Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08742/12
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO
Sumário:I - O efeito indemnizatório previsto no artigo 178º do CPTA pressupõe a procedência da invocação pelo executado de uma causa legítima de inexecução e visa compensar o lesado apenas por essa inexecução.
II - Se a aplicação pelo tribunal do disposto no artigo 173º nº 1 do CPTA tiver apenas a ver com uma mera ilegalidade procedimental, num contexto em que, no período entretanto decorrido após a ilegalidade formal detetada, um terceiro tiver beneficiado de um facto consumado da entidade adjudicante e o exequente não for titular de nenhuma posição jurídica substantiva sobre o mesmo objeto nesse mesmo período, então não existe nada a tutelar ao abrigo do artigo 178º do CPTA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
· I.. – I……, Lda., intentou
Processo de execução contra
· CENTRO HOSPITALAR DO ALTO AVE, EPE.
Pediu ao T.A.C. de Lisboa o seguinte:
- Execução da sentença de anulação de 12-1-2009, que anulou o acto administrativo de 6-2-2008 de adjudicação a “Dr. C…..” do contrato de prestação de serviços de tele-radiologia.
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Por despacho de 31-10-2013, o referido tribunal decidiu existir causa legítima de inexecução do julgado anulatório e notificar as partes nos termos do artigo 178º/1 CPTA.
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Inconformado, o Executado recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:







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A recorrida contra-alegou, concluindo:

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O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido



(OMISSIS)

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Continuemos.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.
O tribunal a quo considerou ser de «julgar procedente a presente acção executiva», pois concluiu que a sentença anulatória foi incumprida; mais considerou que a deliberação de 29-1-2009 do executado, transcrita supra, mostra haver grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença, pelo que há causa legítima de inexecução da sentença anulatória, com a consequência indemnizatória prevista no artigo 178º/1 CPTA.
O recorrente e executado discorda, porque entende (i) que não incumpriu o julgado anulatório e (ii) que o processo é extemporâneo.
Quanto a estas duas questões, a decisão recorrida disse:
a)
«A executada invocou a extemporaneidade da presente acção executiva, pelo que importa apreciar da procedência da mesma. Sobre a matéria rege o disposto nos artigos 175.°/1 e 176.°/1 e 2, do CPTA. A sentença exequenda transitou em julgado em 02.02.2009 — artigo 147.0/1, do CPTA. A presente acção deu entrada em 12 de Novembro de 2009. Nos termos do artigo 175.°/1, do CPTA, o prazo para a execução espontânea terminou em 04.05.2009. Nos termos do artigo 176.°/1 e 2 do CPTA, a petição de execução deve ser apresentada em Tribunal, no prazo de seis meses contados do termo do prazo para a execução espontânea da sentença ou da notificação da causa legítima de inexecução da sentença. A presente acção deu entrada em Tribunal em 12 de Novembro de 2009 e apenas com a notificação da oposição deduzida pela executada se pode considerar preenchido o requisito da notificação da exequente da invocação por aquela da causa legítima de inexecução, dado que a mera notificação da deliberação do CHAA, EPE, de 29 de Janeiro de 2009, por não ter sido alegada na mesma a referida causa não assume o sentido de invocação de causa legítima de inexecução, tal como previsto nos artigos 175.°/2 e 163.°/3, do CPTA. Tomando como termo a quo, seja o decurso do prazo de execução espontânea, seja a notificação da deliberação do Conselho de Administração do CHAA, EPE, de 29 de Janeiro de 2009, impõe-se concluir que a mesma foi intentada dentro do prazo de caducidade. Improcede, por esta via, a referida excepção».
b)
«No caso em apreço, muito embora a Administração tenha realizado o procedimento administrativo com vista à renovação do acto administrativo anulado, o certo é que manteve, através da deliberação em causa a produção de efeitos jurídicos, no lapso temporal que medeia entre a prática do acto de adjudicação declarado ilegal e a prática de novo acto administrativo, do acto de adjudicação que havia sido anulado através da sentença exequenda. Tal decisão configura uma situação de incumprimento do presente julgado anulatório, reconduzível ao disposto no artigo 133.°/2/h) do CPA. O efeito de reconstituição da situação actual hipotética que existiria no caso de não ter sido praticado o acto julgado ilegal não se basta com a mera repetição do referido acto, sem os vícios no mesmo detectados. Importa, pois, reconstruir a situação de facto e de direito, em conformidade com os fundamentos e o dispositivo do referido julgado. Donde se retira a necessidade jurídica a cargo da executada de repristinar a situação de facto, seja da exequente, seja da executada, seja do concreto procedimento concursal, â luz das determinações contidas no mesmo. Por outras palavras, do referido julgado resulta para a Administração o dever de praticar acto de adjudicação da prestação de serviços em causa que substitua, na íntegra, o acto administrativo de adjudicação objecto de anulação judicial. Do ponto de vista da execução e do respeito do julgado anulatório em causa nos autos, a manutenção provisória no exercício da prestação de serviços de radiologia objecto do concurso, da sociedade adjudicatária em vez da sociedade exequente, até que seja investida na mesma a nova sociedade concorrente adjudicatária escolhida no âmbito de um procedimento concursal livre dos vícios que fundaram o julgado anulatório exequendo, assume o sentido de uma actuação administrativa posterior desconforme com os deveres de execução do julgado anulatório, cujo sentido precípuo não deixa de ser o da remoção do acto administrativo julgado ilegal pelo tribunal, mesmo no medio tempore. A não se seguir o presente entendimento, a Administração realizaria um cumprimento formal e, no limite, defraudatório do julgado anulatório, o qual, recorde-se impôs a eliminação da ordem jurídica daquele concreto acto de adjudicação, cujo objecto reside na prestação de serviços de telemedicina e cujo destinatário era a sociedade Dr. C……, bem como dos actos que dele são consequentes, entre os quais se contam a cessação de vigência do contrato de prestação de serviços celebrado com a ora exequente e a celebração subsequente de idêntico contrato com a sociedade Dr. C……. Se é lícito duvidar do alegado direito da exequente à repristinação do contrato de prestação de serviços que havia celebrado, não é todavia licito duvidar do dever da executada de reexame da situação de facto e de direito, dando como assente que a adjudicação da prestação de serviços à sociedade Dr. C…… não subsiste na ordem jurídica e que a reposição da situação actual hipotética demanda a reposição da prestação de serviços por parte da exequente, uma vez que esta era a situação material existente na data em que produziu efeitos a regulação jurídica julgada ilegal e removida através da sentença exequenda (alínea E. dos FA). Outro entendimento levaria a obnubilar o efeito preclusivo do julgado anulatório o qual não permite a manutenção de actos ou de situações de facto que contrariem as determinações da sentença anulatória, como sucederia com a manutenção da situação contratual da sociedade Dr. C…… e a não manutenção da prestação de serviços da exequente [No mesmo sentido, entre outros, Mário Aroso de Almeida, Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, Almedina, 1994, pp. 164 e segs). Termos em que se julga procedente, nesta parte, a presente acção executiva. 4. Outra questão consiste em saber se, pese embora o dever de repristinar a situação ex ante, nos termos expostos, não pode a executada invocar causa legítima de inexecução do julgado exequendo, obstando assim à imposição judicial das operações e acto necessários ã sua materialização. Do artigo 163.°/1, do CPTA, resulta que constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença. A última asserção respeita a situações de desequilíbrio gravoso para o interesse público associadas à repristinação da situação ex ante, em obediência aos ditames da sentença. Assim sucede com a situação dos autos. Do teor da deliberação 29 de Janeiro de 2009, do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE, resultam os prejuízos para o interesse público da prestação dos cuidados de saúde a cargo da executada que a execução integral da sentença exequenda implicaria, de modo que se oferece como inexigível um dever de executar com tal conteúdo. Recorde-se as necessidades de reprogramação informática e as inerentes interrupções na prestação do serviço».
1)
DA TEMPESTIVIDADE DO PROCESSO EXECUTIVO
Devemos começar, logicamente, pela questão de saber se a petição executiva entrou ou não depois do prazo legal.
A sentença exequenda transitou em julgado no dia 2-2-2009.
O presente processo de execução entrou no dia 12-11-2009.
Ora, atento os teores da factualidade provada e dos artigos 175º/1 do CPTA (90 dias úteis: artigo 72º/1 CPA) e 176º/2 do CPTA (6 meses: artigo 144º do anterior CPC), concluímos que o prazo para pedir a execução (iniciado em 23-6-2009) terminou apenas em 23-12-2009.
Com efeito, não foi invocada (cfr. artigos 163º e 175º/2 CPTA), durante aqueles meses, qualquer causa de inexecução do julgado anulatório. A deliberação de 29-1-2009 não o fez, sublinhe-se.
Portanto, com esta fundamentação, bem distinta da abordada pelo tribunal a quo e pelo executado, improcede esta questão do recurso.
2)
DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA ANULATÓRIA
A sentença exequenda anulou o acto de adjudicação, com fundamento no seguinte: falta da publicação do anúncio, cfr. o artigo 87º/1 do DL 197/99 («O concurso público é publicitado na 3.ª série do Diário da República e em dois jornais de grande circulação, conforme modelo de anúncio constante do anexo II ao presente diploma»).
Numa execução de julgado anulatório, o processo visa apenas e sempre efectivar adequadamente o imposto no artigo 173º/1 e 2 do CPTA. Salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
Ora, como decorria dos artigos 78º ss do DL 197/99, antes da publicação do aviso de abertura existiu a decisão administrativa de escolha do tipo de procedimento.
Vimos que aqui o executado resolveu, na prática, reiniciar o procedimento concursal antes pretendido. O que ocorreu, como se deduz perfeitamente dos factos provados sob as al. H) a J).
Portanto, o executado cumpriu com o julgado anulatório.
Com esta fundamentação, bem distinta da abordada pelo tribunal a quo e pelo executado, procede esta questão do recurso.
O que parece, na verdade, basear o litígio actual é o período em que o facto consumado decorreu. Só que a sentença exequenda não decidiu que seria a exequente a ganhadora do primitivo procedimento cuja adjudicação foi anulada. Pelo que é impossível juridicamente compensar a exequente por tal facto consumado, correspondente à prestação dos serviços por um terceiro com base numa situação de facto ilegal.
Se a ora exequente teve prejuízos causados por aquela concreta ilegalidade detectada na AAE, é matéria que não cabe no artigo 178º do CPTA. Será contencioso de responsabilidade civil.
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III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida nas partes em que concluiu pela inexecução do julgado anulatório e convidou para os termos do artigo 178º/1 do CPTA, assim julgando improcedente o pedido executivo.
Custas a cargo da exequente em ambas as instâncias.
(Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator)
Lisboa, 6-11-2014


Paulo H. Pereira Gouveia (relator)


Catarina Jarmela


Cristina Santos