Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1378/22.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:O pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado após a prolação da decisão, antes do trânsito em julgado, pode ser apresentado no tribunal que a proferiu, como pedido de reforma quanto a custas, não havendo recurso, ou havendo recurso, deve ser requerido na alegação cfr. artigo 616.º n.ºs 1 e 2 do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, notificada do Acórdão proferido por este Tribunal veio requer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, por considerar que, no caso dos autos, se verificam preenchidos os respetivos pressupostos, para assim concluir refere, em suma, que.


«1.

Com efeito, no caso dos autos, caso não seja dispensado o pagamento do remanescente, tendo em conta o valor da causa (€ 631.554, 00), o mesmo pagamento é imposto, nos termos da lei, em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.a parte do n.° 7 do art.° 6.° do mesmo regulamento.

2.

Refira-se a este respeito que, de acordo com o art. 14° n.°9 do RCP (na redacção dada pela Lei 27/2019 de 28 de março) o pagamento do remanescente é imputado ã parte vencida, in casu, a Fazenda Pública.

3.

Segundo o acórdão do TCA Sul, no processo n.° 07140/14, o pagamento do remanescente é considerado na conta a final do processo, salvo casos específicos em que o juiz poderá, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

4.

In casu, o Juiz nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça [nos termos da 2.a parte do n.° 7 do art° 6.° do RCP], quando, claramente - atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes -, a especificidade da situação o justificava.

5.

No que diz respeito à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n.° 7 do art.° 530. ° do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso.

6.

Quanto à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no art.° 8. ° do CPC.

7.

Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (art.° 530. ° n.° 7) antecipou três grupos de requisitos, a saber:

> A existência ou não de articulados ou alegações prolixas - vide al. a);

> A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso - vide al. b);

> O terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas - vide al. c).


8.

A Fazenda Pública entende que adoptou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé.

9.

Resulta claro que, no decurso deste processo, a Fazenda Pública apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo à utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais.

10.

Relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, constata-se que não carece a questão da causa, no caso concreto, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso, susceptíveis de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma acção no valor de € 631.554,00. Sendo a decisão do recurso, em apreço, de complexidade inferior ao comum, assentando na falta de cumprimento pela FP do ónus previsto quanto a prova no art.° 640. ° n.° 1 do CPC. (Dada a natureza do processo em questão, a taxa de justiça em 1a instância, sendo fixa, também não implicaria o pagamento de remanescente.) 

11.

Por essa razão, não deve a Fazenda Pública ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado.

12.

Assim, solicita a Fazenda Pública que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.° 7 do art.° 6. ° do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça.

13.

Sob pena de, no caso dos autos, se incorrer na violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por se verificar que a taxa calculada é de montante manifestamente excessivo, ou seja, que ha uma desproporção intolerável entre o montante do tributo e o custo do serviço prestado, por esse custo resultar diretamente do elevado valor da ação, sem qualquer tradução na complexidade do processo. Sendo que, justamente por ser manifestamente elevado o valor em causa, ocorre, também, ainda uma violação evidente do direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais. Encontrar-se-ia deste modo a não aplicação do art. 7° n.° 6 do RCP no caso dos autos em violação do artigo 20. ° da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade (proibição de excesso), decorrente do artigo 2. ° da CRP.

14.

Neste sentido pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 421/2013, publicado no Diário da República n.° 200/2013, Série II de 2013-10-16, páginas 31096 - 31098, que: "Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.° da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.° e 18.°, n.° 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito."»

Requer que seja determinada a dispensa do remanescente da taxa de justiça neste processo.


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Os autos foram com vista ao Ex. mº Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal que disse nada ter a opor ao requerido.

»«

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir em conferência.

II – Questões a decidir

Impõe-se agora ao Tribunal apreciar e decidir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devendo para o efeito, apreciar se se verificam preenchidos os respetivos pressupostos para o seu deferimento.

III – Fundamentação

Dos factos

Com interesse para a decisão a proferir é de atender ao seguinte circunstancialismo processual:

A. Em 09/11/2022, foi proferida sentença pelo TT de Lisboa a julgar a reclamação procedente e determinar a anulação da decisão reclamada com a condenação da Fazenda Pública em custas processuais;

B. O valor da causa, indicado pela parte e não impugnado, corresponde a € 631 554;

C. A Fazenda Pública apresentou recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul;

D. Por Acórdão deste Tribunal proferido em 02/02/2023, foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida com a condenação da recorrente – Fazenda Publica - em custas;

Da apreciação do pedido

Notificada do Acórdão proferido por este Tribunal, a Fazenda Pública veio requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Vejamos então o que a este respeito se nos apraz dizer.

Como bem refere a requerente, decorre do disposto no n.º 7 do artigo 6.º, do RCP que “[N]nas causas de valor superior a € 275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Estamos, por conseguinte, perante uma dispensa de carater excecional que, nos mesmos moldes, em que se encontra previsto para o agravamento (n.º 7 do artigo 7.º do mesmo RCP), depende de avaliação casuística do julgador, devendo ter lugar aquando da fixação das custas ou, requerida, em caso de omissão, através de requerimento de reforma da decisão, ou em sede de recurso — vide, neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, proferido em 15/10/2014, no processo n.º 01435/12.

Não restam, assim, dúvidas de que o pagamento do remanescente da taxa de justiça nas ações de valor superior a € 275 000, pode ser dispensado, desde que a especificidade das circunstâncias relativas ao caso concreto o justifiquem atendendo-se, como nos diz a norma legal citada, à complexidade da causa e à conduta das partes, entendendo-se que o momento em que deve apreciar a questão é aquele em que é proferida a decisão relativamente às custas, que é, em regra, corresponde ao da decisão final.

A este propósito o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tem vindo, reiterada e pacificamente, a firmar que o pedido pode ser apresentado até ao trânsito em julgado da última decisão proferida e, caso a dispensa não tenha sido decidida anteriormente, deverá ser requerida em sede de reforma na última decisão quanto a custas.

No caso dos autos está em causa, um pedido de reforma nos termos previstos do disposto no artigo 616.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, pelo que, o requerimento apresentado pela Fazenda Pública pode ser convolado em requerimento de recurso quanto ao segmento das custas, por estar em tempo e do seu teor resultar a pretensão de obter a modificação da decisão quanto às mesmas(1).

Dissecando as circunstâncias do caso em análise, damos, desde logo conta, que aqui, se mostram preenchidos os pressupostos para proceder à requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, ou seja:

Ä O valor da causa corresponde a montante superior a € 275 000, mais precisamente em € 631 554.
Ä A decisão não exigiu elaboração técnica, nem de elevada especialização jurídica para além, da atividade normal, que pudesse considerar-se suscetível de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma ação daquele valor.
Ä O comportamento processual das partes foi normal e de colaboração com os Tribunais, não resultando do processo que tenham sido promovidos expedientes de natureza dilatória ou tenham sido praticados atos inúteis, limitando-se estas ao exercício dos direitos processuais legalmente previstos na tutela dos seus direitos, em cumprimento das respectivas atribuições, guiando-se as partes pelos princípios da cooperação e da boa fé.

Termos em que se mostra forçoso concluir pela verificação dos referidos pressupostos, e bem assim, pela circunstância de se verificar justificada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, conforme pedido formulado pela requerente, impondo-se o deferimento do pedido de ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, ao que se provirá na parte do dispositivo deste acórdão.

IV - DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em deferir a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor da causa que excede € 275 000,00.

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 20 de Abril de 2023.


Hélia Gameiro - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2ª Adjunta
(Com assinatura digital)


(1)Neste mesmo sentido, vide, o Acórdão de reforma quanto à dispensado remanescente proferido no processo n.º 493/09.0BESNT, que a, aqui relatora assinou com adjunta, e que por concordância seguimos de perto.