Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:60/16.2BEPDL
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/05/2017
Relator:CATARINA JARMELA -Relatora por vencimento
Descritores:ACÇÃO DE CONTENCIOSO DOS PROCEDIMENTOS DE MASSA
ARTIGO 99º, DO CPTA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:I – Do art. 99º n.º 1, do CPTA, na redacção do DL 214-G/2015, de 2/10, decorre que o contencioso dos procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes – ou seja, com, pelo menos, 51 participantes -, nos domínios dos concursos de pessoal, realização de provas e recrutamento.

II – Pretendendo a autora a anulação do acto que excluiu a sua candidatura ao concurso interno de pessoal docente para o ano escolar 2016/2017, ao grupo de recrutamento 500 – Matemática, do 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, tem de se considerar que são participantes nesse procedimento os candidatos cujas candidaturas foram admitidas a tal grupo de recrutamento (500) e objecto de graduação, bem como os candidatos cujas candidaturas foram excluídas desse grupo de recrutamento.

III – Não sendo os participantes no procedimento descrito em II superior a 50, a decisão recorrida não incorreu em erro ao considerar que a presente acção não pode seguir a forma de acção de contencioso dos procedimentos de massa.

IV – A forma de processo que deveria ter sido utilizada era a acção administrativa, ou seja, verifica-se um erro na forma do processo, o qual só conduz à absolvição da instância quando a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, isto é, quando se anule todo o processo (cfr. art. 89º n.ºs 1, 2 e 4, al. b), do CPTA), situação que in casu não se verifica, pois a petição inicial apresentada pela autora reúne os requisitos previstos no art. 78º n.ºs 2 e 4, do CPTA, podendo, portanto, ser aproveitada para a acção administrativa, pelo que a decisão recorrida errou ao absolver a ré da instância.

V – Do art. 193º n.º 2, do CPC de 2013, resulta que o presente erro na forma do processo implica a anulação de tudo o que foi processado após a apresentação da petição inicial, já que a citação da ré e dos contra-interessados não pode ser aproveitada, sob pena de diminuição das garantias de defesa, uma vez que na acção administrativa o prazo de contestação é de trinta dias (cfr. art. 81º n.º 7 e 82º n.º 1, ambos do CPTA), enquanto na acção de contencioso dos procedimentos de massa o prazo para contestar é inferior, concretamente de 20 dias (cfr. arts. 97º n.º 1, al. b), e 99º n.º 5, al. a), ambos do CPTA).
Votação:COM VOTO DE VENCIDA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I – RELATÓRIO
Carine ……………… intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Ponta Delgada a presente acção de contencioso dos procedimentos de massa contra a Região Autónoma dos Açores, indicando como contra-interessados Beatriz ……….e outros, e peticionando a anulação do acto que determinou a sua exclusão do concurso interno de provimento em causa, bem como a condenação da ré a admiti-la a tal concurso.

Por decisão de 22 de Março de 2017 do referido tribunal foi julgada a existência de uma excepção dilatória inominada, por falta de um pressuposto processual específico da acção dos procedimentos de massa, previsto no art. 99º n.º 1, al. a), do CPTA (procedimento relativo a concurso de pessoal com mais de 50 participantes), e, em consequência, a entidade demanda e os contra-interessados absolvidos da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa decisão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
1 - Conforme melhor resulta da P.I., entrada em 18/03/2016 (há mais de l ano), a A., aqui recorrente, impugnou a sua exclusão do concurso interno, relativo ao procedimento concursal aberto pelo Aviso Publicado no site do Governo Regional dos Açores (www.azores.gov.pt), em 26 de Janeiro de 2016, por, em concreto, entender que o limite imposto pelo Aviso de Abertura (ou a interpretação que dele fez e faz a R./recorrida, para fundamentar a exclusão da A./recorrente), de não permitir que os docentes em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado, colocados em quadros de zona pedagógica no território de Portugal Continental, vinculados ao Ministério da Educação, sejam opositores ao concurso interno para os quadros da Região Autónoma dos Açores, é ilegal e inconstitucional por violação do artigo 127° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, designadamente por violação da garantia de mobilidade dos trabalhadores entre a Administração Central do Estado e as Administrações Regionais.

2 - Tal limitação aplica-se ao procedimento concursal, na sua natureza de concurso interno de provimento (Cfr. artigo 5° do Decreto Legislativo Regional n° 24/2012/A, de 30 de Junho), que abrange 438 candidatos - todos os grupos de recrutamento -, razão pela qual, se indicou, desde logo na P.I., "como contra-interessados os que constam da lista devidamente publicada no Link http://concursopessoaldocente.azores.gov.pt/listas/20l620'17/ci.asp” e não, somente, o grupo de recrutamento da A./recorrente, como entendeu o Tribunal a quo.

3 - Nos termos do artigo 99°, n° l, do C.P.T.A., a aplicação da nova espécie processual aplica-se, entre outras, a procedimentos relativos a concursos de pessoal e a procedimentos de recrutamento.

4 - A A. impugnou a sua exclusão do concurso do pessoal docente para o ano lectivo 2016/2017, alegando a invalidade do procedimento concursal no seu todo, e não a exclusão do grupo do recrutamento - por qualquer invalidade deste.

5 - O procedimento concursal interno de provimento tinha 438 candidatos, razão pela qual o meio processual do qual se fez uso é próprio e adequado, tanto mais que este novo processo (urgente), nascido com a reforma ao C.P.T.A., pretende dar resposta célere a um determinado tipo de contencioso, evitando decisões contraditórias, desiderato que não pode ser alcançado, no caso concreto, se se limitar a questão em apreço, somente, ao grupo de recrutamento, e não ao procedimento concursal no seu todo.

6 - Na verdade, com tal interpretação restritiva estar-se-á a limitar o uso e ou esvaziar a utilidade de tal meio processual, isto porque, se cada um dos grupos de recrutamento não tiver mais de 50 participantes, pese embora o concurso, tenha muitos mais participantes, no seu todo - todos os grupos de recrutamento e a invalidade afectar todos os grupos de recrutamento, isto é, o concurso de per si - os participantes não podem socorrer-se deste meio processual, próprio e urgente; ou, havendo, no mesmo concurso de pessoal, grupos de recrutamento com mais de 50 participantes e grupos de recrutamento com menos de 50 participantes, não poder haver apensação de acções destes últimos grupos de recrutamento - por se encontrarem impedidos de usar tal meio processual - pese embora a questão de direito seja a mesma, correndo-se o risco de, sobre essa mesma questão de direito, haver decisões contraditórias, em momentos temporais diferentes, que é, exactamente, o que se pretende evitar com o novo meio processual.

7 - Por outro lado, ressalvado o devido respeito, ainda que assim não fosse, que é, o Tribunal a quo poderia e deveria convolar a acção para o meio processual que entendesse adequado - princípio da adequação formal e princípio da promoção do acesso à justiça - e, uma vez que o objecto e posição das partes está perfeitamente definido, proferir desde logo decisão de mérito, indo ao encontro do moderno direito processual, designadamente do primado da verdade material sob a verdade formal, ao invés de se escudar, como fez, numa questão formal, atendendo, não só à natureza da matéria em causa e à sua urgência, como também à simplicidade da questão a decidir, que é meramente de direito, acautelando dessa forma o interesse, os direitos e garantias dos cidadãos, por ser manifesta a ilegalidade do acto da Administração, por violação da garantia de mobilidade dos trabalhadores entre a Administração Central do Estado e as Administrações Regionais, expressamente consagrada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

8 - Ao assim não decidir, o Tribunal a quo violou, pelo menos, o disposto nos artigos 547° do C.P.Civil e 7° e 99° do C.P.T.A..
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, e revogando a douta sentença recorrida, V. Ex.as Venerandos Desembargadores, farão a tão costumada

JUSTIÇA!!!”.

A Região Autónoma dos Açores na contra-alegação de recurso apresentada formulou as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente, impugnou a lista final de candidatos admitidos e excluídos do concurso ao qual foi opositora.
2. O número de opositores ao concurso em causa é de 43 pessoas, incluindo a ora recorrente, número de candidatos à docência no mesmo grupo de recrutamento e que poderão ser prejudicados com o provimento do ato impugnado.
3. Nos termos do artigo 99.º do CPTA, é requisito legal do uso do procedimento de massa a existência de 50 ou mais participantes, o que não se verifica.
4. Pelo que, verifica-se uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, conforme disposto no artigo 89.º do CPTA.
5. Assim, a decisão recorrida não merece qualquer censura, uma vez que está em concordância com as normas legais, nomeadamente o artigo 89º e 99º do CPTA, referente às exceções e ao procedimento de massa.
Termos em que, e por tudo o mais que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida”.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional. A este parecer responderam a recorrente e a Região Autónoma dos Açores, reiterando o invocado na alegação e contra-alegação de recurso, respectivamente.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão encontra-se provada a seguinte factualidade:
1) Por aviso publicado no site do Governo Regional dos Açores em 26.1.2016 foi publicitada a abertura do “Concurso interno e externo de pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, da educação especial e do ensino vocacional da música” para o ano escolar de 2016/2017 (cfr. fls. 4 verso a 11 rosto, dos autos em suporte de papel).
2) A autora formalizou a sua candidatura ao concurso interno mencionado em 1), concretamente ao grupo de recrutamento 500 – Matemática, do 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário (cfr. fls. 11 verso, 12 e 13, dos autos em suporte de papel).
3) No projecto de lista ordenada de graduação, a candidatura da autora fazia parte da lista das candidaturas a excluir (cfr. fls. 14 rosto, dos autos em suporte de papel).
4) A autora, em sede de audiência prévia, pugnou pela admissão da sua candidatura (cfr. fls. 14 verso e 15, dos autos em suporte de papel).
5) A candidatura da autora descrita em 2) foi excluída (cfr. fls. 16, dos autos em suporte de papel).
6) Nos presentes autos os contra-interessados foram citados por publicação de anúncio, cujo teor é o seguinte:
(...) ANÚNCIO
Processo: 60/16.2BEPDL Procedimentos de Massa N/Referência: 004145002
Data: 23-03-2016
Réu: Região Autónoma dos Açores
Autor: Carine ………………..

FAZ-SE SABER, que nos autos de ação administrativa especial, acima identificada, que se encontram pendentes neste tribunal, são os contrainteressados, abaixo indicados, CITADOS, para no prazo de QUINZE (15) DIAS se constituírem como contra-interessados no processo acima indicado, nos termos do n.° 5 do art.° 81.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cujo objecto do pedido consiste:
- Admissão da autora ao Concurso interno de pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básicos e secundário, da educação especial e do ensino vocacional da música para o ano escolar 2016/2017, comas legais consequências.
Uma vez expirado o prazo, acima referido (15 dias) o contrainteressados que como tais se tenham constituído, consideram-se CITADOS para contestar, no prazo de 20 DIAS, a ação acima referenciada pelos fundamentos constantes da petição inicial, cujo duplicado se encontra à disposição na secretaria, com a advertência de que a falta de impugnação especificada não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta, para efeitos probatórios (n.° 7 do art.° 81.°, n.° l do art.° 82.° e art.° 83.° todos do CPTA).
Na contestação, deduzida por forma articulada devem:
a) Individualizar a acção;
b) Expor as razões de facto e de direito por que se opõem à pretensão do autor;
c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente.
No final da contestação devem apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer outros meios de prova e deduzir toda a defesa (n.° l, 2 e 3 do artigo 83.° do CPTA).
Caso não lhe seja facultado, em tempo útil, a consulta ao processo administrativo e disso der conhecimento ao juiz do processo, permite-se que a contestação seja apresentada no prazo de 05 dias contado desde o momento em que venha a ser notificado de que o processo administrativo foi junto aos autos (n.° 3 do art.° 82.° e alínea c) do n.º 3 do art.° 102.° do CPTA).
De que é obrigatória a constituição de advogado, nos termos dos n.°s l e 2 do art.° 11.° do CPTA.
Os prazos acima indicados são contínuos. Terminados em dia que os tribunais estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
A apresentação de contestação, implica o pagamento de taxa de justiça autoliquidada.
Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário.

A CITAR:
------ Beatriz …………….
------ Osvaldo …………………
------ Elsa …………………………….
------ Susana …………………….
------ Aida …………………………..
------ Joaquina ………………………..
------ Edna ……………………………
------ Isabel ………………………….
------ João ……………………….
------- Maria ………………………….
------- Filipa ………………………….
------- Ana …………………………
------ Leonardo ……………………
------- Ana Maria ………………………..
------- Dora ………………………………..
------- Maria ………………………
------- Sandra ……………………
------- Mafalda …………………………
-------- Carla ……………………………..
------- Tiaga ……………….
------- John ………………………..
------- Paula ……………….
------- Diana ………………………..
-------- Edna ………………..
-------- Almerinda………………….
------- Maria ……………………
------- Sandra ………………….
------- Mafalda ………………………
------- Rita ……………….
------- Cândida ………………………..
------- Nuno ………………………
------- Solange ……………..
------- Filipa ……………………………
------- Paulo ……………………….
------- Eliseu …………………………..
------- José ……………………………….
------- Maria …………..
-------- Constantino ………………………..
------- José ……………………………………
-------- Carlos ……………
------- Liliana ………………….
------- Gina ……….
(...)” (cfr. fls. 21, dos autos em suporte de papel).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida incorreu em erro ao considerar que a presente acção não pode seguir a forma de acção de contencioso dos procedimentos de massa, em caso negativo, se enferma de erro ao não ter procedido à sua convolação em acção administrativa e, havendo lugar a tal convolação, quais as consequências daí decorrentes.

Vejamos.

Estatui o art. 99º n.º 1, do CPTA, na redacção do DL 214-G/2015, de 2/10 (tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), o seguinte:
Para os efeitos do disposto na presente secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios:
a) Concursos de pessoal;
b) Procedimentos de realização de provas;
c) Procedimentos de recrutamento.” (sublinhado nosso).

Deste normativo legal decorre que o contencioso dos procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes – ou seja, com, pelo menos, 51 participantes -, nos domínios dos concursos de pessoal, realização de provas e recrutamento.

Assim, um dos pressupostos de que depende a utilização do contencioso dos procedimentos de massa respeita ao número de interessados intervenientes no procedimento (mais de 50).

Ora, tendo em conta que a autora, ora recorrente, pretende a anulação do acto que excluiu a sua candidatura ao concurso interno de pessoal docente para o ano escolar 2016/2017, ao grupo de recrutamento 500 – Matemática, do 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, tem de se considerar que são participantes nesse procedimento os candidatos cujas candidaturas foram admitidas a tal grupo de recrutamento (500) e objecto de graduação [que correspondem aos primeiros trinta contra-interessados identificados no anúncio descrito em 6), dos factos provados (cfr. http://concursopessoaldocente.azores.gov.pt/listas/20162017/ci.asp)], bem como os candidatos cujas candidaturas foram excluídas desse grupo de recrutamento [que, além da recorrente, abrangem os restantes contra-interessados que se encontram identificados no anúncio descrito em 6), dos factos provados (cfr. http://concursopessoaldocente.azores. gov.pt/listas/20162017/ci.asp)].

Nestes termos, tem de concluir-se que os participantes no procedimento ora em causa não é superior a 50 - ascendendo a 43 -, razão pela qual o presente recurso tem de improceder nesta parte.

A recorrente tem, no entanto, razão quando alega que o Tribunal a quo deveria ter convolado a presente acção no meio processual adequado, conforme se passa a demonstrar.

Não preenchendo a presente acção o pressuposto relativo ao número de interessados intervenientes no procedimento de que depende a utilização do contencioso dos procedimentos de massa (pelo menos 51), tal significa que a forma de processo que deveria ter sido utilizada, atenta a pretensão deduzida pela ora recorrente - a qual deve ser entendida pelo pedido formulado e pela causa de pedir em que o mesmo está enraizado -, era a acção administrativa (cfr. arts. 4º n.º 2, al. a), e 37º n.º 1, als. a) e b), ambos do CPTA), ou seja, verifica-se um erro na forma do processo.

O erro na forma do processo, e de acordo com o disposto no art. 193º n.º 1, do CPC de 2013 [norma que não foi invocada pela recorrente, mas, de acordo com o disposto no art. 5º n.º 3, do CPC de 2013, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação das regras de direito], ex vi art. 1º, do CPTA, “importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”.

Ora, o erro na forma do processo só conduz à absolvição da instância quando a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, isto é, quando se anule todo o processo (cfr. art. 89º n.ºs 1, 2 e 4, al. b), do CPTA) – neste sentido, Acs. do STA de 18.6.2014, proc. n.º 1148/13 [“I - O erro na forma de processo, constitui excepção dilatória que determinará a anulação de todo o processo, e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, como aqui ocorre, em conformidade com o disposto nos artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do Código de Processo Civil (1), ex vi do artº 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário.”], e de 5.11.2014, proc. n.º 1825/13, e Ac. da Rel. de Lisboa de 22.2.2007, proc. n.º 8592/2006-2 [“II - Ocorre o vício processual de erro na forma de processo quando a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas. O mesmo só determinará a anulação de todo o processo, (como excepção dilatória) e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada (artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do C P C (2).)”], bem como António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 1998, 2ª Edição, págs. 251, 254 e 282, e Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 118, nota 168 [“Deve ser equiparada à ineptidão da petição inicial a nulidade derivada de erro na forma de processo quando afecte a própria petição inicial./Trata-se de uma situação pouco frequente, pois que o erro na forma de processo determina, em regra, o aproveitamento, no todo ou em parte, da tramitação processual anterior. Mas, ocorrendo uma inadequação tão grave da petição inicial, tendo em conta o pedido formulado, mais do que perante uma nulidade processual, tratar-se-á de uma verdadeira excepção dilatória determinativa de absolvição da instância (…)”], e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, 2ª Edição, pág. 390, nota 1 [“Se do aproveitamento da petição resultar, neste caso, uma diminuição das garantias do réu, deve o juiz, com base nesse facto e no erro sobre a forma de processo cometido, anular todo o processo, absolvendo o réu da instância: cfr. LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil anotado, 1972, pág. 114”].

Ora, a petição inicial apresentada pela recorrente reúne os requisitos previstos no art. 78º n.ºs 2 e 4, do CPTA, pelo que pode ser aproveitada para a acção administrativa, o que implica que tal erro na forma do processo não determine a absolvição da ré, ora recorrida, da instância, ou seja, a decisão recorrida errou ao absolvê-la da instância.

Assim sendo, a decisão recorrida deverá ser revogada - no segmento em que considerou existir uma excepção dilatória inominada e absolveu a entidade demanda e os contra-interessados da instância - e a presente acção de contencioso dos procedimentos de massa convolada em acção administrativa [neste sentido, Ac. do STA de 26.6.2013, proc. n.º 1373/12 (“II - Ocorrendo erro na forma de processo, deve ordenar-se a convolação para a forma processual adequada, tendo em conta o efeito jurídico pretendido e os fundamentos de facto e de direito alegados.”)].

Prescreve o art. 193º n.º 2, do CPC de 2013, que “Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”.

Deste normativo legal resulta que o presente erro na forma do processo implica a anulação de tudo o que foi processado após a apresentação da petição inicial, já que a citação da ré e dos contra-interessados não pode ser aproveitada, sob pena de diminuição das garantias de defesa, uma vez que na acção administrativa o prazo de contestação é de trinta dias (cfr. art. 81º n.º 7 e 82º n.º 1, ambos do CPTA), enquanto na acção de contencioso dos procedimentos de massa o prazo para contestar é inferior, concretamente de 20 dias (cfr. arts. 97º n.º 1, al. b), e 99º n.º 5, al. a), ambos do CPTA).

Nestes termos, e para além da convolação desta acção em acção administrativa, também deverá ser determinada a baixa dos autos ao TAC de Ponta Delgada, tendo em vista a prática nessa instância dos actos posteriores à apresentação da petição inicial e ulterior prolação de decisão final.
*
Uma vez que a recorrente e a recorrida ficaram vencidas, deverão suportar as custas relativas ao presente recurso jurisdicional, na proporção de 40% e 60%, respectivamente (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Conceder parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida no segmento em que considerou existir uma excepção dilatória inominada e absolveu a entidade demanda e os contra-interessados da instância e, em consequência, determinar a:
a) - Convolação da presente acção de contencioso dos procedimentos de massa em acção administrativa;
b) - Anulação de tudo o que foi processado após a apresentação da petição inicial;
c) - Baixa dos autos ao TAC de Ponta Delgada, tendo em vista a prática nessa instância dos actos posteriores à apresentação da petição inicial e ulterior prolação de decisão final.
II – Condenar a recorrente e a recorrida nas custas do presente recurso jurisdicional, na proporção de 40% e 60%, respectivamente.
III – Registe e notifique.
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Lisboa, 5 de Julho de 2017

_________________________________________
(Catarina Jarmela – relatora por vencimento)
_________________________________________
(Conceição Silvestre)
_________________________________________
(Cristina dos Santos)
Voto de vencido:
Salvo o devido respeito pelo entendimento maioritário que obteve vencimento, confirmaria a sentença pelos motivos constantes do projecto de acórdão apresentado, cujo teor se transcreve.

*
A forma de processo declarativo especial urgente prevista no artº 99º CPTA constitui uma inovação introduzida pela reforma do CPTA/revisão de 2015, contencioso dos procedimentos de massa, que, conforme nos diz a Doutrina da especialidade “(..) intervém sempre que a acção a propor diga respeito a um acto produzido no âmbito de um procedimento com mais de 50 participantes (..) o contencioso de procedimentos de massa, sendo um meio declarativo, está circunscrito a pretensões relativas a actos praticados no âmbito de concursos de pessoal e de procedimentos de realização de provas e de recrutamento, em que tenham participado mais de 50 candidatos, (..)
A utilização do contencioso dos procedimentos de massa depende de dois diferentes pressupostos relativos ao objecto do processo: (a) é necessário que o contencioso respeite a um procedimento administrativo a que tenham sido admitidos mais de 50 concorrentes; (b) (..)
Tendo-se iniciado um procedimento para qualquer das finalidades enunciadas e no qual tenham intervindo mais de 50 interessados, é aplicável o regime processual do presente artigo 99º, independentemente do número de acções que venham a ser propostas ou do número de interessados que se coliguem para a propositura de uma acção conjunta. Ainda que seja proposta uma única acção, ela deverá, assim, seguir a forma da acção administrativa especial, desde que se encontrem preenchidas aquelas duas condições, quanto ao número de participantes e ao objecto do procedimento. (..)”. (1)

*
Tendo em conta a doutrina exposta, decorre das alíneas A e F do probatório que no procedimento concursal de recrutamento o número de intervenientes, incluindo a ora Recorrente, é de 43 interessados, pelo que não se mostra preenchida a condição da acção prevista no artº 99º nº 1 in fine CPTA, na medida em que, por determinação legal, este específico meio processual urgente se destina a litígios envolvendo procedimentos administrativos cujo objecto se centra em concursos de pessoal, realização de provas e recrutamento em que, pelo menos, 51 interessados concretizem a posição jurídica de candidatos/opositores, isto é, tenham manifestado a sua vontade de intervir no concreto no procedimento de concurso de pessoal, de realização de provas ou de recrutamento.
No tocante à questão trazida a recurso no item 7 das conclusões, de que “o Tribunal a quo poderia e deveria convolar a acção para o meio processual que entendesse adequado - princípio da adequação formal e princípio da promoção do acesso à justiça”, supõe-se que a Recorrente alude aos artºs. 6º, 7º e 547º do CPC,
Todavia, no caso concreto o dever de gestão processual e de cooperação com as partes em ordem à tramitação processual adequada foi expressamente observado pelo Tribunal a quo.
Efectivamente, conforme despacho judicial levado ao probatório na alínea G, as Partes foram convidadas a pronunciar-se sobre “a questão da propriedade do meio processual utilizado pela Autora”, sendo que a ora Recorrente se pronunciou expressamente pela propriedade do meio empregue, conforme articulado de resposta a fls. 90 dos autos.
O que significa que os deveres em causa foram observados.

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Pelo exposto, julgaria improcedente o recurso, confirmando a sentença proferida.

Lisboa, 05.JUL.2017

(Cristina dos Santos) ……………………………

(1) Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, Almedina/2017, págs. 787/788.
*
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(1) Actualmente arts. 193º n.º 1, 278º n.º 1, al. b), 576º n.º 2 e 577º, al. b), respectivamente, todos do CPC de 2013.
(2) Actualmente arts. 193º n.º 1, 278º n.º 1, al. b), 576º n.º 2 e 577º, al. b), respectivamente, todos do CPC de 2013.