Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1322/19.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO DO ESTADO-MEMBRO RESPONSÁVEL PELA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL;
DIREITO DE AUDIÊNCIA E DE DEFESA;
REGULAMENTO N.º 604/2013, DE 26-06;
ITÁLIA;
TRANSFERÊNCIA PARA O ESTADO-MEMBRO INICIALMENTE DESIGNADO COMO RESPONSÁVEL;
FALHAS SISTÉMICAS NO PROCEDIMENTO DE ASILO E NAS CONDIÇÕES DE ACOLHIMENTO DOS REQUERENTES DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL.
Sumário:I - Por força do art.º 5.º do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26-06, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional deve ocorrer uma entrevista pessoal com o requerente da protecção, que é acompanhada de um resumo escrito, que lhe será entregue. Essa entrevista serve para ouvir o requerente, para colher as suas informações, mas também para o informar acerca do seu pedido e respectivo enquadramento legal. Tal entrevista servirá, ainda, para recolher do requerente a sua pronúncia acerca da própria decisão a tomar-se no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional;
II - O art.º 3.º, n.º 2, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, determina uma verdadeira obrigação legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento;
III - Por conseguinte, uma vez apresentado um pedido de protecção, o respectivo Estado-Membro terá primeiramente que aferir, nos termos determinados no art.º 3.º, n.º 1 e no Capítulo III do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, qual é o Estado responsável pela apreciação de tal pedido. Sendo identificado como responsável pela apreciação do pedido um outro Estado-Membro, há, então, que avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Ministério da Administração Interna (MAI) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que anulou o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 02/07/2019 - que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrido e ordenou a sua transferência para Itália - e que condenou o SEF a instruir o procedimento administrativo com informação fidedigna e actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “
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O Recorrido nas contra- alegações formulou as seguintes conclusões:
a) Bem andou o tribunal a quo, ao proferir a douta decisão que foi agora recorrida, nos termos em que o fez.
b) Efetivamente incumbia à Entidade Demandada, antes de ter tomado a decisão impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país, recorrendo a fontes credíveis e consolidadas, dada a dificuldade de prova que assiste ao autor, mas que é notória tendo em conta todas as noticias que vêm a público e que fizeram do prova do processo em apreço
c) No caso em apreço, a decisão impugnada nada refere a propósito do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado-Membro, não se mostrando possível, através da sua leitura, aferir da existência ou não de um risco atual, direto ou indireto, de o Autor ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na aceção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE
d) Verifica-se por isso que há indícios que permitem concluir pela probabilidade séria de o Autor, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4. da CDFUE,
e) Verifica-se que o ato impugnado – incorre em deficit de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de protecção”

O DMMP não apresentou pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada em recurso:
A) – Em 15.05.2017, o Autor requereu protecção internacional em Itália, tendo sido as suas impressões digitais registadas, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência IT..................... – Cfr. fls. 10 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) – Em 03.06.2019, o Autor requereu protecção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa, data em que foram registadas as suas impressões digitais, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência PT.............. – Cfr. fls. 9 e 22 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) – Em 12.06.2019, os serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados enviaram, às autoridades italianas, um pedido de retoma a cargo do Autor, invocando o artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e a ocorrência registada, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência IT............. – Cfr. fls. 28-32 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) – Em 01.07.2019, o Autor prestou declarações, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, tendo sido lavrado o instrumento intitulado “Entrevista/Transcrição”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte:
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II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro decisório por, no caso, se aplicar o procedimento especial que vem regulado nos art.ºs 36.º e ss. da Lei n.º 27/2008, de 30-06, 4.º, 5.º, 18.º e 23.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-07, relativo à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, que culminou com a decisão de inadmissibilidade do pedido, exigida nos termos dos art.ºs 19.º-A, n.º 1, e 37.º, n.º 2, da citada Lei e não se aplicar o procedimento comum que vem previsto naquela Lei, nomeadamente a obrigação de elaboração do relatório indicado no art.º 17.º ou a obrigação de abrir um momento autónomo de audiência prévia ou de participação procedimental;
- aferir do erro de julgamento por não se exigir ao SEF que verifique das condições do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália, quando o A. e Recorrido não concretizou as suas alegações procedimentais dizendo em que medida foi sujeito a uma situação de falha ou tratamento desumano durante a sua permanência em solo italiano.

Dos factos provados, não impugnados neste recurso, decorre que o A. e Recorrido formulou em 03/06/2019, junto dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um pedido de protecção internacional.

Iniciada a instrução desse procedimento, verificou-se, que o A. e Recorrido entrou no espaço Schengen pela fronteira externa da Itália, onde pediu asilo.

Solicitada a retoma a cargo a Itália, este Estado-Membro nada respondeu no prazo legal, de 2 semanas, prazo aplicável por se ter recorrido a dados obtidos através do sistema Eurodac – cf. art.º 25.º, n.º 1, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06.

Em 01/07/2019 foi realizada uma entrevista com o A. e Recorrido, em língua que entendia, na qual se explicou que o pedido de protecção internacional seria analisado pelo país de entrada no espaço Schengen, tendo o A. e Recorrido argumentado, a final da entrevista, que não queria ser transferido para a Alemanha, nem para Itália, relativamente a Itália “porque no campo onde estávamos havia luta todos os dias, não havia assistência médica” e relativamente à Alemanha “porque rejeitaram o meu pedido de asilo e da minha família, tentaram-nos levar à força do apartamento”.

Em suma, atendendo à factualidade trazida a litígio resulta que a decisão impugnada, da DN do SEF, ora impugnada, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrido, foi tomada no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, que vem regulado nos art.ºs 3.º, 5.º, 22.º, n.ºs 1 e 7 do Reg. n.º 604/2013, de 26-06 e 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Nos termos dos citados preceitos, se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional couber a outro Estado-Membro, o SEF deve suspender o procedimento comum destinado à concessão da protecção internacional que tenha sido requerida em Portugal e deve dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável – cf. arts.º 3.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 1, 2 do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, 36.º, 37.º e 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Para o efeito, o SEF deve solicitar a esse Estado a retoma a cargo do requerente de protecção, abstendo-se de mais diligências no procedimento comum para a apreciação do pedido de protecção internacional – cf. art.º 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Caso as autoridades do Estado-Membro requerido aceitem a retoma a cargo, ou nada respondam no prazo legal – de 1 mês ou de 2 semanas, caso se baseie em dados obtidos através de um sistema Eurodac - o Director do SEF deve considerar inadmissível o pedido de protecção internacional formulado, nos termos dos art.ºs 19.º, n.º 1, al. a) e 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, determinando a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela respectiva análise – cf. art.ºs 25.º n.º1, 2, 26.º n.º 1, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, 37.º, n.º 2 e 38.º, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Por força do art.º 5.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional é também exigida a ocorrência de uma entrevista pessoal com o requerente de protecção, que deve ser acompanhada da elaboração de um resumo escrito, que indique as principais informações que foram facultadas durante a entrevista. Este documento escrito pode ter o formato de um relatório ou formulário-tipo. A citada entrevista e o correspondente relatório devem ocorrer antes da tomada de decisão relativa à transferência. Nos termos do art.º 5.º, n.º 6, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, deve ainda ser assegurado ao requerente e/ou ao seu advogado ou outro conselheiro que o represente, o acesso ao indicado resumo em tempo útil.

No art.º 3.º, n.º 1, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, estipula-se que os pedidos de protecção devem ser analisados por um único Estado-Membro, o determinado de acordo com os critérios enunciados no Capítulo II do Reg. Mas, no n.º 2 do mesmo preceito, acrescenta-se que “caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.°da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue à análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável".

Por seu turno, no art.º 17.º daquele mesmo Regulamento, sob a epígrafe “Cláusulas Discricionárias”, permite-se a derrogação do estabelecido no art.º 3.º, n.º 1, permitindo a “cada Estado-Membro (…) decidir analisar um pedido de protecção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos” no Reg
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Portanto, despoletado o procedimento comum para a apreciação do pedido de protecção internacional, se se verificar pelas informações inicialmente recolhidas que existe um outro Estado que é o responsável pela análise de tal pedido, conforme se determina no Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, deve ficar, de imediato, suspenso tal procedimento comum e deve iniciar-se o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional.

Nesse último âmbito, o SEF solicita às respectivas autoridades do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional a retoma a cargo do requerente de protecção – cf. art.º 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Tais autoridades podem responder aceitando a responsabilidade pela análise do pedido ou podem nada dizer no prazo legal, após o qual se considera aceite o indicado pedido – cf. art.ºs 37.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06 e 26.º n.º 1, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06.
Entretanto, por aplicação do art.º 5.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, deve ocorrer uma entrevista pessoal com o requerente da protecção, que é acompanhada de um resumo escrito, que lhe será entregue. Essa entrevista serve para ouvir o requerente, para colher as suas informações, mas também para o informar acerca do seu pedido e respectivo enquadramento legal. Tal entrevista servirá, ainda, para recolher do requerente a sua pronúncia acerca da própria decisão a tomar-se no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional.
De seguida, não se configurando ocorrer uma situação em que existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes no Estado-Membro inicialmente responsável pela apreciação do pedido, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, cabe ao Director do SEF determinar a transferência do requerente de protecção para o indicado Estado, abstendo-se de mais diligências no procedimento comum, que termina com uma decisão de inadmissibilidade, fundada naquela mesma razão, nos termos dos art.ºs 19.º-A, n.º 1, al a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Em suma, no caso em apreço não houve uma decisão do SEF a pronunciar-se sobre o mérito da pretensão do A. e Recorrido, pois não se apreciou acerca dos requisitos para o deferimento do pedido de protecção internacional, mas apenas se considerou tal pedido inadmissível, por Portugal não ser o Estado-Membro competente para a apreciação do pedido de protecção.

Nesta mesma medida, a tramitação que se exigia cumprir no caso dos autos não era a prevista nos art.ºs 10.º a 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, mas a tramitação especial e abreviada que vem regulada nos art.ºs 36.º a 37.º, n.º 1 a 6, dessa mesma Lei, com a obrigação da verificação da entrevista pessoal que vem indicada no art.º 5.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06.

Consequentemente, no caso em apreço não existia a obrigação da elaboração do relatório que vem indicado no art.º 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, pois tal relatório só se exige no procedimento comum para a aferição da protecção internacional. Ou seja, o relatório que vem indicado no art.º 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, só era exigível se o procedimento comum para a aferição da protecção internacional prosseguisse como incumbência do SEF, ao invés de ser considerado imediatamente inadmissível, por aplicação dos art.ºs 19.º-A, n.º 1, al a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Como indica o n.º 2 do art.º 19.º-A, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, nos casos de inadmissibilidade imediata do pedido de protecção “prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, pelo que as diligências e relatório indicados nos art.ºs 16.º e 17.º dessa lei, relativos à análise das condições a preencher para o deferimento de tal pedido, não têm aqui lugar, pois deixam de fazer sentido.

Assim, o único relatório que cumpre elaborar no procedimento especial de determinação do Estado responsável é o indicado no art.º 5º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, relativo ao resumo da entrevista realizada, o que foi feito no caso sub judice.

A decisão recorrida, sem se pronunciar no sentido de ser obrigatória a elaboração do relatório referido no art.º 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, entendeu, contudo, que estava violado o direito de participação dos interessados, tal como vem previsto nos art.ºs 265.º, n.º 5, da CRP, 12.º, 121.º e 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Como já aludimos, não acompanhamos a decisão recorrida neste segmento do julgamento.

No caso em apreço, a participação procedimental do A. e Recorrido ficou garantida através da entrevista que foi realizada e não é exigível que se adopte uma tramitação diferente e mais exigente que a que decorre daquela entrevista, por a este procedimento especial não se aplicarem as formalidades indicadas nos art.ºs 121.º e 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Por nós, a comunicação oral ao requerente de asilo, no âmbito da entrevista, da verificação pelo SEF da apresentação do pedido de protecção noutro país da EU - designadamente em Itália - e que nos termos do Reg. N.º 604/2013 - que estabelece os mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional - será transferido para esse país e para dizer o que mais quiser sobre o assunto, cumpre a exigência de participação procedimental, enquanto princípio geral e que vem consagrado nos art.ºs 265.º, n.º 5, da CRP e 12.º do CPA.

Ou seja, estando-se no âmbito de um procedimento especial, que se quer oral, para melhor permitir a compreensão dos seus termos pelos requerentes de protecção e que se exige rápido, a participação procedimental do interessado é feita oralmente, na decorrência da própria entrevista, que fica registada no relatório que é entregue a final.

Verificando-se que nessa entrevista é indicado ao requerente de protecção que o seu pedido irá ser analisado pelo Estado-Membro por cujas fronteiras entrou no Espaço Schengen e para se pronunciar, querendo, sobre este assunto, ficam cumpridas as exigências procedimentais que estão legalmente previstas no âmbito do procedimento especial para a determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional – cf. neste sentido o art.º 5.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06.

No caso dos autos, como já se indicou, o direito à audiência prévia e à defesa do A. e do Recorrido foi, pois, exercido no âmbito da entrevista que lhe foi realizada, pois aí foi comunicado o teor da decisão a proferir e deu-se ao A. e Recorrido a oportunidade de se pronunciar sobre essa intenção, tal como ficou vertido na acta/relatório da entrevista.

Por nós, esta diligência procedimental, nestes casos, é suficiente para o cumprimento do direito de audiência do requerente e para o exercício da sua defesa, que não se consideram, por isso, violados.

Neste sentido, o Ac. do STA n.º 01403/18.0BELSB, de 11-07-2019, para uma situação totalmente similar à dos presentes autos, considerou que no procedimento especial para a determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional os direitos de audiência e de defesa podem exercer-se no momento da entrevista (parecendo seguir a mesma óptica, vide, também o Ac. do STA n.º 0807/18.2BELSB, de 11-01-2019, que não admitiu uma revista sobre este assunto).

Este já tinha sido, igualmente, o sentido do Ac. do STA n.º 0970/18.2BELSB, de 30-05-2019 (que tem uma declaração de voto), onde se julgou o seguinte: “Da análise do quadro normativo e diplomas convocados ressalta que no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional não resulta uma expressa ou uma concreta previsão de um direito de defesa/audiência conferido ao requerente, ao invés do que decorre do regime procedimental comum previsto, nomeadamente, nos arts. 16.º, 17.º e 17.º-A da Lei n.º 27/2008 ainda em sede da fase de controlo liminar do pedido de proteção internacional e previamente à emissão da decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis [cfr. arts. 19.º a 20.º do mesmo diploma] e, depois, no art. 29.º, n.º 2 da referida lei após decurso da fase de instrução do procedimento e antes de emissão da decisão final de concessão ou de recusa de proteção internacional [arts. 21.º, 27.º a 29.º], nas situações em que havia sido proferida decisão liminar de admissibilidade do pedido de proteção internacional, e, bem assim, no art. 24.º, n.º 2, da mesma lei para o regime especial referente aos pedidos apresentados nos postos de fronteira.

(…) A questão da preterição do direito de audiência no quadro dos procedimentos relativos aos pedidos de proteção internacional não é nova neste Supremo Tribunal, tendo o mesmo afirmado a necessidade de observância daquele direito e para tal fazendo apelo à aplicação, mormente, do disposto no citado art. 17.º da Lei n.º 27/2008 [cfr. os Acs. de 18.05.2017 - Proc. n.º 0306/17, de 04.10.2017 - Proc. n.º 01727/17.BELSB e de 20.12.2018 - Proc. n.º 0275/18.9BELSB (quanto à aplicabilidade do referido preceito também no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional); vide, ainda, o Ac. de 28.03.2019 - Proc. n.º 01143/18.0BELSB (quanto à aplicabilidade do mesmo normativo no quadro do procedimento comum relativo aos pedidos de proteção internacional);, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].
29. Consideramos ser de manter o entendimento de que no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional se deve observar o direito de audiência.
30. Motivando e explicitando nosso juízo temos que o princípio da audiência prescrito, no plano interno, nos arts. 121.º e segs., do CPA, enquanto princípio estruturante de cada procedimento administrativo, assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 12.º do mesmo código, e surge na sequência e em cumprimento da diretriz constitucional inserta no art. 267.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, constituindo uma manifestação do princípio do contraditório/defesa através da possibilidade não só do confronto dos critérios da Administração com os dos administrados de modo a poderem ser obtidas plataformas de entendimento, mas, também, da possibilidade de estes apontarem razões e fundamentos, quer de facto quer de direito, que invalidem o caminho que a Administração intenta percorrer e levem a que outro seja o sentido da decisão, na certeza de que o seu afastamento, ou a sua dispensa, exigem que a concreta situação tenha ou encontre enquadramento na previsão do art. 124.º do CPA.
31. Por sua vez, temos, também, que, no plano do direito da União, o princípio do respeito dos direitos de defesa constitui um seu princípio geral e fundamental [hoje consagrado nos arts. 48.º e 49.º da CDFUE e, também, no art. 41.º da mesma Carta] e que é aplicável sempre que a Administração se proponha adotar, relativamente a uma pessoa, um ato lesivo dos seus interesses, sendo que, por força do mesmo princípio, os destinatários de decisões que afetam de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão, na certeza de que esta obrigação incumbe às Administrações dos Estados-Membros, sempre que estas tomem decisões que entram no âmbito de aplicação do direito da União, e mesmo que a legislação da União aplicável não preveja expressamente essa formalidade [cfr. entre outros, os Acs. do TJUE de 28.03.2000, «Krombach» (C-7/98, § 42), de 18.12.2008, «Sopropé» (C-349/07, §§ 33, 36 e 49), de 22.11.2012, «M.» (C-277/11, §§ 49, 81 a 83, 86/87), de 18.07.2013, «Comissão e o./Kadi» (C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P, §§ 98 e 99), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, §§ 32 e 35), de 03.07.2014, «Kamino International Logistics» (C-129/13, §§ 28 e 29), de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, §§ 43 a 47, 49/50), de 11.12.2014, «Boudjlida» (C-249/13, §§ 30 a 37, 39/40), de 17.12.2015, «WebMindLicenses» (C-419/14, § 84 e jurisprudência referida), e de 09.11.2017, «Ispas» (C-298/16, § 26), todos consultáveis in: «https://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/pt/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário].
32. Atente-se que o sentido e o entendimento sustentados quanto à necessidade de observância do direito de audiência e de defesa, encontram fundamentação, também, no que se mostra expresso nos considerandos 17.º a 19.º do Reg. (UE) n.º 604/2013, quando ali se refere, nomeadamente, que «[o]s Estados-Membros deverão ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes tenha sido apresentado, ou a outro Estado-Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento» e que «[d]everá ser realizada uma entrevista pessoal com o requerente a fim de facilitar a determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional. Logo que o pedido de proteção internacional seja apresentado, o requerente deverá ser informado da aplicação do presente regulamento e, para facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, da possibilidade de, durante a entrevista, facultar informações acerca da presença de membros da família, de familiares ou de outros parentes nos Estados-Membros», bem como de que a fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa «deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado-Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o requerente é transferido».
33. E o mesmo sentido perpassa expresso no considerando 25.º da Diretiva n.º 2013/32/UE [disciplinadora dos procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional] onde se pode ler que «[p]ara que seja possível identificar corretamente as pessoas que necessitam de proteção enquanto refugiados na aceção do artigo 1.º da Convenção de Genebra ou enquanto pessoas elegíveis para proteção subsidiária, os requerentes deverão ter acesso efetivo aos procedimentos, a possibilidade de cooperarem e comunicarem devidamente com as autoridades competentes de forma a exporem os factos relevantes da sua situação e garantias processuais suficientes para defenderem o seu pedido em todas as fases do procedimento», a que «[a]cresce que o procedimento de apreciação de um pedido de proteção internacional deverá normalmente proporcionar ao requerente, pelo menos, o direito de permanecer no território na pendência da decisão do órgão de decisão, o acesso aos serviços de um intérprete para apresentação do caso se for convocado para uma entrevista pelas autoridades, a oportunidade de contactar um representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e organizações que prestem aconselhamento aos requerentes de proteção internacional, o direito a uma notificação adequada da decisão, a fundamentação dessa decisão em matéria de facto e de direito, a oportunidade de recorrer aos serviços de um advogado ou outro consultor e o direito de ser informado da sua situação jurídica nos momentos decisivos do procedimento, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, bem como, no caso de uma decisão de indeferimento, o direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional».
34. Ora presente os quadros principiológico e normativo acabados de explicitar entendemos que o direito de audição/defesa do aqui A. no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, ainda que não expressamente previsto no regime procedimental definido no art. 37.º da Lei n.º 27/2008, deve ter-se, todavia, como imposto e de ser exigida a sua observância no seu seio, sob pena de infração dos comandos/princípios e normativos convocados.
35. Atente-se que quando as condições em que deve ser assegurado o respeito dos direitos de defesa dos nacionais de países terceiros em situação irregular não se mostram fixadas de modo expresso pelo direito da União essas condições e suas consequências terão, tal como constitui jurisprudência do TJUE, de ser regidas pelo direito nacional, desde que as medidas adotadas neste sentido sejam equivalentes àquelas de que beneficiam os particulares em situações de direito nacional comparáveis [princípio da equivalência] e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos de defesa conferidos pela ordem jurídica da União [princípio da efetividade] [cfr., entre outros, os Acs. de 18.12.2008, «Sopropé» (C-349/07, § 38), de 18.03.2010, «Alassini» (C-317/08 e C-320/08, § 49), de 19.05.2011, «Iaia e o..» (C-452/09, § 16), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, § 35), de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, § 51), e de 11.12.2014, «Boudjlida» (C-249/13, § 41)].
36. Neste quadro e enquadramento temos que o respeito pelo direito a ser ouvido ou de audição cumprir-se-á se fizermos uma leitura articulada do art. 16.º da Lei n.º 27/2008, respeitante à tomada de declarações/entrevista, com o art. 05.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, também ele relativo à entrevista pessoal do requerente do pedido de proteção internacional e onde se prevê a possibilidade de o «resumo» da entrevista assumir a forma de «relatório» ou de um «formulário-tipo» e em que cada Estado-Membro terá de assegurar que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenham «acesso ao resumo em tempo útil».
37. E dessa leitura articulada e conjugada ressalta a imposição, também, no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, e em que a referida entrevista constitui ato procedimental ou pelo menos peça documental, que ao requerente, na entrevista/relatório ou após a mesma e chegada da resposta do Estado requerido, o mesmo tenha sido ouvido, ou lhe tenha sido dada a possibilidade de produzir defesa, de emitir ou tomar posição, quanto à decisão a tomar em decorrência da aceitação ou de uma eventual aceitação da responsabilidade pelo Estado requerido da tomada ou retoma a cargo, explicitando, nessa sede da entrevista ou até mesmo em momento posterior à mesma, a sua motivação sobre o Estado-Membro que entende dever apreciar o pedido pelo mesmo formulado, mediante a alegação ou explicitação daquilo que constitui a sua situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o requerente é transferido, conferindo-se-lhe, assim, a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, tudo tendo presente o regime que resulta definido, mormente, nos arts. 03.º, 05.º, 07.º, 17.º, e 24.º, todos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, 02.º, n.º 5, e 121.º, ambos do CPA, e 267.º, n.º 5, da CRP.
38. No contexto de desenvolvimento e articulação dos procedimentos e questões nos mesmos debatidas temos que, de harmonia com o atrás referido e quadro normativo convocado, deve ser dada ao destinatário da decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de, antes de a mesma ser tomada, apresentar as suas observações ou invocar determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam num determinado sentido da decisão a ser proferida, ou a não o ser ou a ter determinado conteúdo, de modo a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos pertinentes no momento em que e com que sentido vai decidir.
39. Com efeito, resulta do art. 05.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013 em conjugação com o art. 16.º da Lei n.º 27/2008 que a entrevista pessoal/tomada de declarações «deve realizar-se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável» e que o Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal/tomada declarações «deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista», sendo que esse resumo «pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo», impondo-se ao mesmo Estado-Membro o dever de assegurar que, quanto a esse resumo, «o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso … em tempo útil», diligências/procedimentos e exigências que se ancoram na necessidade de observância do dever de audiência e de defesa com o alcance definido e que estão presentes, inclusive, nas situações que no art. 05.º do mesmo Regulamento justificam a dispensa da entrevista, pois, mesmo nessas situações se impõe, ou se exige, que o Estado-Membro dê «ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado-Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.º, n.º 1».
40. Cumpre referir que, ainda que segundo a jurisprudência assente do TJUE [cfr., entre outros, os Acs. de 18.03.2010, «Alassini» (C-317/08 e C-320/08, § 63), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, § 33), de 26.09.2013, «Texdata Software» (C-418/11, § 84), de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, §§ 53/54), e de 11.12.2014, «Boudjlida» (C-249/13, § 43)] «os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de estas responderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituírem, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos» e de que «a existência de uma violação dos direitos de defesa deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto» [cfr., nomeadamente, os Acs. de 25.10.2011, «Solvay/Comissão» (C-110/10 P, § 63), e de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, §§ 53/54)], nomeadamente, «da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das normas jurídicas que regem a matéria em causa» [vide, entre outros, os Acs. do TJUE de 18.07.2013, «Comissão e o./Kadi» (C-584/10 P, C-593/10 P e C-595/10 P, § 102), de 10.09.2013, «G. e R.» (C-383/13 PPU, § 33), e de 05.11.2014, «Mukarubega» (C-166/13, § 54)], temos que, na concreta situação sub specie, presente a jurisprudência do TJUE relativa ao respeito dos direitos de audição/defesa e o quadro normativo do direito da União, mormente, o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, e, bem assim, o próprio quadro normativo no plano interno, não se descortina que dos mesmos se extraia, em função de outros princípios e interesses gerais que importasse considerar, a existência de um concreto propósito ou intenção de afastamento ou de restrição neste tipo de procedimento daqueles direitos.
41. Reiterado, pois e à luz da motivação ora exposta, o entendimento deste Supremo quanto à imposição de observância do direito de audiência no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional com o âmbito e alcance que ora se mostra explicitado [cfr. arts. 03.º, 05.º, 07.º, 17.º, e 24.º, todos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, 02.º, n.º 5, e 121.º, ambos do CPA, e 267.º, n.º 5, da CRP] e revertendo ao caso sub specie temos que, analisada a matéria de facto apurada [cfr. n.ºs I) a IV)] e tendo presente aquilo que constitui o teor do procedimento administrativo desenvolvido, mormente o teor da entrevista/auto de declarações realizado ao A. e que se mostra documentado no «PA» incorporado nos autos [vide fls. 39/97 dos presentes autos, especialmente, fls. 62/66], ao A. não foi facultada ou conferida, nem em sede de entrevista/declarações [«auto de declarações»] nem posteriormente às mesmas, qualquer possibilidade de contraditório/defesa ou de pronúncia quanto à decisão ou eventual decisão a tomar no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional pelo mesmo formulado, permitindo-lhe alegar ou explicitar aquilo que constitui a sua situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o mesmo será eventualmente transferido, e a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial o apelo ao regime derrogatório respeitante às «cláusulas discricionárias» [cfr. art. 17.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013], mormente, por razões humanitárias e compassivas, razão pela qual se mostra infringido tal direito/princípio consagrado no quadro normativo supra convocado, padecendo o ato impugnado da ilegalidade de preterição do direito de audiência que resulta invocada nos autos.” (pelo Ac. do STA n.º 02095/18.1BELSB, de 07-06-2019, foi admitida uma revista sobre esta questão, revista que ainda não está decidida).

No mesmo sentido, relativamente ao procedimento acelerado já se havia pronunciado o Ac. do STA n.º 01434/18.0BELSB, de 23-05-2019.

Em suma, consideramos que, no caso, ficaram assegurados os direitos de audiência e de defesa do A. e do Recorrido por via da entrevista que lhe foi feita e por se terem efectivado tais direitos no âmbito desta entrevista.

Por conseguinte, não se acompanha a decisão recorrida quando entendeu violado o direito de participação procedimental do A. e Recorrido e remeteu para as formalidades indicadas nos art.ºs 121 e 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPA.

No caso dos autos, face a matéria factual provada, a participação procedimental do A. e Recorrido ficou feita por via da entrevista que foi realizada.

A decisão recorrida condenou o SEF a instruir o procedimento administrativo com informação fidedigna e actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália.

Nas declarações prestadas no SEF, o A. e Recorrido invocou a falta de condições no acolhimento em Itália, onde foi colocado num campo em que “havia luta todos os dias”. Mais declarou que não havia assistência médica.

O SEF alega neste recurso que tais invocações são insuficientes para se concluir que existem falhas ou o risco de o A. e Recorrido ser sujeito a tratamento desumano se for transferido para Itália e que não incumbe ao SEF essa apreciação a título oficioso.

Como já se referiu, a conduta do SEF, ora impugnada, enquadra-se no regime instituído pelos art.ºs 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06 e 22.º, n.ºs 1 e 7 do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, que determinam que se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertencer a outro Estado-Membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, que, por seu turno, faz suspender o procedimento destinado à concessão da requerida protecção internacional até que seja proferida uma decisão final naquele procedimento especial – cf. art.º 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Caso as autoridades do Estado-Membro requerido aceitem a retoma a cargo, por força dos art.ºs 26.º n.º 1, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, o Director do SEF deverá considerar inadmissível o pedido de protecção internacional formulado, nos termos do art.º 19.º, n.º 1, al. a), 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, determinando a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela respectiva análise – cf. art.º 38.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Tal como decorre do texto da Proposta de Regulamento, o regime reformulado pelo Reg. n.º 604/2013, de 26-06, visava “melhorar a eficácia do sistema e, por outro, garantir que as necessidades dos requerentes de protecção internacional sejam globalmente contempladas no procedimento de determinação de responsabilidade”.

Nessa mesma medida, aquando da indicada Proposta discutiu-se a revisão das cláusulas de "soberania" e "humanitária", propondo-se a sua aglutinação num mesmo Capítulo, apelidado de "cláusulas discricionárias", com uma interpretação mais restritiva do que aquela que veio a ser realmente consagrada no Reg. n.º 604/2013, de 26-06, designadamente nos seus art.ºs 3.º, n.º 2, 16.º e 17.º (cf. o indica do texto, em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex:52008PC0820R(01; cf. também o art.º 15.º, do Reg. N.º 343/2003, de 18-02-2003. Cf., ainda, sobre o assunto, COSTELO, Cathryn - Dublin-case NS/ME: Finally, an end to blind trust across the EU? A&MR, Jurisprudentie-artikel. [Em linha]2 (2012) 83–92. [Consult. 9 jul. 2019]. Disponível em WWW:URL:http://www.ejtn.eu/Documents/About EJTN/Independent Seminars/Asylum Law Seminar 12-13 December 2013/CostelloNSMENote2012.pdf. BROUWER, Evelien - Mutual trust and the Dublin regulation: Protection of fundamental rights in the EU and the burden of proof. Utrecht Law Review. [Em linha] 9:1, V.9 (2013) 135–147. [Consult. 9 jul. 2019]. Disponível em WWW:<URL:file:///C:/Use eMENDES, Sara Ribeiro - A Cláusula de Soberania do Regulamento Dublin III à Luz do Princípio da Confiança Mútua entre os Estados-Membros da União Europeia [Em linha]. [S.l.]: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2016 [Consult. 9 jul. 2019]. Disponível em WWW:URL:http://hdl.handle.net/10362/20441).

Portanto, face à actual redacção dos art.ºs. 3.º, n.º 2 e 17.º, n.º 1, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, se se verificar que existem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, num dado Estado-Membro, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), tornando impossível a transferência do requerente de protecção, ainda que tal Estado-Membro seja o responsável pela análise do procedimento de asilo face às regras de competência do indicado Regulamento, aquele mesmo pedido deve manter-se a ser analisado pelo Estado-Membro onde foi posteriormente apresentado, que prossegue na análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III do Regulamento e, eventualmente, com a própria instrução e apreciação do pedido de protecção (cf. também os art.ºs 31.º e 32.º do Reg. n.º 604/2013, de 26-06).

O afastamento da discricionariedade dos Estados nas situações em que existe o sério risco de ocorrerem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional tem sido densificado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Tal ocorreu no Ac. do TEDH no Ac. K.R.S. c. Reino Unido, n.º 32733/08, de 02-12-2008 (consultável em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-90500%22]}), M.S.S. c. Bélgica e a Grécia, n.º 30696/09, de 21-01-2011 (consultável em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-103050%22]}), Sharifi e Others c. Itália e Grécia, n.º 16643/09, de 21-10-2014 (consultável em https://hudoc.echr.coe.int/eng-press#{%22itemid%22:[%22003-4910702-6007035%22]}), ou no Ac. do do TJUE N. S.c. Secretary of State for the Home Department e M. E. e o. C.Refugee Applications Commissioner, n.ºs C411/10 e C493/10, de 21-12-2011 (consultável em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN-PT/TXT/?uri=CELEX:62010CJ0411&from=PT), em que se discutia a transferência de requerentes de protecção internacional para a Grécia.

Exigindo a análise das condições de acolhimento atendendo à situação específica do requerente de protecção, também se pronunciou o TEDH no Ac. Tarakhel c. Switzerland, de 04-11-2014 (consultável https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-148070%22]}).

No recente Ac. do TJUE C-163/17 Jawo, de 19-03-2019 (consultável em http://curia.europa.eu/juris/celex.jsf?celex=62017CJ0163&lang1=pt&type=TXT&ancre=), este tribunal decidiu que “O artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal transferência do requerente de proteção internacional, a menos que o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso da decisão de transferência conclua, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, que esse risco é real para o requerente, pelo facto de que, em caso de transferência, este se encontraria, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema.”

Igualmente, o TJUE no Ac. C. K., H. F.,A. S. c. Eslovénia, P. C-578/17 PPU, de 16-02-2017, decidiu o seguinte:” 1) O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, deve ser interpretado no sentido de que a questão da aplicação, por um Estado-Membro, da «cláusula discricionária» prevista nessa disposição não é regulada unicamente pelo direito nacional e pela interpretação que dela faz o Tribunal Constitucional desse Estado-Membro, mas constitui uma questão de interpretação do direito da União, na aceção do artigo 267.o TFUE.
2) O artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que:
– mesmo não havendo razões sérias para crer na existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento n.o 604/2013 só pode ser feita em condições que excluam que essa transferência implique um risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes, na aceção desse artigo;
– em circunstâncias nas quais a transferência de um requerente de asilo, que apresenta uma doença mental ou física especialmente grave, implica um risco real e comprovado de uma deterioração significativa e irremediável do estado de saúde do interessado, essa transferência constitui um trato desumano e degradante, na aceção do referido artigo;
–incumbe às autoridades do Estado-Membro que deve proceder à transferência e, se for caso disso, aos seus órgãos jurisdicionais dissipar quaisquer dúvidas sérias quanto ao impacto da transferência no estado de saúde do interessado, tomando as precauções necessárias para que a sua transferência se realize em condições que permitam salvaguardar de maneira adequada e suficiente o estado de saúde dessa pessoa. No caso de, tendo em conta a especial gravidade da doença do requerente de asilo em causa, a tomada dessas precauções não ser suficiente para assegurar que a sua transferência não implicará um risco real de um agravamento significativo e irremediável do seu estado de saúde, incumbe às autoridades do Estado-Membro em causa suspender a execução da transferência do interessado, e isso enquanto o seu estado de saúde não o tornar apto a essa transferência; e,
– se for caso disso, se se aperceber de que o estado de saúde do requerente de asilo em causa não poderá melhorar a curto prazo, ou de que a suspensão do processo durante um longo período comporta o risco de agravar o estado do interessado, o Estado-Membro requerente pode optar por analisar ele próprio o pedido do interessado, utilizando a «cláusula discricionária» prevista no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 604/2013.
O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 604/2013, lido à luz do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não pode ser interpretado no sentido de obrigar, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, esse Estado-Membro a aplicar a referida cláusula” (in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=187916&doclang=PT).
É comumente assinalado que quer a cláusula de soberania que decorre do art.º 3.º, n.º 1, quer as cláusulas discricionárias do art.º 17.º do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, encerram hoje, face à jurisprudência que foi sendo desenvolvida pelo TEDH e pelo TJUE, uma margem de discricionariedade reduzida.
Entende-se, assim, no que se refere ao art.º 3.º, n.º 1, do citado Regulamento, que a discricionariedade ali contemplada acaba por ser afastada pela obrigação constante do n.º 2 daquele preceito legal, que determina um verdadeiro dever legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capítulo III do Regulamento (cf. neste sentido, COSTELO, Cathryn - Dublin-case, op. cit., pp. 87-88; BROUWER, Evelien - Mutual trust and the Dublin regulation: Protection of fundamental rights in the EU and the burden of proof. Utrecht Law Review. [Em linha] 9:1, V.9 (2013) 135–147. [Consult. 9 jul. 2019]. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/256046172_Mutual_Trust_and_the_Dublin_Regulation_Protection_of_Fundamental_Rights_in_the_EU_and_the_Burden_of_Proof/link/5ac7bb74a6fdcc8bfc7fdb93/download, pp. 144-146. OLIVEIRA, Andreia Sofia Pinto de - Direito de Asilo. Em Tratado de Direito Administrativo Especial. Coord. OTERO, Paulo; GONÇALVES, Pedro. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, pp. 104-109).
Neste sentido também militam os considerandos 17 e 19 do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, quando indicam o seguinte: “(17) Os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes tenha sido apresentado, ou a outro Estado-Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento.
(…)(19) A fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa, deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado-Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado-Membro para o qual o requerente é transferido.”
Por conseguinte, uma vez apresentado um pedido de protecção, o respectivo Estado-Membro terá primeiramente que aferir, nos termos determinados no art.º 3.º, n.º 1 e no Capítulo III do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, qual é o Estado responsável pela apreciação de tal pedido. Sendo identificado como responsável pela apreciação do pedido um outro Estado-Membro, há, então, que avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência, por existirem motivos válidos para crer que, naquele Estado, há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento, que impliquem o risco de tratamento desumano e degradante. Tal obrigação é, depois, passível de apreciação pelos Tribunais Nacionais, em sede de recurso, que se mantém obrigados a determinar o afastamento das regras previstas no Reg. n.º 604/2013, de 26-06, caso se confirme a invocada situação de violação dos direitos fundamentais do requerente de protecção internacional, caso este seja transferido para o Estado-Membro inicialmente responsável pela apreciação do pedido.
No caso dos autos, não foram invocadas pelo A. e Recorrido razões suficientemente sérias e objectivas para se concluir pela impossibilidade de transferência para Itália, por aí poder ser submetido a um tratamento desumano e degradante.
Porém, é também certo que tem sido noticiadas relativamente a Itália a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, falhas essas que o A. invocou, ainda que sem suficiente densidade, nas declarações que prestou no SEF. Tais falhas são reafirmadas na PI da presente acção.
Conforme decorre do procedimento administrativo que foi levado a cabo pelo SEF, estes serviços não procederam a nenhuma indagação acerca daquelas condições.
Da factualidade apurada nos autos decorre que existem falhas no procedimento de asilo em Itália e deficiências nas condições de acolhimento.
Na decisão recorrida, quanto a este aspecto, diz-se o seguinte: “Conforme resulta da factualidade assente em F) e G), a Entidade Demandada considerou o Estado Italiano responsável pela análise do pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, estritamente com base na ocorrência registada na base de dados do Sistema Eurodac sob a referência IT1B...G6C e na ausência de resposta das autoridades italianas ao pedido de retoma a cargo, no prazo a que alude o artigo 25.º, n.º 1, in fine, do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, mostrando-se, porém, a decisão impugnada totalmente omissa relativamente a qualquer informação sobre a situação actual da República
Italiana, no que concerne ao funcionamento do procedimento de protecção internacional e condições de acolhimento dos requerentes e refugiados.
Conforme resulta da factualidade assente em H) a M), são várias as informações veiculadas pela comunicação social e por organizações internacionais de direitos humanos que relatam situações que evidenciam a existência de falhas sistémicas ao nível do funcionamento do procedimento de protecção internacional italiano, bem como ao nível das garantias processuais e condições de acolhimento dos requerentes, sendo algumas dessas informações relativas ao corrente ano de 2019.
Note-se que, ainda em 18.09.2019, o Conselho Português para os Refugiados emitiu informação no sentido de que o “sistema de asilo italiano tem vindo a ser amplamente analisado por várias organizações de direitos humanos, que reportam preocupantes opções legislativas e políticas das autoridades de Itália neste domínio, às quais se associa uma forte retórica racista e xenófoba” e que “a informação disponibilizada por organizações como o European Council for Refugees and Exiles (ECRE) e os Médicos sem Fronteiras (MSF), entre outras, revelam a existência de falhas sistémicas tanto no que respeita ao procedimento de asilo e garantias processuais, bem como na política de acolhimento dos requerentes de asilo”, entre as principais contando-se a “degradação preocupante das condições de acolhimento de requerentes de asilo e beneficiários de protecção internacional e a existência de obstáculos significativos ao acesso a condições de acolhimento dignas (onde se incluem o acesso a cuidados de saúde, alojamento e medidas de integração)”, a “limitação do escopo da protecção conferida”, os “problemas de acesso efectivo ao procedimento de asilo”, o “alargamento dos períodos legais de detenção de requerentes de protecção internacional e os “riscos de violação do princípio do non-refoulement” [cfr. o facto assente em P)].
Na verdade, não obstante a Entidade Demandada alegar, nos presentes autos, a inexistência de falhas sistémicas em Itália, certo é que do acto impugnado não constam quaisquer dados relativos à actual situação daquele Estado-Membro, no que concerne ao funcionamento do procedimento de asilo e às condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional.
Ora, artigo 58.º do CPA, aplicável ao procedimento de protecção internacional, por força do disposto no artigo 2.º, n.os 1 e 5, do mesmo Código, dispõe – sob a epígrafe “Princípio do inquisitório” – que “O responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados”.
Como temos vindo a decidir em situações semelhantes à dos presentes autos [cfr. sentenças proferidas em 17.09.2018, no Proc. n.º 1353/18.0BELSB, e em 31.01.2019, no Proc. n.º 2240/18.7BELSB], face ao acervo de informação que tem vindo a público, veiculada pela comunicação social, nacional e internacional, sobre a situação de grande afluência de refugiados em Itália e sobre as condições de acolhimento e permanência dos requerentes de protecção internacional naquele Estado-Membro, de que são exemplo as informações cujo teor se julgou assente nas alíneas H) a M) do probatório – que são factos que a generalidade das pessoas regularmente informadas têm conhecimento e, nessa medida, factos notórios –, incumbia à Entidade Demandada, previamente à decisão ora impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna actualizada sobre o actual funcionamento do procedimento de asilo italiano e sobre as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional naquele país, recorrendo a fontes credíveis como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, de molde a verificar se, no caso concreto, se verificam ou não motivos determinantes da impossibilidade da transferência, referidos no artigo 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
Neste sentido, o Tribunal Central Administrativo Sul – confirmando a sentença proferida, em primeira instância, no Proc. n.º 2240/18.7BELSB – expendeu, em Acórdão de 06.06.2019, que “o ónus de alegação e prova do requerente quanto às condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália deve ser atenuado e essa mesma realidade deve ser apurada pela Administração e, depois, pelo tribunal”, “junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR, e organizações de direitos humanos relevantes à data da decisão sobre o pedido, sempre que os factos alegados e provados exijam um juízo de prognose relativamente à situação a que o requerente ficará exposto após a transferência”, não podendo “o SEF proceder a uma aplicação cega do disposto no art 3º, nº 2 do Regulamento de Dublin”, mas “devendo antes paralisar o processo de transferência
para averiguar se esta pode significar a sujeição do requerente a tratamento cruel, degradante ou desumano num Estado-membro”.
De igual modo, no recente Acórdão de 22.08.2019 [Proc. n.º 1982/18.1BELSB], o Tribunal Central Administrativo Sul julgou que o “art.º 3.º, n.º 2, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, determina uma verdadeira obrigação legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento”, pelo que “uma vez apresentado um pedido de protecção, o respectivo Estado-Membro terá primeiramente que aferir, nos termos determinados no art.º 3.º, n.º 1 e no Capítulo III do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, qual é o Estado responsável pela apreciação de tal pedido” para depois “avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06”.
Efectivamente, como refere Patrícia Cabral – a propósito da extensão da protecção do artigo 3.º da CEDH a transferências no âmbito do Sistema de Dublin –, «a aplicação da Convenção de Dublin, tal como do atual Regulamento de Dublin III, não dispensa as autoridades de verificar se existem garantias suficientes de que a pessoa não será sujeita a um risco sério de sujeição a tratamentos contrários ao artigo 3.º no país de acolhimento, nomeadamente um risco de refoulement, direta ou indiretamente, para o seu país de origem»4.
De igual modo, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu, no Acórdão de 21.12.2011 [Proc.s apensos C-411/10 e C-493/10], que «incumbe aos Estados-Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o “Estado-Membro responsável”, na acepção do Regulamento n.º 343/2003, quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção desta disposição».
Impõe-se, assim, a obrigação de os Estados-membros ponderarem todas as informações conhecidas sobre o país considerado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, sempre que não possam desconhecer «os factos que determinam uma manifesta violação do artigo 4.º da CDFUE no país de destino5» de molde a aferir se existem, no caso, motivos que justifiquem a decisão de não transferência, nomeadamente, a existência de um risco real, directo ou indirecto, de o requerente ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE“.

Acompanha-se este julgamento na sua totalidade.

No caso dos autos incumbia ao SEF averiguar acerca do procedimento de asilo e das condições de acolhimento em Itália, aferindo sobre as invocadas falhas sistémicas nas condições de acolhimento, antes de determinar a transferência do A. e Recorrido para este país. Deveria o SEF ter instruído oficiosamente o presente procedimento, nele fazendo introduzir informação fidedigna e actualizada sobre aquele procedimento e aquelas condições, por forma a verificar se, no caso concreto, existiam motivos que determinassem a impossibilidade da transferência do A., conforme indicado no art.º 3.º, n.º 2, do Reg. (UE) 604/2013, de 26-06.

Para o efeito, deveria o SEF recorrer a fontes credíveis, obtida junto do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, do ACNUR e de organizações de direitos humanos relevantes.

Nada disso foi feito no procedimento em apreço, onde se decidiu sem averiguar acerca das indicadas condições no procedimento de asilo e no acolhimento.

De notar, que em notícias mais recentes mantém-se relatadas as dificuldades no procedimento de asilo e de acolhimento em Itália. Nessa notícias dá-se conta dos efeitos - de facto - provocados pelas mudanças legislativas após o “Decreto; Salvini” e da implementação de um sistema de acolhimento deficiente, que não garante abrigos ou apoio em termos de cuidados de saúde - cf. entre outros os “Italy: Report on Effects of the “Security Decrees” on Migrants and Refugees in Sicily”, de 10-01-2020, in https://www.ecre.org/italy-report-on-effects-of-the-security-decrees-on-migrants-and-refugees-in-sicily/; “Hundreds of refugees in Italy face losing shelter by end of 2019”, de 27-12-2019, in https://www.aljazeera.com/news/2019/12/hundreds-refugees-italy-face-losing-shelter-2019-191224074821410.html; WORLD MIGRATION REPORT 2020, in https://publications.iom.int/system/files/pdf/wmr_2020.pdf; FORMS AND LEVELS OF MATERIAL RECEPTION CONDITIONS, in https://www.asylumineurope.org/reports/country/italy/reception-conditions/access-and-forms-reception-conditions/forms-and-levels.

Em suma, há que negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida quando condenou o SEF a instruir o procedimento administrativo com informação fidedigna e actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália.

Por fim, refira-se, que apesar de na decisão recorrida se ter entendido ter existido uma violação do direito de participação procedimental do A. e Recorrido, não se retirou desse julgamento nenhum consequência, isto é, não se indicou aquela violação como implicando uma invalidade do acto impugnado.

Assim, quanto àquele julgamento (parcial) há apenas que não acompanhar a decisão recorrida na sua fundamentação.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto e manter a decisão recorrida, com outra fundamentação;
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020.
(Sofia David)

(Paula Ferreirinha Loureiro- em substituição)

(Pedro Nuno Figueiredo)