Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05786/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/28/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. DIREITO À DEDUÇÃO. FACTURAS. RETALHISTAS E PRESTADORES DE SERVIÇOS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Atento o mecanismo de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, só conferem direito à dedução, o IVA suportado nos inputs produtivos como tal mencionado em facturas e documentos equivalentes passados na forma legal, pelos vendedores dos produtos ou serviços;
2. Tais facturas têm de conter as menções constantes na várias alíneas do n.º5 do art.º 35.º do CIVA, o que constitui um verdadeiro requisito substancial em ordem ao exercício desse direito;
3. A simplificação de tais facturas para os retalhistas e prestadores de serviços, prevista no art.º 38.º do mesmo CIVA, apenas abrange a substituição das menções das alíneas c) e d) do n.º5 do art.º 35.º, que não, também, da sua alínea b).


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Sociedade Nacional de Investimentos e Turismo, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Que a sociedade processadora das facturas acima referidas, exerce a actividade de "prestação de serviços";
b) Que consta, das referidas facturas, entre outros elementos, o preço dos serviços, o IVA devido por esses serviços e a taxa aplicável aos mesmos;
c) Que as mencionadas facturas reúnem todos os requisitos para que se possam considerar emitidas sob a forma legal, pois foram emitidas no estrito respeito e obediência à previsão estabelecida no artigo 38° do CIVA, onde se não exige que tenham que ser observados os requisitos da alínea b) do artigo 35° do mesmo Código;
d) Com o devido respeito e salvo melhor opinião, estará claro que o tribunal "a quo" ao entender que as citadas facturas deviam conter, além dos requisitos exigidos no artigo 38° do CJVA, ainda os requisitos da alínea b) do artigo 35° do mesmo Código, para que se pudessem considerar emitidas sob a forma legal, fez errada interpretação da Lei e, consequentemente, julgou erradamente.

Nesta medida,
Mostrando-se reunidas todas as condições legais, deve o IVA liquidado e pago através daquelas facturas, ser reembolsado à ora recorrente.
Assim,
Nos melhores termos de direito e sempre com muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogado a douta sentença recorrida e proferida nova decisão de mérito favorável á recorrente, que declare procedente a impugnação judicial, na parte que respeita ao reembolso de € 13.110,74- articulado n° 19° da p.i. -.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, encontrando-se a sentença recorrida bem fundamentada de facto e de direito e ter efectuado uma correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta subsunção jurídica.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se as facturas desconsideradas pela AT como podendo servir para exercer o direito à dedução do imposto suportado e nelas mencionado, cumprem todos os requisitos legais para o efeito.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A actividade da impugnante consiste na exploração de um estabelecimento hoteleiro sem restaurante, a que corresponde o CAE 055124, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA;
2. Foi sujeita a um procedimento de inspecção com vista à análise dos reembolsos de IVA solicitados, abrangendo os exercícios de 2003, 2004 e 2005, que culminou com o relatório de 28/03/2007, a fls. 72, o qual damos aqui por integralmente reproduzido;
3. Consta daquele relatório, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«3. Fundamentos das correcções meramente aritméticas
Da análise efectuada aos documentos verificou-se que o sujeito passivo deduziu indevidamente imposto no valor de € 13.213,24.
13.110,74 - (Facturas nº 0021 de 10/02/2003; factura nº 0045 de 06/12/2004; factura nº 0051 de 05/06/2005 emitidas por Construções Santo Cristo, Lda....) - Considera-se que a dedução foi indevida nos termos do disposto no nº2 do artº 19º do CIVA, conjugado com o disposto na alínea b) do nº5 do artº 35°do CIVA, uma vez que os documentos em causa não se encontram emitidos na forma legal, isto é, nenhum dos documentos menciona qual o serviço prestado com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa a aplicar, as facturas ou documentos equivalentes devem especificar e quantificar as operações realizadas não se po4endo aceitar a mera indicação de "trabalhos realizados". Os documentos em causa, na designação dos serviços, têm "trabalhos efectuados de mão-de-obra", não indicando qual ou quais os "trabalhos" efectuados. Foi solicitado ao sujeito passivo cópia dos contratos/orçamentos celebrados com a firma B..., Lda., tendo este mencionado que "os trabalhos efectuados e facturados por esta empresa foram objecto de acompanhamento pelo técnico da empresa", não indicando quais os serviços realizados, nem apresentando os contratos/ orçamentos celebrados entre ambas. Assim, e pelo disposto no nº1 do artº 19° do Código do IVA, considera-se indevida a dedução.
(...)
IV - Direito de Audição
...No seu direito de audição o sujeito passivo reconheceu que os documentos em causa "não especificavam todos os trabalhos efectuados" tendo este solicitado, após receber o projecto de correcções, ao emitente dos documentos uma adenda aos documentos em causa.
De ressalvar que o que está em causa é somente saber se os documentos emitidos pela B..., Lda., estão emitidos na sua forma legal conforme estipula o Código do IVA, nunca sendo posto em causa se os serviços foram ou não prestados, nem qual o método utilizado pelo sujeito passivo para controlo dos mesmos.
Na análise dos documentos emitidos por B..., Lda., verificou-se que nenhum documento faz a menção a qualquer anexo ou adenda e que como menciona o sujeito passivo não especificam todos os serviços prestados.
Embora o sujeito passivo tenha solicitado à firma B..., Lda., uma adenda para justificar quais os serviços que foram por si prestados não faz com que os requisitos mencionados na alínea b) do nº5 do artº 35° do Código do IVA estejam cumpridos, não fazendo com que os documentos em causa passem a estar emitidos na forma legal conforme o disposto na alínea b) do nº5 do artº 35° do CIVA, como tal o IVA contido nos mesmos não pode ser deduzido nos termos do disposto no nº2 do artº 19° do Código do IVA».
4. Em sequência, foram propostas correcções de IVA nos montantes de € 4.522,74 para o ano de 2003; de € 1.242,50 para o ano de 2004 e de € 7.448,00 para o ano de 2005 (mapas resumo das correcções resultantes da acção de inspecção - fls. 65, 68 e 71);
5. Com base nas correcções levadas a efeito foram efectuadas liquidações de imposto e juros compensatórios nos montantes respectivos de € 4.522,74 e € 562,06 referenciadas ao período 0312T (fls. 29 e 32), de € 1.246,50 e € 105,32 referenciadas ao período 0412T (fls. 30 e 33) e de € 7.448,00 e € 480,75 referenciadas ao período 0506T (fls. 31 e 34);
6. As liquidações de imposto e juros compensatórios têm como data limite de pagamento voluntário, 31/10/2007 (notificações de liquidação - fls. 29 a 34);
7. A impugnação foi apresentada em 04/12/2007, conforme carimbo de entrada aposto na petição inicial;
8. As três facturas emitidas por B..., Lda., cuja dedutibilidade pela impugnante do IVA nelas liquidado não foi aceite pela AT constam de fls. 123 a 125 do apenso instrutor e mencionam no campo reservado a «Designação», "trabalhos efectuados de mão-de-obra" (factura n° 21) ou "trabalhos efectuados de mão-de-obra e material" (facturas nºs 45 e 51), nada constando no campo reservado a
«Quantidade»;
9. O sujeito passivo foi reembolsado do crédito de imposto solicitado, no montante de € 89.000,00 ("prints" automáticos de fls. 107 e 108 do apenso instrutor).

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não ocorreu a caducidade do direito
à liquidação quanto ao IVA relativo ao período 0312T, que não ocorreu a duplicação de colecta entre o montantes das liquidações adicionais e o crédito de imposto já deduzido e que as facturas cujos montantes foram desconsiderados pela AT como conferindo o direito à dedução do IVA nelas contido, não satisfazem os requisitos legais para o efeito, nada dizendo quanto à quantidade dos serviços prestados, exigida pela norma do n.º5 do art.º 35.º do CIVA, pelo que não conferem o direito à respectiva dedução.

Para a impugnante e ora recorrente, é apenas contra esta exigência de tais facturas se encontrarem sujeitas aos requisitos do n.º5 do art.º 35.º do CIVA, que vem a esgrimir argumentos em ordem a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o decidido visando a sua revogação, tendo deixado cair os demais fundamentos, continuando a pugnar que esta norma do n.º5 deste artigo não é aplicável no caso, mas tão só a do seu art.º 38.º, para além de que tais facturas reúnem todos os requisitos para com elas poder exercer o direito à dedução do IVA nelas suportado.

Vejamos então.
Atento o mecanismo específico de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, constante dos art.ºs 19.º e segs do CIVA, por expressa disposição do seu n.º2, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal ..., o que constitui, para esse sujeito passivo, um verdadeiro requisito substancial em ordem a poder exercer o direito à dedução nos seus inputs produtivos, como constitui jurisprudência corrente(1).

Entre esses requisitos legais para as facturas, figuram os constantes no n.º5 do art.º 35.º do mesmo CIVA, entre eles avultando a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados – sua alínea b) -, o que a matéria contida nos pontos 3. e 8. do probatório da sentença recorrida, manifestamente, que tais facturas não contém, como delas se pode colher de fls 123 a 125 do apenso, genericamente aludindo a trabalhos efectuados mão de obra, o que não permitiria, minimamente, controlar a sua realização e desta forma prevenir a fraude e a evasão fiscais, como bem se fundamenta na sentença recorrida.

Por outro lado e de forma mais desenvolta do que na sua petição inicial, agora em sede das presentes conclusões recursivas, continua a recorrente a pugnar que nos termos do disposto no art.º 38.º do mesmo CIVA, para certos sujeitos passivos como os retalhistas e os prestadores de serviços, as facturas por estes emitidas podem ser restringidas a alguns desses elementos, em substituição dos elementos contidos nas alíneas c) e d) do citado n.º5 do art.º 35.º do CIVA.

Porém, no caso, desde logo, os elementos em falta não se reportam a tais alíneas c) e d) – o preço, líquido de imposto ... e as taxas aplicáveis ..., o que a recorrente parece não ter atentado devidamente(2), em suma, mesmo na tese da recorrente, os elementos em falta nas facturas em apreço, não são aqueles que a norma do citado art.º 38º do CIVA, permite substituir, pelo que tal norma lhe não poderia ser aplicável no caso concreto para “validar” tais facturas com tais elementos em falta, por os mesmos não pertencerem à categoria daqueles que a norma deste artigo permite substituir, em simplificação.

Por outro lado, também sempre se dirá, que a ora recorrente jamais articulou que a empresa que lhe emitiu as citadas facturas, era uma mera prestadora de serviços, podendo ser subsumível à citada norma do art.º 38.º, nem tal matéria consta como provada no probatório da sentença recorrida, o qual, a ora recorrente, também não colocou em causa de forma válida, ao abrigo do disposto no art.º 690.º-A do CPC (redacção de então e a aplicável), pelo que o mesmo se tem de manter integralmente, sem tal prova, na falta também, de prova documental atinente, que este Tribunal pudesse, oficiosamente, dar como provada, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do mesmo CPC. Aliás, pelo contrário, nos descritivos de duas dessas facturas, é referido também, (o fornecimento de) material, desta forma, lançando a suspeita, ao menos, de que também possa ela própria (a empresa Construções – Santo Cristo, Lda), ser a produtora desses materiais fornecidos à ora recorrente.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 28/05/2013
EUGÉNIO SEQUEIRA
JOAQUIM CONDESSO
PEDRO VERGUEIRO






1- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 15-4-2009, recurso n.º 951/08-30.
2- Já que na matéria da sua conclusão c) invoca a alínea b) do n.º5 do art.º 35.º, que, como se viu, se não encontra abrangida pela norma do art.º 38.º, mas só as alíneas c) e d).