Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03231/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA. NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA. IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO MANDATÁRIO DA IMPUGNANTE, PARA EFEITOS DE AUDIÇÃO PRÉVIA. RENOVAÇÃO DO ACTO.
Sumário:I) -A pronúncia judicial exigida pelo nº 2 do artº 660º do CPC sobre todas as questões suscitadas pelas partes, não tem de ser expressa, podendo ser implícita ou genérica, desde que seja possível reconstituir o pensamento do juiz sobre determinada questão, através dos motivos da sentença e, designadamente, pode nem existir, se ficar prejudicada pela solução dada a outra questão, como expressamente se prevê no citado preceito legal.
II) -A notificação para efeitos do direito de audição consagrado no artº 60º da LGT deve ser efectuada, de acordo com o disposto no n.º 4, da mesma Lei, por carta registada com aviso de recepção a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
III) -A notificação apenas poderá ser efectuada noutra pessoa num dos seguintes casos: -o notificando não ter capacidade judiciária (cfr. art. 7.º do CPPT); o notificando ter constituído mandatário (cfr. art. 5º, n.º 1 do CPPT); o notificando não ser encontrado (cfr. art. 86.º, §§ 2.º e 3º, do CIMSISD).
IV) -Demonstrado nos autos que a carta para notificação daquele acto foi endereçada ao sujeito passivo do imposto e não ao mandatário não pode considerar-se a notificação como validamente efectuada.
V) -A obrigatoriedade da notificação ao seu alegado mandante que, é pacífico, não ter sido feita, existia pois não se tratava de um acto "pessoal".
VI) -A procuração emitida pela mandante e junta aos autos ainda administrativos, dava poderes ao mandatário para, por aquela, este receber de forma válida qualquer decisão atinente à notificação para audição antes da decisão final do procedimento.
VII) -O artº 5º do CPPT regula o chamado “mandato tributário” possibilitando aos interessados ou seus representantes legais conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal.
VIII) -Tem-se, pois, em vista com este normativo, a representação voluntária, constituída mediante o mandato, quer do sujeito passivo ou seus representantes legais, quer doutros interessados para a prática dos actos que lhes incumbam e que não tenham carácter pessoal.
IX) -Vigorando o regime da impugnação unitária, só em sede de impugnação da liquidação consequente da fixação, é que poderiam ser alegados os vícios próprios do acto de fixação definitiva.
X) -O princípio pelo respeito do caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação até porque o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão.
XI) -O respeito pelo caso julgado não fica abalado se a Administração, em execução de sentença anulatória, retomar a decisão anterior desde que expurgada dos vícios que a inquinavam, sendo, aliás, nisso que consiste a boa execução, sempre que a Administração pretender reintroduzir na ordem jurídica a força substancial do acto renovado.
XII) -O critério a seguir não é necessariamente o da reposição ou restabelecimento da situação anterior à prática do acto ilegal, mas o da reconstituição da situação actual hipotética através da qual a ordem jurídica violada é reintegrada, tudo se passando como se nada ilegal tivesse acontecido e, portanto, realizando-se agora o que entretanto se teria realizado, se não fosse a ilegalidade cometida. Ou seja, as coisas não se passarão exactamente como se encontravam antes da prática do acto anulado, antes poderão ocorrer tal como se presume viessem a estar no momento presente, independentemente da verificação da anulação.
XIII) -Neste contexto, assume particular relevância o fundamento da anulação. Se o vício determinante da anulação for um vício de legalidade externa, como por exemplo o de forma, por falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com o expurgo da violação detectada (no caso, com a fundamentação antes faltosa) de acordo com a situação e as normas jurídicas que regulavam a situação na data do acto anulado
XIV) –Sendo indubitável que os actos anulados por vício de forma são renováveis porque a anulação não teve que ver com factores de ilegalidade substancial, se não se fundou em razões de violação de lei, haverá, tão só, que eliminar o vício de forma cometido a solução da questão do vício de forma, pode ser praticado novo acto com conteúdo idêntico ao do acto anulado, expurgado do vício de forma que o inquinava.
XV) –Donde que a violação do art. 100.º CPA e/ou do artº 60 da LGT, reconduz-se também a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa do interessado, por forma a garantir justeza e correcção do acto final do procedimento; trata-se tão só de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares, o que quer dizer que a sua preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. - Inconformada com a sentença proferida pela Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a presente impugnação que a impugnante Maria ...deduzira contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 1996 e 1997, veio o REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA dela recorrer para Tribunal Central Administrativo Sul, pedindo a sua revogação.
Formulou as seguintes conclusões:
A
A douta sentença "a quo" julgou os autos de impugnação provados e procedentes e anulou a liquidações adicionais do IVA, dos anos de 1996 e 1997, com o fundamento na falta de notificação do mandatário da impugnante, para efeitos de audição prévia, no âmbito de anterior procedimento de reclamação graciosa.
B
Na douta decisão sob recurso foi dado como provado o facto de a impugnante ter sido notificada para efeitos de audição prévia, na sede da sua actividade agrícola, ou seja, para se pronunciar sobre o projecto de decisão proferido na reclamação que apresentara contra a referidas liquidações de IVA.
C
Resulta dos autos que o mandatário da reclamante e ora impugnante veio a ser notificado da decisão de indeferimento da reclamação, na sequência de requerimento que para esse efeito posteriormente apresentou - fls. 104 a 106 do Processo Administrativo apenso.
D
Abrindo-se assim novo prazo para impugnar aquela decisão desfavorável.
E
E, na realidade, após a notificação da decisão final na pessoa do mandatário da impugnante, foi deduzida a presente impugnação, pelo que a impugnante veio a atingir o resultado que pretendia alcançar e que é a defesa contra o acto tributário.
F
A douta sentença recorrida nada refere sobre este facto, que consta dos autos e o qual, salvo o devido respeito por melhor opinião, se mostra relevante para a apreciação e julgamento da causa.
G
É que a preterição da formalidade que ancorou o fundamento da douta decisão sob recurso, não prejudicou o direito de defesa da então reclamante, nem mesmo dela resultou uma lesão real e efectiva dos interesses protegidos pelo preceito violado, com a susceptibilidade de lhe causar prejuízo irreparável.
H
Deveria, assim, a douta sentença "a quo" ter-se pronunciado e decidido sobre a matéria objecto da impugnação, ou seja, as controvertidas liquidações adicionais de IVA, pelo que, não o tendo feito, incorreu no vício de omissão de pronúncia, previsto nos artigos 125° do C.P.P.T. e 668°, n° l, al. d) do C.P.C.
I
Outrossim deu a douta sentença recorrida como provado que a notificação para efeitos de audição prévia não respeitou o disposto no artigo 40° do C.P.P.T., e, em consequência, considerou que tal facto gera a anulabilidade das liquidações do IVA em causa.
J
Na verdade, a preterição daquela formalidade (sanada, em nosso entender, pelas razões acima expendidas) verificou-se no procedimento de reclamação graciosa atrás referido, e na sua fase decisória.
L
Donde resulta que a irregularidade da notificação para o exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de decisão proferido em reclamação graciosa, que é invocada em posterior impugnação judicial, não poderá gerar a anulabilidade da liquidação do tributo que foi objecto da reclamação e é também objecto da impugnação.

M
A irregularidade da notificação para o exercício de audição prévia afecta o valor do acto praticado, devendo ser anulados os actos posteriores que dela dependem e não tendo assim decidido, a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento.
Pelas razões acima expendidas
A representação da Fazenda Pública requer seja revogada a sentença recorrida,
Por erro de julgamento e omissão de pronúncia.
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. – Na decisão recorrida e atentos os elementos juntos aos autos, considerou-se provada a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão a proferir:
1°- A reclamante está colectada pela actividade de "Cerealicultura" com sede na R. ..., Évora, situando-se a exploração agrícola na Casa ... - ..., Concelho de Ferreira do Alentejo - doc. Fls. 91 do PAT apenso.
2°- A Herdade ..., Lda., emitiu à impugnante as facturas n° 61 e 98, datadas de 31/12/1996 e 31/12/1997 - doc. Fls. 20 e 21 do PAT apenso.
3°- A A. F. não aceitou as facturas por as mesmas terem sido facturadas por um valor superior ao que o prestador de serviços cobrara da emitente, por entender que havia diferenças entre os serviços prestados e os facturados e por ultrapassarem o prazo para a sua emissão a contar do fornecimento do serviço - doc. Fls. 93 e 94 do PAT apenso.
4°- A reclamação graciosa foi subscrita por Advogado que juntou Procuração - doc. Fls. 8 do PAT apenso.
5°- Em 23/11/2000 a impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia para a "Herdade ...", 7900 Ferreira do Alentejo - doc. Fls. 97 do PAT apenso.
6°- A A. F. procedeu às liquidações adicionais impugnadas, para os anos de 1996 e 1997, respectivamente nos valores de esc: 1.123.122$00 e juros e de esc: 942.480$00 e juros - doc. Fls. 21.
7°- As liquidações em causa não foram pagas - doc. Fls. 11.
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A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos juntos aos autos.
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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3. - As questões colocadas pela impugnante, tal como foram identificadas na sentença recorrida, eram as de saber se a impugnante foi regularmente notificada para o exercício do direito de audição e se era correcta a desconsideração das facturas em causa.
Enfrentando essas questões, o Mº Juiz «a quo» julgou procedente a impugnação com fundamento em que, nos termos do art° 40 do CPPT, "as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório" e, porque provado está que a notificação para efeitos de audição prévia não respeitou este comando legal, tal falta gera a anulabilidade da liquidação.
Ainda aduziu o Mº Juiz que:
”Aliás, não se percebe muito bem o critério para a notificação, pois nem sequer notificaram a impugnante para a sua morada fiscal, que constava dos ficheiros da A.F.. Limitaram-se a remeter a notificação para onde a impugnante tem a sua propriedade, o que nem se quer constitui notificação da própria impugnante.
Esta solução impede o conhecimento da última questão.
Anulado o acto, a impugnante teria direito a juros indemnizatórios, se tivesse pago a liquidação em causa, o que não aconteceu.”
A recorrente assaca à sentença um erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito porquanto resulta dos autos que o mandatário da reclamante e ora impugnante veio a ser notificado da decisão de indeferimento da reclamação, na sequência de requerimento que para esse efeito posteriormente apresentou (fls. 104 a 106 do Processo Administrativo apenso), abrindo-se assim novo prazo para impugnar aquela decisão desfavorável, sendo que, após a notificação da decisão final na pessoa do mandatário da impugnante, foi deduzida a presente impugnação, pelo que a impugnante veio a atingir o resultado que pretendia alcançar e que é a defesa contra o acto tributário.
E, porque a sentença recorrida nada refere sobre esse facto e a preterição da formalidade que ancorou o fundamento da douta decisão sob recurso, não prejudicou o direito de defesa da então reclamante, nem mesmo dela resultou uma lesão real e efectiva dos interesses protegidos pelo preceito violado, com a susceptibilidade de lhe causar prejuízo irreparável, deveria, assim, a douta sentença "a quo" ter-se pronunciado e decidido sobre a matéria objecto da impugnação, ou seja, as controvertidas liquidações adicionais de IVA, pelo que, não o tendo feito, incorreu no vício de omissão de pronúncia, previsto nos artigos 125° do C.P.P.T. e 668º, nº 1, al. d) do C.P.C..
A EPGA manifestou concordância com o ponto de vista da recorrente FP.
Assim:

I) – Da Omissão de pronúncia:
Da análise da sentença vê-se que na fundamentação foi analisada a questão da falta de notificação do mandatário da impugnante, para efeitos de audição prévia.
Poderá afirmar-se que a mesma deixou de conhecer da questão a que estava obrigado o julgador de, após a notificação da decisão final na pessoa do mandatário da impugnante, ter sido deduzida a presente impugnação, vindo a impugnante a atingir o resultado que pretendia alcançar e que era a defesa contra o acto tributário e, porque a sentença recorrida nada refere sobre esse facto e a preterição da formalidade que ancorou o fundamento da douta decisão sob recurso, não prejudicou o direito de defesa da então reclamante, nem mesmo dela resultou uma lesão real e efectiva dos interesses protegidos pelo preceito violado, com a susceptibilidade de lhe causar prejuízo irreparável, deveria, assim, a douta sentença "a quo" ter-se pronunciado e decidido sobre a matéria objecto da impugnação, ou seja, as controvertidas liquidações adicionais de IVA, pelo que, não o tendo feito, incorreu no apontado vício?
Note-se que a arguida assaca à decisão a nulidade por não ter conhecido da a matéria objecto da impugnação, ou seja, as controvertidas liquidações adicionais de IVA.
Todavia, ao expender que “nos termos do art° 40 do CPPT, "as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório" e, porque provado está que a notificação para efeitos de audição prévia não respeitou este comando legal, tal falta gera a anulabilidade da liquidação” e que “Esta solução impede o conhecimento da última questão” – a de saber se era correcta a desconsideração das facturas em causa - o Mo Juiz revela que a questão não lhe passou despercebida e que entendeu que, pela solução dada à outra questão, ficava prejudicado o conhecimento da questão pretensamente omitida.
E a eventual desconsideração no texto da sentença de outros factos e poderia determinar um eventual erro de julgamento por se relacionar com a validade substancial da decisão e nunca com a validade formal da mesma, o que arredaria desde logo a pretendida nulidade.
Destarte, a sentença não enferma da invocada nulidade na medida em que se pronuncia sobre questões que foram invocadas.
Na verdade, a nulidade da sentença geralmente designada por omissão de pronúncia, A invocada nulidade por omissão de pronúncia está também prevista, nos mesmos termos, no art. 379.°, n.° 1 alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi dos arts. 2.°, alínea e), do CPT 52.° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei (DL) n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, e do art. 41.°, n.° 1, do DL n.° 433/82, que dispõe que é nula a sentença, «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
segundo o disposto no artº 668º, nº 1, al. d)-2ª parte do CPC – cfr., consonantemente, o Artº 125º do CPPT -, existe quando o juiz não toma conhecimento de questão de que devia conhecer e está em correlação com a proibição estabelecida na 2ª parte do artigo 660º do mesmo Código que prescreve não poder o juiz ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, de modo que não se verifica essa nulidade quando, para apreciar uma dessas questões, o tribunal se socorre de factos relevantes para a decisão, podendo então haver erro de julgamento mas nunca omissão de pronúncia.
De sorte que a expressão «questões» não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, por ser o juiz livre na qualificação jurídica dos factos (artº 664º do CPC), mas reporta-se apenas às pretensões formuladas ou aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir (cfr. ainda Rodrigues Bastos, Notas..., pág. 228 e A, Varela in RLJ, 122º-112).
Assim, na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pela impugnante e que acabaram de enunciar-se e já não de escalpelizar todos os argumentos aduzidos em favor da tese por eles expendida, nem conhecer de todos os factos alegados e que a as partes reputem relevantes.
Mas sempre haverá que ter em conta que, em relação às questões suscitadas pelas partes, só há obrigação de conhecer daquelas cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC).
Com efeito, aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 660º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido . A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido de anulação do acto impugnado.
Da análise da sentença recorrida e por tudo quanto acima se disse sobre as questões suscitas no recurso, resulta que o Tribunal «a quo» se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas pela recorrente e pela recorrida, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos por aquela pois, como ainda ensina o ilustre Prof., Anotado, 1981, V, pág. 143, «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A sentença é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade.
Integra a primeira a situação em que não se imputa à sentença qualquer violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício que atente contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada; mas alegando a recorrente que em relação aos factos admitidos na sentença houve uma inadequada interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios de direito aplicáveis no caso em apreço (erro de direito), tal constitui matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal.
Assim, a sentença não está não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Em suma: da sentença recorrida consta a pronúncia sobre os fundamentos de facto e de direito o que tudo revela que a decisão recorrida se ocupou de questões que lhe foram postas e que tinha obrigação de decidir, servindo-se de factos que estavam articulados.
Neste contexto, tendo a sentença decidido as questões que lhe foram postas, não cometeu erro de actividade jurisdicional, sem prejuízo de, em relação aos factos admitidos na sentença, haver uma inadequada interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios de direito aplicáveis no caso em apreço (erro de direito), que adiante se apreciará.
*
II) – Do erro de julgamento:

Neste contexto, afirma a recorrente FP que a sentença recorrida incorre em tal erro ao dar como provado que a notificação para efeitos de audição prévia não respeitou o disposto no artigo 40° do C.P.P.T., e, em consequência, considerou que tal facto gera a anulabilidade das liquidações do IVA em causa já que a preterição daquela formalidade ficou sanada, pelas razões acima expendidas e verificou-se no procedimento de reclamação graciosa atrás referido, e na sua fase decisória pelo que, sendo invocada em posterior impugnação judicial, essa irregularidade não poderá gerar a anulabilidade da liquidação do tributo que foi objecto da reclamação e é também objecto da impugnação.
Segundo a recorrente FP, a irregularidade da notificação para o exercício de audição prévia afecta o valor do acto praticado, devendo ser anulados os actos posteriores que dela dependem e não tendo assim decidido, a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento.
Cumpre, pois e antes de mais, determinar se ocorreu a ajuizada irregularidade e, depois, aquilatar das consequências da verificação da mesma.
A tese da impugnante era a de que, existindo mandatário constituído, as notificações efectuadas no âmbito do processo de reclamação deveriam ser feitas na pessoa deste e no seu escritório e que o artigo 40° do CPPT deveria ser interpretado no sentido de que a falta de notificação do mandatário constituído implica a ilegalidade da liquidação.
Quid juris?
Em vista do caso concreto, como se viu, o Mº Juiz entendeu que ocorre a falta de notificação da impugnante para exercer o direito de audição por ter sido notificada apenas à impugnante para um domicílio que não era o fiscalmente relevante, sem que o haja sido ao mandatário que constituíra na fase administrativa.
Não podemos deixar de concordar com o discurso jurídico da sentença.
Com efeito, evidencia o probatório sob os pontos 4° e 5º que a contribuinte deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação, tendo a petição sido subscrita por Advogado que juntou Procuração - doc. Fls. 8 do PAT apenso e, não obstante, a impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia para a "Herdade da Casa Branca", 7900 Ferreira do Alentejo - doc. Fls. 97 do PAT apenso- que não era o seu domicílio fiscal.
Diga-se que a AF só não estava obrigada, por força da existência do direito de audição, a atender aos argumentos eventualmente vertidos pela impugnante, caso se demonstrasse, sem margem para dúvidas, que efectivamente os pressupostos de base das correcções não existiam.
Na verdade, o princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A., assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art. 267.º da C.R.P. obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Segundo Freitas do Amaral estamos aqui perante “a dinamização de preceitos constitucionais” (cfr. “O Novo Código do Procedimento Administrativo”, in ‘O Código do Procedimento Administrativo”, I.N.A., 1992, a pág. 311).
Hoje, a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 De Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
Na vigência do CPT previa-se como garantia dos contribuintes um “direito de audição” (artigo 19.º, alínea c)). No entanto, o artigo 23.º, alínea e), do mesmo diploma fazia restringir o “direito de audição e defesa” ao processo de contra - ordenação fiscal, sendo inaplicável ao processo de impugnação judicial tanto mais que a intervenção procedimental do contribuinte se justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso, corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional. Na verdade e conforme formulação feita por G. Berti Procedimento, procedura, partecipacione” in Scritti Guicciardi, 1975, pp, 801 e 802) “a participação diferencia-se do contraditório seja porque prescinde de toda a ideia de conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, seja porque não define uma forma de tutela ou de garantia mas uma modalidade de acção”.
Todavia, pode ser entendido, que a participação procedimental no âmbito do procedimento tributário era, e atento o carácter especial deste procedimento, regulada em termos gerais do Código do Procedimento Administrativo (cfr. os nºs 5 a 7 do seu artigo 2º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro).
Aqui e a nosso ver, a questão que se impõe determinar é a de saber se foi preterida a formalidade legal da audição prévia estabelecida no artº 60º da LGT, quais as consequências derivadas da sua preterição.
O artº 60º, nºs 1/a), 3 e 4 da LGT impõe a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, o que, em vista do caso concreto, se concretizaria pela audição antes da decisão da reclamação, direito a ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio do contribuinte ao qual deveria ser comunicado o projecto da decisão e sua fundamentação.
Donde se extrai que, consoante o disposto naquele artº 60º da LGT, em consonância com o artº 100º, nº 1 do CPA, o recorrente tinha o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser decidida a reclamação, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta através do envio do projecto de decisão e respectiva fundamentação para o domicílio do contribuinte.
Estamos também perante uma manifestação do princípio do contraditório que, enquanto princípio geral de direito, não carece de consagração expressa na lei, sendo um momento essencial do procedimento administrativo, um princípio de “ética jurídica” e uma norma de “direito natural administrativo”.
Para que, com eficácia, seja cumprida a formalidade de audiência do interessado é necessário que a este seja facultado o expediente administrativo, de modo a que fique habilitado a exercer convenientemente o seu direito.
Sendo também uma das manifestações do princípio da transparência do procedimento, como ensina Giuseppe Cataldi, in “Il procedimento amministrativo ne suoi attuali orientementi giuridici” pág 4, ao se facultar ao interessado a sua audiência no âmbito do procedimento está-se a privilegiar um controle preventivo por parte do particular em relação à Administração, “melius est intacta iura servare, quam vulneratae causae remedium quarere”.
Mas, como já se deixou antever, a formalidade da audiência prévia prevista no artº 60º da LGT e 100º e segs. do CPA assume-se fundamentalmente como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no artº 8º do CPA e, correspondendo tal princípio a direito constitucional concretizado, terá de prevalecer sobre todas as normas contidas em leis especiais e onde a audiência não se mostre garantida com igual extensão ao consignado no CPA.
Assim, é certo que não foi dado à impugnante, directamente e enquanto sujeito passivo, a oportunidade de se pronunciar antes da decisão da reclamação, pois o direito de audição implica que se lhe comunique o projecto de decisão e respectiva fundamentação (art° 60, n° 4 LGT).
Decorre com segurança da notificação, que a AT sabia que, os Artigos 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 60° da L.G.T., a obrigavam a ouvir a impugnante, previamente à conclusão do procedimento.
Sucede também que a AT não podia deixar de ouvir a impugnante, com o fundamento de que seria «um caso em que a decisão tem que ser urgente e a realização da audição pode prejudicar a utilidade da decisão final (cf. Art°103° nº 1 do C.P.A.)».
De resto, é isento de controvérsia na doutrina, que os casos de inexistência do direito de audiência, previstos no nº 1 do artº 103° do CPA, não foram incluídos na L.G.T., nem no Código de Procedimento e de Processo Tributário e não se harmonizam com os valores e interesses que estão em causa no procedimento tributário.
E, como bem referem Diogo Leite de Campos/Benjamim da Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa LGT comentada e anotada 2ª edição 2000 p.255;Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado art.45° nota 15, a omissão de audiência da contribuinte antes da liquidação constitui preterição de formalidade legal essencial do procedimento de liquidação, que não pode ser justificada pela previsão de a realização da diligência comprometer a utilidade do acto tributário a praticar, sendo que os casos de inexistência do direito de audiência previstos no CPA (art. 103° n° 1) não se harmonizam com os valores e interesses em causa no procedimento tributário.
Como se disse, o artº 60º e em concretização da injunção constitucional contida no artº 267º nº 5 da CRP, a LGT veio consagrar o principio da participação, cuja dimensão é a de garantia do direito do contribuinte participar na formação das decisões que lhe digam respeito.
Por outro lado, no âmbito de aplicação da al. a) do nº 1, do artº 103º do CPA, a Administração não detém um poder incontrolável ao nível da densificação do conceito indeterminado (“urgência”) nela veiculado, pois, como se expende no Ac. do STA de 12/6/1997, Recurso nº 41 616, a urgência deverá ser concebida como uma noção circunstancial com base em factos concretos que legitimem o abandono de um procedimento “normal”, para se adoptar um procedimento “excepcional” e onde o factor tempo se apresenta como elemento determinante e constitutivo.
Donde que a decisão que a Administração entenda dever tomar no âmbito da citada al. a) deverá ser devidamente fundamentada, mediante a identificação do específico interesse público a prosseguir com a decisão, tido por incompatível com a observância do princípio da audiência.
Já vimos que o não foi, em atenção ao disposto no artº 135º do CPA, em princípio seria aquele acto anulável porque praticado com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, quando é certo que o acto impugnado não se mostrava incluído no rol dos actos nulos, e bem assim, não está demonstrada a verificação dos requisitos próprios que permitiriam a dispensa da audiência da impugnante.
É que, como decorre do artº 45º do CPPT, “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão” e, no caso concreto, o respeito por aquele princípio implicava, consoante o disposto no artº 60º da LGT, a participação do contribuinte na formação da decisão que lhe dizia respeito, designadamente, com direito de audição antes da liquidação(al a) do nº 1) e/ou do indeferimento total ou parcial da reclamação, a ser exercido no prazo a fixar pela AT em carta registada a enviar para tal efeito para o seu domicílio fiscal comunicando-lhe o projecto da decisão e sua fundamentação, sendo que os elementos novos suscitados na audição seriam obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão, tudo como decorre do artº 60º da LGT, conjugado com o disposto no artº 36º nºs 1 e 2 do CPPT.
Ora, a nosso ver, o art 60º, nº 1, al. a), da Lei Geral Tributária, quando fala em "liquidação", tem um sentido amplo que abrange todas as fases do acto tributário, e, como o contribuinte não foi ouvido (veremos adiante) antes da decisão da reclamação graciosa, neste contexto, pontifica a doutrina que dimana do Acórdão do STA de 27/02/2002, tirado no recurso nº 026615 sobre uma questão de audiência prévia, segundo a qual há preterição de formalidade legal se, tendo o contribuinte sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, não for de novo ouvido antes do acto de liquidação, pois trata-se de duas audições autónomas relativamente a duas decisões distintas do processo de liquidação.
Com a entrada em vigor da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio que introduziu nova redacção ao artº 60º, sob a epígrafe Direito de audição, o artº 13º da referida Lei dispõe:
1 - O n° 3 do artigo 60° da lei geral tributária, apro­vada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 60º
1.A participação dos contribuintes a formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a)- Direito de audição antes da liquidação;
b)- Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c)- Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d)- Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e)- Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2. - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3. -Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea g) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4. - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 – O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7. - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Conforme refere Pedro Machete (in Problemas Fundamenteis do Direito Tributário, Vislis, pp. 304) sendo a regulamentação da audiência dos interessados concretizadora do princípio da participação procedimental consagrado no Artigo 267º n° 5 da Constituição, tal instituto é, salvo indicação expressa em contrário, de aplicação obrigatória mesmo nos procedimentos especiais, independentemente de a respectiva disciplina jurídica ser anterior ou posterior ao início de vigência daquele código".
Assim, na falta de regulamentação expressa sobre o direito de audição, e como forma de cumprir o comando constitucional, havia que recorrer, supletivamente, às normas previstes nos Art°s 100 e segs. CPA, [por força do Art°2º alínea b) do CPT] e cuja preterição, traduzindo-se na preterição de uma formalidade essencial, fere de invalidade o acto tributário, por vício de forma, excepto se se dever considerar sanada tal invalidade.
Portanto, o direito de audição dos contribuintes tem já uma tradição assinalável no nosso direito tributário.
No âmbito da LGT, o princípio da participação confere ao contribuinte o direito de audição por qualquer uma das formas previstas nas alíneas a), b), c),d) e) do n.° 1 do Art.° 60. Não prevê a lei que o direito de audição seja facultado em todas as formas mencionadas, mas sim por qualquer uma das formas previstas.
Mas em douto Aresto do STA proferido em 27/2/2002, no proc. n° 26615, e ao que sabemos ainda inédito, decidiu-se que, não obstante o direito de audição concedido antes da conclusão do relatório da inspecção, tal não dispensa a formalidade legal de nova audição antes da liquidação.
Entendemos que o texto da lei não acolhe a interpretação veiculada pelo douto acórdão, mencionando expressamente o artigo 60 n° 1 que a participação dos contribuintes se efectua pôr qualquer uma das formas previstas nas diversas alíneas.
Se é por qualquer uma das formas, não é por todas.
Como refere Lima Guerreiro, "O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento. Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de audição inicialmente se concretizou.
Assim não tendo a Administração Tributária facultado ao contribuinte o direito de audição antes da decisão da reclamação afigura-se não cumprida a obrigação legal prevista no Art.° 60 LGT.
Ora, provando-se, como se nos afigura provar-se, que o direito de audição não foi exercido pelo impugnante antes da decisão da reclamação, não se mostra cumprida a formalidade legal.
Volvendo ao caso dos autos, do elenco probatório ressalta à evidência que o recorrente foi notificado pessoalmente e para outro domicílio que não o fiscal, para se pronunciar, participando, antes da decisão da reclamação nos termos da al. b) do nº 1 do artº 60º da LGT, não tendo sido notificado o mandatário por si constituído, violou-se o direito de audição.
E sendo a notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa... (art. 35° n.° 1 CPPT), o que significa que para a mesma se tornar perfeita é necessário, que chegue ao seu conhecimento.
E constituirá obstáculo a essa conclusão o facto de a impugnante haver constituído mandatário e este não ter sido notificado da liquidação?
A obrigatoriedade da notificação ao seu alegado mandante que, é pacífico, não foi feita, só existiria se o acto da liquidação em causa, enquanto acto susceptível de abalar a esfera jurídica da mandante, ora recorrente, fosse um acto "pessoal".
Acresce que, a procuração emitida pela mandante e junta aos autos ainda administrativos, dava poderes ao mandatário para, por aquela, este receber de forma válida as notificações a efectuar no decurso do procedimento, designadamente para exercer o direito de audição.
O artº 5º do CPPT regula o chamado “mandato tributário” possibilitando aos interessados ou seus representantes legais conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal.
Tem-se, pois, em vista com este normativo, a representação voluntária, constituída mediante o mandato, quer do sujeito passivo ou seus representantes legais, quer doutros interessados para a prática dos actos que lhes incumbam e que não tenham carácter pessoal.
O mandato está regulado nos artºs. 262º e ss e 1157º e ss do Código Civil (CC) e da concatenação de todos os citados preceitos decorre que é à mera procuração e não ao mandato judicial conferido a advogado que o nº 1 do artº 5º do CPPT se refere.
Ora, emerge do disposto no artº 262º do CC que a procuração é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (nº1) e, salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (nº 2).
Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª ed., Vol. I, pág. 227, o nº 2 do artº 262º do CC é «uma regra geral de aplicação certa nos casos em que se exija para o acto apenas a forma escrita. A procuração deve igualmente ser passada por escrito. Em relação a actos para os quais se não exija sequer forma escrita valerá a procuração verbal».
É manifesto que normalmente os actos do contribuinte revestem a forma escrita e devem ser assinadas por ele ou seu representante legal ou mandatário devendo este então exibir procuração reduzida a escrito.
Noutra perspectiva, na senda de Alberto Xavier, Manual, Vol. I, pág. 385, quando os actos de carácter procedimental ou processual tributária «são praticados por terceiros em nome dos interessados, independentemente de poderes de representação por estes conferidos ou para além dos limites em que o foram, verifica-se a figura da gestão de negócios».
Esta, tem consagração expressa no artº 17º da LGT ao estatuir que:
1.- Os actos em matéria tributária que não sejam de natureza puramente pessoal podem ser praticados pelo gestor de negócios, produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil.
2.- Enquanto a gestão de negócios não for ratificada, o gestor de negócios assume os direitos e deveres do sujeito passivo da relação tributária.
3.- Em caso de cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, a gestão de negócios presume-se ratificada após o termo do prazo legal do seu cumprimento«.
Ainda a respeito da gestão de negócios explicita o artº 16º nº 1 da LGT que «Os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites e dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato».
No ponto é de relevar que do nº 2 do artº 5º do CPPT resulta a obrigatoriedade de mandato judicial «quando se suscitem ou discutam questões de direito perante a administração tributária».
Da concatenação de todos estes normativos decorre que, suscitando-se questões de direito no requerimento de audição, era obrigatório o mandato judicial e que, estando em causa na notificação da decisão final da reclamação a prática dos actos que não tinham carácter pessoal era admissível «in casu» a gestão de negócios.
Daí que fosse obrigatória a notificação, ao mandatário, do projecto de decisão final para efeitos do exercício do direito de audição tanto mais que a procuração ao mesmo junta conferia ao mandatário, os mais amplos poderes em direito permitidos.
Em conclusão, ocorre a falta de notificação, bem andando a sentença ao assim interpretar e decidir.
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Mas a recorrente FP vai mais longe ao defender que o vício apontado se verificou no procedimento de reclamação graciosa e na sua fase decisória pelo que, sendo invocada em posterior impugnação judicial, essa irregularidade não poderá gerar a anulabilidade da liquidação do tributo que foi objecto da reclamação e é também objecto da impugnação pois a irregularidade da notificação para o exercício de audição prévia afecta o valor do acto praticado, devendo apenas ser anulados os actos posteriores que dela dependem.
Sucede que as ilegalidades praticadas durante o procedimento que culmina com a liquidação são atacáveis apenas na impugnação final que se fizer da liquidação (princípio da impugnação unitária).
Nos termos do art. 54º do CPPT «Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.»
A respeito da impugnação unitária, o Cons. Jorge de Sousa in CPPT Anotado, 4ª edição, 2003, Notas ao art. 54º, refere o seguinte: nos «procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por esse acto e, por isso, em regra, será apenas ele o acto lesivo e contenciosamente impugnável. No presente artigo (54º do CPPT), enuncia-se tal princípio sem qualquer limitação, mas, por vezes, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de actos anteriores ao acto final do procedimento, que têm especial relevo para condicionar a decisão final. Estes actos preparatórios da decisão final, que são directa e imediatamente impugnáveis por via contenciosa, assumem a natureza de actos destacáveis. Os actos destacáveis são actos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deve proferir a decisão final. No entanto, em regra, a sua impugnação autónoma só ocorrerá quando esteja prevista na lei, por forma expressa, como se exige neste artigo, só havendo impugnabilidade imediata quando tais actos procedimentais sejam imediatamente lesivos. (…)
Os actos de avaliação indirecta da matéria tributável inserem-se num procedimento que termina com a liquidação de um tributo e só o acto final deste é contenciosamente impugnável (nºs. 3 e 4 do art. 86° da LGT).
Quando o acto final é um acto de liquidação, é apenas esse o acto contenciosamente impugnável, devendo os vícios de que enferme o acto de avaliação indirecta, inclusivamente os referentes ao respectivo procedimento, ser arguidos na impugnação contenciosa do acto de liquidação (nº 4 do mesmo art. 86°).»
Do citado art. 54º do CPPT decorre, pois, que no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres.
Ora, no caso, a impugnante através da presente acção, dirigiu a impugnação contra a decisão da reclamação com preterição do direito de audição prévia e é a esse acto que imputa as ilegalidades invocadas na p.i..
Porém, a decisão em causa não constitui acto destacável para efeitos de impugnação: o que pode ser impugnado é o acto de liquidação a que aquela decisão conduz podendo, precisamente aí, ser invocada qualquer ilegalidade, nomeadamente as invocadas na p.i., essa invocação só pode ocorrer na impugnação judicial do próprio acto de liquidação não se verificando a preclusão pretendida pela recorrente.
Como advertem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Notas ao art. 95º da LGT, Comentada e Anotada, 3ª edição, 2003) «A questão da lesividade é distinta da sua imediata recorribilidade contenciosa: é que a lei, por razões de eficácia, celeridade e prestígio da administração, pode subordinar o recurso a juízo a pressupostos especiais (pressupostos ou condições especiais de recorribilidade ou relativos ao objecto), como o do prévio esgotamento dos meios administrativos de autocontrolo ou o da necessidade de prévia reclamação graciosa ou o de segunda avaliação, nada impedindo, por outro lado, que o recurso hierárquico possa ter até natureza necessária ao invés do que é assumido como regra pelo CPPT (art. 67°, nº 1) e a LGT (art. 80°). (…) 9 - São actos lesivos, por essência, os actos de liquidação (tributários, stricto sensu), quando praticados por autoridade fiscal competente, de acordo com o previsto no art. 60° do CPPT. (…) 13 - Só poderão estar abrangidos na cláusula aberta constante da al. h) os actos administrativos em matéria tributária que sejam lesivos. Excluída está, pois, a impugnação dos actos preparatórios, mesmo que prejudiciais ocorridos no procedimento de liquidação, a menos que a lei obrigue à sua impugnação autónoma».
E é também no sentido de que quando o acto final é um acto de liquidação, é apenas esse o acto contenciosamente impugnável, devendo os vícios de que enferme o procedimento de reclamação graciosa, ser arguidos na impugnação contenciosa do acto de liquidação, que tem vindo a pronunciar-se a jurisprudência do STA e do TCA.
Nesse sentido, pontifica o Acórdão do TCAS de 03/11/2004, no Recurso nº 150/04.
Como escrevem Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e J. Lopes de Sousa em anotação ao artigo 86° da LGT, no contencioso tributário vigora o principio da impugnação unitária - sublinhado nosso - nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres.
No entanto, por vezes, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de actos anteriores ao acto final do procedimento, que tem especial relevo para condicionar a decisão final.
Estes actos preparatórios da decisão final que são directa e imediatamente impugnáveis por via contenciosa assumem a natureza de actos destacáveis".
Na senda de tal doutrina, a discordância do contribuinte relativamente aos vícios da reclamação graciosa só na impugnação da liquidação poderia ser sus­citada porque se trata de vício de um acto não destacável, inserido no procedimento que culmina com a liquidação. O princípio da impugnação unitária impõe que todos os vícios ocorridos ao longo do procedimento sejam denunciados na impugnação do seu acto terminal, salvo quando a lei destaque como autonomamente sindicável um acto intermédio.
E já se demonstrou que o acto impugnado não era autonomamente impugnável.
Na verdade, é sabido que o objecto material da impugnação é o acto da liquidação, o acto tributário em sentido estrito (arts. 62°, n°l, al. a) do ETAF e art. 99º do CPPT) porque é esse o acto administrativo do qual resulta, com carácter definitivo e efeitos executórios, a declaração do direito do Estado a um determinado quantitativo pecuniário.
Nos termos legais, a impugnação desse acto pode ter como fundamento a incompetência, vício de forma, inexistência dos factos tributários ou qualquer outra ilegalidade (art. 99° do CPPT).
Mas, embora seja a liquidação o acto tributário nuclear, para efeitos de contencioso fiscal a lei dá, por vezes, relevância a certos actos pressupostos e actos preparatórios, lógica e cronologicamente antecedentes do acto tributário principal, isto é, da liquidação, pois que se trata de actos que têm por fim reconhecer ou qualificar situações jurídicas, com base nas quais se há-de praticar o acto tributário, constituindo, assim, questões prejudiciais deste; os actos preparatórios visam habilitar a autoridade competente, no processo gracioso onde são praticados, a proferir a decisão final - o acto tributário de liquidação.
Destes actos pressupostos, porque envolvem, na generalidade dos casos, a apreciação de questões prejudiciais do acto tributário, permite a lei, por vezes, que possam ser objecto de impugnabilidade autónoma (são, mesmo, caracterizados por alguma doutrina como actos destacáveis do processo administrativo de lançamento).
Em regra, porém, o acto (configurado como destacável) de fixação do imposto deixou de poder ser autonomamente impugnável, com base em preterição de formalidades legais, passando, a ser impugnável apenas o próprio acto de liquidação, e podendo nessa impugnação invocar-se quaisquer ilegalidades ou erros praticados também no acto pressuposto da fixação.
Em suma: - vigorando o regime da impugnação unitária, só em sede de impugnação da liquidação consequente da fixação, é que poderiam ser alegados os vícios próprios da reclamação graciosa e da subsequente fixação definitiva do imposto.
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E não se diga, como o faz a recorrente FP que a questionada irregularidade não poderá gerar a anulabilidade da liquidação do tributo que foi objecto da reclamação e é também objecto da impugnação pois a irregularidade da notificação para o exercício de audição prévia afecta o valor do acto praticado, devendo apenas ser anulados os actos posteriores que dela dependem.
Na senda dos doutos Acórdãos do STA - 1 Subsecção do CA, de 01-06-2006, tirado no Recurso nº 01240/02, de 22-03-2006- 2 Secção, Recurso nº 0916/04, de 07-02-2002- 1ª Subsecção do CA, Recurso nº 047767 e de 16-10-96 – 2ª Secção, Recurso nº 018176, em sede teórica, pode discutir-se o alcance do efeito decorrente da anulação contenciosa verificada.
Como é sabido, a execução de sentença consiste na prática pela Administração dos actos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido cometido (F. Amaral, in A execução das sentenças dos Tribunais administrativos, 2ª ed., pág. 45; tb. Ac do STA de 01/10/97, Rec. n° 39205, in Ap. ao DR de12/06/2001, pag.5261).
Ora, o princípio pelo respeito do caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação (Ac. do STA, de 02/10/2001, Rec. n° 34044-A). Aliás, o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, “seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão» (Ac. do STA/Pleno, de 08/05/2003, Rec. nº 40821-A).
Vale isto por dizer que, o respeito pelo caso julgado não fica abalado se a Administração, em execução de sentença anulatória, retomar a decisão anterior desde que expurgada dos vícios que a inquinavam. É, aliás, nisso que consiste a boa execução, sempre que a Administração pretender reintroduzir na ordem jurídica a força substancial do acto renovado.
Ou seja, o critério a seguir não é necessariamente o da reposição ou restabelecimento da situação anterior à prática do acto ilegal, mas o da reconstituição da situação actual hipotética através da qual a ordem jurídica violada é reintegrada, tudo se passando como se nada ilegal tivesse acontecido e, portanto, realizando-se agora o que entretanto se teria realizado, se não fosse a ilegalidade cometida. Ou seja, as coisas não se passarão exactamente como se encontravam antes da prática do acto anulado, antes poderão ocorrer tal como se presume viessem a estar no momento presente, independentemente da verificação da anulação.
Neste contexto, assume particular relevância o fundamento da anulação. Se o vício determinante da anulação for um vício de legalidade externa, como por exemplo o de forma, por falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com o expurgo da violação detectada (no caso, com a fundamentação antes faltosa) de acordo com a situação e as normas jurídicas que regulavam a situação na data do acto anulado (Ac. do STA de 14/03/2000, Rec. nº 43 680; de 22/01/2003, Rec. nº 141/02-3; de 21/05/2003, Rec. nº 1601/02-11).
E se é verdade que, geralmente, têm eficácia retroactiva os actos que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos (art. 128°, nº1, al.b), 1ª parte do CPA), certo é também que não terão essa eficácia se, excepcionalmente, os actos administrativos anulados forem «renováveis» (disp. cit., “in fine”).
Ora, não havendo hoje em dia qualquer dúvida sobre se os actos anulados por vício de forma por falta de fundamentação são renováveis, temos que o acto que reinstale a substância dispositiva do anterior com a fundamentação que a este faltava se inscreve no âmbito da excepção legal, e, logo, não terá eficácia retroactiva (neste sentido, Ac. do STA, de 27/05/98, Rec. nº 40 885).
Desta maneira, e porque se aceita pacífica esta doutrina, fica presumido que a situação do momento (a chamada situação actual hipotética) seria a mesma que existiria com o acto ilegal se não tivesse sido anulado. É essa a razão subjacente à irrectroactividade prescrita na norma. Quer dizer, porque num juízo forte de probabilidade se crê que o acto ilegal se repita (se renove) sem os vícios que conduziram à sua anulação, o legislador concede que se salvem os efeitos produzidos à sua sombra até que surja o novo acto (acto renovador).
Isto, claro está, supondo-se que esse novo acto se pratique no quadro de um dever legal de decidir (actuação vinculada), pois pode, efectivamente, colocar-se a hipótese de a prática do acto ser discricionária, e nesse caso, consente-se que a Administração tenha a faculdade de, simplesmente, não o renovar. E pode mesmo admitir-se que também seja discricionário o próprio conteúdo do acto (sobre o assunto e sobre as dificuldades emergentes, Vieira de Andrade, Lições, 3ª ed., pág. 295).
Significa isto que no caso de acto renovável a projecção dos efeitos destrutivos ou reconstrutivos da sentença anulatória não é resolvida «ao nível dos actos da sua execução, mas pelo próprio acto renovador (parecendo subentendido que se trata aqui de um acto com o mesmo sentido ou efeito do acto anterior)» (M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., págs. 621 e 622).
Ou seja, tratando-se de actos renováveis, entre os quais avultam os anulados por vício formal de falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com a prolação de novo acto, sem os vícios que caracterizavam o anterior. E só em relação a ele se poderá pôr o problema da retroactividade ou não (autores e ob. cit., pág. 622).
Dito de outro modo: porque a anulação não teve que ver com factores de ilegalidade substancial, se não se fundou em razões de violação de lei, haverá, tão só, que eliminar o vício de forma cometido a solução da questão do vício de forma, pode ser praticado novo acto com conteúdo idêntico ao do acto anulado, expurgado do vício de forma que o inquinava.
Na verdade, o art. 124.º do CPPT estabelece a ordem de conhecimento dos vícios do acto contenciosamente impugnado, dando prioridade aos que conduzam à “invalidade” (leia-se nulidade ou inexistência), situando depois os que consequenciam a “anulação”.
E, entre eles, o critério substantivo primacial de conhecimento, em termos de procedência, é o da “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”, “segundo o prudente critério do julgador”.
Trata-se da transposição do artº 57º da Velha LPTA que introduziu um “preceito inovador, não obstante, na jurisprudência dos tribunais administrativos, se ter vindo a formar determinado entendimento sobre a ordem de conhecimento dos vícios do acto recorrido, agora parcialmente consagrada”.
Cf. Artur Maurício e outros, Contencioso Administrativo, p. 170, nota 1.
E, apesar da referência legal ao “prudente critério do julgador”, tal deve ler-se em termos objectivos pois sem dúvida que determina mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, a procedência de vícios que impeçam a renovação do acto” – cf. cit, nota 5 – como, em geral, a violação de lei.
Destarte, a violação do art. 100.º CPA e/ ou do artº 60º da LGT, reconduz-se também a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa do interessado, por forma a garantir justeza e correcção do acto final do procedimento; trata-se tão só de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares, o que quer dizer que a sua preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.
Cfr., entre muitos, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de Acórdão de 17/03/04, Recurso n º 7477/02; de 30/11/04, Recurso n º 229/04; e de 16/03/2005,Recurso nº 435/05.
É, pois, inquestionável que o acto em apreço é renovável.
E, assim sendo, conclui-se que a decisão recorrida não sofre dos erros de julgamento de facto e de direito que a recorrente lhe imputa, pelo que improcedem todas as Conclusões do recurso.

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4. - Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a recorrente.
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Lisboa, 20/10/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)