Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:281/11.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
NOTIFICAÇÃO
APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I – A notificação para o direito de audição não foi efectuada validamente, o que determina preterição de formalidade legal, que gera um vício procedimental que invalida o despacho de reversão.

II – Não é manifesto que a decisão de reversão da execução fiscal, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 19 de dezembro de 2019, a qual julgou procedente a oposição judicial deduzida por S..., com os sinais nos autos, ao processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, para o qual foi citada na qualidade responsável subsidiária da sociedade “P..., Lda.”, NIPC ..., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €141.255,98, relativa a dívidas de IRC, IVA e retenções na fonte dos exercícios de 2002 e 2003, que tiveram datas limite de pagamento entre 01.06.2006 e 31.08.2006. Mais, aquela sentença, fixou à causa o valor de €141.255,98 e condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por S..., à execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, contra si revertida e instaurada originariamente contra a sociedade “P... LDA EM LIQUIDAÇÃO, NIF ..., para cobrança de dívidas fiscais provenientes de Retenção na Fonte (IRS), IVA e IRC no valor global de €134.393,78 (cento e trinta e quatro mil, trezentos e noventa e três euros e setenta e oito cêntimos) e acrescido.
II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do n.º 7 do artigo 60.º da LGT.
III. Vem a douta sentença decidir que, no caso sub judice, “…perante o circunstancialismo do caso em apreço, afigura-se que não é possível concluir-se com segurança que o interessado não pudesse apresentar provas sobre os factos alegados e pronunciar-se sobre questões relevantes com eventuais reflexos no sentido da decisão final.”
IV. Contudo fico provado nos autos que, “A 14.08.1998 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade ““P..., Lda.”, nipc ..., tendo sido nomeada gerente a também sócia S..., e vinculando-se a sociedade com a assinatura de um gerente [cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 22 e 23 do PEF em apenso].”
V. “Por sentença de 11.10.2006 do Tribunal do Comércio de Lisboa – 1.º Juízo, proferida nos autos do processo n.º 229/06.8TYLSB foi declarada a insolvência da sociedade “P..., Lda.” [cf. cópia da sentença a fls. 10 a 15 do PEF em apenso]”. Não foram identificados bens em nome do devedor, pelo que Se encontra observado o princípio de excussão prévia relativamente aos bens do devedor originário Tendo em atenção os elementos constantes na certidão da Conservatória do Registo Comercial, verifica-se que a gerência foi exercida pelos seguintes contribuintes e relativamente aos períodos mencionados:
1. S...s, NIF ... – de 1998-08-14 a 2006-10-11…”.
VI. Não obstante entendeu a Mm.ª Juíz que, “Sobre a efectiva gerência de facto da devedora no período correspondente à data de pagamento voluntário da dívida poderia o visado invocar factos susceptíveis de afastar tal pressuposto substantivo da reversão ou poderia demonstrar, factualmente, não ter sido por sua culpa que a sociedade ficou sem meios para proceder ao pagamento das suas dívidas, incluindo as relativas aos tributos em cobrança na execução fiscal a que se refere a presente oposição.”
VII. Não ignoramos que o exercício do direito de audição em sede de reversão possui dois efeitos fundamentais: numa primeira hipótese, o visado poderá demonstrar, desde logo, perante a Administração Tributária que não existe qualquer fundamento para a pretendida reversão e, em consequência, o processo será extinto. Ou então a Administração Tributária não retira qualquer ilação da audição prévia realizada e faz prosseguir o processo de reversão.
VIII. Do ponto G) do probatório resulta que, através do ofício de 10.11.2010, do Serviço de Finanças de Oeiras 2, foi remetida notificação para o domicílio da oponente, com vista ao exercício do direito de audição prévia, em sede do procedimento despoletada para reversão do processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, pelo valor de €141.255,98 [cf. fls. 36 do PEF em apenso].
IX. Tendo o ofício sido remetido para o domicílio da Oponente, na mesma morada que consta do registo de envio do ofício de citação para a reversão (cfr. p. 55 dos autos) e da procuração junta por esta, e não havendo elementos demonstrativos de que tenha havido ilisão da presunção constante do n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, conclui-se tal notificação operou.
X. E só depois de feita essa notificação, e findo o prazo de audição, com base na ausência de resposta por parte da ora Oponente, avançou o Órgão da Execução Fiscal, para a prolação de despacho que reverteu a execução contra os responsáveis subsidiários e converteu em definitivo o projeto de decisão de reverter a execução.
XI. Ao Órgão da Execução Fiscal era exigível que possibilitasse ao responsável subsidiário a possibilidade de conhecer o projeto de reversão e sobre ele se pronunciar ao abrigo do direito de audição prévia. Só após findo o prazo de audição podia ser tomada uma decisão respeitante à reversão, a partir dos elementos coligidos, independentemente de o interessado ter feito uso do seu direito ou não.
XII. Em face dos aludidos pontos do probatório, todos esses passos foram cumpridos pela Exequente, dado que o mesmo colocou a Oponente em condições de informada e conscientemente de se pronunciar sobre o projeto de reversão e tomou em conta a ausência de resposta no prazo concedido para decidir.
XIII. Não pode, pois, a Fazenda Pública concordar com o assim decidido, mais concretamente, com “…a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental” porquanto é jurisprudência pacífica, que a preterição do direito de audição em sede de reversão, não produz efeitos anulatórios ipso facto sobre o ato de liquidação do imposto.
XIV. Ao abrigo do princípio do inquisitório, reuniu o órgão de execução fiscal prova bastante para preencher os pressupostos da reversão da execução fiscal, designadamente, prova do exercício da gerência e facto e da insuficiência económica da sociedade devedora originária, sendo certo que a oponente nunca colocou em crise o facto de ter exercido a gerência de facto.
XV. O argumento da Oponente, ora Recorrida, vai suportado apenas na (alegada) falta de prova, pela AT, da demonstração desse exercício efetivo sem, em momento algum do seu petitório, colocar em crise o exercício efetivo da gerência.
XVI. Vale isto por dizer que, a gerência de facto pela Oponente/Recorrida jamais constituiu questão controvertida e que se impunha ter sido esclarecida previamente à determinação da reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra a Oponente pois que, em momento algum esta a coloca em causa.
XVII. O Despacho de reversão em apreço nos presente autos, contém a fundamentação legalmente exigida pelo n.º 1, do artigo 77.º da LGT, permitindo à Oponente perceber as razões de facto e de direito que levaram ao órgão de execução fiscal a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu defender de forma cabal os seus direitos e interesses, como resulta, de forma clara, da simples leitura da petição de oposição.
XVIII. Assim, e na esteira de jurisprudência uniforme e reiterada dos Tribunais Superiores, no caso da reversão, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respetivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão.
XIX. Conforme é possível constatar mediante a perscrutação da Certidão do Registo Comercial, a qual já se encontra junta aos presentes autos e aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais, em 14-08-1998, foi constituída a sociedade comercial por quotas unipessoal P... LDA, data em que foi constituído o órgão social da Gerência, tendo sido designada como única gerente a sócia S... – ora Oponente - definindo-se, de igual forma, que a sociedade se obrigaria com a intervenção de um gerente – o único existente: a ora Oponente. (cfr Ap.29/19980814 da certidão permanente).
XX. Sendo a Oponente gerente única, a forma de obrigar e vincular a sociedade perante terceiros carecia da sua assinatura e estando à data a sociedade a laborar e a cumprir as suas obrigações declarativas, deveria a ora Recorrida provar como funcionou a sociedade a seu encargo, no seu giro comercial, sem a assinatura de um gerente, o que não se encontra provado nos autos.
XXI. Ou seja, face às dívidas fiscais, a Administração Tributária, não tinha outra forma de cobrar os processos de execução fiscal instaurados, se não pelo instituto da reversão e sendo a Recorrida a única gerente da sociedade, o ónus está do seu lado. Ora, não consta dos autos que a oponente tenha renunciado à gerência nos períodos em causa, ao não fazê-lo, tem o domínio da ação e da vontade.
XXII. Perante tal factualidade, mostra-se sólida a conclusão, extraída por presunção judicial, de que a oponente/ Recorrida exerceu a gerência da devedora originária em período concomitante com o da dívida ou seu pagamento
XXIII. Vale isto por dizer que, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. Independentemente do alegado, ainda que tivesse sido cometido vicio decorrente da não audição prévia (o que não se concebe), sempre diríamos que o mesmo não tinha a virtualidade de mudar o rumo da decisão.
XXIV. Transpondo a visão jurisprudencial da doutrina do aproveitamento do ato para os presentes autos, temos que o conteúdo decisório não poderia ser diferente, devendo este ato manter-se na ordem jurídica. E, no caso concreto, entendeu o órgão de execução fiscal ter reunido prova bastante do exercício da gerência por parte dos ora Recorridos, dispensando, assim, a produção de prova testemunhal em sede do exercício do direito de audição prévia.
XXV. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23º, n.º 4, e 60º, n.º 7, da LGT.
XXVI. Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontram violados os artigos 23º, n.º 4, e 60º, n.º 7, da LGT anulando, em consequência, as decisões de reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra a Recorrida, por vício de violação do direito de audição prévia.
XXVII. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23º, n.º 4, e 60º, n.º 7, da LGT.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
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A Oponente, aqui Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações nas quais alcança as seguintes conclusões:

A. Em causa nos presentes autos está a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 19.12.2019, que julgou procedente a oposição judicial apresentada pela ora Recorrida e em consequência o despacho de reversão e a extinção da execução em relação à ora Recorrida, por violação do direito de audiência consagrado no artigo 60.º da LGT, e em especial, no n.º 4 do artigo 23.º da LGT.
B. A AT interpôs recurso da douta sentença do Tribunal a quo, por entender que:
i) “Segundo o n.º 4 do art. 23.º da LGT, a audição do responsável subsidiário deve ter lugar nos termos dessa lei, pelo que a formalidade a seguir deve ser a da carta registada a enviar para o domicílio fiscal do contribuinte (n.º 4 do art.º 60.º da LGT)”;
ii) “a mesma regra decorre do n.º 3 do art.º 38.º do CPPT, estabelecendo o n.º 1 do art.º 39.º que tais notificações se presumem feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte, quando não seja dia útil”;
iii) Pelo que, “tendo o ofício sido remetido para o domicílio da Oponente, na mesma morada que consta do registo de envio do ofício de citação para a reversão e da procuração junta por esta, e não havendo elementos demonstrativos de que tenha havido elisão da presunção constante do n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, conclui-se que tal notificação operou”;
iv) Nesta medida, continua a AT, apenas tendo sido convertido em definitivo o projeto de reversão, após decorrido o prazo para exercício de direito de audição, considera-se que a “Oponente”, ora Recorrida, estava devidamente informada para se pronunciar sobre o projeto de decisão”;
v) Acresce que, a AT refere, ainda, que “no que à alegada fundamentação concerne (…) ao abrigo do princípio do inquisitório, reuniu o órgão de execução fiscal prova bastante para preencher os pressupostos da reversão da execução fiscal, designadamente, prova do exercício da gerência de facto e da insuficiência económica da sociedade devedora originária, sendo certo que a oponente nunca colocou em crise o facto de te exercido a gerência de facto”.
vi) Acrescentando que “(…) vale por isto dizer que, a gerência de facto pela Oponente/Recorrida jamais constituiu questão controvertida e que se impunha ter sido esclarecida previamente à determinação da reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra a Oponente pois que, em momento algum esta a coloca em causa”.
C. Contudo, e pelas razões acima melhor explicitadas, bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a oposição judicial apresentada pela ora Recorrida, não padecendo a sentença sub judice de qualquer vício, não assistindo razão à AT.
D. Com efeito, o alegado pela AT não pode proceder, dado que atento o probatório dado como provado, é inequívoca a conclusão de que à Recorrida não foi dada oportunidade para exercer direito de audição prévia, pelo que a conclusão do Tribunal a quo não poderia ser diferente, conforme melhor se explicitará infra.
E. Dito isto importa saber, se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto, ao decidir que o Oponente não foi notificado para o exercício do direito de audição prévia a que alude o artigo 23.º, n.º4 da LGT.
Analisemos a referida questão:
F. A audição prévia do responsável subsidiário é a concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito consagrado no artigo 267.º, n.º4 da Lei Fundamental Portuguesa e sua notificação é direito igualmente resultante do imperativo constitucional consagrado no artigo 268º., n.º3 da mesma Lei.
G. Estabelece o artigo 23.º, n.º4 da LGT que “a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação». Por seu turno, estabelece o artigo 60.º, nº 4, do mesmo compêndio, que tal notificação para o exercício do direito de participação deve ser concretizada por correio postal registado – «o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.
H. O Supremo Tribunal Administrativo tem deixado claro que “É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais. II - Na ausência dessa demonstração e não se comprovando que a oponente tomou conhecimento dos actos notificandos – liquidações que deram origem à dívida exequenda – é de julgar procedente a oposição à execução fiscal deduzida com fundamento em inexigibilidade por falta de notificação.” (Entre outros, acórdão de 27.05.2015, proferido no processo n.º 078/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
I. De facto, não resta dúvida que a Administração Tributária emitiu o documento titulado "NOTIFICAÇÃO-AUDIÇÃO PRÉVIA (Reversão), contudo, não logrou demonstrar que o mesmo foi recebido pelo destinatário.
J. Com efeito, de acordo com a informação disponibilizada pela AT aquando da consulta presencial do processo, foi inicialmente remetida à Oponente uma notificação para audição prévia, a qual foi devolvida em 23 de novembro de 2010, com a menção de “não levantado”.
K. Ora, relativamente a esta questão, a Recorrida afirmou sempre nunca ter recebido qualquer aviso postal para levantamento da referida notificação.
L. Pelo que, a tese avançada pela Recorrente não pode proceder, pois não logrou demonstrar a efetiva notificação para exercício do direito de audição, sendo que a Recorrida afastou a presunção do nº 1 do artigo 39.º do CPPT.
M. Com efeito, no caso em análise, era necessário ter demonstrado a efetiva notificação para exercício da audição prévia, dado que aquando do exercício da mesma a Recorrida poderia ter demonstrado factos que conduziriam à não conversão do projeto de reversão em definitivo.
N. Pelo que, tendo a respetiva notificação a menção de “não reclamada” ou “não levantada” e afirmando a Recorrida que nunca recebeu qualquer aviso postal para o efeito, a Sentença a quo decidiu bem, dado que a presunção do artigo 39.º, n.º 1 do CPPT foi afastada com a referida menção em conjunto com a afirmação feita pela Recorrida ao longo dos presentes autos de que nunca recebeu qualquer aviso postal referente a esta matéria.
O. Nestes termos, a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido como bem decidiu o Tribunal de 1ª Instância.
P. Por outro lado, a AT continua as suas alegações referindo que a responsabilidade da Recorrida teve o seu início aquando da nomeação e aceitação do cargo de gerente.
Q. A Recorrida não se conforma com tal entendimento pois sendo necessária a existência de culpa para a responsabilização do gerente, a AT não logrou provar a existência da mesma por parte da Recorrida.
R. Com efeito, a culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente, sendo necessário que se verifique a violação de uma conduta ou de um comportamento que juridicamente não é permitido ou o incumprimento de uma obrigação previamente determinada.
S. A culpa só pode ser censurabilidade da ação, por o culpado ter atuado contra o dever ou a obrigação quando podia ter agido de acordo com ele.
T. Pelo que, não tendo a AT provado, nem demonstrado a referida culpa, é destituído de qualquer sentido o alegado pela mesma nas alegações de Recurso, no que a esta matéria se reporta, devendo, também por esta razão, proceder a argumentação da Recorrida.
U. Motivo pelo qual a decisão ora recorrida deverá ser integralmente mantida,

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado improcedente, e porque a Douta Sentença bem decidiu, deve a mesma ser integralmente mantida.”
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a Oponente não foi notificado para o exercício do direito de audiência prévia à reversão.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
A) . A 14.08.1998 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade ““P..., Lda.”, nipc ..., tendo sido nomeada gerente a também sócia S..., e vinculando-se a sociedade com a assinatura de um gerente [cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 22 e 23 do PEF em apenso].
B) . A 18.06.2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3654200601..., instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 2, contra a sociedade “P..., Lda.”, nipc ..., para cobrança de dívida de IRS, referente aos exercícios de 2002 e 2003, pela quantia exequenda de €20.956,92, que tiveram data limite de pagamento a 01.06.2006 [cf. fls. 1 a 3 do PEF em apenso].
C) . Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foram apensos os seguintes processos de execução fiscal n.ºs:
i) 354920060..., por dívida de IRC referente aos exercícios fiscais de 2002 e 2003, pela quantia exequenda de €63.472,92, e acrescido, que tiveram data limite de pagamento a 06.07.2006;
ii) 3549200601..., por dívida de IVA referente aos exercícios fiscais de 2002 e 2003, pela quantia exequenda de €49.963,94, e acrescido, que tiveram data limite de pagamento a 31.08.2006;
iii) 354920060..., por dívida de IVA/juros compensatórios referente aos exercícios fiscais de 2002 e 2003, pela quantia exequenda de €6.862,20, e acrescido, que tiveram data limite de pagamento a 31.08.2006;
[cf. fls. do PEF em apenso].
D) . Por sentença de 11.10.2006 do Tribunal do Comércio de Lisboa – 1.º Juízo, proferida nos autos do processo n.º 229/06.8TYLSB foi declarada a insolvência da sociedade “P..., Lda.” [cf. cópia da sentença a fls. 10 a 15 do PEF em apenso]
E) . A 09.11.2010 foi elaborada informação em sede do processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, onde consta nomeadamente o seguinte:
“(…)
· Os presentes autos encontram-se em dívida pelo montante de €141,255,98, acrescido de JM e custas, resultante de IBA e IRS;
· A firma encontra-se cessada para efeitos de IVA desde 2001-12-31 e encontra-se registada a dissolução e cancelamento da matrícula com data de 2010.09-23;
· Correu no Tribunal de Comércio de Lisboa – 1.º Juízo, processo de falência com o n.º 229/06.8TYLSB, declarada em 2006-10-11e arquivada em 2009-10-29 por insuficiência da massa insolvente;
· Não foram identificados bens em nome do devedor, pelo que
· Se encontra observado o princípio de excussão prévia relativamente aos bens do devedor originário
· Tendo em atenção os elementos constantes na certidão da Conservatória do Registo Comercial, verifica-se que a gerência foi exercida pelos seguintes contribuintes e relativamente aos períodos mencionados:
1. S...s, NIF ... – de 1998-08-14 a 2006-10-11 (…)” [cf. cópia da informação a fls. 31 do PEF em apenso]
F) . Por despacho de 10.11.2010, do Chefe do Serviço de Finanças Adjunto de Oeiras 2, foi determinada a preparação do processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos para reversão contra os responsáveis subsidiários da sociedade “P..., Lda.” pela dívida de €141.255,98 [cf. fls. 35vv. do PEF em apenso].
G) . Através do ofício de 10.11.2010, do Serviço de Finanças de Oeiras 2, foi remetida notificação para o domicílio da oponente, com vista ao exercício do direito de audição prévia, em sede do procedimento despoletada para reversão do processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, pelo valor de €141.255,98 [cf. fls. 36 do PEF em apenso].
H) . A 17.01.2011 foi elaborada informação em sede do processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, onde consta nomeadamente o seguinte:
“(…) No âmbito da preparação de reversão do processo de execução fiscal supra, instaurado contra o executado P..., Lda., tendo em conta o princípio do contraditório previsto no artigo 45.º do CPPT, foi enviada a notificação para efeitos do exercício do direito de audição prévia, nos termos do n.º 4 do art. 23.º e art. 60.º da Lei Geral Tributária, para o contribuinte S... NIF ..., para a sua morada fiscal constante no cadastro. No entanto, veio devolvida com a menção “não reclamado”.
Compulsado o sistema informático constata-se que não houve alteração de morada.
Assim, face às diligências efectuadas e tendo em atenção o prescrito no art. 39.º do CPPT, parece-me que nada obsta à pronuncia do despacho de reversão contra o contribuinte supra mencionado. (…)”
[cf. fls. 39 do PEF em apenso].
I) . Por despacho de 17.01.2011, do Chefe de Finanças de Oeiras 2, foi determinada a reversão processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos contra a oponente, onde consta nomeadamente o seguinte:
“(…)
Considerando as diligências realizadas no âmbito da concretização da responsabilidade subsidiária dos administradores/gerentes da sociedade P..., Lda., NIF ..., executada originária nos autos por dívidas fiscais da responsabilidade directa, conforme informação que antecede e demais elementos constantes dos autos verifica-se que:
1. Por não existirem bens da devedora originária para satisfação da dívida exequenda e acrescido, conforme prevêem os artigos 153°, n° 2, e 159°, ambos do CPPT, iniciou-se o procedimento de reversão, tendo para efeitos do exercício do contraditório, nos termos do artigo 60°, da LGT, sido notificados os administradores/gerentes que legalmente exerceram a função de administração no momento em que se venceram as dividas em referência, nomeadamente:
- C..., com o NIF ...
2. Não se produziu prova nos autos de que não lhes foi imputável a responsabilidade pelo pagamento da dívida exigida nos autos.
3. E, a obrigação de pagamento venceu-se na vigência da Lei Geral Tributária e assim, nos termos do artigo 24°, n°1, alínea b), os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas colectivas ou equiparadas, serão subsidiariamente reesposáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Consequentemente, com os fundamentos de facto e de direito expostos, determino:
I - A efectivação da responsabilidade subsidiária, nos termos do artigo 23°, n° 1, da LGT, por reversão do presente processo de execução fiscal contra os administradores/gerentes infra identificados, por se verificarem os pressupostos previstos pelo artigo 24°, n° 1, alínea b), da LGT, e em consequência serem subsidiariamente responsáveis em relação à identificada sociedade pelo pagamento da dívida exequenda exigida nos autos, nos valores que resumidamente se identificam em função da sua responsabilidade, a que acrescem juros de mora e custas, relativamente às dívidas que foram objecto de identificação e notificação aquando do projecto de reversão:

Nome
NIF
Respons./Vencimento
[de;até]
Valor
C...
... a
2006/06/01 a
2006/08/31
€ 141255,98

II – E a subsequente citação dos supra identificados responsáveis subsidiários, nos termos e para efeitos do previsto pelo artigo 160.ºdo CPPT.
[cf. fls. 43 do PEF em apenso].
J) . A 27.01.2011 foi a oponente citada em sede do processo de execução fiscal n.º 3654200601... e apensos, para pagamento da quantia de €141.255,98 [cf. cópia do ofício de citação a fls. 35 dos autos e 44 do PEF em apenso, aviso de recepção assinado por terceira pessoa a fls. 36 dos autos e 45 do PEF em apenso e ofício a que se refere o artigo 241.º do CPC a fls. 37 dos autos e 46 do PEF em apenso].
K) . A 03.03.2011 foi apresentada a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 4 dos autos].”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”.
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A convicção do Tribunal assentou “no exame dos documentos constantes dos presentes autos e o processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”.
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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por poder revelar-se importante para a decisão do mérito da causa, aditam-se os seguintes factos:

L) A notificação (carta registada) referida em G), com vista ao exercício do direito de audição prévia, não foi entregue, tendo sido deixado aviso, cfr. fls. 15 dos autos;

M) A carta registada referida em G) e L) veio devolvida com a menção de “não reclamado”, cfr. fls. 15 dos autos e fls. 39 do PEF apenso.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente acção procedente, determinando, em consequência, a anulação do despacho de reversão e a extinção da execução em relação à ora oponente.
Para tanto, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«No caso concreto, não se tendo provado a efectiva notificação do revertido para se pronunciar sobre o projeto da decisão de reversão, resultou violado o direito de audição prévia à reversão, o que inquina o despacho de reversão de vício de forma, determinante da sua anulação (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, p. 437 – nota 18 ao art. 45.º do CPPT e DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária: Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, pp. 513/514 – notas 13 e 14 ao art. 60.º da LGT).
E nem poderia prevalecer o princípio do aproveitamento do acto.
A irrelevância da preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2007, em sede do proc. n.º 1071/06) ou se trate de atividade administrativa vinculada. E, mesmo aqui, constitui jurisprudência do STA que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de atividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela.
Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.” (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.05.2003, recurso n.º 317/03).
Acontece que, no caso em apreço, não estamos sequer perante atividade vinculada.»

Inconformada a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando que a mesma não faz uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do nº 7 do art. 60º da LGT (conclusão II.do recurso).

Adianta-se, desde já, que não assiste razão à recorrente e que existe Jurisprudência reiterada e uniforme sobre esta questão, sempre em sentido contrário ao defendido pela recorrente.

Alega a recorrente que tendo o ofício sido remetido para o domicilio da oponente, na mesma morada que consta do registo de envio do ofício de citação para a reversão e da procuração junta por esta, e não havendo elementos demonstrativos de que tenha havido ilisão da presunção constante do nº 1 do art. 39º do CPPT, conclui-se que tal notificação operou.

Na resolução deste caso, iremos fazer apelo ao Acórdão do STA de 31/01/12, proferido no processo nº 017/12, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreveu o seguinte:

“(…)

O procedimento de notificação, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT, compreende a emissão de uma carta, que incorpora o projecto da decisão, a fundamentação e o prazo de audição, o registo nos serviços postais e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário. Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação para o exercício do direito de audição ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.

Mas porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.

Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicilio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação.

Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).

É claro que o artigo 39º não resolve directamente o problema dos efeitos da devolução da carta registada.

Os nºs 5 e 6 desse artigo referem-se exclusivamente à devolução da carta registada com aviso de recepção e não à devolução da carta registada sem aviso de recepção. Naquela forma de notificação, se o aviso de recepção for devolvido pelo facto do destinatário se ter recusado a recebê-lo ou por não o ter levantado nos serviços postais, a norma obriga a que a administração tributária proceda à remessa de nova carta registada com aviso de recepção nos 15 dias seguintes à devolução; e se essa a carta for novamente recusada ou não levantada, preceitua-se que a notificação se presume feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil «sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência».

Este procedimento de notificação harmoniza satisfatoriamente o interesse da administração tributária em cumprir o dever de notificar, colocando a informação ao alcance do interessado e garantindo que a mesma foi efectivamente recebida, e o interesse do contribuinte em conhecer os actos que tocam na sua esfera jurídica, cumprir as determinações que a Administração lhe dirige, ou reagir contra o que lhe for desfavorável. Em caso de devolução da carta, o interesse público em notificar satisfaz-se com a exigência de uma segunda carta registada com aviso de recepção e com a presunção da notificação em caso de recusa de recebimento ou não levantamento; e o interesse do contribuinte protege-se com a possibilidade de invocar o “justo impedimento”, a ocorrência de evento não imputável, que obstaculizou a recepção da carta.

A composição destes interesses, através da imposição de uma segunda carta registada e do ónus do justo impedimento, também deve ser conseguida quando a notificação se efectue por carta registada simples.

Na verdade, a única diferença que existe entre as duas formas de notificação tem a ver com a prova do seu efectivo recebimento. O aviso de recepção funciona apenas como formalidade “ad probationem” de entrega do documento ao destinatário, ficando a Administração em condições de provar que o contribuinte recebeu efectivamente a notificação. Mas essa formalidade, cuja finalidade protege mais o remetente da carta do que o seu destinatário, não garante a certeza que a notificação se fará, uma vez que a carta pode ser devolvida. Não é o facto do registo ser simples ou com aviso de recepção que se garante que a carta chegará ao seu destino, pois essa garantia só pode ser dada pelos serviços postais. Se o aviso for devolvido com a menção de “não reclamado” ou “não levantado”, vale a mesma presunção tantum iuris que o nº 2 do artigo 39º atribui à devolução da carta registada simples. Em ambos as formas de notificação, sendo a carta devolvida, é o registo que serve de base da presunção de que a entrega da carta foi efectuada em três dias.

Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º nº 3 da CRP), defende-se que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento. Se em ambas as formas de notificação o conflito de interesses é semelhante, divergindo apenas quanto ao meio de provar a recepção efectiva, então semelhante tratamento devem ter quando a carta registada é devolvida.

No caso dos autos, ficou provado que a carta registada foi devolvida com a indicação de que a destinatária “não atendeu”. Esta menção tem um sentido diferente de “não reclamada” ou “não levantada”, pois tem ínsita a deslocação do distribuidor do serviço postal ao domicilio da destinatária e que a mesma não foi encontrada. Todavia, ainda que tenha sido deixado aviso no domicílio, a devolução da carta registada não garante a certeza jurídica da sua cognoscibilidade por parte da recorrida, pois a alegada situação de ausência do domicilio não é um risco que deva ser suportado exclusivamente pelo destinatário, sob pena de se restringir excessivamente a garantia constitucional da notificação. O risco decorrente da insegurança quanto à recepção da notificação só deve ser suportado pelo contribuinte após uma segunda carta registada, ficando este com o ónus de demonstrar o justo impedimento na recepção da carta”.

Conforme alíneas G), H), L) e M) do probatório, ficou provado que foi remetida notificação para o domícilio da oponente com vista ao exercício do direito de audição prévia, em sede do procedimento para reversão, que veio devolvida com a menção de “não reclamado”, não constando dos autos o envio de nehuma outra notificação.

Perante a factualidade supra exposta, forçoso é concluir que a notificação para o direito de audição não foi efectuada validamente, o que determina preterição de formalidade legal, que gera um vício procedimental que invalida o despacho de reversão.

Alega a recorrente que, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. Independentemente do alegado, ainda que tivesse sido cometido vicio decorrente da não audição prévia (o que não se concebe), sempre diríamos que o mesmo não tinha a virtualidade de mudar o rumo da decisão. Transpondo a visão jurisprudencial da doutrina do aproveitamento do ato para os presentes autos, temos que o conteúdo decisório não poderia ser diferente, devendo este ato manter-se na ordem jurídica. E, no caso concreto, entendeu o órgão de execução fiscal ter reunido prova bastante do exercício da gerência por parte dos ora Recorridos, dispensando, assim, a produção de prova testemunhal em sede do exercício do direito de audição prévia. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23º, n.º 4, e 60º, n.º 7, da LGT. (conclusões de recurso XXIII. a XXV.)

Mais uma vez não assiste razão à recorrente.

Mais uma vez faremos apelo a um Acórdão do STA, de 24/10/12, Proc. 548/12, disponível em www.dgsi.pt onde se escreveu o seguinte: “a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (Cfr. Acórdão do STA de 15/2/2007, proc nº 1071/06.) ou se trate de actividade administrativa vinculada. E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela. Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.” (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03)”.

No mesmo sentido vai a doutrina, citando como mero exemplo, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA: «[e]ste princípio apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão” (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição).

No presente caso, o acto sindicado corresponde ao despacho de reversão operante da responsabilidade subsidiária de um gerente, pelo que não estamos perante uma situação legal evidente ou perante uma actividade vinculada, não se podendo afirmar a insusceptibilidade de a participação do gerente nominal influenciar a decisão final, quanto ao seu sentido e fundamentos.

Em suma, no caso concreto, não é manifesto que a decisão de reversão da execução fiscal, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

O que significa, em conclusão, que a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido que se traduz na anulabilidade do despacho de reversão mediante o qual a recorrida foi chamada à execução.

A sentença, porque assim decidiu, não merece, pois, a censura que lhe é dirigida, por ter feito correcta interpretação e aplicação do direito aos factos apurados.

E, assim sendo, o recurso não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de Setembro de 2021


[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]