Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10/04.9BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IVA;
DEDUÇÃO;
DESPESAS ANTERIORES À ACTIVIDADE.
Sumário:I. Constitui jurisprudência reiterada do TJUE que um sujeito passivo, agindo como tal, tem o direito de deduzir o IVA devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues ou serviços que lhe foram prestados para efeitos de trabalhos de investimento destinados a serem utilizados no âmbito de operações tributadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

L..., veio deduzir impugnação judicial contra as liquidações de IVA dos períodos de 2000 e 2001 e juros, no montante global de € 14 150,44, com fundamento em vício de ilegalidade concreta por falta de pressupostos de incidência pessoal, vício de violação de lei por falta de fundamentação e vício de incompetência relativa em razão da hierarquia.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por decisão de 27 de Março de 2012, julgou procedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A - A douta sentença “a quo” anulou indevidamente as liquidações de IVA e Juros Compensatórios, contrariando o disposto no artigo 20° do Código do IVA;

B - Tal sentença assentou os seus fundamentos nos conceitos de ‘'custos”, para efeitos de imposto sobre o rendimento, divergentes do conceito de dedutibilidade do IVA suportado;

C - Dedutibilidade esta prevista e regulada no artigo 20° do CIVA, que dispõe que o IVA para ser dedutível, tem que respeitar a despesas que concorram para a realização de operações ativas;

D - As despesas relativamente às quais a AT não aceitou a dedutibilidade do IVA, são despesas relativas a obras efetuadas no edifício habitacional, nos períodos de IVA decorridos entre o 4º trimestre de 2000 e o 3º trimestre de 2001;

E - Nesse período o impugnante apenas se encontrava registado para o exercício da atividade de “Agricultura e Pecuária”; 

F - Apenas em Novembro de 2002, mais de um ano decorrido após a realização das obras, o impugnante veio declarar à AT a intenção de exercer a atividade de “Estalagem com Restaurante”;

G - Como tal, não concorrendo as despesas efetuadas para a prática de operações ativas, e face ao preceituado no artigo 20° do CIVA, é nosso entendimento que o IVA suportado com a realização dessas obras, não é dedutível;

H - Pelo que a douta sentença ‘ a quo” enferma de erro nos fundamentos, no julgamento dos fatos e no direito aplicável.

Pelas razões acima invocadas, deve ser dado provimento ao presente recurso e como consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que Julgue a presente impugnação improcedente,

Como é de justiça.»


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido do provimento do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) O Impugnante é dono de uma herdade, com terrenos agrícolas e casas;

B) E efectuou obras de reconstrução e ampliação da casa de habitação e armazéns (cf. 33 a 41 dos autos);

C) E exerce a actividade de Culturas Agrícolas N. E. - CAE 001112, como empresário em nome individual (cf. fls. 10 do PA junto);

D) Em 2002.11.28, declarou pretender exercer como actividade secundária Estalagem com restaurante - CAE 055013 (Id.);

E) Na sequência de pedido de reembolso de IVA foi desencadeada acção inspectiva parcial aos exercícios de 2000, 2001 e 2002 (Id.);

F) Do relatório elaborado em 2003.06.25, constante de fls. 8 a 14 do PA junto e aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:

a. (...);

b. Capítulo 2 - Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção Inspectiva:

i. (...);

ii. C - Outras situações:

1. (...);

2. O crédito acumulado, que originou os reembolsos em causa, resultou de IVA suportado, gradualmente nos vários períodos, em outros bens ou serviços, investimentos em imobilizado - aquisição de um tractor agrícola marca New Holland, matrícula 8..., e principalmente, em obras no prédio de habitação da propriedade agrícola;

iii. Capítulo 3 - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável:

1. Deduziu indevidamente IVA respeitante às obras efectuadas no edifício habitacional situado na propriedade agrícola, entre os períodos 0012t e 0109t (...);

2. Note-se que a declaração de alterações com a actividade secundária «Estalagem com Restaurante», foi apresentada apenas em 2002.11.28, data bastante posterior às referidas obras:

a. Período 0012t - IVA em falta - € 799,63 (...);

b. Período 0103t - IVA em falta - €2 122,39 (...);

c. Período 0106t - IVA em falta - €8 436,23 (...);

d. Período 0109t - IVA em falta - € 1 174,97 (...);

iv. (...);

G) Em 2003.08.05, foi emitida a liquidação adicional de IVA n° 0…5, do período de 2000, no montante de € 799,63, com data limite de pagamento de 2003.10.31 (cf. fls. 28 dos autos);

H) Em 2003.08.05, foi emitida a liquidação adicional de IVA - juros compensatórios, n° 0…4, do período 0012t, no montante de € 128,20, com data limite de pagamento de 2003.10.31 (cf. fls. 29 dos autos);

I) Em 2003.08.05, foi emitida a liquidação adicional de IVA n° 0…9, do período de 2001, no montante de € 11 733,59, com data limite de pagamento de 2003.10.31 (cf. fls. 30 dos autos);

J) Em 2003.08.05, foi emitida a liquidação adicional de IVA - juros compensatórios n° 0…6, do período 0103t, no montante de € 304,05, com data limite de pagamento de 2003.10.31 (cf. fls. 31 dos autos);

K) Em 2003.08.05, foi emitida a liquidação adicional de IVA - juros compensatórios n° 0…7, do período 0106t, no montante de € 1 058,11, com data limite de pagamento de 2003.10.31 (cf. fls. 31-A dos autos);

L) Em 2003.08.05, foi emitida a liquidação adicional de IVA - juros compensatórios n° 0…18, do período 0109t, no montante de € 126,86, com data limite de pagamento de 2003.10.31 (cf. fls. 32 dos autos);

M) A notificação das liquidações identificadas nas alíneas G), H), I) J), K) e L) foi assinada, por chancela, pelo Subdirector-Geral J… (cf. fls. 28 a 32 dos autos)

N) Em 2004.01.05, no Serviço de Finanças de Ourique, deu entrada a presente impugnação.

O) Em 1988.12.02, o Impugnante apresentou na Câmara Municipal de Ourique, projecto de arquitectura para reconstrução e ampliação do Monte da T…, em Panoias, tendo como finalidade a sua futura utilização para implementação de turismo rural (cf. fls. 15 e 42 a 51 dos autos);

b) Factos não provados

Dos demais factos constantes da impugnação, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.

IV - Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas, que os confirmaram.

1ª Testemunha: J…: trabalhou para o antigo e para o actual proprietário da propriedade; disse que a casa tem mais de 30 quartos e que enquanto lá trabalhou viu as obras que foram sendo feitas; as obras ainda não foram concluídas e que são visíveis da estrada; desde o início que ouviu ao Sr. L… que pretendia instalar uma unidade turística na casa principal; nos terrenos é feita cultura de sequeiro, principalmente trigo e centeio; o Sr. L... vai lá muitas vezes, ficando instalado em parte do rés-do-chão, mas não fica mais de quinze dias.

2ª Testemunha: F…: trabalha na propriedade e confirmou que foram feitas obras na mesma para adaptar a casa a turismo; nos terrenos agrícolas é plantado trigo;

3ª Testemunha: S…: é um edifício senhorial, com interesse arquitectónico ou traços arquitectónicos interessantes; a casa tem o nome do então senhor da propriedade J…; o edifício original tinha muitos quartos; é uma casa demasiado grande para uma família e é própria para turismo rural ou ecoturismo; conhece o Sr. L... desde 1987, que era cliente do restaurante dos pais; sentiu-se mal no restaurante e tiveram que chamar o médico; dias depois o Sr. L... foi agradecer a assistência prestada e contou que tinha comprado uma propriedade turística; em 1989 foi visitar a herdade; ficaram amigos e o Sr. L... chegou a pedir-lhe para ir acompanhando a obra na sua ausência; sabe que o Sr. L... tinha o projecto aprovado pela Câmara Municipal; e chegou a ir a reuniões na Câmara; por uma questão de direitos de autor tiveram que apresentar um novo projecto; foi pedido turismo rural com actividade agrícola ou agro-turismo e foi considerado pela Direcção Geral de Turismo como um projecto de interesse.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela ERFP, resulta que está em causa saber se se verifica erro de julgamento quanto à aplicação e interpretação do artigo 20º do CIVA.

A presente impugnação judicial foi deduzida pelo Recorrido contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2000 e 2001, efectuadas pela AT, na sequência de pedido de reembolso de IVA.

Pretendia o Recorrido a dedução do IVA por si suportado com despesas de obras efectuadas em edifício de sua propriedade, que não foram aceites por se tratar de edifício habitacional, não afecto a uma actividade comercial

A sentença recorrida considerou procedente a impugnação judicial, anulando as liquidações impugnadas, tendo para o efeito delimitado a questão na óptica dos custos incorridos nos termos do preceituado no artigo 23º do CIRC.

Dissente a Recorrente do decidido por entender que, estando em causa a dedutibilidade dos custos em sede de IVA (nos termos do preceituado no artigo 20º do CIVA), a sentença recorrida fez errada aplicação ao caso em apreço dos conceitos de “custo”, considerados para efeitos de IRS e IRC.

Refere que os Serviços de Inspecção Tributária não colocaram em causa a dedutibilidade das despesas incorridas para a obtenção de um possível rendimento, mas sim a dedutibilidade do IVA suportado a montante que, face ao não exercício de operações activas sujeitas a IVA, não poderá ser repercutido e suportado pelo utilizador ou consumidor final.

Afirma a Recorrente que a sentença recorrida não coloca em causa nem refuta as conclusões do RIT, no sentido de que as despesas relativamente às quais a AT não aceitou a dedutibilidade do IVA são despesas relativas a obras efectuadas no edifício habitacional, nos períodos de IVA decorridos entre o 4º trimestre de 2000 e o 3º trimestre de 2001, período esse em que o Recorrido apenas se encontrava registado para o exercício da actividade de “Agricultura e Pecuária”. Sendo que, apenas em Novembro de 2002 (mais de um ano decorrido após a realização das obras) o Recorrido veio a declarar à AT a intenção de exercer a actividade de estalagem com restaurante.

Conclui que, não concorrendo as despesas efectuadas para a prática de operações activas, e considerando o preceituado no artigo 20º do CIVA, não é dedutível o IVA suportado com a realização das obras, pelo que considera enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento.

Vejamos, então.

Comecemos por dizer que não oferece dúvida que estão em causa liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2000 e 2001, emitidas na sequência de acção inspectiva desencadeada por força de pedido de reembolso de IVA solicitado pelo Recorrido, nos termos do qual considerou dedutível o IVA suportado com despesas de obras em edifício de sua propriedade, naquele período, como ressalta da p.i. da impugnação judicial e da factualidade assente na sentença recorrida.

Em momento algum, ao longo do processo, se equaciona a questão do enquadramento daquelas despesas como custos fiscais ao abrigo do artigo 23º do CIRC.

Certo é, porém, que a sentença assim o não entendeu, tendo procedido à análise da questão na óptica da sua repercussão em sede de IRC, nos seguintes termos:

“(…) O impugnante não se conforma com o não reembolso do IVA suportado a propósito dos custos de investimento em empreendimento turístico projectado e a que posteriormente a Câmara Municipal veio a dar adesão de princípio.

A Administração Fiscal para a negativa fundamentou-se precisamente em não estar formalizada a actividade turística em causa.

Não questiona a veracidade e eficiência dos documentos apresentados pelo contribuinte e por isso mesmo não contraria os factos nem os montantes envolvidos.

Reduz-se pois a questão em saber se o reembolso do IVA é possibilitado pelo motivo normativo de as despesas poderem ser repercutidas em sede de IRC.(…)”

Enquadrada a questão como o foi pela sentença recorrida, a análise efectuada e posterior decisão centrou-se na indispensabilidade dos custos e demais requisitos exigidos pelo artigo 23º do CIRC.

Como supra vimos, impugnadas nestes autos foram as liquidações adicionais de IVA, emitidas na sequência de pedido de reembolso de IVA, tendo a AT considerado que as despesas com as obras não eram dedutíveis nos termos do artigo 20º do CIVA.

Se atentarmos no excerto do RIT transcrito na alínea F) do probatório verificamos que em causa está o IVA, sendo que a AT considerou indevidamente deduzido o imposto respeitante a despesas com obras em edifício habitacional.

O que significa que não se pode manter a sentença recorrida na parte em que analisou a questão na perspectiva do IRC, uma vez que a análise efectuada pela AT se centrou na admissibilidade da dedução das despesas incorridas com as referidas obras em sede de IVA.

Cumpre, pois, conhecer a questão enquadrada em sede de IVA, concretamente, considerando o preceituado no artigo 20º do CIVA (na redacção à data), o que faremos em seguida.

A Recorrente refere que nos períodos de IVA compreendidos entre o quarto trimestre do ano de 2000 e o terceiro trimestre de 2001, o Recorrido realizou diversas obras no edifício habitacional sito na sua propriedade agrícola. E que, durante esse período, apenas se encontrava fiscalmente registado para o exercício da actividade de “Agricultura e Pecuária”, tendo iniciado a actividade em 10 de Agosto de 1990, e enquadrado no Regime Normal do IVA, com periodicidade trimestral.

Mais afirma que, nos períodos correspondentes ao 1º e 3º trimestre de 2001, o Recorrido solicitou reembolsos de IVA, relativos aos créditos entretanto acumulados, sendo que, no decurso da acção inspectiva desencadeada para confirmação dos reembolsos, verificaram os SIT que o Recorrido considerara dedutível o IVA contido nas facturas respeitantes a obras efectuadas no edifício habitacional, quando apenas se encontrava registado, em sede de IVA, para o exercício da actividade de “Agricultura e Pecuária”.

E que, apenas em 20 de Novembro de 2002, decorrido mais de um ano após a realização das referidas obras, o Recorrido se registou em sede de IVA, para a prática da actividade secundária de “Estalagem com Restaurante”, pelo que entendeu a AT que o IVA suportado com as obras no edifício habitacional não concorria par a prática de operações activas, não sendo, por essa razão, dedutível, nos termos do preceituado no artigo 20º do CIVA.

Pugna pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por Acórdão que julgue improcedente a impugnação judicial.

Vejamos.

Não oferece dúvida que a factualidade descrita pela Recorrente foi considerada provada pela sentença recorrida, como resulta das alíneas a) a f) do probatório, não tendo sido, de resto, posta em causa em sede recursiva.

A questão está pois, em saber se era possível deduzir o IVA suportado com despesas de obras efectuadas em edifício sito na propriedade do Recorrido, com o objectivo de o adaptar a actividade de alojamento turístico e restauração, quando, à data da realização das mesmas, o Recorrido exercia, apenas, em sede de IVA, a actividade de agricultura e pecuária.

Note-se que a sentença recorrida considerou facto assente o pedido de inscrição como actividade secundária de “Estalagem com Restaurante”, efectuado em 28/11/2002, bem como a apresentação de projecto de arquitectura na Câmara Municipal de Ourique, em 02/12/1988, para reconstrução e ampliação do Monte da T…, em Panoias, tendo como finalidade a sua futura utilização para implementação de turismo rural (cfr. alínea o) do probatório).

Recorde-se que a fundamentação do RIT menciona que o imóvel objecto das obras, nas quais foram utilizados os bens e serviços adquiridos, não se encontra afecto, actualmente, a qualquer actividade tributável; Se o contribuinte pretende fazer a sua afectação a uma unidade hoteleira ou a uma utilização turística e não existindo, por enquanto, qualquer autorização das autoridades que tutelam o sector, pode dizer-se que se trata apenas de intenção e não de realidades relevantes na situação em apreço.

Recorde-se que a sentença considerou assistir razão ao Recorrido relativamente à invocada falta de fundamentação da decisão tributária, segmento que não foi posto em causa pela ora Recorrente.

Importa, pois, apreciar a bondade da decisão do RIT que fundamentou as liquidações impugnadas no que diz respeito à não aceitação da dedutibilidade das despesas com obras no edifício, em virtude de não se enquadrarem na actividade que, à data, o Recorrido exercia.

Sobre esta matéria pronunciou-se já este TCAS, em Acórdão proferido em 04/06/2017, proferido no âmbito do processo nº 7097/13, nos seguintes termos:

“ (…) De harmonia com o artigo 20º do CIVA (Este artigo, que corresponde ao nº 3 do artigo 17º da Directiva 77/388/CEE, refere-se à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações indicadas nas suas alíneas.), só há direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que tiver incidido sobre bens ou serviços adequados (e não alheios) à actividade característica do sujeito passivo, prescrevendo o item I., al.b) do n.º1 do preceito que « Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

(…) b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º

É sabido que o direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais características deste tributo, tal como foi, desde logo, consagrado no artigo 2º da Primeira (Directiva n.º 67/227/CEE, do conselho, de 11 de Abril de 1967, publicada no JO n.º L 71. de 14.3.67), nos seguintes termos: « [E]m cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, co prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.».

(http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=137304&doclang=PT)

Como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE): «O regime das deduções assim estabelecido visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA (v. acórdãos de 29 de abril de 2004, Faxworld, C-137/02, Colet., p. I-5547, n.° 37, e de 22 de dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, Colet., p. I-14009, n.° 24).»

( http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=137304&doclang=PT)

Contudo, o exercício do direito à dedução suportado nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é, um direito livre ou incondicionado, dependendo antes da verificação de determinados requisitos subjectivos e objectivos.

Nos primeiros figura, desde logo, a condição de o adquirente ser ele próprio um sujeito passivo de imposto actuando como tal, isto é, que adquire bens e serviços para os utilizar efectivamente na sua actividade tributária. Já no plano objectivo, o legislador impõe, designadamente, que as aquisições (rectius, despesa em causa) não estejam excluídas do direito à dedução.

Também o TJUE, considera que: « (…) o direito à dedução depende, em primeira linha, da existência de uma relação directa e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, no sentido de que, na ausência dessa relação, aquele direito é liminarmente recusado, independentemente de averiguações suplementares. Numa segunda linha, é preciso que exista também uma relação específica entre o bem ou o serviço adquirido e aquelas operações que, enquadradas na actividade global do mesmo sujeito passivo, podem classificar-se estritamente como operações tributáveis.» (Portugal Telecom SGPS, proc. n.º C-496/11 de 6.9.2012 )

(http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=126423&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=381147)

No âmbito do direito nacional, de acordo com o disposto no artigo 19.º do CIVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no artigo 20º do mesmo CIVA, sendo pressuposto do direito à dedução que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o exercício da sua actividade (preceito que vai, como já dissemos atrás, na linha do nº 3 do artigo 17º da Directiva 77/388/CEE).

(…)

Expendendo CLOTILDE PALMA, a este propósito o seguinte: «[o] TJCE não exige que a actividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser deduzido relativamente a actividades preparatórias. Veja-se, a este propósito, nomeadamente, o Acd. D.RonipeInian-Van Deelen c. Minister van Financiên, de 14 de Fevereiro de1985, Proc. 268/83, Rec. p.655.» (Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.152)(…)

Aliás, tal como o TJUE referindo-se às despesas de uma sociedade no investimento da sua actividade tem vindo a declarar que: « A este propósito, importa recordar que quem tem a intenção, confirmada por elementos objectivos, de iniciar de modo independente uma actividade económica na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva e para esse fim efectua as primeiras despesas de investimento deve ser considerado um sujeito passivo. Actuando como tal, essa pessoa tem portanto, de acordo com os artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva, o direito de deduzir imediatamente o IVA devido ou pago sobre as despesas de investimento efectuadas para os fins das operações projectadas que concedem o direito à dedução, sem ter de esperar o início da exploração efectiva da sua empresa (acórdãos de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.° 17, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.° 47). (http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=45338&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=276810).

PATRÍCIA NOIRET DA CUNHA conclui : «(…) as despesas de investimento iniciais efectuadas com vista ao exercício de uma actividade económica devem ser consideradas como constituindo uma actividade económica. O direito à dedução pode ser exercido a partir desse momento, sem que seja necessário esperar pela realização de operações sujeitas a imposto.

Esta solução foi admitida desde a primeira vez que o Tribunal [TJCE] foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão: no acórdão Rompleman, o Tribunal declarou que as actividades preparatórias, como a aquisição de meios de exploração e, em particular, de um imóvel, deviam ser imputadas às actividades económicas (cons. 22). § O Tribunal de Justiça extraiu todas as consequências desta concepção extensiva do conceito de actividade económica no acórdão INZO, no qual ditou que as despesas incorridas com a elaboração de um estudo de viabílídade económica, por um sujeito passivo, com vista à realização futura de operações comerciais, devem ser consideradas como constituindo uma actividade económica, ainda que tais operações comerciais não tenham sido efectivamente realizadas, uma vez que não foram consideradas rentáveis.» (Imposto sobre o Valor Acrescentado - Anotações - ISG, Coimbra, 2004, pág. 304 e ss.).

Se tal não sucedesse, o operador económico seria onerado com o custo do IVA no quadro da sua actividade económica e produzir-se-ia uma distinção arbitrária entre as despesas de investimento antes e durante a realização de operações sujeitas a imposto, o que seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA (Neste sentido vide PATRÍCIA NOIRET DA CUNHA, ob. cit, pág.317 e acórdão Rompelman, processo C-280/10 de 15 .09.2011) (http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30db140b03b8cb164da0a7a2a97197042b0d.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuLbNn0?doclang=PT&text=&pageIndex=0&part=1&)(...)

Veja-se, também, o Acórdão do TCAN de 15/10/2010, proferido no âmbito do processo nº 13/2000:

“(…)Ao que acresce que, da jurisprudência que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem produzido sobre a matéria, a propósito, sobretudo, da interpretação das normas pertinentes da Sexta Directiva, decorre que a norma do artigo 20º do CIVA (na redacção aqui aplicável) deve ser interpretada no sentido de que nela se exige que os bens e serviços adquiridos estejam directamente relacionados com o exercício da actividade mas não que esta se tenha iniciado – neste sentido, Patrícia Noiret Cunha, Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Anotação ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pág. 317. Aliás, como resulta da jurisprudência do firmada pelo TJUE no acórdão INZO, o exercício do direito à dedução mantém-se válido mesmo que o sujeito passivo, posteriormente, decida não passar à fase operacional e, pelo contrário, liquide a sociedade comercial, de tal modo que a actividade económica prevista não tenha dado lugar à prática de quaisquer operações sujeitas a imposto – cf. acórdão Tribunal de Justiça 29 Fev. 1996 (acórdão INZO), disponível em http://eurlex.europa.eu.(...)”

Regressando ao caso dos autos, e considerando a matéria de facto assente, temos por seguro afirmar que não é correcta a afirmação do RIT de que a utilização turística do edifício alvo de intervenções seria uma mera intenção, já que, à data em que o RIT foi elaborado não só já tinha sido submetido o projecto de arquitectura na Câmara Municipal de Ourique, como já tinha sido alterada a actividade do Recorrido, por forma a incluir a Actividade de exploração turística e de restauração. Estas circunstâncias revestem, para nós, uma evidente realidade relevante na situação em apreço (nas palavras do RIT) e não uma mera intenção.

Nessa medida, e aplicando a doutrina do TJUE seguida pelo Acórdão referido supra, devem ser deduzidas as despesas com as obras no edifício, com vista à sua adaptação à exploração turística (que não vem posta em causa), não obstante terem sido efectuadas em momento anterior à ampliação/alteração da actividade comercial do Recorrido, por se assumirem como preparatórias ao início da actividade.

Ou seja, quem tem a intenção, confirmada por elementos objectivos, de iniciar de modo independente uma actividade económica e para esse fim efectua as primeiras despesas de investimento deve ser considerado um sujeito passivo. Actuando como tal, essa pessoa tem portanto, de acordo com os artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva, o direito de deduzir imediatamente o IVA devido ou pago sobre as despesas de investimento efectuadas para os fins das operações projectadas que concedem o direito à dedução, sem ter de esperar o início da exploração efectiva da sua empresa (vide Acórdão citado).

Face ao supra exposto, embora com a presente fundamentação, será de negar provimento ao recurso, considerando procedente a impugnação.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso, sendo de manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Julho de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)