Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1601/14.5BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
O INSTITUTO DA REVERSÃO É EXCLUSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL.
REGIME NORMATIVO APLICÁVEL À DECISÃO DE REVERSÃO.
DESPACHO DE REVERSÃO. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO.
REQUISITOS DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO.
PRESSUPOSTOS. ARTºS.23, Nº.2, DA L.G.T., E 153, Nº.2, DO C.P.P.T.
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO. ARTº.665, DO C.P.CIVIL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
Sumário:1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.

2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.

3. Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.

4. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.

5. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.

6. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.

7. O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título.

8. De acordo com a jurisprudência do S.T.A. e a doutrina que subscreve-mos, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, mais devendo enquadrar-se este fundamento da oposição no artº.204, nº.1, al.i), do C. P. P. Tributário.

9. Para o efeito da definição de qual o regime normativo aplicável à decisão de reversão do processo de execução fiscal, no que respeita aos requisitos adjectivos para a respectiva efectivação, importa o momento em que a citada reversão é decretada.

10. O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr.artº.148, do C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr.artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, e 23, nº.4, e 77, da L.G.T.).

11. Face à jurisprudência do S.T.A., com a qual concordamos, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a A. Fiscal fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.

12. Nos termos dos artºs.23, nº.2, da L.G.T., e 153, nº.2, do C.P.P.T., a reversão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário depende de verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor originário e seus sucessores/responsáveis solidários ou da fundada insuficiência, para pagamento da dívida exequenda e acrescido, dos bens penhoráveis, integrantes do património destes, sendo que esta última circunstância se pode ter como preenchida com base em elementos constantes de auto de penhora e outros elementos disponíveis para na execução fiscal. Ao invés do regime anterior, plasmado no artº.239, nº.2, C.P.T., não é, na actualidade, necessária a prévia excussão do património do devedor originário para ser praticável a reversão, bastando a fundada insuficiência, atestada pela forma referenciada. Por outras palavras, nos casos em que os bens penhorados ao devedor originário têm um valor pré-determinado e esse valor é inferior ao da dívida exequenda revertida é possível concluir no sentido da fundada insuficiência dos mesmos bens, em momento anterior ao da venda, visando o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Todavia, realizada a alteração subjectiva da instância executiva com base na aludida fundada insuficiência patrimonial, a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido enquanto o devedor originário tiver património penhorável.

13. Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão.

14. De acordo com o artº.665, do C. P. Civil, aplica-se no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.

15. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).

16. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.

17. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

18. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

19. É pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.156 a 168 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, Filipe ………………………….., visando a execução fiscal nº………………….. e apensos, a qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças de Sintra, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A. e I.R.S., relativas ao ano de 2013 e no montante global de € 19.711,17.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.184 a 194 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição apresentada por FILIPE …………….., NIF: …….., à execução fiscal n.º……….., contra si revertida enquanto responsável subsidiário da sociedade R……….. ………………………… CRL”, com o NIPC ………….., e instaurada para cobrança de divida proveniente de IVA, IRS e coimas, do ano de 2013, já devidamente identificado nos autos, com os fundamentes vertidos na respectiva petição inicial, que aqui se dão por plenamente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
2-Por sentença datada de 11-07-2017, ora recorrida, veio o Mm. Juiz do Tribunal a quo,
estribando-se na factualidade descrita na secção III, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, conceder provimento à oposição apresentada e, consequentemente, anular o despacho de reversão;
3-Efectivamente, em harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 23.º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena o acto que dá início ao procedimento tendente à efectivação da responsabilidade subsidiária e sendo este um acto administrativo, o mesmo encontra-se sujeito a fundamentação (cfr. n.º 3 do artigo 268.º da CRP, artigos 124.º e 125.º do CPA e em especial os n.º 4 do artigo 22.º, n.º 4 do artigo 23.º e artigo 77.º, todos da LGT);
4-No entanto, esta motivação decisória varia de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido bastando-se, com a expressão clara das razões que levaram a determinada decisão, não tendo de reportar, a todos os factos considerados, vicissitudes ocorridas e a todas as ponderações feitas durante o procedimento que conduziu à decisão;
5-Vale isto por dizer que, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, cfr. n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, e bem assim, exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta, cfr. n.º 1 do artigo 24.º relativamente aos impostos e n.º 1 do artigo 8.º do RGIT no que concerne às coimas. E, portanto, apenas estes pressupostos e extensão temporal da responsabilidade subsidiária tributária que se encontra a ser efectivada devem constar da motivação decisória do órgão de execução fiscal;
6-No fundo, a falta de fundamentação formal do despacho de reversão deve ser autónoma relativamente à falta de pressupostos legais que são necessários reunir em ordem ao exequente se encontrar legitimado a dirigir a execução fiscal contra o revertido, já que aquele primeiro momento se afere pela enunciação da existência dos pressupostos legais, enquanto este segundo momento se afere pela real existência dos requisitos legais enunciados e, portanto, a lei não impõe que constem do despacho de reversão os factos individuais e concretos com base nos quais a administração tributária pretende consubstanciar a insuficiência patrimonial da devedora originária;
7-Ora, no caso em apreço, atendendo à situação de insolvência da devedora originária, presume-se a insuficiência patrimonial do devedor originário, aliás, inerente à própria situação de insolvência. Com efeito, sabido que uma empresa insolvente evidencia a incapacidade do activo para fazer face ao passivo, de nada nos serve a identificação de que a empresa tem isto, tem aquilo, se nenhuma referência é efectuada ao seu passivo, ao que deve, e pelo que responderá esse activo (que será insuficiente para o efeito, atendendo à situação de insolvência) - e no caso em apreço nada dos autos resulta relativamente a tal matéria;
8-Neste sentido, sempre que seja declarada a insolvência do devedor originário, e independentemente da avocação dos processos de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal apreciar a possibilidade de reversão das dívidas tributárias, perante os indícios de insuficiência de bens penhoráveis que emergem da declaração de insolvência da pessoa colectiva executada, pressuposto da responsabilidade tributária subsidiária, à luz do artigo 23.º, n.º 2 da LGT. Dado que o dever de avaliar a possibilidade legal de reversão decorre, não da avocação dos processos de execução fiscal, situação que, inclusivamente, pode até não se verificar, mas sim do conhecimento oficial ou oficioso da insolvência do devedor originário;
9-Importa relembrar que as reversões deste tipo são efectuadas por indícios de insuficiência de bens - insolvência de carácter pleno. Assim, concretizada a reversão e ultrapassado o prazo de oposição do revertido, o órgão de execução fiscal não poderá praticar actos coercivos, designadamente penhoras e vendas de bens do responsável subsidiário, sem que tenha ocorrido a excussão do património do devedor originário, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2 da LGT, até ao terminus da insolvência;
10-Não pode esta Fazenda Pública conformar-se com a sentença ora recorrida quando decide que o “despacho de reversão não pode manter-se por não se encontrar provada a insuficiência patrimonial da devedora originária” porquanto a expressa menção no despacho de reversão da situação de insolvência da devedora originária, reconhecida através de sentença de declaração de insolvência, a qual era do conhecimento do oponente/recorrido (como se depreende da sua petição inicial), tem como consequência dispensar o OEF da averiguação da situação patrimonial do devedor originário insolvente, visto presumir-se a sua situação de insuficiência patrimonial tal como descrita na sentença declaratória da insolvência;
11-Ora, a situação contabilístico-financeira da devedora originária negativa, na medida que a declaração de insolvência implica o reconhecimento da situação de insolvência que se materializa num passivo manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 3º do CIRE e a própria sentença declaratória da insolvência afiguram-se-nos mais que suficientes para, por si só, fundamentar a insuficiência dos bens do devedor originário;
12-Verifica-se que, não obstante a alegada deficiente motivação do despacho de reversão relativamente à insuficiência patrimonial da devedora originária, o oponente compreendeu as razões que estiveram na base da reversão efectuada e tanto assim é que na sua petição fez referência à declaração de insolvência e nunca demonstrou qualquer discordância relativamente à fundamentação formal do despacho de reversão nesta matéria;
13-A Representação da Fazenda entende que, formalmente, o despacho ora em crise encontra-se suficientemente fundamentado, conforme o exige o artigo 77.º da LGT, mas ainda que assim não fosse, mesmo que a fundamentação do despacho de reversão se revelasse insuficiente face aos seus pressupostos legais, tal circunstância não equivaleria à falta de fundamentação ou insuficiência desta, pois o oponente veio através da presente oposição exercer em pleno os seus direitos;
14-O Supremo Tribunal Administrativo, no que respeita à exigência legal e constitucional de fundamentação, tem vindo a entender, em jurisprudência uniforme, que a mesma visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, de forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Aliás, é entendimento da mais recente e conceituada jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que a fundamentação do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária;
15-Em todo o caso, e no que respeita ao oponente/recorrido, da leitura da sua p.i., não resta qualquer dúvida de que este interpretou claramente, e de forma correcta, as razões que levaram o autor do acto a decidir como decidiu, bem como o percurso cognitivo e valorativo percorrido por este, como se constata da leitura atenta aos fundamentos de facto e de direito por si aí explanados;
16-Pelo que, à Fazenda Pública, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não resta senão concluir, salvo o devido respeito, que a douta sentença se estribou numa errónea apreciação da matéria de facto relevante para, a nosso ver, a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 23.º n.º 2 e 153.º n.º 2 alínea b) do CPPT;
17-TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer suscitando a excepção de incompetência deste T.C.A., em razão da hierarquia (cfr.fls.198 e 199 dos autos).
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Notificados os restantes intervenientes processuais do douto parecer do Digno Magistrado do M. P., somente a entidade recorrente apresentou requerimento no qual, acaso se julgue verificada a dita excepção, se ordene a remessa dos presentes autos para o Tribunal julgado competente, nos termos do artº.18, nº.2, do C.P.P.T. (cfr.fls.205 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.157 a 160 dos autos - numeração nossa):
1-Corre termos contra “R………. - ………………L, CRL.”, com o NIPC …………., o processo de execução fiscal nº……………….. e apensos, visando a cobrança, além de outras, de dívidas tributárias no valor de € 19.711,17, relativas a IVA e IRS do ano de 2013 (cfr.conteúdo do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.28 e 29 dos presentes autos);
2-Por deliberação da Assembleia Geral Eleitoral, datada de 08 de Dezembro de 2012, o oponente, Filipe ……………….., foi nomeado como membro da direcção da cooperativa, para o biénio de 2013/2014 (cfr.cópia da acta n.º 147 junta a fls.9 a 11 dos presentes autos; cópia de certidão permanente junta a fls.14 a 20 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3-Em 25 de Junho de 2013, a “R………… - ELECTRICIDADE, ………………, CRL.”, entregou ao oponente uma carta de cessação de contrato por extinção de posto de trabalho, da qual se destaca o seguinte:
“(…)
Por este meio, fica V. Ex.ª expressamente notificada da decisão de extinção do posto de trabalho, nos termos do art. 371.º do Código do Trabalho.
Neste termos e por motivos de mercado, devido à situação vivida no ramo da construção civil, bem como pela redução da actividade da empresa, encontra-se a R…………. – CRL, com grandes dificuldades económicas, pelo que decidiu a mesma extinguir o posto de trabalho exercido por V. Exa., de técnico de telecomunicações.
Assim e não existindo outro posto de trabalho compatível com a Vossa categoria profissional, e não se verificando a existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes as do posto de trabalho extinto, torna-se impossível a relação de trabalho.
Nestes termos comunicamos a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho existente entre V. Exa. e a R……………– CRL desde 12-05-2009, com efeitos a partir de 01-07-2013, por motivos de extinção do posto de trabalho.
(…).”
(cfr.documento junto a fls.13 dos presentes autos);
4-Em 13 de Agosto de 2013, foi inscrita a declaração de insolvência da sociedade “R…………….. - ELECTRICIDADE, ………………….., CRL.”, declarada em 29 de Julho de 2013, sendo nomeados Administradores da Insolvente, Carlos ……………………., Luís ……………….. e Manuel …………….., e Administrador Judicial, José R……………(cfr.cópia de certidão permanente junta a fls.14 a 20 do processo de execução fiscal apenso; cópia de sentença proferida no processo n.º …………….., da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste - Sintra - Juízo do Comércio, junta a fls.16 a 21 dos presentes autos);
5-Em 21/04/2014 foi elaborado despacho de reversão, em nome do oponente e no âmbito do processo de execução identificado no nº.1 do qual se extrai o seguinte:
“Face às diligências realizadas, e estando concretizada a audição dos responsáveis subsidiários, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra FILIPE ………………………….(…) FUNDAMENTOS DA REVERSÃO Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou na período de exercício do cargo.”
(cfr.documento junto a fls.171 do processo de execução fiscal apenso);
6-Em 29 de Abril de 2014, o oponente recebeu uma carta Citação (Reversão), referente ao processo principal n……………………, para pagamento de dívida no valor de € 19.711,17, de cujo teor se extrai:
"FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT)”
(cfr.documentos juntos a fls.185 a 187 do processo de execução fiscal apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não ficou provado que a Fazenda Pública não tenha reclamado créditos no processo de insolvência…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
7-O despacho de reversão identificado no nº.5 supra teve a fundamentação constante da informação e despacho insertos a folhas 21 a 25 e 163 a 167 do processo de execução fiscal apenso, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos;
8-A citação identificada no nº.6 supra igualmente se baseou no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., mais fazendo menção ao processo de insolvência nº……………… operando-se a reversão das dívidas no valor de € 19.711,17, relativas a I.V.A. e I.R.S. do ano de 2013, cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu em Agosto e Setembro de 2013 (cfr.documentos juntos a fls.30, 31, 185 e 186 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.28 e 29 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente, em consequência do que anulou o despacho de reversão do processo de execução fiscal nº………………. e apensos contra o oponente, e determinou a sua extinção quanto ao mesmo.
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Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário, excepção esta aduzida pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal no seu douto parecer (cfr.fls.198 e 199 dos autos).
Nos termos do artº.280, nº.1, C.P.P.Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C.P.P.Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.641, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, a qual se consubstancia na incompetência do T.C.A.Sul em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, é competente o S.T.A. quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.5971/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões do recurso explanadas acima, o apelante discorda da decisão recorrida, apelando a factualidade constante do probatório supra, nomeadamente, nas conclusões 2, 7, 15 e 16, destas premissas retirando o desenlace de que se deve revogar a sentença objecto do presente recurso.
Em tais conclusões o recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pelo Digno Magistrado do M. P. no seu douto parecer.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente alega, em síntese, que não se conforma com a sentença ora recorrida quando decide que o “despacho de reversão não pode manter-se por não se encontrar provada a insuficiência patrimonial da devedora originária”, porquanto, a expressa menção no despacho de reversão da situação de insolvência da devedora originária, reconhecida através de sentença de declaração de insolvência, a qual era do conhecimento do oponente/recorrido, tem como consequência dispensar o O.E.F. da averiguação da situação patrimonial do devedor originário insolvente, visto presumir-se a sua situação de insuficiência patrimonial tal como descrita na sentença declaratória da insolvência. Que o despacho ora em crise se encontra suficientemente fundamentado, conforme o exige o artº.77, da L.G.T. Ainda que assim não fosse, mesmo que a fundamentação do despacho de reversão se revelasse insuficiente face aos seus pressupostos legais, tal circunstância não equivaleria à falta de fundamentação, pois o oponente veio através da presente oposição exercer em pleno os seus direitos. Que a sentença recorrida viola o disposto nos artºs.23, nº.2, da L.G.T., e 153, nº.2, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Contemplemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título. O legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais), e à certeza e liquidez destas dívidas, atributos que não adornam, necessariamente, as dívidas não tributárias (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/2/2002, rec.25037; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/6/2011, proc.4505/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.179 e 180).
De acordo com a jurisprudência do S.T.A. e a doutrina que subscreve-mos, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, assim devendo enquadrar-se este fundamento da oposição no artº.204, nº.1, al.i), do C. P. P. Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/2006, rec.1249/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/4/2007, rec.172/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/6/2011, proc. 4505/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.67; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.134).
Para o efeito da definição de qual o regime normativo aplicável à decisão de reversão do processo de execução fiscal, no que respeita aos requisitos adjectivos para a respectiva efectivação, importa o momento em que a citada reversão é decretada (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/04/2005, rec.100/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/04/2005, rec. 101/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14).
No caso “sub judice”, a reversão da execução fiscal nº.3166-2013/104976.3 e apensos, contra o responsável subsidiário e ora recorrido foi ordenada em 21/04/2014 (cfr.nº.5 da matéria de facto provada), pelo que, o regime normativo aplicável é o constante dos artºs.23, da L.G.Tributária, e 153, do C.P.P.Tributário.
O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr.artº.148, do C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr.artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, e 77, da L.G.T.). Isto é, o revertido deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício. Assim, para além da indicação dos pressupostos de facto em que assenta a decisão de reversão, nos casos em que esta não assenta numa presunção de culpa (cfr.artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T.), deverá constar do despacho de reversão, directamente ou através de remissão (cfr.artº.153, nº.1, do C.P.A.), a indicação das razões que levaram o órgão de execução fiscal a formular o juízo sobre a culpa do revertido na génese da insuficiência do património da executada originária para solver as dívidas fiscais (cfr.artº.24, nº.1, al.a), da L.G.T.) ou a indicação da violação de deveres que justifica a reversão (cfr.artº.24, nºs.2 e 3, da L.G.T.). Já no caso de reversão baseada no citado artº.24, nº.1, al.b), da L.G.Tributária, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.4416/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.66 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, pág.223 e seg.; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.133 e 134).
Face à jurisprudência do S.T.A., com a qual concordamos, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a A. Fiscal fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 16/10/2013, rec.458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/2/2015, rec.1860/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/6/2015, rec.487/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14).
Ainda, nos termos dos artºs.23, nº.2, da L.G.T., e 153, nº.2, do C.P.P.T., a reversão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário depende de verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor originário e seus sucessores/responsáveis solidários ou da fundada insuficiência, para pagamento da dívida exequenda e acrescido, dos bens penhoráveis, integrantes do património destes, sendo que esta última circunstância se pode ter como preenchida com base em elementos constantes de auto de penhora e outros elementos disponíveis na execução fiscal. Ao invés do regime anterior, plasmado no artº.239, nº.2, C.P.T., não é, na actualidade, necessária a prévia excussão do património do devedor originário para ser praticável a reversão, bastando a fundada insuficiência, atestada pela forma referenciada. Por outras palavras, nos casos em que os bens penhorados ao devedor originário têm um valor pré-determinado e esse valor é inferior ao da dívida exequenda revertida é possível concluir no sentido da fundada insuficiência dos mesmos bens, em momento anterior ao da venda, visando o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Todavia, realizada a alteração subjectiva da instância executiva com base na aludida fundada insuficiência patrimonial, a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido enquanto o devedor originário tiver património penhorável.
Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/4/2005, rec.100/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/6/2011, rec.167/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.123/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8792/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.65 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.223 e seg.).
“In casu”, a fundamentação do despacho de reversão que chamou o opoente/recorrido à execução fiscal nº.3166-2013/104976.3 e apensos (cfr.nºs.5, 6 e 7 do probatório), remete para a insuficiência de bens da sociedade responsável originária, desde logo, indiciada pela declaração de insolvência da mesma. Por outro lado, o opoente/recorrido no articulado inicial apenas põe em causa a oportunidade da reversão, visto que ainda está a decorrer a venda de bens da sociedade executada originária, decidida em assembleia geral de credores no processo de insolvência, assim não podendo concluir-se pela insuficiência de bens da empresa (cfr.artºs.24 e 25 da p.i. junta a fls.5 a 8 dos presentes autos), embora não mencione a existência de concretos bens da mesma sociedade que não estejam à ordem do processo de insolvência, e muito menos faça prova de tal matéria. Com estes pressupostos, levando em consideração a declarada insolvência da sociedade executada originária, estava legitimada a reversão da execução contra responsáveis subsidiários, com a ressalva supra mencionada de que a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido, enquanto o devedor originário tiver (se tiver) património penhorável (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/05/2017, proc.4/16.1BEBJA).
Por último, aplica-se ao caso “sub judice” o disposto no artº.180, nº.6, do C.P.P.T., dado que os créditos revertidos (I.V.A. e I.R.S. de 2013) se venceram em data posterior à declaração de insolvência da sociedade executada originária (cfr.nºs.4 e 8 do probatório).
Em conclusão, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida a qual viola o regime constante dos artºs.23, nº.2, da L.G.T., e 153, nº.2, do C.P.P.T., ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artº.665, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer e que considerou prejudicadas, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Pensamos que sim, já se tendo estruturado despacho a dar cumprimento ao contraditório plasmado no artº.665, nº.3, do C.P.Civil (cfr.despacho exarado a fls.207 dos presentes autos).
Avancemos, portanto, para o conhecimento da outra causa de pedir estruturada pelo opoente/recorrido no articulado inicial (falta de responsabilidade subsidiária ou legitimidade substantiva no âmbito do processo de execução fiscal de que a presente oposição constitui apenso).
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Em primeiro lugar, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (ano de 2013) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nº.8 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Revertendo ao caso dos autos, examinando a matéria de facto provada, é óbvia a conclusão da falta de prova de actos de gerência de facto da sociedade executada originária, praticados pelo opoente e ora recorrido.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente Filipe …………………….., ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., devido a falta de prova da gerência de facto do mesmo face à empresa executada originária, “R…………- ….. ……………….., CRL.”, e no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………………. e apensos, assim se devendo julgar procedente a presente oposição, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida;
2-CONHECENDO EM SUBSTITUIÇÃO, julgar procedente a oposição e parte ilegítima o opoente, ………………………., no âmbito da execução fiscal nº…………………………….. e apensos, a qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças de Sintra.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 7 de Junho de 2018


(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)