Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:573/21.4BEBRG
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:HIPOTECA;
FALTA DE CITAÇÃO;
CONSEQUÊNCIAS.
Sumário:I – Verificada a nulidade por falta de citação, a consequência de tal omissão é a anulação de todos os actos praticados posteriormente à instauração da execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M... veio deduzir Reclamação contra o despacho proferido pelo Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., que determinou o registo a favor do referido Instituto da hipoteca legal sobre o prédio descrito na matriz predial sob os n.°s 4... e 4....

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 15 de Julho de 2021, julgou procedente a reclamação.

Não concordando com a sentença, o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls.... dos presentes, nos termos da qual o Tribunal a quo decidiu pela nulidade insanável do processo de execução fiscal por falta de citação, nos termos do artigo 165.° n.° 1 alínea a), n.° 2 s n.° 4 do CPPT, declarando procedente a Reclamação e, em consequência a anulação dos atos reclamados, bem como o processado subsequente à omissão de citação da Reclamante para o processo de execução fiscal n.° 0301201900... e apensos, tudo com as demais consequências legais.

2. A questão objecto de recurso cinge-se, com a nulidade dos atos subsequentes incluindo o despacho de constituição das hipotecas legais.

3. Ora, entende o Órgão de execução fiscal, entendimento igualmente acolhido pela Douta Sentença de que recorre, que o juízo de ponderação sobre a constituição de hipoteca legal deve ser formulado no âmbito de um procedimento específico, "enxertado" no processo executivo.

4. Como tal, a decisão de constituir hipoteca surge como o culminar de um verdadeiro procedimento administrativo/tributário por vontade própria, na qualidade de credora e no exercício de uma competência exclusiva.

5. A decisão de constituir hipoteca deve qualificar-se como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária.

6. Com o devido respeito por opinião diversa, a hipoteca legal para garantia dos créditos da Segurança Social reveste uma natureza de acto preventivo, uma vez que, visa acautelar o pagamento de uma dívida titulada por um título executivo, estando-se perante um ato praticado no âmbito das competências próprias conferidas à Segurança Social (art. 207.° n.° 1 do Código dos Regimes contributivos do sistema Previdencial de Segurança Social).

7. Na verdade, o n.° 1 do art. 195.° do Código de Procedimento e Processo Tributário dispõe que "Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão de execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor".

8. A cobrança da dívida à Segurança Social permite a arrecadação de receitas fundamentais à própria estabilidade e financiamento do sistema de segurança social, ou seja, permite a sua sustentabilidade.

9. Com efeito, é a sustentabilidade do sistema de segurança social que permite ao Estado Social a satisfação das prestações sociais e consequentemente a concretização do princípio fundamental do Estado de Direito Democrático, ínsito no art. 2.° da Constituição da República Portuguesa.

10. O Estado de direito tem subjacente todo um conjunto de regras e princípios que contribuem para uma melhor ordenação das estruturas do Estado, através das suas regras e procedimentos, que permitem a prossecução das suas responsabilidades sociais.

11. As hipotecas legais sempre tiveram uma especificidade própria atribuída pelo legislador, pois constituem garantia de cobrança de créditos públicos, motivo pelo qual não podem ser realizadas por qualquer credor e relativamente a qualquer crédito.

12. O legislador sempre revelou um especial cuidado ao regular minuciosamente o procedimento da constituição da hipoteca legal.

13. Aliás, o registo da hipoteca legal não afecta a posse do bem imóvel, bem como, não é vedada a possibilidade de reclamação sobre a sua constituição.

14. Considera assim o Órgão de Execução Fiscal, que a decisão de constituição da hipoteca em nada está dependente da concretização da citação uma vez que a base desta decisão é o despacho de reversão, e não a citação do despacho de reversão e pode acontecer antes, ou até independentemente, da concretização da citação.

Nestes termos, e nos que mais V. Exc.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente revogada a sentença recorrida, e substituída por outra no sentido de julgar a reclamação judicial improcedente, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA»

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:

«1°) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não assiste qualquer razão á ora Recorrente, pelo muito bem andou o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta Sentença em que mui bem julgou procedente a reclamação judicial deduzida.

2°) A Recorrente salvo o devido respeito, uma vez mais atira para todo o lado, sem acertar em nada, numa tese, salvo o devido respeito, peregrina encontram nulidades e violações do Código de Procedimento e Processo Tributário, tão óbvias que curiosamente é a única que a vê, pois ninguém até agora as conseguiu ou consegue vislumbrar, num manifesto despesismo do erário publico com o recurso, pois bem sabem que o mesmo carece de razão.

3°) Salvo o devido respeito, nas suas alegações e nomeadamente nos catorze artigos das suas conclusões, constantes das alíneas 1) a 14) os requerentes confundiram - ou pelo menos pretendem ver confundido - algumas questões essenciais, que por serem determinantes, viciam posteriormente todo o seu raciocínio e que como tal se impugnam.

4°) Aliás, não se concebe, que todas as suas alegações, se alicercem, numa crítica, ainda que velada, ao princípio da livre apreciação da prova do julgador, que verificou que os atos de citação são inválidos pelos motivos ai apontados.

5°) Ora, se a própria Recorrente, não logrou alcançar tal desiderato, conforme se refere na Douta Sentença, isto apesar do ónus probatório que lhe competia, nada mais se poderia esperar, isto porque nem sequer foram analisadas as demais questões constantes da reclamação que levariam a que a mesma fosse sempre julgada procedente, desde logo porque a reversão nunca poderia ter sido realizada porque a Recorrida nunca exerceu a gerência de facto da sociedade.

6°) Cumpre referir, que o tribunal aprecia livre as provas e responde aos quesitos em sintonia com a convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta formalidade não pode ser dispensada.

7°) Decorre deste princípio o regime geral da imodificabilidade das respostas aos quesitos, por parte dos Tribunais Superiores, só sendo lícito alterar tais respostas nas hipóteses taxativamente enumeradas no n.° 1 do art° 662 do Código de Processo Civil. Ora, salvo melhor opinião, in casú, não ocorre nenhuma das hipóteses previstas nessa disposição legal.

8°) A hipoteca constituída sobre o prédio de quem não era minimamente responsável pela divida - conforme a própria Segurança Social, bem sabe e já concluiu nesse sentido, veja-se o documento anexo - cfr. doc. n° 1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais - era ilegal.

9°) Face a tal tudo o mais alegado pela Recorrente apenas visa, em manifesta má fé, protelar a decisão jurídica que foi tomada na Douta Sentença, arrastando um pouco mais uma situação injusta e ilegal.

10°) Não houve qualquer violação na Douta Sentença do Mmo. Juiz a quo, pelo que não assiste qualquer razão á Recorrente, devendo o recurso naufragar.

Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vas. Exas., doutamente suprirão, deve manter-se a Douta sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso apresentado e assim se fazendo uma vez mais, JUSTIÇA.»



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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 10 de setembro de 2019 foi autuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. o processo de execução fiscal n.° 0301201900... em nome da Sociedade “A... - Confeções, Unipessoal, Lda", NIPC 5..., para cobrança coerciva de dívidas de contribuições e cotizações do período tributário 2019/07T, respetivamente no montante de 1.502,80€ (certidão de dívida n.° 0026247) e no montante de 696,03€ (certidão de dívida n.° 696,03€), do período tributário 2019/12T, respetivamente no montante de 5.205,14€ (certidão de dívida n.° 18465/2020), e no montante de 2.1410,79€ (certidão de dívida n.° 18466/2020) - cfr. autuação e certidões de dívida, a fls. 25, 26-v, 27, 33-v e 34 do processo de execução fiscal junto aos autos (sempre em suporte físico).

2. Em 07 de julho de 2020 foi proferido “projeto de reversão” pelo Coordenador da Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pelo qual determinou a preparação do processo de execução fiscal aludido no ponto anterior para efeitos de reversão contra a ora Reclamante, e a sua notificação para efeitos do direito de audição prévia - cfr. projeto de reversão, a fls. 39-v e 40 do processo de execução fiscal junto aos autos.

3. Em 07 de julho de 2020 foi emitido pelo Coordenador da Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., o ofício de notificação da Reclamante para efeitos de audição prévia, com data de expedição de 09 de julho de 2020 - cfr. notificação, a fls. 25 do processo de execução fiscal junto aos autos.

4. Em 25 de setembro de 2020 foi proferido despacho de reversão pelo Coordenador da Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual determinou a efetivação do processo de execução para efeitos de reversão contra a Reclamante - cfr. despacho de reversão, a fls. 34-v, 35, 37 a 40-v do processo de execução fiscal junto aos autos.

5. Na mesma data foi emitido o ofício de citação da Reclamante no processo de execução fiscal n.° 0301201900... e apensos, com data de expedição de 28 de setembro de 2020, cuja quantia exequenda ascende ao montante de 17.456,45€, acrescido de juros de mora no montante de 504,57€, e de custas, no montante de 217,17€, no montante total de 18.178,19€ - cfr. citação, a fls. 32-v a 33 do processo de execução fiscal junto aos autos.

6. A citação aludida no ponto anterior foi remetida à Reclamante através de correio registado com aviso de receção (RF 40718...PT), para a morada “R D... 4800-045 GUIMARÃES’", que veio devolvida ao Remetente com a indicação de “Objeto não Reclamado/Non reclame”, datado de 14 de outubro de 2020 - cfr. aviso de receção, a fls. 41 dos autos.

7. Através do ofício n.° 011265 de 20 de outubro de 2020, foi remetido à Reclamante através do correio registado com aviso de receção (RF 49201…PT), a citação nos termos e para os efeitos do artigo 229.°, n.° 4 e 230.°, n.° 2, ambos do CPC, para a morada “R D... 4800-045 GUIMARÃES”, que veio devolvido ao Remetente com a indicação de “Objeto não reclamado/Non reclame”, datado de 30 de outubro de 2020 - cfr. ofício e aviso de receção, a fls. 42 e 43 do processo de execução fiscal junto aos autos.

8. Em 03 de dezembro de 2020 foi proferido despacho pelo Coordenador da Seção de Processo Executivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. no âmbito do processo de execução fiscal n.° 0301201900... e apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual determinou a constituição de hipoteca legal sobre o prédio descrito na matriz predial sob o n.° 4..., sito no concelho de Guimarães, freguesia de Azurém, e a solicitação do seu registo à Conservatória do Registo Predial a favor do referido Instituto - cfr. despacho, a fls. 48 a 49 do processo de execução fiscal junto aos autos.

9. Na mesma data foi ainda proferido despacho pelo Coordenador da Seção de Processo Executivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. no âmbito do processo de execução fiscal n.° 0301201900... e apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual determinou a constituição de hipoteca legal sobre o prédio descrito na matriz predial sob o n.° 4..., sito no concelho de Guimarães, freguesia de Azurém, e a solicitação do seu registo à Conservatória do Registo Predial a favor do referido Instituto - cfr. despacho, a fls. 56 e 57 do processo de execução fiscal junto aos autos.

10. Através da Ap. n.° 2470 de 2020/12/14 foi constituída hipoteca legal pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., sobre o a fração autónoma composta por quarto andar com acesso pelo n.° 14 da Rua D..., Tipo T3, destinada a habitação, possuindo ao nível da cave, com acesso pelo n.° 130 da Rua P..., um lugar de aparcamento, designado pelo n.° “Seis", com 14,40m2, adquirido através de compra por parte da Reclamante, através da Ap. n.° 253 de 2020/01/06, para garantia da dívida no montante de 17.456,45€, de juros de mora vincendos à taxa de 4,786% ao ano, de juros de mora vencidos, calculados no montante de 713,46€ e de custas processuais, no montante de 219,17€ - cfr. certidão permanente, a fls. 66 a 68 dos autos.

11. Através da Ap. n.° 2470 de 2020/12/14 foi constituída hipoteca legal pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., sob o lugar de aparcamento na cave designado pelo n.° 8, com a área de 15.40m2, com entrada pelo n.° 130 da rua P..., adquirido através de compra por parte da Reclamante através da AP. 253 de 2020/01/06, para garantia da dívida no montante de 17.456,45€, de juros de mora vincendos à taxa de 4,786% ao ano, de juros de mora vencidos, calculados no montante de 713,46€ e de custas processuais, no montante de 219,17€ - cfr. certidão permanente, a fls. 59 e 59-v dos autos.

12. Através dos ofícios datados de 08 de fevereiro de 2021 foram remetidos à Reclamante através de correio registado sob os n.°s RF 4943…9PT e RF 4943…2PT as notificações dos despachos aludidos nos pontos 8) e 9) que antecedem - cfr. ofícios, a fls. 60 e 61 do processo de execução fiscal.

Factos não provados

1. A correspondência postal a que se referem os pontos 6) e 7) do probatório supra não foi depositada no recetáculo da morada da Reclamante - cfr. artigo 42.° da petição inicial.

Motivação da matéria de facto

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e no processo de execução fiscal ora incorporado e conforme é especificado nos vários pontos do probatório supra.

Quanto à matéria de facto dada como não provada, resulta do facto de apenas ser possível concluir que houve a remessa de duas citações para a morada da Reclamante, mas não foi junto qualquer documento a indicar que em face da impossibilidade de entrega tenha sido deixado aviso no recetáculo postal para levantamento das notificações no estabelecimento postal.»


Ao abrigo do preceituado no nº1 do artigo 662º do CPC aditam-se ao probatório os seguintes factos, documentalmente provados:


13. O imóvel a que se refere o ponto 10 do probatório encontra-se registado a favor da Reclamante – Cfr. certidão permanente a fls. 56 a 60;


14. O imóvel a que se refere o ponto 11 do probatório encontra-se registado a favor da Reclamante – Cfr. certidão permanente a fls. 56 a 60;



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que o Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, concretamente no segmento que determinou a anulação dos actos subsequentes ao acto de citação, incluindo o despacho que determinou a constituição de hipoteca.

Está em causa, nos presentes autos, o acto de constituição de hipoteca sobre bens da Recorrida, que a sentença recorrida entendeu ser de anular, bem como todo o processado subsequente à omissão da citação (que considerou verificada) para o processo de execução fiscal nº 0301.2019/00... e apensos.

Da análise cuidada das alegações recursivas constata-se que o Recorrente, depois de referir o enquadramento legal do instituto da hipoteca, em especial no âmbito da cobrança coerciva de dívidas à Segurança Social (as que se pretendem cobrar no PEF aqui em causa), conclui que a decisão de constituição da hipoteca em nada está dependente da concretização da citação, uma vez que a base desta decisão é o despacho de reversão, e não a citação do despacho de reversão e pode acontecer antes, o até independentemente, da concretização da citação.

Vejamos, então.

Comecemos por dizer que, como consta do ponto 8 do probatório fixado na sentença recorrida, o despacho do Coordenador da Secção de Processo Executivo do IGFSS, IP, no âmbito do PEF nº 0301.2019/00... e apensos, que determinou a constituição de hipoteca legal e aqui reclamado, foi proferido em 3 de Dezembro de 2020.

Preceitua o nº1 do artigo 207º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, sob a epígrafe Hipoteca legal, o seguinte:

“1 - O pagamento dos créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora poderá ser garantido por hipoteca legal sobre os bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, existentes no património do contribuinte.”

Sendo certo que o direito de constituição de hipoteca legal, quando estão em causa dívidas à Segurança Social, emerge do artigo 207.º n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, tal previsão genérica do direito de constituição de hipoteca legal não afasta a aplicação, quer do Código de Procedimento e Processo Tributário, quer da Lei Geral Tributária.

“Com efeito, o n.º 1 do artigo 207.º do Código Contributivo prevê apenas que o pagamento dos créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora pode ser garantido por hipoteca legal sobre os bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, existentes no património do contribuinte, nada referindo, porém, quanto aos requisitos a que deve obedecer a constituição de hipoteca.

E esses requisitos constam no artigo 50.º n.º 2 da LGT o qual determina que, para garantia dos créditos tributários, a Administração Tributária – neste caso a Segurança Social – dispõe do direito de constituição, nos termos da lei, de penhor ou hipoteca legal, quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens” (vide Acórdão do STA de 12/05/2018, no âmbito do processo nº 705/18.0BELRA).

Por seu turno, preceitua o nº 1 do artigo 195º do CPPT que, quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.

A possibilidade de constituição de hipoteca sobre o património do devedor vem, também, prevista na alínea b) do nº2 do artigo 50º da LGT, desde que se revele necessária à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens.

Regressando ao caso dos autos, a questão que importa resolver, radica em saber se é correcto o entendimento da sentença recorrida no sentido de anular o acto reclamado (de constituição de hipoteca) e os actos subsequentes à instauração da execução fiscal, por considerar verificada a nulidade insanável do processo de execução fiscal por falta de citação.

Não vem posta em causa a verificação da omissão da citação. A discordância do Recorrente prende-se com os seus efeitos, já que entende ser possível praticar o acto de constituição de hipoteca anteriormente à citação, ou mesmo, independentemente da sua ocorrência.

Adiantemos que não tem razão o Recorrente.

Na verdade, não vindo posto em causa o segmento da sentença recorrida que considerou verificar-se nulidade por falta de citação, a consequência de tal omissão é a anulação de todos os actos praticados posteriormente à instauração da execução fiscal, no que se refere à Recorrida, neles se incluindo o acto reclamado. Como, de resto, concluiu a sentença recorrida.

A instauração da execução fiscal ocorreu em 10 de Setembro de 2019 e o acto que determinou a constituição de hipoteca foi proferido em 3 de Dezembro de 2020, como resulta do probatório (pontos 1 e 8), pelo que, tendo este último sido praticado em momento posterior ao da instauração da execução fiscal, deve ser anulado por ser subsequente àquela.

Recorde-se, por outro lado, que constituindo a citação o acto que dá a conhecer ao executado que contra si foi instaurado o processo executivo, comunicando-lhe os prazos para deduzir oposição, é apenas a partir do momento da sua ocorrência que podem ser praticados os actos de constituição de hipoteca.

Assim sendo, não vindo posta em causa a falta de citação, não é suficiente a alegação conclusiva, do Recorrente, de que a constituição de hipoteca pode ser efectuada antes da citação, para abalar o decidido em primeira instância, pelo que se negará provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 16/09/2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Hélia Gameiro Silva.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)