido pelo TT de Lisboa quanto à falta de junção dos documentos comprovativos dos juros decorrente de títulos da dívida pública. Reitera o entendimento de que, pelo facto de terem passado mais de 10 anos sobre os factos, inexistia obrigação de manter os documentos comprovativos.

Quanto a esta questão, a sentença recorrida decidiu o seguinte:

“(…) O artigo 74.°, n.° 1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

No específico caso dos benefícios fiscais, o artigo 14.°, n.° 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».

Desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais, recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos à Administração Tributária.

Resulta, assim, destas normas que, nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova dos benefícios fiscais, é o contribuinte que lhos tem de fornecer, «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito», como determina a parte final do n.° 2 do artigo 14.° da LGT.

O facto de, decorrer do CIRC, que os contribuintes apenas têm de conservar os documentos fiscais durante o prazo de 10 anos, tal não altera as regras do ónus da prova.

Na verdade, já no âmbito da acção inspectiva que determinou a realização das correcções em 12/1/1993, ao tomar conhecimento dos seus fundamentos a Impugnante sabia que factos estavam em causa nas correcções e assim sendo, tinha os elementos necessários para avaliar que documentos deveria conservar com vista a efectuar a prova, uma vez que estava em curso procedimento impugnatório gracioso que não estava ainda decidida definitivamente. Por outro lado, no exercício do seu direito de audição, no âmbito da reclamação, tinha consciência de que os comprovativos solicitados eram imprescindíveis à aceitação do benefício fiscal declarado, ao afirmar, no ponto 7 da sua pronúncia, estar a tentar obter do Instituto do Crédito Público, comprovativo das aplicações, tendo inclusive, quando os elementos foram solicitados, requerido prorrogação do prazo para os apresentar.

Contudo, nem no prazo concedido, nem em sede de recurso hierárquico, a Impugnante apresentou outros documentos, tendo apenas elaborado um quadro, onde se limitou a identificar o valor do rendimento, a entidade bancária e o lançamento na conta de proveitos.

Constata-se igualmente que, quanto aos documentos e elementos entregues à Administração Fiscal, foram os mesmos considerados, conforme deferimento parcial pela correcção efectuada ao valor inicial (cf. alíneas M) e N) do probatório).

Para além do referido e apesar do previsto no CIRC quanto ao prazo de conservação dos documentos, deve ainda ser considerado que a Impugnante tinha consciência, ao tomar conhecimento das correcções e não se conformando com elas, ao pretender apresentar a reclamação graciosa, como o veio a efectuar em 13/12/1994, que teria que fazer prova do alegado, caso assim fosse determinado, devendo ter agido com a diligência devida.

De facto, verificando-se não ser possível apurar em concreto a qualificação e montante dos rendimentos auferidos a título de juros de dívida pública, que não os já considerados em sede de reclamação graciosa, não podem ser reconhecidas as deduções efetuadas a esse título, sendo válidas as correções impugnadas.(…)”

Concordamos com o decidido, sendo que, como se diz no Acórdão do STA de 11/07/2018, proferido no âmbito do processo nº 359/16, ainda que relativo a um pedido de reembolso de IVA e respectivos documentos comprovativos:

“(…) Em suma, como sublinha o MP, não obstante a falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções efectuadas nos anos 2001 a 2005 (documentos solicitados pela AT), não constituir violação de qualquer obrigação do sujeito passivo que seja elegível para procedimento por contraordenação tributária, (…) dado ter já decorrido o prazo legal de 10 anos para o seu arquivo e conservação em boa ordem (nº 1 do art. 52° do CIVA e nº 1 do art. 113° do RGIT), essa insusceptibilidade de imputação ao sujeito passivo a título de responsabilidade contraordenacional não é impeditiva do indeferimento do pedido de reembolso, por falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções de imposto nesses períodos em que se verificou o excesso determinante do crédito a favor do sujeito passivo (art. 22° nºs 4, 5, 10 e 11 do CIVA).

E, como acima se deixou dito, cabendo à impugnante (sujeito passivo do imposto) o ónus da prova dos requisitos em que faz assentar o pedido de reembolso (ou seja, a prova da realização das operações tributáveis reportadas aos anos de 2001 a 2005 que permitam o invocado direito à dedução do IVA e aos correspondentes crédito de imposto e reembolso) é também ela que deve suportar a consequência jurídica da não apresentação (por terem sido destruídos) dos elementos solicitados pela AT com vista à comprovação daquelas operações, já que, apesar do decurso do prazo legal para arquivo e conservação desses documentos de suporte, só na declaração do período em que cessou a actividade (4º trimestre de 2014) solicitou o reembolso de crédito de imposto referente a tais exercícios (…)”

Como refere a DMMP, no parecer emitido, a alegação da Recorrente de não ter obrigação de conservar por mais de 10 anos os documentos de suporte será irrelevante se tal documentação for o meio de prova necessário e adequado à comprovação do benefício fiscal que pretende ver reconhecido.

Nessa medida, improcede, também, este segmento do recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25 de Junho de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)