Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09878/16
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC. RETENÇÃO NA FONTE DE DIVIDENDOS PERCEBIDOS POR ENTIDADES NÃO RESIDENTES. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO.
Sumário:1) Existe uma situação comparável entre a retenção na fonte dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes em Portugal e a retenção na fonte dos dividendos distribuídos a sociedades residentes em Portugal.
2) Existe efectivo tratamento diferenciado não justificado, porquanto ao rendimento percebido pelas sociedades não residentes, descontada a redução da retenção na fonte imposta pela CDT, sempre é objecto de retenção na fonte, definitiva, à taxa líquida de 10% de IRC à qual o rendimento das sociedades residentes é alheio em virtude do disposto no artigo 14.º/1, do EBF.
3) Foi feita a prova, nos autos, da não neutralização da discriminação, ou seja, uma vez que as sociedades não residentes estão isentas de imposto no estado da residência, tal implica que o imposto retido não pode ser recuperado nesse Estado, o que significa que a taxa líquida de IRC de 10% a que são sujeitas as recorridas, a título definitivo, ao invés do que sucede com as sociedades residentes, na mesma categoria e posição das recorridas e percebendo a mesma espécie de rendimentos, não pode ser restituída ou reembolsada no Estado da residência daquelas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 965/983, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por S... A... e S..., contra a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2007, no valor global de €2.175.996,15.
Nas alegações de fls. 1001/1024, a recorrente formula as conclusões seguintes:
(…)

XI. O que fica dito permite refutar as seguintes premissas acolhidas na sentença em apreciação:

i) que as impugnantes se encontram numa situação objectiva comparável à dos Fundos de Pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa

ii) que a presente situação controvertida envolve um tratamento discriminatório das Recorridas face às sociedades residentes em Portugal.
XII. No que tange à primeira premissa , o M. Juíz do Tribunal Tributário de Lisboa em nenhum ponto da sua decisão se refere à origem da globalidade dos rendimentos das Recorridas e ao regime de tributação a que se encontram sujeitas no Estado de residência, não tendo igualmente em consideração o mecanismo da eliminação da dupla tributação consagrado na CDT ( v., em especial o seu art. 24.º, n.ºs 2 e 4).
XIII. Ora, neste contexto, convém ter em conta que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado, de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objectivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes (v. Acórdão de 14/02/1995, Schumacker, processo C-279/93, Acórdão de 11/08/1995, Wielokx, processo C-80/94, Acórdão de 14/09/199, Gschwind, processo C-391/97)(1).
XIV. As impugnantes só se encontrariam em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o Estado holandês consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de tributação, incluindo taxa aplicável, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.
XV. E nem se diga que um Fundo de Pensões residente em Portugal está isento de IRC nos dividendos que lhe são distribuídos, ao passo que um fundo residente na União Europeia está sujeita a uma tributação liberatória à taxa de 20%, pelo que, não restam dúvidas que as situações são comparáveis, ou seja, excluindo o factor residência, um Fundo de Pensões residente em Portugal encontra-se na mesma situação que um Fundo de Pensões não residente, pois ao contrário do afirmado supra, não resulta de monstra da a comparabilidade das situações e m a preço.

XVI. Quanto à incorrecção da segunda premissa, a mesma advém da circunstância de, não se encontrando as Recorridas numa situação comparável às das sociedades residentes, a não aplicabilidade da isenção prevista no art.º 14.º do EBF não implicar um tratamento discriminatório em desfavor daquelas.

XVII. Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, as Recorridas teriam que demonstrar que suportaram uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, v. Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C-234/01).
XVIII. É de frisar que estamos perante matéria de facto e não de direito que cabia às Recorridas demonstrar - a necessidade de fazer prova dos factos constitutivos dos direitos por quem os invoca encontra-se firmada no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT(2), tendo os Contribuintes que a cumprir nas mais variadas situações com relevância fiscal. Não o tendo feito, não é possível invocar o carácter discriminatório da norma em discussão.
XIX. Assim, ao contrário do firmado na sentença em crise, não é inequívoco que as entidades financeiras portuguesas que pagam dividendos a entidades, também elas nacionais, estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros EM´s da UE que efectuem operações semelhantes.
XX. Perante a incorrecção das premissas acima assinaladas não é possível concluir, como faz o Tribunal a quo, que a norma interna em discussão conduz, no presente caso, a um tratamento desvantajoso dos rendimentos de fonte nacional obtidos pelos Fundos de Pensões não residentes e à consequente violação do princípio comunitário da não discriminação, plasmado no art.º 56.º do TCE.
XXI. Do mesmo modo, não é de aceitar a transposição directa, para os presentes autos, do Acórdão do TJUE de 06/10/2011, proferido no processo C-493/09, como resulta do teor da sentença em apreciação.
XXII. Decidir com justiça implica decidir com racionalidade prática e com correcção ética ou axiológica, i.e., de uma forma racional e materialmente justa à luz da lei e do Direito.
XXIII. Seguindo de perto a análise crítica de Casalta Nabais, constata-se que a jurisprudência que vem sendo proferida pelo TJUE, a propósito da fiscalidade dos EM´s e da sua compatibilidade com a fiscalidade da União não é isenta de críticas, devido ao seu carácter casuístico e à sua indiferença face aos valores cimeiros que devem presidir às constituições fiscais, como a capacidade contributiva enquanto critério de distribuição dos encargos fiscais e a realização do interesse fiscal do Estado enquanto comunidade política(3).

XXIV. Ora, a decisão de direito da presente causa não pode deixar de atender aos valores e princípios que presidiram à constituição e aprofundamento da União Europeia – a efectiva integração comunitária traduzida na aproximação económica e social dos EM´s mais pobres aos mais ricos –, bem como ao facto de que a liberdade de circulação de capitais não constitui um fim em si mesmo, mas um meio potenciador do crescimento económico, emprego e desenvolvimento.
XXV. Outro aspecto negligenciado pela jurisprudência comunitária, neste domínio, é que o parâmetro fiscal constitui apenas um dos factores que os agentes económicos consideram nas suas opções/decisões, daí o Tribunal não poder concluir tout court que determinada medida fiscal por implicar um eventual tratamento discriminatório contende inevitavelmente com a liberdade de circulação de capitais(4).
XXVI. Cabendo à jurisprudência dar ao concreto problema jurídico em litígio a solução que se revele racional e ético-juridicamente mais adequada, a mesma não se pode ater acriticamente a precedentes que pareçam mais imediatamente aplicáveis ao caso.
XXVII. Acresce que o facto do legislador português na sequência da condenação proferida no citado Acórdão do TJUE de 06/10/2011, ter alterado através do art.º 144.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 /12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2012, a redacção do art. º 16.º do EBF em discussão, não infirma a validade da actuação da Administração.
XXVIII. A Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade. Efectivamente, a Administração Tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que é aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias, ex vi alínea c) do art.º 2.º da LGT(5). Desta forma, a Autoridade Tributária tem que aplicar os Códigos Fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com a citada al. b) do art.º 2.º da LGT, in casu, as normas constantes do CIRC e do EBF já citadas.
XXIX. Na verdade, tem a Administração Fiscal que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional, quer Comunitário, pelo que as normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à Administração Tributária a sindicância das normas quanto à sua adequação relativamente ao Direito Comunitário.

XXX. Assim, é nosso entendimento que a posição das Impugnantes não tem sustentação legal, pois não encontra qualquer respaldo na letra da lei, mormente na letra dos arts. 88.º, n.º 1 (na redacção à data dos factos), 90.º-A, todos do CIRC, no art.º 14.º, n.º 1 do EBF e ainda na al. a) do n.º 1 do art.º 38.º do DL 12/2006, de 20/01. E isto porque, na determinação do sentido e alcance da lei não poderá, nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil (CC), aplicável por remissão expressa da alínea d) do art.º 2.º da LGT, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
XXXI. Tendo em consideração o já acima exposto, designadamente, o facto da diferença de tratamento efectuada pelas normas internas de um EM poder respeitar a situações não comparáveis objectivamente não se pode concluir que aquelas acarretam sempre uma discriminação.
XXXII. Sem prescindir, tendo em conta que, na sequência do citado Acórdão do TJUE de 06/10/2011, o aditamento do n.º 7 ao art.º 16.º do EBF, que isenta de IRC “os rendimentos dos fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português ”, desde que se verifiquem cumulativamente os restantes requisitos aí enunciados, só entrou em vigor no ano de 2012, ex vi, da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12, a actuação da Administração não merece qualquer censura.
XXXIII. Mais, vem reforçar a posição por nós defendida, o facto de a norma do n.º 7 (aditada ao art. 16.º do EBF), referir expressamente a necessidade de existir “cooperação administrativa no domínio da fiscalidade”. Tal requisito visa, sem sombra de dúvida, acautelar o controlo dos rendimentos concretos e globais auferidos pelos contribuintes em ambos os Estados. Dito de outro modo, através desta norma, tal qual foi configurada, será possível verificar, no caso concreto, se o contribuinte se encontra em condições análogas aos contribuintes residentes.
XXXIV. Também não é de admitir, neste ponto, que as normas comunitárias prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, por força do Primado do Direito Comunitário, nos termos do n.º 4 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa.
XXXV. Desde logo, porque, não tendo sido comprovado o carácter discriminatório das normas controvertidas, perde relevância a questão do Primado do Direito Comunitário, por não se verificar qualquer desconformidade entre o Direito Interno e o Direito Comunitário.
XXXVI. Em segundo lugar, porque na presente situação em litígio as disposições de Direito Comunitário não gozam de efeito directo.

XXXVII. Na verdade, a norma do art.º 56.º do TCE, não tem efeito directo, na medida em que não consubstancia uma norma “self executing”. Antes a aplicabilidade da norma comunitária em causa no ordenamento interno dos EM´s pressupõe a adopção de inúmeras Directivas, as quais por sua vez carecem, igualmente, de ser transpostas para a ordem interna dos vários Estados. Ou seja, não gozando de efeito directo, a aludida norma não prevalece, nem consequentemente, torna inaplicável as normas de direito interno português, conforme peticionado pelas ora impugnantes. XXXVIII. Ora, no caso em apreço a Administração Fiscal limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas dos arts. 88.º, n.º 1, 90.º-A, todos do CIRC, no art.º 14.º, n.º 1 do EBF e ainda na al. a) do n.º 1 do art. 38.º do DL 12/2006, de 20/01, pelo que deverá igualmente ser revogada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que julgou procedente o peticionado quanto à discriminação entre residentes e não residentes.

X
A fls. 1026/1059, as recorridas proferiram contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formularam as conclusões seguintes:
A. O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pelas ora Recorridas dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2007, no montante total de EUR 2.175.996,15, com fundamento em vício de violação de lei, em particular por violação do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no Tratado, em conformidade, aliás, com o acórdão do TJUE, proferido, a 6 de Outubro de 2011 no processo C-493/09.
B. A decisão ora recorrida surge na sequência do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo nos presentes autos, que ordenou a remessa do processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão que concluísse em concreto se as Recorridas foram efetivamente sujeitas a uma tributação mais gravosa que a aplicável a fundos de pensões nacionais.

C. A Fazenda Pública, ora Recorrente, apresentou recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo alegando, em suma, que as Recorridas não estão numa situação objetivamente comparável face à de um fundo de pensões nacional, invocando ainda que não foi demonstrado o caráter discriminatório das normas nacionais sindicadas face ao Direito Comunitário, nem foi demonstrado, em concreto, pelas Recorridas que estariam numa situação comparável face à dos fundos nacionais.
D. A questão material controvertida prende-se em determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de pensões como as ora Recorridas, ao mesmo tempo que dispensava de retenção na fonte a distribuição de dividendos a fundos de pensões estabelecidos e domiciliados cm Portugal, viola os artigos 12. º e 56.º do Tratado, mas ainda se, face ao teor das alegações da ora Recorrente e ao acórdão do STA já proferido nos presentes autos, as Recorridas fizeram prova em 1.ª instância de que efetivamente suportaram em 2007 sobre os dividendos por si auferidos cm Portugal imposto em valor superior face a um fundo de pensões nacional, face ao regime fiscal a que estão sujeitas no seu estado de residência.
E. Como questão prévia, constitui entendimento das Recorridas que este Venerando Tribunal não é a instância jurisdicional competente, em razão da hierarquia, para apreciação do presente recurso, nos termos dos artigos 26.º e 31.º do ETAF, pois da análise das alegações de recurso da Fazenda Pública facilmente se conclui que o presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, uma vez que a Recorrente não questiona de forma fundamentada nas suas conclusões de recurso a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo, limitando-se a questionar o enquadramento jurídico efetuado na sentença recorrida.
F. Como amplamente exposto nos presentes autos e como aliás decorre expressamente da sentença ora recorrida, a 6 de Outubro de 2011, o TJUE proferiu um acórdão no processo C-493/09, nos termos do qual condenou o Estado português por conferir um tratamento discriminatório aos fundos de pensões residentes na União Europeia, uma vez que na ótica do Tribunal a diferença de tratamento conferida aos dividendos auferidos por fundos de pensões torna o investimento dos fundos de pensões não residentes em sociedades portuguesas menos atraente, constituindo, assim, uma restrição ilegítima e injustificada à liberdade de circulação de capitais e, como tal, contrária ao Direito Comunitário.
G. Na sequência do acórdão do TJUE acima referido, o legislador fiscal português consagrou, através da Lei do Orçamento do Estado para 2012, a alteração da redação do atual artigo 16º do EBF de forma a assegurar a sua compatibilidade com o Direito Internacional.

H. A Recorrente insiste em defender que não se verifica qualquer situação lesiva dos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, chegando a afirmar que se trata de uma tese das ora Recorridas e do Tribunal a quo, ignorando por completo a doutrina exposta pelo TJUE no referido acórdão, o qual concluiu sem margem para quaisquer dúvidas pelo caráter discriminatório do antigo artigo 14.º do EBF.
I. Ora, é assim evidente que a posição expressa pela Recorrente nas suas alegações de recurso revela um total desrespeito pelas normas e princípios comunitários, revelando ainda uma manifesta desconsideração por parte da Administração Tributária Portuguesa da jurisprudência proferida pelo TJUE que, como vimos, já declarou expressamente que as normas do CIRC e do EBF ora em análise no presente recurso, têm carácter discriminatório, obrigando o legislador nacional a alterar o ordenamento jurídico de forma a eliminar as referidas disposições, o que motiva por si só a improcedência de toda a argumentação subjacente ao presente recurso.
J. Recorde-se particularmente que já existe um acórdão do STA nos presentes autos que concluiu pela aplicação direta do acórdão do TJUE proferido no processo C-493/09, tendo o processo sido remetido novamente à primeira instância apenas para averiguar se em concreto se verificava uma tributação mais gravosa na esfera das ora Recorridas, o que motivará também por este motivo a improcedência do presente recurso.
K. Conforme amplamente exposto nos presentes autos, a faceta controvertida do artigo 14.º do EBF centra-se na circunstância de o mesmo ser, exclusivamente, aplicável aos Fundos de Pensões estabelecidos em Portugal, daqui se concluindo que, caso as Recorridas fossem residentes em território português, sobre os dividendos por si percecionados no ano de 2007 não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC, pelo que forçoso será concluir que o tratamento discriminatório conferido às Recorridas e a todos os demais Fundos de Pensões constituídos na UE constitui urna restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º do Tratado da UE e pelo artigo l.º da Diretiva 88/361, conclusão esta a que chegou também o TJUE no acórdão C-493/09 já acima amplamente referido.

L. Padece, assim, de qualquer base legal o argumento invocado pela ora Recorrente no sentido da alegada falta de comprovação do caráter discriminatório das normas controvertidas, pois o caráter discriminatório foi, como vimos, reconhecido expressamente pelo TJUE, facto que a Representação da Fazenda Pública insiste cm ignorar, o que motiva a improcedência do alegado no ponto 74 das suas alegações.

M. Aliás, assume extrema relevância referir que a matéria ora em análise é absolutamente pacífica para a própria Administração Tributária, a qual, no dia 7 de novembro de 2013, divulgou o Oficio-Circulado n.º 20168/2013, sancionado pelo Gabinete da Subdiretora-geral do IR e das Relações Internacionais, confirmando, de forma clara, a imediata e plena aplicabilidade da jurisprudência do TJUE aos processos pendentes.
N. Sejamos claros: face ao Acórdão do TJUE e à condenação do Estado português no processo C-493/09, a questão de direito está perfeitamente resolvida, uma vez que a legislação controvertida e que está na origem dos atos tributários sindicados já foi julgada incompatível com o Direito Comunitário, o que esteve na origem, aliás, das alterações promovida s ao artigo 16º do EBF por via da Lei do Orçamento do Estado para 2012.
O. Delimitada a matéria acima, vem ainda a Recorrente invocar que, "(...) é necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado ( ...) ", referindo ainda mais à frente que o Tribunal a quo decidiu, "sem apurar se o imposto retido pelas impugnantes é recuperado no imposto devido no país do seu domicílio fiscal ou se se encontram sujeitas a um nível de tributação idêntico aos Fundos de Pensões residentes em Portugal."
P. Desde logo, estamos perante uma conclusão que viola a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, e em concreto os Pontos K, L e M, pois, conforme demonstrado documentalmente pelas Recorridas em 1.ª instância, as mesmas não podem recuperar qualquer imposto no seu Estado de residência; trata-se de um facto assente, totalmente ignorado pela Recorrente nas suas alegações de recurso e que condiciona irremediavelmente toda a argumentação que sustenta o presente recurso.
Q. Desde logo, se a Recorrente pretendia impugnar a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo deveria ter cumprido o ónus que legalmente lhe cabia nos termos do artigo 640.º do Código do Processo Civil, o que, contudo, acabou por não sucedeu.

R. Por outro lado, a afirmação proferida pela Recorrente no ponto 31 das suas alegações é juridicamente errada, pois ao contrário do que se invoca, é evidente que a possibilidade das Recorridas acionarem os mecanismos previstos no ADT não elimina totalmente o caráter discriminatório das normas do CIRC e do EBF ora sindicadas, uma vez que, ao abrigo do ADT, as mesmas apenas podem recuperar o imposto suportado em Portugal no valor correspondente à diferença da taxa interna nacional face à taxa prevista no ADT.

S. Sobre a temática relativa ao regime fiscal das Recorridas no seu país de residência, os presentes autos já dispõem de todos os elementos de prova, como bem refere o Douto Tribunal a quo na decisão ora recorrida - Elementos de prova estes, diga-se, sobre os quais a Recorrente não se pronunciou e que, aliás, responderiam às questões por si suscitadas no presente recurso.
T. Resumindo: da prova documental junta aos presentes autos em 1.ª instância, é possível concluir que as Recorridas apesar de subjetivamente sujeitas a imposto na Holanda, estão isentas de imposto sobre as sociedades, pelo que o imposto cobrado em Portugal em violação da legislação comunitária, tal como propugnado pelo TJUE é insuscetível de ser recuperado na Holanda, sendo que em nenhum momento a Recorrente contestou ou contesta a validade ou veracidade da documentação apresentada nos autos para o efeito.
U. Tudo ponderado, e em obediência à decisão do STA anteriormente proferida nos presentes autos, parece inequívoco que (i) a norma constante do atual artigo 16.º do EBF padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional, violando, por conseguinte, os artigos 268.º, 112.º e 8.º da CRP, bem como os artigos 12.º e 56.º do Tratado, e que (ii) ficou demonstrada a existência de uma situação discriminatória no caso concreto das ora Recorridas, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso, requerendo-se a este Venerando Tribunal que se digne confirmar a sentença ora recorrida, reconhecendo o direito da Primeira Recorrida à restituição da quantia de EUR 2.116.144,22 e da Segunda Recorrida da quantia de EUR 59.851,93, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, ou seja, desde a data da retenção indevida até emissão do respetivo título de crédito.
(…)
Mais se requer a fixação do valor do presente recurso em EUR 275.000 para efeitos de custas, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º/3 do CPC e 6.º/l do Regulamento das Custas Processuais e do princípio constitucional da proporcionalidade.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!

X
O Digno Magistrado do M.P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 1078/1080), no sentido da improcedência do recurso.
No que respeita à excepção da incompetência absoluta deste TCAS para conhecer do presente apelo, cumpre referir como segue.
Nos termos do artigo 280.º/1, do CPPT, «Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de dez dias a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte:
«O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso» [Ac. do TCAS, de 07.02.2012, P. 04686/11].
No caso em exame, tal como decorre das alegações de recurso, a presente intenção rescisória centra-se sobre a questão de saber se da norma do artigo 14.º/1, do EBF, aplicada ao caso concreto decorre tratamento discriminatório, em sede de retenção na fonte de dividendos tributáveis em IRC, entre os Fundos de Pensões residentes e os Fundos de Pensões não residentes. Pressuposto da solução a dar à presente questão está a de saber se a situação fiscal dos primeiros é comparável à dos segundos, tendo em vista aferir do alegado tratamento discriminatório. Donde resulta que a questão colocada pela intenção rescisória em exame é de direito e de facto. O que significa que este TCAS é competente para dirimir o apelo em apreço.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente arguição.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

A) As Impugnantes são duas pessoas coletivas de direito holandês, constituídas sob a forma jurídica de Fundos de Pensões - o Fundo P... encontra-se constituído sob a forma jurídica de Fundação - e estabelecidas de acordo com a legislação interna da Holanda.

(cfr. fls. 4 SS do Processo Administrativo e fls. 148 a 152, todas dos autos).

B) As Impugnantes têm o seu domicílio fiscal na Holanda.
(cfr. fls. 4 ss do Processo Administrativo e fls. 46 e ss e fls. 148 a 152, todas dos autos).

C) No ano de 2007, as Impugnantes receberam dividendos na qualidade de acionistas de sociedades que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória à taxa de 20% e 10%.
(cfr. documentos de fls. 89 e ss dos autos).
D) A Primeira Impugnante efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte para os casos em que foi aplicada a taxa interna de 20% no montante correspondente à diferença entre a taxa interna de 20% e a taxa de 10% prevista no ADT celebrado entre Portugal e a Holanda, através da entrega dos Modelos 14 ou 22 RFI.

(cfr. documentos de fls. 89 e ss dos autos).

E) O A... suportou em Portugal em 2007 imposto por retenção na fonte no montante total de EUR 2.116.144,22.

(cfr. documentos de fls. 89 e ss dos autos).

F) No ano de 2007, o P... suportou em Portugal imposto por retenção na fonte num total de EUR 59.851,93.

(cfr. documentos de fls. 89 e ss dos autos).

G) A 24 de setembro de 2009, as Impugnantes apresentaram junto do Serviço de Finanças de ... reclamação graciosa, nos termos do art. 132.º do CPPT, na qual contestaram a legalidade das retenções na fonte de IRC relativas ao exercício de 2007, tendo o processo corrido seus termos sob o nº ....

(cfr. fls. 7 e ss do Processo Administrativo).

H) Em 29/11/2010 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa. (cfr. fls. 166 e ss do Processo Administrativo).
I) Em 06/12/2010 foi assinado o aviso de receção referente ao ofício que notifica as Impugnantes do projeto de indeferimento da reclamação graciosa.

(cfr. fls. 173 e 174 dos autos).

J) A Impugnação foi remetida por telecópia datada de 21/12/2010 para tribunal tributário de Lisboa.

(cfr. fls. 2 e ss dos autos).

K) A 1.ª Impugnante é entidade com residência fiscal na Holanda, sujeita a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas Holandês embora isentas de imposto.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 803 e respetiva tradução de fls. 806).

L) A 2.ª Impugnante é entidade com residência fiscal na Holanda, sujeita a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas Holandês embora isenta de imposto.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 819 e respetiva Tradução de fls. 822).

M) As Impugnantes enquanto entidades isentas de imposto no país, estão impedidas de recuperar a título de crédito de imposto por dupla Tributação internacional os impostos supurados ou pagos no estrangeiro ou formular quaisquer pedidos de reembolsos;
(Conforme resulta dos documentos de fls. 803, 806, 819, 822).

J) As Impugnantes são pessoas Coletivas de direito holandês, constituídas sob a forma jurídica de Fundos de Pensões — o Fundo P... encontra-se constituído sob a forma jurídica de Fundação - e embelecidas de acordo com a legislação interna da Holanda;
(Conforme resulto dos documentos de fls. 814 e 822).

X
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
X
2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 965/983, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por S... A... e S..., contra a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2007, no valor global de € 2.175.996,15.
2.2.2. Para julgar procedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Do exposto resulta que os dividendos recebidos por Fundos de Pensões constituídos de acordo com a legislação nacional provenientes de participações sociais detidas em sociedades residentes em Portugal eram tributados à taxa de 20% - não se aplicando a isenção prevista no artigo 14.º do EBF — sempre que as referidas partes sociais não tivessem permanecido na sua titularidade ininterruptamente durante o ano anterior à da sua colocação à disposição e não fossem mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
Nos termos do disposto no art. 38.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20/01 (que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais) as sociedades gestoras de Fundos de Pensões devem constituir-se sobre a forma de sociedades anónimas e ter a sede social, e a principal e efetiva da administração, em Portugal‖, ou seja, ser residentes em Portugal, pelo que a imposição da constituição do fundo de pensões de acordo com a ordem jurídica nacional para efeitos de aplicação do disposto no artigo 16.º do EBF implica a sua residência em Portugal.
Assim, estava vedada a possibilidade de um Fundo de Pensões residente noutro Estado Membro da União Europeia e ser constituído de acordo com a legislação nacional e beneficiar da norma de isenção previa no art. 14.º do EBF.
Ora, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 88.º e do artigo 80º, n.º 2, alínea c) do CIRC, a distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a Fundos de Pensões não residentes em Portugal ou constituídos de acordo com a legislação de outros Estados Membros está sujeita à retenção na fonte liberatória a uma taxa de 20%.
Alegam as Impugnantes que resultando do regime legal então aplicável que no exercício de 2008 um Fundo de Pensões residente em Portugal que recebesse dividendos ou outros rendimentos provenientes de sociedades sediadas em Portugal estava sujeito a um regime fiscal mais favorável (isenção de tributação — com exceção dos casos em que se encontrassem reunidos os requisitos de aplicação do n.º 11 do artigo 81.º do CIRC, circunstância em que lhes era aplicada uma taxa de 20%) do que o aplicável a um Fundo de Pensões constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia que recebesse dividendos ou outros rendimentos de fonte portuguesa (retenção na fonte a uma taxa de 20%, no caso reduzida para 10% por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º da CDT entre Portugal e a Holanda, o que significa a aplicação de uma taxa líquida de IRC de 10%).
Assim, considerando a retenção na fonte efetuada em Portugal e da taxa de imposto holandês incidente sobre os rendimentos obtidos, globalmente resultou uma tributação mais gravosa para as entidades não residentes do que a aplicável às sociedades residentes».
2.2.3. A recorrente coloca sob censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca em síntese que a sentença incorreu em erro no que respeita aos itens seguintes:
i) Que as recorridas não se encontram numa situação comparável à dos Fundos de Pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa;
ii) Que a presente situação controvertida envolve um tratamento discriminatório das recorridas face às sociedades residentes em Portugal.
A recorrente refere também que:
i) No caso em apreciação, o diferente regime fiscal aplicável aos Fundos de Pensões estrangeiros não lesa os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, ínsito ao Direito Europeu;
ii) É necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado, colocando os não residentes de outros Estados membros em desvantagem face aos residentes; tal apreciação não foi considerada na sentença recorrida;
iii) A sentença em crise limita-se a remeter para os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais e para os Acórdãos do TJUE que os aplicam, sem apurar se o imposto retido pelas impugnantes é recuperado no imposto devido no país do seu domicílio fiscal ou se se encontram sujeitas a um nível de tributação idêntico aos Fundos de Pensões residentes em Portugal;
Refere também que:
iv) A convenção para evitar a dupla tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Holanda, designadamente, no seu artigo 24.º, permite que o imposto pago em Portugal, relativamente a elementos do rendimento ou do capital, seja deduzido na Holanda, permitindo às recorridas recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado.
v) O M. Juiz, em nenhum ponto da sua decisão, alude à origem da globalidade dos rendimentos das recorridas e ao regime de tributação a que se encontram sujeitas no Estado da residência, não tendo igualmente em consideração o mecanismo da eliminação da dupla tributação, consagrado na CDT.
vi) Convém ter em conta que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes.
vii) As impugnantes só se encontrariam em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o Estado holandês consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de tributação, incluindo a taxa aplicável, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.
Vejamos.
Recordem-se os normativos relevantes.
Do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia(6), extrai-se o princípio da proibição da discriminação em razão da nacionalidade (artigo 18.º ex 12.º) e o princípio da proibição de restrições aos movimentos de capitais (artigo 63.º ex artigo 58.º). Tais princípios são direito directamente aplicável na ordem jurídica portuguesa (artigo 8.º/3 e 4, da CRP).
O Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, e aprova o regime da constituição e do funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, estabelece, através da norma do artigo 38.º/1/a), que «[a]s sociedades gestoras de fundos de pensões devem constituir-se sob a forma de sociedades anónimas e satisfazer os seguintes requisitos: // a) Ter a sede social, e a principal e efectiva da administração, em Portugal (…)».
Por seu turno, o preceito do artigo 14.º/1, do Estatuto dos Benefícios fiscais/EBF (“Fundos de pensões e equiparáveis”), estatui que «[s]ão isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões e equiparáveis, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».
O artigo 88.º/1/c) do CIRC (versão vigente) estabelece a necessidade da retenção na fonte dos rendimentos de capitais, como sucede com os dividendos, assumindo a retenção na fonte em causa o carácter de pagamento definitivo, no caso de entidades não residentes, como sucede com as recorridas (artigo 88.º/3/b) do CIRC (versão vigente).
E o preceito do artigo 81.º/11 (“Taxas de tributação autónoma”) determina que «[s]ão tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período».
O artigo 10.º da CDT celebrada entre Portugal e a Holanda(7), que dispõe que «[o]s dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado» (n.º 1) e que «[e]sses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos, e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo dos dividendos for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos dividendos» (n.º 2).
A questão do tratamento nacional de entidades não residentes no que respeita à percepção de dividendos formados em território nacional, à luz do regime de Direito Europeu da livre circulação de capitais não é nova, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Refere-se, a este propósito, que «[o] tratamento fiscal diferente de residentes e não residentes não constitui, no âmbito do Direito Fiscal Internacional, uma discriminação. O artigo 24.º do Modelo de Convenção da OCDE proíbe a discriminação em razão da nacionalidade, mas não é aplicável quando exista diferenciação fiscal em razão de outros critérios»(8). «Em contrapartida, no contexto da União Europeia, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e as liberdades de circulação consagradas no Tratado de Funcionamento da União Europeia – embora não vedando a priori, a diferenciação do tratamento fiscal de residentes e não residentes – implicam uma análise bastante mais cuidadosa dos casos concretos, de forma a aferir-se se, na situação em análise, tal diferenciação é admissível face ao Direito da União Europeia»(9).
A propósito da legislação em causa nos autos, no Acórdão de 06.10.2011, P. C-493/09, o Tribunal de Justiça da União Europeia/TJUE teve ocasião de afirmar o seguinte:
«Quanto à questão de saber se a regulamentação nacional em causa constitui uma restrição aos movimentos de capitais, deve observar-se que, para que o IRC não incida sobre os dividendos distribuídos a fundos de pensões por sociedades estabelecidas em território português, esses dividendos devem preencher dois requisitos. Por um lado, devem ser pagos a fundos de pensões que se constituam e operem em conformidade com o direito português. Por outro, esses dividendos devem ser distribuídos a título de partes sociais que tenham permanecido na titularidade do mesmo fundo de pensões, de modo ininterrupto, durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição ou que tenham sido mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
Daqui decorre que, devido ao primeiro requisito previsto pela regulamentação nacional em causa, o investimento que pode ser efectuado numa sociedade portuguesa por um fundo de pensões não residente é menos atractivo do que o investimento que poderia ser realizado por um fundo de pensões residente. Com efeito, apenas no primeiro caso os dividendos distribuídos pela sociedade portuguesa são onerados a uma taxa correspondente a 20%, a título de IRC, mesmo que sejam provenientes de partes sociais que tenham permanecido na titularidade desses fundos durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes em Portugal de investir nesses fundos de pensões. // (…) // Nestas condições, há que concluir que, no que respeita à tributação dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em território português a título de partes sociais detidas por um fundo de pensões durante mais de um ano, a regulamentação controvertida constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE»(10).
A este propósito, o TJUE teve também ocasião de afirmar o seguinte (despacho proferido no P. C-199/10, de 22.11.2010):
«Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58.º, n.º 1, alínea a), CE [actual artigo 65.º] devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.
O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro
Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes.
Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE (actual artigo 63.º), o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes.
É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro.
Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente»(11).
Visto o enquadramento jurídico, importa aferir da sua aplicabilidade ao caso em exame.
A questão reside em saber se a situação das sociedades gestoras de fundos de pensões beneficiárias de dividendos gerados em Portugal e a situação das sociedades gestoras de fundos de pensões beneficiárias de dividendos gerados em Portugal residentes em território nacional é comparável.
A tese segundo a qual não existe uma situação comparável entre a retenção na fonte dos dividendos distribuídos às recorridas por sociedades residentes em Portugal e a retenção na fonte dos dividendos distribuídos a fundos de pensões cuja sede assenta em território nacional não se oferece procedente, porquanto ambas as categorias de sociedades percebem a mesma espécie de rendimentos, sendo as sociedades não residentes submetidas a uma taxa de retenção na fonte liberatória de 20% a que são alheias as entidades beneficiárias residentes. Existe efectivo tratamento diferenciado não justificado, porquanto ao rendimento percebido pelas sociedades não residentes, descontada a redução da retenção na fonte imposta pela CDT, sempre é objecto de retenção na fonte, definitiva, à taxa líquida de 10% de IRC à qual o rendimento das sociedades residentes é alheio em virtude do disposto no artigo 14.º/1, do EBF.
Não colhe a argumentação segundo a qual as recorridas não terão feito prova de que foram objecto de um tratamento diferenciador não justificado, na medida em que foi feita a prova da não neutralização da discriminação, ou seja, uma vez que as sociedades recorridas estão isentas de imposto no estado da residência(12), tal significa que o imposto retido não pode ser recuperado nesse Estado, o que significa que a taxa líquida de IRC de 10% a que são sujeitas as recorridas, a título definitivo, ao invés do que sucede com as sociedades residentes, na mesma categoria e posição das recorridas e percebendo a mesma espécie de rendimentos, não pode ser restituída ou reembolsada no Estado da residência daquelas.
Como se escreve no Acórdão do STA, de 14.05.2014, P. 01319/13, «[a]tendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação». Por outras palavras, da demonstração da não neutralização por via da CDT da maior tributação dos dividendos percebidos pelas sociedades não residentes, ora recorridas, em face das sociedades residentes, em situação comparável, impõe-se concluir pela existência de tratamento fiscal discriminatório não consentido pelo Direito Europeu.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser manida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
O Regulamento de Custas Processuais/RCP [versão conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro], estabelece no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, o seguinte: «[n]as causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»(13).
«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»(14).
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «O direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. Do exposto, isto é, da necessidade de prevenir o efeito dissuasor do acesso à justiça que a tributação em custas implicaria no caso de não ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor efectivo da causa na parte em que excede o valor de €275.000,00, decorre a necessidade do exercício oficioso do poder de dispensa do pagamento do remanescente em apreço.
No caso em exame, a especialidade da causa, a sua complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.
Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de determinar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente na conta final.
Pelo exposto, impõe-se determinar ex oficio a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
1) Negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida;
2) Custas pela recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)


(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)



(1)Neste sentido, Patrícia Noiret Cunha, in A Tributação Directa na Jurisprudência do TJUE, Coimbra Editora, 2006, p.162.

(2) Vide também, quanto a esta matéria da prova, o disposto no art. 342.º do Código Civil (Ónus da Prova), que estabelece: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2.A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”.

(3) vide Casalta Nabais, in Introdução do Direito Fiscal das Empresas, pág. 81 e ss.

(4) Neste sentido, v. Maria Matilde Lavouras, ob.cit., p.226.

(5) Vide, no mesmo sentido, o art. 55.º da LGT.

(6) Publicado no JOUE, nº 115, de 09.05.2008.

(7) Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, publicada no DR, I Série-A, n.º 159, de 12.07.2000.

(8) Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Almedina, 2010, p. 347/348.

(9) Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Almedina, 2010, p. 347.

(10) §§ 29 a 32 do Acórdão de 06.10.2011, P. C-493/09.

(11) §§35 a 39 do Despacho proferido em 22.11.2010, P. C-199/10.

(12) Alínea M), do probatório.

(13) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.

(14) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, cit., p. 236.