Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09847/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2016
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:GARANTIA/DISPENSA/INSOLVÊNCIA/PER
Sumário:I – A existência do PER, só por si, não determina necessariamente a dispensa de prestação de garantia nas execuções fiscais em que estejam em causa a cobrança de dívidas tributárias.
II – Constitui obrigação do executado requerer, sendo essa a sua pretensão, a dispensa da prestação de garantia e de alegar e comprovar que reúne os pressupostos a essa concessão, isto é, que a prestação de garantia lhe acarretará prejuízo irreparável ou a falta manifesta de meios económicos para a prestar, bem como, em qualquer um dos casos, que a insuficiência ou inexistência dos bens não lhe é imputável, isto é, que por essa insuficiência não é responsável (artigo 52.º, n.º4, da Lei Geral Tributária)
III – Tendo o requerente da dispensa de prestação alegado e juntado documentos tendentes a provar todos os pressupostos referidos em II, bem como requerido a produção de prova testemunhal tendo em vista a comprovação daqueles factos, e não resultando, da integral produção da prova produzida, preenchido qualquer um dos pressupostos supra mencionados, é inatacável a sentença que julgando improcedente a reclamação judicial deduzida confirmou o acto do órgão de execução fiscal que indeferiu aquele pedido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I – Relatório
L..., Lda., inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação judicial por si deduzida contra o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia - apresentado no âmbito do processo de execução fiscal nº ... e apensos, contra si instaurado para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de Coimas Fiscais, dos anos de 2013, 2014 e 2015, interpôs o presente recurso jurisdicional.

Tendo alegado, aí concluiu nos seguintes termos:

«55°. A Recorrente encontra-se em Processo Especial de Revitalização,

56°. A Recorrente apenas é proprietária de dois veículos automóveis, de valor muito reduzido;

57°.Todo e qualquer crédito obtido pela Recorrente é canalizado para o pagamento e bom cumprimento do Plano de Revitalização, para o pagamento de salários dos seus trabalhadores e demais encargos essenciais ao funcionamento da sociedade comercial;

58°. A Recorrente não consegue obter financiamento de nenhuma entidade bancária;

59°. O valor da garantia de € 87.207,05 é manifestamente elevado considerando a situação da sociedade Recorrente que se encontra em início de cumprimento do Plano de Revitalização ora aprovado,

60°. O que, obviamente, originaria ainda mais prejuízo à Recorrente, prejuízo que se visou acautelar com o PER, de forma a evitar um processo de insolvência.

61°. Insolvência esta que será inevitável, caso não seja dispensada a prestação da garantia.

62°. Da factualidade demonstrada resulta claramente que a Recorrente não tem meios económicos suficientes, manifestada pela insuficiência de bens penhoráveis,

63°. Bem como que a Recorrente corre o sério risco de ser atingida por um prejuízo irreparável que, levará, inevitavelmente, à sua insolvência.

64°.Neste sentido, e a fim de prosseguir com a sua actividade comercial, mantendo em dia os compromissos com os trabalhadores, fornecedores, clientes e com a própria Autoridade Tributária, requerer a Recorrente a Vossa Excelência a isenção da prestação da garantia ora exigida no valor de € 87.207,05 (oitenta e sete mil, duzentos e sete euros e cinco cêntimos), possibilidade esta legalmente consagrada,

NOS TERMOS EXPOSTOS e com o douto suprimento de Vossa Excelência, deve ser revogada a douta Sentença proferida e a ora Recorrente isenta de prestar a garantia solicitada no presente processo.».


A Recorrida notificada da admissão do recurso, não contra-alegou.

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigos 657.º do Código de Processo Civil e 278.º, n.º 5 do CPPT), cumpre, agora, decidir.

II. Objecto de recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, entende-se que o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se o Tribunal a quo errou ao julgar improcedente a reclamação com fundamento em que não resultaram provados factos bastantes a que pudesse dar como preenchidos os pressupostos de que está dependente a dispensa de prestação de garantia.

III. Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foi fixada - como assente e com relevo para a apreciação do mérito dos autos - a seguinte factualidade:

1) A reclamante dedica-se à atividade publicitária.

2) A partir de 2011 verificou-se uma diminuição no mercado publicitário, que se refletiu na atividade da reclamante.

3) A carteira de clientes da reclamante tem-se mantido constante ao longo dos anos, sendo maioritariamente constituída por clientes particulares.

4) Os clientes mencionados em 3) regra geral não exigem a apresentação de certidão de não dívida da reclamante ao Estado.

5) Foi instaurado, a 16.07.2013, no SF de ..., contra a reclamante, o PEF n°..., sendo a dívida exequenda no valor de 11.272,77 Eur. (cfr. fls.1A a B).

6) Foram apensados ao PEF mencionado em 5) os seguintes PEF:
PEFQuantia exequenda
48,34
4.879,15
9.618,50
13.859,64
9.569,42
1.734,19
5.307,28
4.000,00
3.225,01
2.590,65
390,62
1.295,73
387,60

(cfr. fls. não numeradas do PEF apenso).

7) Por referência a 24.07.2015, a dívida exequenda relativa aos processos mencionados em 5) e 6) era de 66.028,69 Eur. (cfr. fls. 166).

8) Foi instaurado na Comarca de Lisboa - Instância Central, 1ª Secção de Comércio - J2, de Lisboa, processo especial de revitalização, sendo devedora a reclamante, ao qual foi atribuído o nº.../14. 9TSLSB (cfr. fls. 16).

9) Nos autos mencionados em 8), foi proferido, a 15.12.2014, despacho de nomeação de administrador judicial provisório (cfr. fls. 16).

10) Foi apresentado, nos autos referidos em 8), plano de revitalização da reclamante, do qual consta designadamente o seguinte:
• Quanto aos créditos comuns detidos por Fornecedores está previsto o pagamento da totalidade do montante em dívida e a sua liquidação em 108 prestações mensais, iguais e postecipadas, a iniciar um ano após o trânsito em julgado da homologação do Plano de Recuperação. As condições ora apresentadas, e que se demonstram mais benéficas a nível de prazo quando comparadas com os demais credores relevantes, justificam-se pela necessidade da Devedora se socorrer dos seus fornecedores para prosseguir com a sua actividade, e gerar os meios necessários à satisfação dos seus créditos. Não há lugar ao pagamento de juros vencidos nem vincendos.

• Relativamente aos créditos detidos pelos Trabalhadores está previsto o pagamento da totalidade do capital em dívida em 24 prestações mensais, iguais e postecipadas, a iniciar após o trânsito em julgado da homologação do Plano de Recuperação. Não há lugar ao pagamento de juros vencidos e vincendos. Os valores a liquidar a estes credores serão aqueles que resultarão de acordo entre a Devedora e Trabalhador ou por decisão judicial, sendo que o valor reconhecido no presente Processo apenas deverá ser considerado para efeitos de votações.

• Quanto à Fazenda Nacional importa referir o conteúdo da Redacção dada pela Lei nº64-B/2011, de 30 de Dezembro, os quais esclarecem que as dividas fiscais podem ser regularizadas em 150 prestações mensais, com um mínimo por prestação de 10 unidades de conta (nº6 do artigo 196º do CPPT), pelo que no presente caso o montante em dívida será regularizado em 62 prestações mensais, iguais e sucessivas, com o devido acerto na última prestação.
Quando ao pagamento da primeira prestação prevê-se o seu pagamento no mês seguinte ao do términus do prazo previsto no nº5 do artigo 17ºD do CIRE.
Não é solicitada qualquer redução de coimas e custas.
Não há lugar a qualquer moratória.
Propõe-se o pagamento de juros vincendos à taxa anual de 5.476% a liquidar mensalmente sobre o capital em dívida, uma vez que a Devedora não tem condições de assegurar garantias bancárias ou hipotecas sobre imóveis, pelo que a taxa de juro moratória vincenda reflecte tal situação.
Ao abrigo do disposto no artigo 196º, nº3, al. a) do CPPT requer-se a dispensa da obrigação de substituição da gerência porquanto a mesma se demonstra fundamental para a continuidade da empresa nos termos do plano de recuperação ora apresentado sendo o seu know-how fundamental para a sua continuidade.

• Relativamente à Segurança Social propõe-se o pagamento do capital em dívida consolidado a data do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório em 80 prestações mensais postecipadas, a iniciar no mês seguinte ao trânsito em julgado da homologação do Plano de Recuperação. Propõe-se o pagamento de juros vincendos à taxa anual de 5.476% sobre o capital em dívida, a liquidar mensalmente, uma vez que a Devedora não tem condições de assegurar garantias bancárias ou hipotecas sobre imóveis, pelo que a taxa de juro moratória vincenda reflecte tal situação. De igual forma, que as acções executivas pendentes para cobrança de dividas à segurança social não são extintas e mantém-se suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado. Prevê-se ainda o pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de acções executivas que se encontram suspensas na respetiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação devendo tal pagamento ser efectuado junto da secção de processo executivo na qual se encontra suspensa a acção executiva.” (cfr. fls. 217 e 218).


11) Nos autos mencionados em 8), foi proferido, a 16.06.2015, despacho de nomeação de homologação do plano de revitalização da reclamante (cfr. fls. 27 a 29, 37 e 95).

12) Por referência a maio de 2015, a impugnante tinha registado, no respetivo balancete acumulado, os seguintes valores:
Conta
Descrição

Saldo Devedor

Saldo Credor
12Depósitos à ordem 2.930,45
14Outros Instrumentos financeiros28.119,64
21Clientes636.615,55
22Fornecedores753.778,95
23Pessoal83.337,52
24Estado e outros entes públicos124,904,62
25Financiamentos obtidos181.972,22
26Accionistas / Sócios12.953,51
27Outras contas a receber e a pagar659.030,41
29Provisões19.238,25
41Investimentos financeiros242.575,88
43Activo fixos tangíveis25.964,35
51Capital65.000,00
55Reservas3.126,05
56Resultados Transitados322.087,35
62Fornecimentos e serviços externos113.178,48
63Gastos com o pessoal83.100,25
68Outros gastos e perdas1.554,02
69Gastos e perdas de financiamento1.344,69
72Prestações de Serviços(…)227.965,26

(cfr.fls. 96 a 102).

13) No âmbito do PEF referido em 5) e referidos apensos, foi elaborado ofício, pelos serviços da AT, datado de 24.07.2015, dirigido à reclamante e pela mesma recebido, para efeitos de definição das condições do pagamento em prestações, no qual é indicado o valor de cada prestação e o valor da garantia a prestar, constando do mesmo designadamente o seguinte:

CONDIÇÕES DO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Serviço de FinançasData do DespachoN° do Plano de Pagamento
2015-07-15

Valor da Dívida
Exequenda
N° Prestações AutorizadasValor de cada PrestaçãoValor da Garantia
66.028,69641.031,7087.207,05
(cfr. fls. 85, sendo não controvertida a sua receçao).

14) Na sequência do mencionado em 13), a reclamante apresentou, junto do SF de ..., requerimento de isenção de prestação de garantia, constando do mesmo designadamente o seguinte:
“(…)
3°. A realidade do país não passou ao lado da actividade exercida pela Executada, que veio

4°. Razão pela qual a Executada avançou como o Processo Especial de Revitalização, que corre termos na Instância Central de Lisboa, 1ª Secção de Comércio - J2, sob o processo n°.../14.9T8LSB,
(…)
Note-se Que,

7°. A ora Executada sempre actuou em total respeito celas normas vigentes no nosso ordenamento jurídico,

8°. Constituindo a presente situação uma clara excepção, que resulta unicamente da situação económico-financeira nacional que atingiu a Executada, mas que esta pretende ultrapassar mediante o Plano de Revitalização já homologado.
(…)

9°. E deparando-se com a necessidade de prestar uma garantia que, não obstante tenha sido apurada em obediência aos critérios legais, verificou a Executada, através de uma minuciosa análise aos seus dados contabilísticos que, a sua prestação implicaria um enorme esforço na gestão de Tesouraria, tal como resulta da análise do total das contas de razão e de movimento dos Balancetes acumulados em Maio de 2015, conforme cópias que se juntam e se dão por integralmente reproduzidas sob Docs. 2 e 3 para todos os efeitos legais.

10°. O que acabaria, inevitavelmente, por culminar num incumprimento do mencionado Plano, ao abrigo do Processo Especial da Revitalização,

11°. Pondo inclusivamente em causa o cumprimento do plano de pagamento da dívida reconhecida à própria Autoridade Tributária e Aduaneira,

12°.Causando, dessa forma, prejuízos irreparáveis, para a Executada e para todos os credores do PER.

Ademais.

13°. A Executada entende ainda como já suficientemente garantido a conduta adoptada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, até então,

14°. Apesar da situação de crise conjuntural nacional que a ora Executada atravessa, e que tem vindo a criar dificuldades de liquidez totalmente inesperadas.
Assim,

15°. Entende-se que, em virtude da homologação do plano, que já detém garantia mais que suficiente de ressarcimento da presente dívida, não sendo necessário prestar mais alguma.

Por outro lado,

16°. Dispõe o n°4 do artigo 52° da Lei Geral Tributária que "A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado."
(…)

18°. Primeiro a Executada encontra-se numa situação de insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido, uma vez que apenas é proprietária de 2 (dois) veículos automóveis, com um valor de mercado bastante reduzido;

19°. Segundo, a insuficiência de bens não é imputável à Executada, na medida em que esta sofreu, assim como tantas outras sociedades comerciais, com a crise económica que assolou o país, não tendo o PER resultado de qualquer actividade dolosa ou negligente exercida pela Executada, muito pelo contrário;

20°. Em terceiro lugar, e por fim, a prestação da garantia causa um prejuízo irreparável à Executada, face à manifesta falta de meios económicos, uma vez que obsta ao cumprimento do Plano de pagamento outorgado em sede de Processo Especial de Revitalização, como já anteriormente mencionado.

21°. Cumpre ainda sublinhar que o valor da garantia de € 87.207.05 é manifestamente superior ao valor da divida exequenda de € 66.028,69, o que originaria ainda mais prejuízo à Executada, visto que a diferença entre os dois valores é montante suficiente para fazer face a outras dividas no âmbito do Plano.

22°. Neste sentido, e a fim de prosseguir a laborar, mantendo em dia os compromissos para com os trabalhadores, fornecedores e clientes, vem a ora Executada requerer a Vossa Excelência a isenção da prestação da garantia ora exigida no valor de €87.207,05 (oitenta e sete mil, duzentos e sete euros e cinco cêntimos), possibilidade esta legalmente consagrada. “(cfr. fls. 89 a 94).

15) Por referência a agosto de 2015, encontravam-se registados, no cadastro eletrónico de ativos penhoráveis da reclamante, os seguintes veículos automóveis:
a. Veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …;
b. Veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula … (cfr. fls.110).

16) Foi registada, junto da conservatória do registo civil, predial, comercial e cartório notarial do ..., penhora do veículo mencionado em 15.6), no âmbito do PEF referido em 5), por referência a 01.09.2015 (cfr. fls. 124 a 126).

17) Na sequência do requerimento referido em 14), foi elaborada, nos serviços da AT, informação, datada de 30.10.2015, da qual consta designadamente o seguinte:

“A factualidade subjacente é a seguinte:
O requerimento de isenção de garantia fundamenta o seu pedido assinalando em primeiro lugar que a actividade exercida pela executada sofreu pesadas restrições financeiras devido "à realidade do país" e afirma que esta foi a razão pela qual "avançou para a Plano Especial de Revitalização". Confrontado com a necessidade de apresentar ou constituir uma garantia idónea e suficiente afirma que a sociedade executada fez uma análise minuciosa aos, dados contabilísticos e concluiu que a prestação de garantia "implicaria um enorme esforço na gestão de Tesouraria”
No entender da sociedade executada, este esforço na gestão da Tesouraria iria culminar no incumprimento do plano de pagamento e iria causar prejuízos irreparáveis "para a executada e para todos os credores do PER."
Acresce ainda no ponto 15 do seu requerimento, o seguinte: "Entende-se que, em virtude da homologação do plano, que já detém garantia mais que suficiente de ressarcimento da presente dívida, pão sendo necessário prestar mais alguma."
De seguida, enuncia os pressupostos estipulados no n°4 do art°52° da LGT para que a sociedade executada possa ser dispensada de apresentar garantia e afirma que estão reunidos os requisitos para ser concedido o pedido de dispensa.

Propõe-se a comprovar os ditos pressupostos indicados no n°4 do art°52° da LGT e começa por afirmar que "a executada se encontra numa situação de insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido, uma vez que apenas é proprietária de 2 (dois) veículos automóveis, com um valor de mercado bastante reduzido."
Prossegue a sua dissertação afirmando que a insuficiência de bens não é imputável à sociedade executada e considera que a insuficiência de bens deve-se à crise económica "que assolou o país".
De seguida declara que "(...) a prestação de garantia causa um prejuízo irreparável à executada, face à manifesta falta de meios económicos, uma vez que obsta ao cumprimento do plano de pagamento outorgado em sede de Processo Especial de Revitalização(...).

No ponto 21 do seu requerimento a sociedade executada faz referência à diferença de valores existente entre o valor da garantia a prestar e a quantia exequenda, e afirma que este facto "originaria ainda mais prejuízo à Executada, visto que a diferença entre os dois valores é montante suficiente para fazer face a outras dívidas no âmbito do plano."

Conclui o seu requerimento de isenção de garantia justificando tal pedido com a necessidade de prosseguir o exercício da sua actividade, de manter em dia os seus compromissos com os trabalhadores, com os fornecedores e clientes.

A executada requer ainda a produção de prova testemunhal e para tanto faz um rol de duas testemunhas

Análise:
Nos termos do n°1, 2 e 4 do art.52° da LGT e artº169° do CPPT, poderá a requerente ser dispensado da prestação de garantia, se demonstrar que dessa prestação decorre prejuízo irreparável para a executada ou que se verifica uma situação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Em qualquer dos casos torna-se necessário que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.

Quando ao ónus da prova, veja-se o art°74°, n°1 da LGT e o art.342 ° do Código Civil e ainda o que vem referido no art°170° n°3 do CPPT, cabe ao executado o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que este pretende ver reconhecidos.

Em suma quer a dispensa de prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores.

Quanto ao prejuízo irreparável com a prestação da garantia, deve o executado indicar em que é que ele se concretiza e indicar as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de tal prejuízo vir a ocorrer caso a mesma lhe venha a ser exigida.
O pressuposto em análise pressupõe uma causalidade directa e imediata entre a prestação de garantia e o prejuízo irreparável.

No caso em apreço, a executada, apenas alude que a prestação causa um prejuízo irreparável face falta de meios económicos (cfr. ponto 20 do requerimento).

Na verdade a executada deveria demonstrar o quantum das despesas que suporta e demonstrar quais os concretos prejuízos, que em termos de causalidade adequada, provavelmente lhe advirão com a prestação de garantia, e que simultaneamente, sejam susceptíveis de serem qualificados como irreparáveis.

Pelo que, tal como foi exposto pela executada, o pressuposto da ocorrência de prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia, carece de prova adequada.

Quanto ao segundo requisito alternativo da dispensa da prestação de garantia, importa analisar a alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o tratamento da divida exequenda e acrescido.

A executada afirma no ponto 15 do seu requerimento, o seguinte: "Entende-se que, em virtude da homologação do plano, que já detém garantia mais que suficiente de ressarcimento da presente dívida, não sendo necessário prestar mais alguma."
Efectivamente não enuncia quais são as garantias a que se refere nem o valor líquido de cada uma delas e caso existissem garantias suficientes prestadas nos processos de execução que integram o PER "escusado seria requerer a isenção de garantia.

Na verdade as garantias prestadas e activas em dois dos processos de execução fiscal que fazem parte do PER, são as seguintes:

- Hipoteca Voluntária constituída sobre o prédio misto, composto de terreno de semadura, vinha a árvores de fruto, e de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar destinada a habitação, com logradouro, situado em , descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o número 1203, da indicada freguesia. A parte urbana do prédio encontra-se inscrita na matriz predial sob o art.° 5489 e a parte rústica encontra-se inscrita na matriz predial rústica sob art.62.°, Secção D. A titularidade do prédio pertence ao gerente da sociedade executada, J e M, casados no regime de comunhão de adquiridos.

Esta hipoteca foi constituída para garantir o processo de execução fiscal nº e aps. que actualmente fazem parte integrante do PER supra mencionado.
Sobre o prédio misto incide uma hipoteca voluntária registada sob a Ap. 6 de 2002/06/01, a favor do ..., cujo montante máximo assegurado ascende a € 224.770,46.
O valor patrimonial da parte urbana ascende a €121.550,00 e o valor patrimonial da parte rústica ascende a € 63,29, sendo o valor patrimonial tributário global no montante de € 121.613.29.
Cumpre informar que o valor a considerar relativamente a bens imóveis em sede de garantia é o correspondente ao valor patrimonial obtido nos termos do art°38° e segs. do CIMI, deduzido dos ónus ou encargos registados à data da constituição de garantia.

Neste caso em concreto, verifica-se que o ónus com data de registo anterior à hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária é superior ao valor patrimonial tributário do prédio, e sendo assim neste Somente a hipoteca voluntária não garante a totalidade da dívida. A hipoteca voluntária registada a favor da Autoridade Tributária só irá garantir a totalidade da dívida quando ocorrer o cancelamento da hipoteca voluntária registada a favor do ….

- Penhora de veículo automóvel, com a matrícula …, marca Opel, modelo S-D Van, tendo sido atribuído o valor de € 4.248.79. Esta penhora encontra-se registada na Conservatória do Registo Civil Predial Comercial e Cartório Notarial do ..., para garantir o pagamento da divida do processo de execução fiscal nº....

Conforme se pode constatar, as garantias activas são manifestamente insuficientes para garantir o pagamento integral da dívida acrescida de juros. Quando a garantia se revela insuficiente deverá ser reforçada nos termos do art°199° n°5 do CPPT.

Na verdade, não se pode afirmar que a executada não dispõe de bens para garantir o processo ora em Análise, dado que se admite sempre a penhora do estabelecimento comercial da sociedade executada, nos termos do art°782° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo de execução fiscal, por remissão do art°2° do CPPT.

Quanto à irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens, cumpre lembrar que se trata de um requisito com carácter obrigatório e que o executado também não conseguiu provar conforme lhe competia.

Cumpre ainda esclarecer a executada que, no caso em apreço, o valor da garantia a prestar decorre do art°199° n°7 do CPPT, e nunca será equivalente ao valor da quantia exequenda. Tendo em consideração o que foi dito relembramos que essa diferença de valores nunca se subsumirá a um prejuízo irreparável.

Por fim, e no que concerne ao requerimento de produção da prova testemunhal cumpre recordar que o nº3 do artº170º do CPPT apenas admite a prova documental.

Todavia mesmo que tal norma não existisse a verdade é que a proposta de decisão não seria diferente e nada acrescentaria à comprovação dos pressupostos enunciados no n°4 do art°52° da LGT.

Conclusões:
Pelo exposto, propõe-se remessa da presente informação e de todo o processado com ela relacionada ao SLF de ..., o seguinte:
- O indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia pelo valor remanescente, por não se encontrarem verificados os pressupostos do n° 4 do Artº52° da LGT, designadamente no que respeita ao prejuízo irreparável, à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis e, que em qualquer dos casos, que não é da sua responsabilidade tal insuficiência ou inexistência nos termos acima expostos.." (cfr. fls. 136 a 140).

18) Sobre a informação mencionada em 17), foi proferido despacho, datado de 05.11.2015, de indeferimento da pretensão da reclamante, a que respeita o requerimento referido em 14), constando do mesmo designadamente o seguinte:

Concordo. Face à informação e pareceres prestados e contos fundamentos neles aduzidos indefiro o pedido de dispensa da prestação de garantia pelo valor remanescente, por não se encontrarem verificados os pressupostos do n°4 do Art°52° da LGT." (cfr. fls. 136).

3.2. Mais ficou consignado, não existirem «factos não provados, em face das possíveis soluções de direito» e que a «A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.
Quanto aos factos 1) e 2), a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas R, assistente administrativa, que trabalha junto da impugnante desde 1996, e J, diretor de contas, a exercer funções junto da reclamante desde 2005, testemunhas arroladas em sede de execução fiscal, tendo ambas sido coerentes e convincentes nesta parte, esclarecendo a testemunha J de forma clara e com exemplos o tipo de quebras com que se depararam junto da reclamante.
No tocante aos factos 3) e 4), a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das mesmas testemunhas, que explicaram que, não obstante a diminuição sentida em termos de mercado, têm uma carteira de clientes relativamente estável, falando mesmo em clientes históricos, sendo tais clientes sobretudo do setor privado e sendo que apenas pontualmente exigem a exibição de certidão de não dívida ao Estado».

IV. Fundamentação de Direito
Como vimos já, a sentença cuja bondade vem questionada, reconhecendo a total validade do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferido pelo órgão de execução fiscal, objecto, julgou improcedente a presente reclamação judicial.
Para tanto, considerou a Meritíssima Juíza a quo, no enquadramento jurídico que realizou, que:
- «A tramitação do pedido de dispensa de prestação de garantia encontra-se prevista no art.°170.°, do CPPT, de onde se sublinha o disposto no seu n.° 3, que implica que o pedido seja fundamentado de facto e de direito e instruído com toda a prova.»;
- «nos termos do art°52.°, da LGT: "4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado. 5 - A isenção prevista no número anterior é válida por um ano, salvo se a dívida se encontrar a ser paga em prestações, caso em que é válida durante o período em que esteja a ser cumprido o regime prestacional autorizado, devendo a administração tributária notificar o executado da data da sua caducidade, até 30 dias antes"
- «Ao nível do CPPT, está consagrado, no seu art°199°, que:"1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente. 2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195°, com as necessárias adaptações. 3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição";
- «O art°170°, do CPPT, determina os termos do procedimento do pedido de dispensa em causa.»;

- «o disposto nos art.°s 196.° a 198.°, do CPPT, relativos ao procedimento de pedido de pagamento em prestações, concretamente o n.° 5 do art.° 198.°, que determina que "[é] dispensada a prestação de garantia quando, à data do pedido, o devedor tenha dívidas fiscais, legalmente não suspensas, de valor inferior a (euro) 2500 para pessoas singulares".»;

Tudo, para concluir que, não se estando perante uma situação de dispensa prevista no art.º 198.°, n.° 5, do CPPT, apenas cumpriria aferir se se está perante uma situação subsumível ao disposto no art.° 199.°, n.° 3, do mesmo código, tendo presente que a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois pressupostos [situação causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado] e que é sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os referidos pressupostos.

É, pois, partindo deste enquadramento, e após chamar ainda a atenção para o facto de que não basta a homologação do PER para que se considere, sem mais, garantida a dívida à AT, que o Tribunal avança para a análise do caso concreto, tendo concluído, face ao que foi invocado na petição inicial e dos factos apurados, que:

- o pressuposto de «manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido» não ficou demonstrado, porque, não obstante «no requerimento apresentado pela reclamante, resulta que a mesma começa por referir que a prestação da garantia implicaria um "enorme esforço na gestão de Tesouraria", sendo que, no que respeita aos bens, apenas faz referência ao facto de ser apenas proprietária de dois veículos automóveis. Não se pondo em causa o facto de a reclamante ser apenas proprietária dos referidos veículos, esse facto, de per si, não preenche o pressuposto em causa.».

Reforçando a fundamentação da decisão nesta parte proferida, ainda adiantou que «cumpria à reclamante ter alegado (e demonstrado) mais factualidade por forma a poder concluir-se no mencionado sentido. Face aos elementos facultados, não só resulta a existência de créditos de clientes e investimentos financeiros (sendo certo que resulta dos mesmos elementos a existência de dívidas a fornecedores, atenta a factualidade assente as mesmas estão abrangidas pelo PER), como nada é referido, por exemplo, quanto à penhorabilidade do estabelecimento comercial, como é referido pela AT na informação que fundamenta o seu despacho. Ou seja, para se concluir pela "manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido", deveria a reclamante ter ido mais além na alegação de factualidade, sendo que o carreado não permite extrair tal conclusão.»:

- O pressuposto de existência de uma situação causadora de prejuízo irreparável não ficou demonstrado já que a reclamante apenas alegou no seu requerimento que a prestação de garantia lhe provoca problemas de gestão de tesouraria que poderão levar ao incumprimento do plano prestacional e daí à insolvência, o que, para além de conclusivo, nem sequer ficou demonstrado, mesmo após inquirição das testemunhas indicadas pela recorrente, uma vez que estas se limitaram a declarar que a não isenção de prestação de garantia impediria a emissão de certidão de não dívida.

Por fim, e sem prejuízo de julgar, desde logo, que estas asserções eram bastantes a uma declaração de improcedência da reclamação, por os requisitos em causa serem de preenchimento cumulativo, a Meritíssima Juiz a quo não deixou de consignar, num louvável esforço de fundamentação, que «quanto à falta de imputabilidade da situação à executada, em sede de requerimento apresentado, a reclamante refere que a mesma se verifica, dado que sofreu com a crise económica, não tendo o PER resultado de qualquer atividade dolosa ou negligente», o que constituíam, igualmente, afirmações de cariz conclusivo, não traduzidas ou suportadas em factualidade específica. Para além de que, salientou, «da prova produzida resulta que as dificuldades sentidas pela reclamante começaram em 2011, sendo que não é circunstanciada ou descrita factualidade que possa levar à conclusão de que não houve qualquer conduta da reclamante que pudesse ter conduzido à situação em causa ou que pudesse ter minorado essa mesma situação.».

Devidamente ponderadas as conclusões do recurso que ora apreciámos, importa, antes de mais, salientar que a recorrente não questiona em qualquer uma daquelas conclusões a sentença recorrida na parte relativa à falta de prova de inexistência de culpa na situação de insuficiência económica. O que, em abstracto, face ao preenchimento cumulativo dos requisitos e a integralidade dos fundamentos da decisão, seria suficiente para julgar, sem mais, improcedente o recurso jurisdicional.

Admitindo-se, porém, que esse fundamento, isto é, o não preenchimento do requisito em referência apenas foi adiantado no julgado, como dissemos, como reforço de argumentação e não como específico (porque desnecessário ao sentido final da decisão) fundamento da decisão, e que poderá ter sido uma interpretação da sentença com esta delimitação que pré-determinou a recorrente a apenas atacar a mesma sentença quanto ao não preenchimento dos requisitos de insuficiência de meios e de prejuízo irreparável, entende-se adequado aferir se lhe assiste razão.

Nesse sentido, e porque a recorrente centra toda a sua defesa em recurso na existência de um PER, recordamos o a este propósito ficou dito em acórdão por nós relatado a 13-7-2016 (processo n.º 9699/16), quanto ao procedimento legal em referência e à sua relevância para efeitos de eventual dispensa de prestação de garantia em sede de execução fiscal: a mera existência deste PER, só por si, não deve ser entendida como condição ou factor vinculativo (determinante) de concessão de dispensa de garantia.

Como aí fizemos notar, para refutar a alegação de recurso que nesses autos e em sentido contrário havia sido deduzida: «Não é, porém, essa a conclusão que se retira ou extrai liminarmente do ordenamento jurídico, quer na parte que regulamenta o PER, quer na parte em que regulamenta de forma imperativa as condições para reconhecimento de dispensa de garantia em sede de processo executivo tributário, quer, por último, porque não é essa a conclusão que necessariamente deve ser extraída da conjugação de ambas as regulamentações jurídicas e da consideração dos valores e interesses prosseguidos por um e outro dos referidos institutos.
Senão, vejamos.
Introduzido no ordenamento jurídico português pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, o processo especial de revitalização constitui um processo especialíssimo em relação ao processo de insolvência criado com a finalidade de proporcionar uma ferramenta legal expedita para a recuperação de empresa, conforme nos dá claramente conta o art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e resultava já da exposição de motivos da proposta de lei:
"O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
(...) [É] criado o processo especial de revitalização (artigos 17°-A a 17º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n°2 do artigo 1°, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa as respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.
O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. (...) Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários"(negrito de nossa autoria).
O procedimento especial de revitalização surge, pois, no quadro do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - diploma ainda hoje orientado para a liquidação – como uma excepção na medida em que privilegia a liquidação do património do devedor e a partilha do respectivo produto de venda como forma de satisfação dos credores.
É precisamente, ainda, o que resulta do artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ainda que este na sua actual redacção - alterada por aquela mesma lei que aprovou o PER - coloque como alternativa primeira a recuperação.
Conclui-se, assim, que o processo especial de revitalização tem desde logo uma característica essencial à realização do fim a que se propõe: permite aos devedores em situação económica difícil ou insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
Todavia, essa característica essencial e a possibilidade de recuperação e de manutenção no giro comercial da empresa em situação económica difícil não contende, nem o legislador pretendeu que contendesse, até por imposição constitucional, com a manutenção e satisfação das obrigações tributárias existentes ou futuramente constituídas pelos beneficiários dessa medida (PER).
Disso mesmo cedo nos deu conta a doutrina "A recente revitalização do processo falimentar português assentou num paradigma de maior flexibilização quanto ao futuro dos insolventes, acompanhado por uma crescente responsabilização das entidades participantes nas negociações tendentes à revitalização. E pois neste sentido, e tendo em conta o novo quadro valorativo, que importa reflectir sobre a actuação da Administração Tributária (na qualidade de credora) nos processos de insolvência, não perdendo de vista os condicionalismos legais aos quais a mesma se encontra subordinada.
Uma das preocupações formulada expressamente pelo legislador na exposição de motivos da proposta de Lei nº39/XII 6 foi a de que o reforço das providências de reestruturação e revitalização dos insolventes não afectasse os créditos tributários e os interesses do Estado na sua cobrança. Portanto, apesar de o mote principal do novo regime jurídico assentar na optimização das soluções de recuperação e revitalização dos insolventes, era dado um sinal expresso de que isso não poderia sobrepor-se à natureza indisponível dos créditos tributários", contextualização que, para além de ser a mais consentânea com o espírito legislativo da inovação legal realizada e com o próprio texto legislativo é, ainda, a que melhor corresponde ao entendimento, também ele legalmente expresso, de que a indisponibilidade do crédito tributário, prevalece sobre qualquer legislação especial (cfr. artigo 30°, n° 3, da LGT, aditado pela Lei n°55-A/2010, de 31.12).
No mesmo sentido conciliatório dos regimes em confronto prossegue hoje pacificamente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo:
"... [C]omo resulta da referida exposição de motivos, o legislador não quis de modo algum que o propósito assumido de promover a recuperação dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, em ordem a possibilitar a manutenção do devedor no giro comercial, o tenha determinado a alijar a natureza indisponível dos créditos tributários,
A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista no n°2 do art.30º da LGT, que dispõe: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária» (Aplicando este princípio, vide o recente acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n." 816/11(...)
Neste acórdão acolheu-se a tese de que «a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial - artigo 30.°/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123° da Lei n°55-A/2010, de 31 de Dezembro», motivo por que «[...] a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria « AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266°, 13.°, 103º e 104.°, todos da CRP».).
A indisponibilidade dos créditos tributários - que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos - decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária (O princípio da legalidade, consagrado no art.266°, nº2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei [...]» - impõe aos órgãos da AT que actuem no sentido da obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do nº3 do art.103°, nº3, da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e, cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei».), que impõe à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal [cfr, arts. 103°, nº3, e 266°, n°2, da CRP e art.3°, nº1 («Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».), do Código do Procedimento Administrativo (...) (CPA)], e do principio da igualdade [cfr. arts. 13º e 266°, nº2, da CRP e art. 5.°, nº1 (...), do CPA] (...). Ambos os princípios estão também consagrados no art.55º da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade (...).
Por outro lado, o art.36° da LGT, no seu n°2, é inequívoco: «Os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados por vontade das partes» (...). Em sintonia com o n°3 do art.36º da LGT, o art.85°, n°3, do CPPT (...), prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei.
(...) [A] indisponibilidade do crédito tributário e a impossibilidade de a AT conceder moratórias não previstas na lei (Uma eventual excepção a esse princípio sempre exigiria uma inequívoca manifestação de vontade nesse sentido, concretizada em lei formal da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária) não foram de modo algum postas em causa pelo CIRE (...), mesmo após as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n°16/2012, de 20 de Abril (que veio dar prevalência à recuperação do devedor). Os princípios que enformam o nosso sistema tributário não permitem a extinção, a redução ou a moratória (Há numerosa jurisprudência no sentido da impossibilidade de suspender a execução fiscal fora das situações previstas na lei. Entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo://- de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n°322/12 (...);//- de 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n°1377/13 (...)) dos créditos fiscais a não ser nos casos previstos expressa e inequivocamente na lei. Assim, a alteração do conteúdo da obrigação fiscal nunca poderia ocorrer por vontade da maioria dos credores, sob pena de se violar de forma grave o princípio da legalidade e da tipicidade tributária, previsto no art.8° da LGT e no art.103° da CRP, nos termos do qual todos os elementos da relação jurídico tributária têm de estar tipificados na lei (. . .).
(...) Pese embora o disposto no art.17°-E, nº3, do CIRE (...), a AT está obrigada a instaurar e fazer prosseguir contra o devedor execução fiscal para cobrança de dívida fiscal, a menos que tenha sido deferido o pagamento da mesma em prestações ao abrigo da legislação fiscal (e a dívida exequenda e o acrescido estejam garantidos ou tenha sido efectuada penhora que os garanta ou tenha havido dispensa da prestação de garantia, tudo nos termos do disposto nos arts. 196.° e 199°, do CPPT, e do art.52° da LGT), no âmbito do plano de revitalização judicialmente homologado ou fora dele. ..".
Em suma, lei, doutrina e jurisprudência confluem, podemos mesmo dizer, partilham um mesmo entendimento–base de construção de qualquer decisão que nesta matéria haja de ser tomada: o regime jurídico que disciplina a formação, a aceitação e os efeitos do Plano Especial de Revitalização não contende com a total operatividade dos normativos consagrados na nossa legislação, em especial em matéria de indisponibilidade de créditos e na sua relação com eventual regularização de dívidas, impossibilitando que aquele consume uma redução dos valores em dívida ou na concessão de moratórias não legalmente previstas.
Porém, o que vimos dizendo, não significa, pelo menos para nós, que aquela disciplina regulamentadora do PER seja de todo indiferente ou irrelevante para efeitos de se considerarem ou não preenchidos os pressupostos de dispensa dessa garantia, (…).»
Ora, é precisamente a relação - sem questionar todo o supra exposto – que entre uma e outra ainda é possível estabelecer, e com efeitos pertinentes a uma decisão quanto a um eventual pedido de dispensa de prestação de garantia pelo sujeito passivo, que nos determina a concluir, como se fez no julgado em sindicância, pela improcedência do recurso.
Tudo porque, irrepreensivelmente, a Meritíssima Juíza não deixou de ponderar o PER na matéria de facto apurada e dele extrair as conclusões pertinentes em sede de fundamentação de direito, como claramente resulta do julgado quando aí se chamou a atenção para o facto de, do referido Plano, não resultar, contrariamente ao afirmado pela recorrente, que a dívida esteja garantida; que do PER resulta a existência de créditos de clientes e investimentos financeiros e que de toda a factualidade apurada também se podia concluir que nada obsta, ou pelo menos não foi alegado, quanto a uma penhora do estabelecimento comercial e que não está provada qualquer factualidade capaz de sustentar a conclusão de que da não dispensa da garantia, resultará comprometido o cumprimento daquele Plano.
E, acrescentámos nós, atentas as conclusões deste recurso, muito menos resulta provada qualquer facto que nos permita concluir que se essa dispensa não for concedida, seja altamente previsível a insolvência da recorrente, muito menos a sua inevitabilidade como alegado.
Resulta, naturalmente, do que vimos expondo, conjugado com o mais de fundamentação que consta do julgado, e que nos escusamos repetir, a falta de factos que permitam concluir noutro sentido que não seja a inexistência de prova quer quanto à manifesta falta de meios económicos, quer quanto a um prejuízo irreparável e, mais fortemente, quanto a inexistir qualquer indicio de prova relativo à não culpabilidade da recorrente pela situação (não comprovada) daquela insuficiência de meios financeiros em ordem a prestar a garantia.
Improcedem, pois, todas as alegações da recorrente e, com elas, o presente recurso.

V- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, julgando improcedente o recurso jurisdicional, em confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Registe e notifique.
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Lisboa, 29 de Setembro de 2016


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[Anabela Russo]


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[Lurdes Toscano]


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[Ana Pinhol]