Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2101/10.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:EBF
CRIAÇÃO LÍQUIDA POSTOS TRABALHO
CONTRATO SEM TERMO
Sumário:I- Da letra do artigo 17.º do EBF dimana que, à data, os requisitos da concessão do benefício fiscal consistiam em terem sido admitidos por contrato sem termo, trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.

II- Se foi celebrado um acordo, no âmbito do qual não se retira, por um lado, a estipulação de um prazo de duração e, por outro lado, o motivo subjacente à sua celebração, não se pode inferir a vinculação e qualificação como contrato de trabalho a termo certo, desde logo porque são considerados contratos sem termo aqueles em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo (artigo 147.º, nº1, alínea c), do CT).

III-Assim, se o único pressuposto legal que foi colocado em causa pela Recorrente, assentou na admissão do trabalhador a termo certo e não logrando o mesmo provimento, o recurso encontra-se votado ao insucesso, havendo, assim, que relevar, no exercício em contenda, o benefício fiscal a que alude o artigo 17.º do EBF.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (IRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou extinta parcialmente a instância, por inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação parcial do ato, e no demais procedente, a impugnação apresentada por C....., SA contra o despacho de deferimento parcial que recaiu sobre o recurso hierárquico, respeitante à autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), do exercício de 2004, referente à criação líquida de postos de trabalho.


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A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por C....., SA.., já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, considerando procedente o pedido, quanto ao trabalhador P....., e assim anulando a decisão de indeferimento parcial proferida no âmbito do recurso hierárquico dos autos, anulando ainda a liquidação de IRC nº ....., do exercício de 2004 na parte em que não foi observado o benefício fiscal a que aludia o art. 17º do EBF, no valor determinado de € 18.873,33. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença não só omitiu, na secção II – II.1 Dos Factos Provados, um facto de elevado interesse para a boa decisão da causa que deveria ter sido dado como assente com base nos elementos que foram juntos aos autos tanto pela AT como pelo impugnante, como também, na apreciação dos demais factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos.

II – Dispõe o n.º 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil (anterior artigo 712º), aplicável ao presente recurso, que “ A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente impuserem decisão diversa”. Consta dos autos o documento que titula o contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador P..... e a ora Impugnante ( fls 97 a 99 dos autos), documento este que na sua cláusula 9ª refere: “(…) o prazo de aviso prévio a cumprir pelo 2º Outorgante, em caso de rescisão por sua iniciativa, dentro do período inicial de vigência de 3 (três) anos, do ora celebrado contrato de trabalho, é estipulado em 6 (seis) meses, sem prejuízo de outro à data mais alargado, mediante acordo, (…)”. Este documento impõe considerar que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato de trabalho a termo certo, nada resultando nos autos que imponha entendimento contrário.

III – Com efeito, entende a Fazenda Pública que o ponto 4 da secção II – II.1 Dos Factos Provados da sentença recorrida deve ser alterado/ampliado, devendo referir que “Em 29/01/2002, P..... outorgou “Acordo” entre a F....., SA. e, a C....., SA., através do qual põe termo ao contrato de trabalho que mantinha com a F....., simultaneamente, celebra contrato de trabalho a termo certo com a C..... apresentando-se a data de início do mesmo de 01/01/2002, sem prejuízo de perda da antiguidade, adquirida naquela empresa, de 2 anos, 2 meses e 27 dias (…)”.

Desta alteração/ampliação que os documentos juntos aos autos impõem há-de resultar uma melhor compreensão do enquadramento levado à cabo pela administração fiscal com vista a negar a atribuição do benefício fiscal à Impugnante.

IV – Tendo em consideração o supra exposto, entende a Fazenda Pública que se encontram reunidos os pressupostos para que seja ordenada a ampliação da matéria de facto tida por assente com o aditamento à matéria de facto provada no ponto 4 da secção II – II.1 Dos Factos Provados da sentença recorrida da referência de que o acordo celebrado entre P..... e a Impugnante tem natureza de contrato de trabalho a termo certo.

V – Por outro lado, e tendo por base estarmos perante um acordo laboral inicialmente celebrado com a natureza de contrato de trabalho a termo certo, conforme supra referido, a Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa porquanto a mesma não encerra um correto entendimento do disposto no artigo 17º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-lei n.º 215/89, de 1 de julho, na redação anterior ao Decreto-lei n.º 108/2008, de 26 de junho.

VI – Tendo por base o quadro normativo relevante para a análise do caso sub judice, impõe-se salientar que o n.º 1 do artigo 17º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação anterior ao Decreto-lei n.º 108/2008, de 26 de junho, dispunha que “[P]ara efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%”.

VII – Da letra da lei resulta que, para aceder ao benefício fiscal em questão, a admissão do trabalhador na empresa deve ser realizada por contrato de trabalho sem termo, gerando a constituição de tal espécie de vínculo a expetativa de criação de um efetivo posto de trabalho.

Da letra da lei emana assim a intenção legislativa de favorecer vínculos laborais estáveis, favorecendo as empresas que optem pela criação de vagas em seus quadros através da atribuição de um benefício fiscal. O artº 17º do EBF prevê um incentivo fiscal à criação de emprego para jovens sob condição de que com ele se esteja a criar novos postos de trabalho e não a colmatar necessidades temporárias das empresas. O espírito da lei é, pois, estimular a criação de postos de trabalho que resultem de projetos geradores de novos empregos.

VIII – O preceito legal em causa deve ter subjacente uma leitura jurídica à luz do direito ao trabalho, direito este constitucionalmente consagrado no art.º 58º da Constituição da República Portuguesa e que deve ser promovido pelo legislador ordinário, servindo ainda de parâmetro interpretativo ao julgador. A posição vertida na sentença recorrida não tem assim fundamento legal, não sendo admissível que o benefício fiscal previsto no art.º 17º do EBF, na redação anterior ao Decreto-lei n.º 108/2008, de 26 de junho, destinado à promoção da criação de emprego, seja atribuído a empresas que não comprovem a celebração de contratos de trabalho sem termo mas que viriam a beneficiar deste regime através de sucessivas renovações que, ope legis. implicam a conversão legal de um vínculo laboral precário num vínculo laboral estável.

IX – Mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violando o n.º 1 do artigo 17º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação anterior ao Decreto-lei n.º 108/2008, de 26 de junho, fazendo uma interpretação errada deste preceito legal e incorrendo em erro de julgamento, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e daqui resultar a improcedência da impugnação apresentada com a consequente manutenção da decisão de indeferimento parcial proferida no âmbito do recurso hierárquico sub judice, mantendo ainda na ordem jurídica a liquidação de IRC nº ....., do exercício de 2004 na parte em que não foi considerado o benefício fiscal a que aludia o art. 17º do EBF, no valor determinado de € 18.873,33.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.

PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

1. A impugnante deduziu reclamação graciosa, junto da Direção de Finanças de Lisboa, impugnando o ato da autoliquidação do IRC do ano de 2004, alegando que o IRC, desse exercício, foi apurado sem que se tivesse em consideração a possibilidade de usufruir do benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i., a fls. 21 a 27 dos autos;

2. Em 28/05/2008, através do ofício nº ....., a A.T. notifica, a ora impugnante, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. doc. nº 2, junto com a p.i., a fls. 29 a 34 dos autos;

3. A, ora, impugnante apresentou recurso hierárquico, juntando em anexo as folhas da segurança social dos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002 - cfr. doc. nº 3, junto com a p.i., a fls. 36 a 43 dos autos;

4. Em 29/01/2002, P..... outorgou “Acordo” entre a F....., SA. e, a C....., SA., através do qual põe termo ao contrato de trabalho que mantinha com a F....., simultaneamente, celebra contrato de trabalho com a C..... apresentando-se a data de inicio do mesmo de 01/01/2002, sem prejuízo de perda da antiguidade, adquirida naquela empresa, de 2 anos, 2 meses e 27 dias, como a seguir se indica:

– cfr. fls. 97 a 99 dos autos;

5. Do quadro de pessoal da impugnante, consta que P..... é trabalhador desde 01/01/2002 com contrato de trabalho sem termo, como a seguir se indica:


– cfr. fls. 100 dos autos;

6. Em 19/05/2006, a impugnante emite “Declaração” expondo que “...P..... é colaborador efetivo (contrato de trabalho sem termo) da empresa C....., SA....” – cfr. fls. 96 dos autos;

7. Entre Dezembro de 2003 a Outubro de 2004, consta do extrato das declarações de remunerações entregues pela impugnante à Segurança Social, que P..... aufere remuneração nessas datas – cfr. fls. 101 a 105 dos autos;

8. Em 31/08/2009, dá entrada neste tribunal petição inicial que consubstancia a presente impugnação cujo objeto é a liquidação de IRC nº ....., do exercício de 2004 - cfr. fls. 2 e ss. dos autos;

9. Em 23/04/2010, através do ofício nº ....., a impugnante foi notificada do deferimento parcial do recurso hierárquico - cfr. doc. nº 4, junto com a p.i., a fls. 45 a 58 dos autos;

10. Em 19/01/2011, por despacho da Chefe da Divisão de Justiça Contenciosa, na pendência destes autos, a A.T. procede à revogação parcial dos valores impugnados no montante de € 25.084,64, com referência aos trabalhadores Mariana Saraiva e Mácio Lopes – cfr. fls. 127 dos autos.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou extinta, parcialmente, a instância por inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação parcial do ato, e no demais procedente com a consequente anulação do ato impugnado, na parte subsistente.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto por não ter valorado factualidade reputada relevante para o caso vertente, e se face a essa errada valoração, incorreu em erro de julgamento de direito ao ter entendido que se verificam os pressupostos para que seja admitido e valorado o benefício fiscal contemplado no artigo 17.º do EBF, no valor de €18.873,33, relativamente ao trabalhador P......

Apreciando.

A Recorrente começa por defender que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto, por um lado, omitiu um facto de elevado interesse para a boa decisão da causa, e, por outro lado, procedeu à errónea apreciação dos demais factos relevantes constantes no probatório.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(1).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.”

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto cumprindo os requisitos contemplados na lei e supra citados, uma vez que requer a alteração do ponto 4. do probatório com base em prova documental que identifica, concretamente contrato de trabalho, a fls. 97 a 99 dos autos).

Vejamos, então.

A Recorrente requer que seja alterado o aludido ponto 4 do probatório, passando o mesmo a contemplar o seguinte teor:

“Em 29/01/2002, P..... outorgou “Acordo” entre a F....., SA. e, a C....., SA., através do qual põe termo ao contrato de trabalho que mantinha com a F....., simultaneamente, celebra contrato de trabalho a termo certo com a C..... apresentando-se a data de inicio do mesmo de 01/01/2002, sem prejuízo de perda da antiguidade, adquirida naquela empresa, de 2 anos, 2 meses e 27 dias (…)”.

Ora, atentando na alteração propugnada pela Recorrente, verifica-se que a mesma se coaduna com a inserção da qualificação jurídica do acordo, pretendendo que passe a constar “contrato de trabalho a termo certo”. Porém, respeitando, precisamente, a questão decidenda à qualificação que deve ser atribuída ao visado acordo, o aditamento, nesses moldes, deve ser recusado por concernir a juízo valorativo atinente ao thema decidendum.

Com efeito, “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”(2)

Sem embargo do exposto, tendo presente, por um lado, que o teor do ponto 4 do probatório, não transcreve o acordo na integralidade, nem o dá por integralmente reproduzido, e por outro lado, que a interpretação e qualificação do aludido contrato revestem relevância para a presente lide, mormente, a cláusula 9ª, o Tribunal ad quem admite uma alteração ao aludido ponto do probatório, porém com teor distinto do propugnado pela Recorrente, ficando, assim, o referido ponto do probatório a assumir o seguinte teor:

4). A 29 de janeiro de 2002, foi elaborado documento escrito intitulado de “Acordo”, entre F....., SA, na qualidade de 1ª Outorgante, P....., enquanto 2º Outorgante, e C....., SA, como 3º Outorgante, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

(cfr. acordo junto com a p.i. a fls. 97 a 99 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

Quanto ao demais, invoca que o Tribunal a quo não valorou adequadamente a factualidade constante dos autos, o que configura, naturalmente, erro de julgamento que será analisado em sede própria.

Assim, uma vez estabilizada a matéria de facto, e tendo presente, precisamente, a alteração do probatório vejamos, então, se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de direito ao ter decidido pela verificação dos requisitos legais para a obtenção do benefício fiscal constante no artigo 17.º do EBF.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que, conforme resulta do acordo celebrado entre a Recorrida e P....., foi firmado um contrato de trabalho a termo certo e não, como evidenciado pelo Tribunal a quo, um contrato sem termo, o que, per se, implica uma errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto encerra um incorreto entendimento do disposto no artigo 17.º, do EBF.

Com efeito, salienta que para se aceder ao benefício fiscal em questão, a admissão do trabalhador na empresa deve ser realizada por contrato de trabalho sem termo, gerando a constituição de tal espécie de vínculo a expetativa de criação de um efetivo posto de trabalho, o que não sucede no caso vertente.

Conclui, assim, que a posição vertida na sentença recorrida não tem fundamento legal, não sendo admissível que o benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF, destinado à promoção da criação de emprego, seja atribuído a empresas que não comprovem a celebração de contratos de trabalho sem termo mas que viriam a beneficiar deste regime através de sucessivas renovações que, ope legis. implicam a conversão legal de um vínculo laboral precário num vínculo laboral estável.

O Tribunal a quo ajuizou o seu entendimento com base na seguinte fundamentação jurídica:

“Nos presentes autos encontra-se controvertida, unicamente, a relação contratual que o trabalhador P..... tem com a impugnante, pois a A.T. não reconhece o contrato firmado entre as duas entidades em questão.
Ora, dos autos decorre que P..... firmou contrato de trabalho, sem termo, com a impugnante, com efeitos a 1/01/2002.
E, da declaração emitida por aquela entidade decorre que aquele trabalhador, em 19/05/2006, continuava ao serviço da impugnante.
Tais factos são refirmados e confirmados com as declarações sobre remunerações referentes ao trabalhador, remetidas pela internet, pela impugnante, para a Segurança Social (cfr. pontos 4 a 7 do probatório).
É, pois, inquestionável que o referido “Acordo” em que assenta o contrato de trabalho sem termo, entre a impugnante e o trabalhador, assinado por todos os contratantes, inclusive pelo trabalhador em questão, vincula as partes, sendo certo que a A.T., em momento algum, arguiu a falsidade de tal documento.
Nestes termos, vinculando tal documento “Acordo”, quer a impugnante, quer o trabalhador, há que relevar, no exercício de 2004, o benefício fiscal a que aludia o art. 17º do EBF, no valor de € 18.873,33, relativamente ao trabalhador P......”

Apreciando.

Comecemos por atentar no quadro jurídico que para os autos releva:

Preceitua o artigo 17.º do EBF, sob a epígrafe de “criação de empregos para jovens” e com a redação à data aplicável que:

“1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 - A majoração referida no nº 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.”

Da letra do citado normativo dimana que, à data, os requisitos da concessão do benefício fiscal em causa consistiam em terem sido admitidos por contrato sem termo, trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.

No caso vertente, como visto, a única questão controvertida e que importa analisar coaduna-se com a falta de verificação do pressuposto atinente à qualificação do contrato sub judice, ou seja, da admissão mediante contrato sem termo.

Para o efeito, importa ter presente o que dispõe, neste e para este efeito, o regime jurídico atinente ao contrato de trabalho.

Importa, desde logo, ter presente o que dispõe o artigo 110.º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe de “Regra geral sobre a forma de contrato de trabalho”:

“O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário.”

De convocar, outrossim, o artigo 140.º do CT, que a propósito da admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo consigna que:

“1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.”

Dispondo, por seu turno, quanto à forma e conteúdo de contrato de trabalho a termo, o artigo 141.º do CT que:

“1 - O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Atividade do trabalhador e correspondente retribuição;
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho;
e) Indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo;
f) Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respetiva cessação.
2 - Na falta da referência exigida pela alínea d) do número anterior, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração.
3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.”

No concernente ao contrato de trabalho sem termo, importa ter presente o prescreve o artigo 147.º do CT segundo o qual:

“1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1, 3 ou 4 do artigo 140º;
c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;
d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143º
2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:
a) Aquele cuja renovação tenha sido feita em violação do disposto no artigo 149º; b) Aquele em que seja excedido o prazo de duração ou o número de renovações a que se refere o artigo seguinte;
c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em atividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo. 3 - Em situação referida no n.º 1 ou 2, a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início da prestação de trabalho, exceto em situação a que se refere a alínea d) do n.º 1, em que compreende o tempo de trabalho prestado em cumprimento dos contratos sucessivos.”

De convocar, in fine, o consignado no artigo 148.º do CT relativamente à duração do contrato de trabalho, segundo o qual:

“1 - O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a sua duração não pode exceder:
a) 18 meses, quando se tratar de pessoa à procura de primeiro emprego;
b) Dois anos, nos demais casos previstos no n.º 4 do artigo 140º;
c) Três anos, nos restantes casos.
2 - O contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses em situação prevista em qualquer das alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140º, não podendo a duração ser inferior à prevista para a tarefa ou serviço a realizar.
3 - Em caso de violação do disposto na primeira parte do número anterior, o contrato considera-se celebrado pelo prazo de seis meses desde que corresponda à satisfação de necessidades temporárias da empresa.
4 - A duração do contrato de trabalho a termo incerto não pode ser superior a seis anos.
5 - É incluída no cômputo do limite referido na alínea c) do n.º 1 a duração de contratos de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretiza no mesmo posto de trabalho, bem como de contrato de prestação de serviço para o mesmo objeto, entre o trabalhador e o mesmo empregador ou sociedades que com este se encontrem em relação de domínio ou de grupo ou mantenham estruturas organizativas comuns.”

Ora, atento o regime jurídico traçado anteriormente, resulta perentório que o contrato de trabalho a termo certo tem um prazo definido e apenas pode ser utilizado para satisfazer necessidades temporárias da empresa, ou satisfazer um projeto específico, ou para substituir outro colaborador que esteja ausente, estando subordinado às condições contempladas na lei, mormente, nos citados artigos 140.º, 141.º e 148.º do CT.

Regressando ao caso vertente, entendemos que a posição da Recorrente não merece provimento, não só porque o acordo descrito em 4) supra não permite qualificar a relação laboral de P....., como contrato de trabalho a termo certo, como desvirtua a demais prova carreada para os autos.

Senão vejamos.

Atentando no visado acordo e contrariamente ao alegado pela Recorrente, da sua leitura não se retira que o mesmo possa ser qualificado como contrato de trabalho a termo certo, porquanto se atentarmos em todas as suas cláusulas verifica-se que, em nenhuma delas, é estipulado um prazo de duração e bem assim o motivo subjacente à sua celebração, sendo certo que, como visto, é condição sine qua non, para a celebração de um contrato de trabalho a termo essas duas estipulações.

Note-se que, a letra da lei é clara, estipulando no citado artigo 147.º, nº1, alínea c), do CT que, são considerados contratos sem termo aqueles em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo.

É certo que a Recorrente convoca para este efeito a cláusula 9ª, mas a verdade é que tal cláusula em nada permite inferir a existência de uma duração temporária, ou seja de um termo resolutivo, uma vez que a mesma se reporta ao prazo de aviso prévio contemplada no artigo 400.º do CT, e sem qualquer possibilidade de confusão conceptual com o prazo de duração do contrato.

De relevar, neste particular, que a aludida cláusula a que a Recorrente faz menção apenas consigna que o prazo de aviso prévio a cumprir por P....., em caso de rescisão por sua iniciativa, e dentro do período inicial de vigência de três anos, é de seis meses, e não que o contrato de trabalho foi celebrado pelo período de três anos, conforme propugna a Recorrente.

De resto, atentando na aludida cláusula em toda a sua extensão, o que se retira é o inverso, ou seja, que não existe qualquer prazo de vigência do contrato, no entanto, se o trabalhador pretender rescindir o contrato, durante os três primeiros anos de vigência, tem de respeitar o prazo de pré-aviso de seis meses, evidenciando-se, de forma expressa, que tal estipulação está concatenada “Como compensação do investimento feito pela 3ª Outorgante na preparação profissional do 2º Outorgante e atendendo às elevadas complexidade e responsabilidade das funções técnicas a desempenhar”.

E por assim ser não procede a alegação atinente à aludida qualificação jurídica.

Mais importa relevar que a aludida conclusão, resulta firmada com a demais factualidade vertida no probatório e não impugnada, ou seja, da evidenciada em 5) e 6).

Com efeito, dimana perentório que no registo do quadro pessoal da Recorrida, consta que P..... se encontra admitido com contrato sem termo, o que foi, igualmente, corroborado pela declaração datada de 19 de maio de 2006 que atesta que o mesmo é colaborador efetivo.

Ora, face ao supra aludido e tendo presente que o único pressuposto legal que foi colocado em causa pela Recorrente, assentou, como visto, na admissão do trabalhador a termo certo e não logrando a mesma provimento, o recurso encontra-se votado ao insucesso, havendo, assim, que relevar, no exercício de 2004, o benefício fiscal a que alude o artigo 17.º do EBF, no valor de € 18.873,33, relativamente ao trabalhador P......

Destarte, a decisão recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, não merecendo qualquer censura, devendo, por isso, ser confirmada.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 16 de Dezembro de 2020



[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(2) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1.