Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:431/04.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
REGULARIZAÇÕES
ÓNUS PROBATÓRIO
FUNDAMENTAÇÃO
DÚVIDA FUNDADA
Sumário:I-A fundamentação que releva e que importa para efeitos de apreciação da questão e legalidade do ato impugnado, é a que se encontra espelhada no Relatório Inspetivo, em nada podendo relevar as constantes, designadamente, em sede do procedimento de reclamação graciosa, por representarem fundamentação a posteriori.
II-A Administração Tributária não se encontra legitimada a realizar as correções se analisa a questão de uma forma redutora, sem envidar quaisquer diligências que pudessem esclarecer e dissipar quaisquer dúvidas atinentes à realidade fática dos autos, eximindo-se do seu ónus com base em considerações concatenadas com a dificuldade de análise.

III-Se existe um procedimento consubstanciado em sete documentos, não pode a Administração Tributária-de forma conclusiva- limitar o seu juízo de entendimento a um só documento, descurando, sem mais, todo o suporte procedimental e documental. Não podendo, inclusivamente, ser aceite enquanto justificação legitimadora de uma correção a morosidade e a dificuldade na elaboração do trabalho.

IV-Mesmo que, no limite, se equacionasse que os processos de reembolso não se encontravam completos, ter-se-ia de densificar de que forma, com que abrangência e porque motivo as aludidas falhas inviabilizariam as regularizações, corrigindo, se fosse o caso, nesse segmento e em proporção, não podendo desconsiderar, tout court, todas as regularizações declaradas, conforme foi realizado pela Administração Tributária.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida porS....., LDA”, contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC), referentes ao ano de 1997, no montante de €48.892,40.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I-Visa o presente recurso reagir contra a Douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por S..... Ld.a, contra as liquidações n.°s .....; .....; .....; .....; efectuadas respectivamente em sede de Imposto s/ o Valor Acrescentado (IVA) e Juros Compensatórios (JC) do exercício de 1997 no montante total de € 48.892,40, correspondendo € 36.209,68 a Imposto e € 12.682.72 a Juros Compensatórios.

II.               Considera a Douta Sentença que existe por parte da Administração Fiscal (AF), na parte em que se verificou a improcedência, Vício de Forma por falta de fundamentação, porquanto, na perspectiva do contribuinte impugnante esta não terá fundamentado o relatório inspectivo que suportou as liquidações em crise, liquidações correctivas estas, originadas pelo facto do contribuinte impugnante não estar na posse das notas de devolução/credito, nem ter logrado fazer a respectiva prova material do direito ao crédito para efeitos do respectivo direito ao reembolso do imposto sobre o valor acrescentado.

III.             A Douta Sentença procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente, os artigos 35.°, 44.°, 45.°, 48.°, e n.° 5 do artigo 71.°, todos do CIVA, artigo 29.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), artigos 74.° e 75.° da Lei Geral Tributária e Plano Oficial Contabilidade.

IV.             Legislação esta que não foi objecto de menção, observância, ou pronúncia na respectiva Sentença, apesar de enunciada, e que devia ter sido tida em linha de conta na apreciação dos factos e na respectiva fundamentação de facto e de direito da Douta Sentença, enfermando assim esta de Vício de forma por falta de fundamentação, fundamentos opostos à decisão, inversão do “ónus probandi” e omissão expressa de pronuncia, alíneas b) c) e d) do n.° 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

V.              Consagra expressamente a lei que, as facturas ou documentos equivalentes serão substituídos por guias ou notas de devolução, quando se trate de devoluções de mercadorias anteriormente transaccionadas entre as mesmas pessoas, e que a sua emissão se processará o mais tardar no 5.° dia útil seguinte à data da devolução que os documentos referidos nos números anteriores devem ser processados em duplicado, e devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto.

VI.             As embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução.

VII.           As guias ou notas de devolução deverão conter, além da data, os elementos a que se referem as afíneas a) e b) do número anterior, bem como a referência à factura a que respeitam.

VIII.          A contabilidade deve ainda ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários.

IX.             Para tal efeito, as facturas, documentos equivalentes e guias ou notas de devolução, incluindo os emitidos, em nome e por conta do sujeito passivo, pelo próprio adquirente dos bens ou dos serviços ou por um terceiro, serão numerados seguidamente, em uma ou mais séries convenientemente referenciadas, devendo conservar-se a respectiva ordem os seus duplicados e, bem assim, todos os exemplares dos que tiverem sido anulados ou inutilizados, com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que os substituíram, se for caso disso.

X.              Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.

XI.             A contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade.

XII.            As sociedades são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, permita o controlo do lucro tributável.

XIII.          A contabilidade e os respectivos elementos contabiiísticos devem estar devidamente organizados de acordo com o POC e com a legislação fiscal, supra vertida, de modo a que qualquer agente/AF, possa em qualquer momento e de modo claro e fácil, toda a situação contabilística da empresa.

XIV.          Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.

XV.           Cada documento por sua vez, no conjunto de todos os documentos, deve estar devidamente arquivado em pastas de modo a poder permitir a sua consulta e visualização em qualquer momento, e no que aqui concerne especificamente ao IVA, a essa organização, acrescerá uma organização por períodos de imposto.

XVI.          As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras.

XVII.        O exercício das garantias de eficácia da AF pode concretizar-se através da faculdade dos funcionários em serviço de inspecção tributária examinarem quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária.

XVIII.       No uso de poderes vinculados, a AF encontra-se legitimada para verificação dessa contabilidade e para a prática das respectivas correcções que se mostrem necessárias, desde que se verifiquem sobre a mesma, irregularidades.

XIX.          Constitui prerrogativa da AF examinar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente, os livros obrigatórios previstos na legislação comercial e fiscal, os registos contabilísticos e os documentos de suporte com eles relacionados, que se devem encontrar devidamente ordenados e arquivados temporalmente, de acordo com o regulamentado no POC.

XX.           Os operadores económicos, nomeadamente a Impugnante, estão sujeitos a princípios e regras contabilísticas de carácter geral e obrigatório, estas previstas no respectivo instrumento regulamentador, à data Piano Oficial de Contabilidade (POC), actualmente CNC.

XXI.          A contabilidade da empresa destina-se, não só à gestão interna da própria empresa, como também aos agentes exteriores, nomeadamente, a Administração Fiscal (AF).

XXII.         Não estando assim na disponibilidade dos agentes económicos alterar essas regras contabilísticas.

XXIII.       O Imposto s/ o Valor Acrescentado é, como o próprio nome indica, um imposto de repercussão sobre terceiros que se apresentam e sucedem no circuito económico da mercadoria, até que esta atinja o consumidor final que será o efectivo suportador do imposto.

XXIV.       O IVA é um imposto que investe os agentes económicos na responsabilidade pela sua cobrança, permitindo-lhes eventualmente a faculdade de dedução do imposto suportado, desde que se mostrem reunidos os pressupostos necessários, de matriz objectiva, subjectiva e material que permitam suportar essa dedução, razão pela qual, nestas situações, o ónus probandi investe sempre sobre o operador económico que tem que provar e demonstrar indubitavelmente o seu direito, pela razão acrescida que o imposto não lhe pertence, mas sim à AF enquanto se substitui à pessoa do ESTADO, estando este agente económico apenas investido na responsabilidade de cobrança e entregado do respectivo imposto nos cofres do Estado.

De acordo com a regra geral do ónus da prova prevista no artigo 74.° da LGT, a prova dos factos impende sobre quem invoca a si o direito.

XXVI.       À AF só se exige neste caso, que proceda em conformidade à respectiva verificação da reunião dos pressupostos de facto e de direito que consubstanciam, ou não, o direito ao reembolso solicitado pelo contribuinte, não estando na sua esfera de responsabilidade ou atribuição, a produção de prova adicional sobre o indeferimento do respectivo reembolso em sede de IVA.

XXVII.     Estão em causa dois pedidos de reembolso em sede de IVA, solicitados pelo impugnante.

XXVIII.    O Sujeito passivo impugnante não tem na sua contabilidade notas de devolução/credito.

XXIX.       O Sujeito passivo impugnante não tem em seu poder todos os exemplares das facturas anuladas, nem existe qualquer documento que permita fazer as respectivas regularizações.

XXX.        O sujeito passivo procedeu a regularizações de imposto a seu favor sem contudo ter em seu poder todos os exemplares das facturas emitidas a clientes, donde resultou a respectiva correcção.

XXXI.       Foi deduzida reclamação graciosa tendo, no âmbito de apreciação daquela, sido solicitados elementos contabilísticos ao contribuinte, que enviou “Seis caixas de papel Rank Xerox (500 A4X5) e um caixote de grande dimensão (...) onde se encontram facturas sem qualquer ordem, nem numérica nem mensal, e sem documento comprovativo de devolução da mercadoria”

XXXII.      A inspectora analisou a facturação.

XXXIII.    Os 12 processos não estavam completos, porque não vinha acompanhados das notas de devolução/crédito exigidas por imperativo legal, nem tão pouco de qualquer documento comprovativo de devolução da mercadoria, em clara contradição com o preceituado no POC, e nos artigos 35.°, 44.°, 45.°, 48.e n.° 5 do artigo 71.°, todos do CIVA.

XXXIV.    A contabilidade do contribuinte impugnante não se apresenta organizada sequencialmente por contas e períodos de imposto de acordo com o POC e com a legislação fiscal, nem tão pouco se encontra arquivada sequencialmente.

 

XXXV. Ao Invés apresenta-se aleatoriamente, e a monte em caixotes grosseiros sem qualquer ordem, quer seja numérica quer mensal, e onde as facturas circulam desordenadamente.

XXXVI.A AF não está imbuída na responsabilidade de organizar a contabilidade do contribuinte, muito menos na de procurar elementos contabilísticos, em caixotes de papeis.

XXXVII. A Douta Sentença não define expressamente, qual ou quais, documentos da contabilidade que não foram analisados pela técnica, pelo que é omissa nesse aspecto.

XXXVIII. Há omissão expressa de pronuncia, porquanto, a Douta Sentença não identifica os factos materiais sobre os quais assentou a sua posição decisória, uma vez que decidiu contrariamente ao estatuído nos preceitos legais nomeadamente, e recitamos: os artigos 35.° 44°, 45.°, 48°, e n° 5 do artigo 71°, todos do CIVA, artigo 29° do Regime Complementar do Procedimento de inspecção Tributária (RCPIT) e artigos 74° e 75° da Lei Geral Tributária.

XXXIX. A Douta Sentença, praticou ainda uma inversão genérica do ónus probatório, artigo 74.° da LGT, porquanto, imbui a AF na responsabilidade pela fundamentação dos actos de não reconhecimento do direito ao reembolso do imposto, quando esta responsabilidade pela prova do direito ao respectivo reembolso, impende totalmente sobre o contribuinte que invoca o direito.

XL. Tratando-se dum direito ao reembolso, o ónus recai automaticamente sobre quem o invoca, no caso o contribuinte.

XLI.Não consta materialmente provado nos autos que o mesmo tenha feito prova de que estava na posse dos instrumentos de prova exigidos por lei, notas de crédito/devolução.

XLII.Assim sendo, e em face desta omissão, a AF considerou que não estava materialmente provado o direito ao reembolso, nem o contribuinte logrou prová-lo.

XLIII.Nesta linha, também a Douta Sentença não teve o mérito de indicar qual a prova documental material sobre que assentou a Douta Decisão, pelo que enferma de vício de falta de fundamentação legal e material, e omissão de pronúncia.

Neste pendor, e a manter-se na ordem jurídica, a Douta Sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente, os já citados artigos 35.°, 44.°, 45.°, 48.°, e n.° 5 do artigo 71.°, todos do CIVA, artigos 17.° e 115.° do CIRC, artigo 29.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), artigos 74.° e 75.° da Lei Gerai Tributária, e Plano Oficial de Contabilidade.

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença recorrida; como é de Direito”.


***

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante tem como actividade a promoção, difusão e venda de artigos ou serviços nomeadamente livros informáticos e de conselhos, talismãs, pedras e cassetes áudio, por correspondência, catálogos e telefone a que corresponde o CAE 52610.

B) A Impugnante encontra-se enquadrada em regime de IVA no regime normal de periodicidade.

C) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.°s .....e ....., de 08.02.2000, foi efectuada uma análise uma acção de inspecção à firma A....., Lda, ao exercício de 1997, com origem na análise de dois pedidos de reembolso, que foram convertidos em propostas de análise externa para, verificar o IVA regularizado e se as taxas aplicadas se encontravam correctas. (Doc. fls. 20/37 do p.a.t.)

D)             No âmbito da acção de inspecção a que alude a al.C) do probatório, foi a Impugnante notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório, faculdade que usou, e na qual deu nota: " Nota: Os duplicados das facturas podem ser consultados na sede da A....., Lda. ” ( Doc. fls. 2/12 do p.a.t.)

E)              Na sequência da acção de inspecção a que alude a al.C) do probatório foi elaborado o Relatório Final, do qual se respiga:

III-5-IVA REGULARIZAÇÕES

(...)

III-5.2-(...)

III - 5.2 - O Sujeito Passivo foi notificado em 25 de Outubro do corrente ano para apresentar 12 processos completos, a título exemplificativo, em cada período de reembolso, referente às devoluções, que deram origem às regularizações a seu favor, para se perceber todo o circuito interno e externo.

O que se veio a verificar, tendo igualmente feito uma carta com notas explicativas de todos os procedimentos, desde a nota de encomenda, até à devolução da mercadoria ao armazém.

Os referidos processos são compostos por diversos documentos:

Documento 2 - É um documento dos CTT, e quando assinado, datado e com o número do registo nos CTT (que é igual ao número da factura) é o comprovativo da devolução da Mercadoria, por parte dos CTT.

Documento 3 - Factura do Cliente;

Documento 4 - Conta corrente do cliente, onde vem discriminado o registo da factura e respectiva devolução;

Documento 5 - Registo da devolução da factura;

Documento 6 - Registo da factura;

Documento 7 - Conta de encomenda de cliente e

Documento 8 - Encomenda do cliente e registo da devolução dos produtos. Vamos debruçar- nos apenas sobre o Documento 2, que é emitido pelos CTT, e que nos foi referido, pelo responsável da A....., que quando assinado, datado e com o número do registo nos CTT, era o comprovativo da devolução da mercadoria, por parte dos CTT.

Para validar este procedimento, deslocamo-nos a uma Estação de Correios e questionamos um funcionário que se encontrava ao balcão, se o referido documento comprovava ou a não a devolução da mercadoria, tendo-nos este informado que o documento de registo se encontrava assinado logo, a mercadoria recebida pelo destinatário. ( ...) Tendo este confirmado que efedivamente também nestes casos, existe a assinatura da empresa vendedora, aquando da recepção das mercadorias que não são reclamadas, pelos seus destinatários.

“Pelo exposto não nos é possível validar tal documento dado que o mesmo só contem uma rubrica, impessoal estilo “rabisco" que não nos permite identificar se se trata do cliente ou do funcionário da empresa- (...)

III. 5-4 Existem ainda outro tipo de regularizações a favor da empresa que têm origem nos reembolsos. Os reembolsos são os clientes que vão levantar os produtos aos CTT ou são-lhes entregues em casa pelo carteiro, mediante o pagamento da mesma, o cliente consulta o produto, mas não fica satisfeito, então faz uma carta à A..... a devolver a mercadoria e a. solicitar a devolução do dinheiro. Nestes casos existe uma pequena percentagem a solicitar o reembolso.

III. 5.5 - Uma vez que não existe uma forma expedita de verificar todas as devoluções, e atendendo a que existem uma média mensal de 1400facturas cuja venda não ê consumada, não é possível aferir se as regularizações que deram origem aos pedidos de reembolso, estão efectivamente correctas, uma vez que o Sujeito Passivo não obedece ao estipulado no n. °2 do art. 45° do CIVA, que refere: “ que as facturas. documentos equivalentes e guias ou notas de devolução serão numerados seguidamente. em uma ou mais séries convenientemente referenciados, devendo conservar-se na respectiva ordem os seus duplicados e. bem assim todos os exemplares dos que tiveram sido anulados ou inutilizados com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que o substituíram, se for caso disso".

Portanto o Sujeito Passivo não tem em seu poder todos os exemplares das facturas anuladas nem existe qualquer documento que permita fazer as respectivas regularizações (...)

VI .No ponto 7 do Direito de Audição o Sujeito Passivo refere-se ao ponto III-5-4 do projecto do relatório de inspecção referindo-se à existência de outras regularizações, que também estão incluídas no campo 40 da declaração periódica de IVA e que tem origem nas declarações dos clientes e, no consequente, reembolso efectuado pela A..... aos clientes que não ficaram totalmente satisfeitos com, o produto. Diz ainda que foram apresentadas as pastas referentes a este processo, por se tratarem de um número bastante menor de casos.

Efectivamente, durante a visita, foi dito que neste caso concreto tinham algumas facturas, mas também neste caso não ficou provado sem sombra de dúvida as referidas anulações.

(...) Em face do exposto e porque não foram trazidos elementos novos ao processo, com excepção do facto referido no ponto FI-4, mantêm-se as correcções propostas pelos motivos invocados." (Doc. fls. 20/37 do p.a.t.)

F)              Sob o Relatório a que alude a al. E) do probatório foi aposto o seguinte Parecer; “ Confirmo. De acordo com 0 teor da presente informação, 0 sujeito passivo procedeu a regularização de imposto a seu favor, nos termos do n.°2 do art. 45° do CIVA, sem contudo ter em seu poder todos os exemplares das facturas emitidas a clientes, pelo que se procedeu à correcção de  7.269.389$oo” e sobre este o Chefe de Divisão da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa (por delegação de competências) exarou despacho de concordância.(Doc. fls. 20/37 do p.a.t.)

G)             Com base nas correcções efectuadas foram emitidas a liquidação adicional de IVA n.° .....no valor de € 36.209,68 e as liquidações de Juros compensatórios n.°s ....., .....e ....., respectivamente nos valores de € 1.577,56, 7.298,41 e 3.806,75, com data limite de pagamento voluntário a 30.04.2001.

H)             Em 09.07.2001, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações a que alude a al. G) do probatório. (Doc. fls. 2/12 do p.a.t.)

I) No âmbito do procedimento gracioso a que alude a al. H) do probatório, o órgão instrutor solicitou à Impugnante os seguintes documentos do 3o Trimestre de 1997:

" i-C/C das “Vendas“

2-              C/C das regularizações de IVA a favor da empresa.

3-               Documentos de suporte das Regularizações do IVA efectuadas a favor da empresa, (original das facturas anuladas, e documentos comprovativo da devolução da mercadoria. (Doc. fls. 50 do p.a.t.)

J)               Em 17.10.2003, no procedimento de reclamação graciosa foi emitida informação da qual se destaca:

“ a reclamante enviou:

. Extracto de conta 7111-7112- 3o trimestre de 1997. Foi efectuado um lançamento mensal na conta 7111 Venas Merc - Mercado nacional, e outro na conta 7112- Vendas Merc. Mercado Intrac.

. Extracto de conta 243411-243413 - 3a trimestre de 1997. Foi efectuado um lançamento (Setembro) na conta 243411 - IVA Reg. - FE - Erro/Omis. Ap. Imp. Cinco lançamentos na conta 243412 - IVA - Reg. FE -p/ Dev de Clientes e um lançamento na conta 243413 - IVA - Reg. FE- p/Desc. AbatBonus C. (Fls. 3).

. Seis caixas de papel Rank Xerox (500 A4X6) e um caixote de grande dimensão (...) onde se encontram facturas sem qualquer ordem, nem numérica nem mensal, e sem documento comprovativo de devolução da mercadoria. "(Doc. fls. 53 do p.a.t.)

K)              Por despacho de 13.02.2004, da autoria do Director de Finanças Adjunto foi a reclamação graciosa indeferida. ( Doc. fls. 77/78 do p.a.t.)

L)              Em 23.02.2004, foi a Impugnante notificada do despacho a que alude a al. K) do probatório. ( Doc. fls. 78/79 do p.a.t)

M)             No dia anterior à conclusão da inspecção foi dito à Inspectora que as facturas estavam num armazém, ao que aquela respondeu, que tinha andado tanto tempo na empresa e que não era agora no última dia que iria ao armazém ver as facturas. (Depoimento prestado pela Inspectora).

N)             A Inspectora que efectuou a acção de inspecção não analisou a facturação. (Depoimento prestado pela Inspectora da Administração Tributária).

O)             Os 12 processos apresentados durante a acção de inspecção estavam todos completos, excepto um, o qual não vinha acompanhado do original da factura mas apenas do duplicado.(Depoimento prestado pela Inspectora da Administração Tributária).

P)              Em 11.01.2002, a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 53.635.05, reportada aos actos tributários de liquidação a que alude a al. G) do probatório. (Doc. fls. 19 dos autos)

Q)             Em 9.03.2004, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)


***

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto ou direito.”


***

Ficou consignado na decisão recorrida quanto à motivação da matéria de facto o seguinte: “Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados na análise dos documentos que se encontram identificados em cada uma das alíneas da matéria assente e depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas, com especial relevância o depoimento prestado pela Inspectora da Administração Tributária que efectuou a acção inspectiva que esteve na origem dos actos tributários aqui sindicados.”

***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação adicional de IVA e respetivos JC, referentes ao ano de 1997, no montante global de €48.892,40.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que apenas o DRFP interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos, tendo, por isso, transitado em julgado o segmento de improcedência atinente aos juros indemnizatórios.

De relevar, neste particular, que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
Ø Se a decisão recorrida padece de nulidade por:
o Omissão de pronúncia;
o Contradição entre os fundamentos e a decisão;
o Falta de Fundamentação;
Ø Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto revela uma incorreta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 35.º, 44.º, 45.º, 48.º, e 71.º, nº5 todos do CIVA e bem assim os artigos 17.º e 115.º do CIRC, artigo 29.º do RCPIT e 74.º e 75.º da LGT, competindo aferir, particularmente:
o Se o Tribunal a quo praticou uma inversão genérica do ónus probatório atenta a génese das correções em contenda;
o Se a Recorrida não fez prova da realidade fática a que estava adstrita.

Vejamos, então.

Comecemos pela nulidade por omissão de pronúncia.

A Recorrente defende que a decisão recorrida é nula, porquanto não define, expressamente, qual ou quais, os documentos da contabilidade que não foram analisados pela técnica, e bem assim porque não identifica os factos materiais sobre os quais assentou a sua posição decisória, uma vez que decidiu contrariamente ao estatuído nos preceitos legais nomeadamente, 35.°, 44.°, 45.°, 48.° e  71.°, nº5 todos do CIVA, 29.° do RCPIT e artigos 74.° e 75.° da LGT.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[1].

Apreciando.

Face aos considerandos supra expendidos, dimana claro que as alegações da Recorrente não determinam, de todo, qualquer nulidade por omissão de pronúncia, quando muito, a procederem, determinam erro de julgamento, mas nunca a arguida nulidade.

Por outro lado, importa, outrossim, relevar que contrariamente ao expendido pela Recorrente o Tribunal a quo não omitiu pronúncia sobre as questões que lhe foram submetidas, porquanto analisou a legalidade dos atos impugnados, relevando as causas de pedir convocadas pela Recorrida na sua p.i., mormente, falta de fundamentação na sua dimensão formal e material, com a inerente densificação do ónus probatório.

É certo que, se bem se interpretam as alegações da Recorrente, a mesma entende, outrossim, que a omissão de pronúncia radica na circunstância de não terem sido convocados todos os normativos legais invocados em sede de inspetiva e bem assim na contestação, porém, conforme veremos em sede própria, não só, por um lado, o Tribunal a quo analisou a questão fática à luz do direito vigente que convocou, como, por outro lado, tal argumentação, a proceder, determinará um erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de direito.

Face ao exposto, improcede, assim, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos, ora, a alegada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

A Recorrente propugna a verificação de tal nulidade porquanto, a sentença dá como provado que:

A contabilidade do contribuinte impugnante não se apresenta organizada sequencialmente por contas e períodos de imposto de acordo com o POC e com a legislação fiscal, nem tão pouco se encontra arquivada sequencialmente, conforme determinado pela ampla legislação supra referenciada.

Ao invés apresenta-se aleatoriamente e a monte em caixotes grosseiros sem qualquer ordem, quer seja numérica ou mensal, onde as facturas circulam desordenadamente.

As regularizações praticadas não estão devidamente acompanhadas da nota de devolucão/crédito, nem tão POUCO de qualquer documento comprovativo de devolução da mercadoria, em clara contradição com o preceituado no POC, e nos artigos 35.°, 44.°, 45.°, 48.°, e n.° 5 do artigo 71,°, todos do CIVA.

Logo, ao assumir que dos doze processos analisados pela técnica, onze estavam completos, à exceção de um, quando efetivamente se constata materialmente que nenhum dos doze processos reunia a prova requerida por lei, nomeadamente a nota de devolução/crédito, existe uma inequívoca contradição.

Acresce, outrossim, que tal contradição também flui quando refere que é evidenciado que a técnica não analisou a contabilidade, e depois sustenta que esta mesma técnica analisou os processos da amostragem.

Apreciando.

Preceitua o já citado artigo 125.º, nº1, do CPPT, que constitui, igualmente, causa de nulidade da sentença “[a] oposição dos fundamentos com a decisão.”

Dimanando tal nulidade também do já convocado artigo 615.º alínea c) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

De relevar, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do CPC.

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada[2].

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela ilegalidade da liquidação de IVA e respetivos JC, e sua consequente anulação, a fundamentação jurídica vai no mesmo sentido.

De todo o modo, desde já, se evidencia que a factualidade supra elencada para justificar a, alegada, contradição não se encontra espelhada no probatório, ou seja, em nenhuma alínea do probatório se retiram as asserções fáticas expendidas pela Recorrente, dimanando tal constatação de uma simples leitura do probatório, de resto, não impugnado.

Com efeito, o Tribunal a quo não introduziu como facto assente qualquer das realidades fáticas supra expendidas pela Recorrente, sendo certo que, como é consabido, ao transcreverem-se excertos do Relatório Inspetivo o Tribunal a quo não está a consignar como factualidade assente as considerações nele contidas, mas tão-só a dar como provado que existiu um documento denominado Relatório Inspetivo com esse teor.

Destarte, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, decide, de forma coerente e lógica-ainda que a Recorrente discorde da aludida fundamentação jurídica-que a liquidação sindicada padece de ilegalidade que a comina de anulabilidade.

De relevar, ainda neste particular, que não encerra qualquer contradição a assunção de análise dos 12 processos requeridos e a inexistência de análise da faturação da Recorrida, porquanto estamos a falar de realidades distintas, sendo certo que basta atentar na fundamentação constante na decisão recorrida para se percecionar que a falta de análise da faturação, é no seu todo, e em incumprimento do ónus probatório que se circunscrevia na sua esfera jurídica.

Conclui-se, assim, que o sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.

É certo que, à semelhança do já expendido para efeitos da densificação da outra nulidade já analisada, tais alegações, a procederem, podem redundar erro de julgamento por terem assentado em premissas que não conferem a conclusão silogística do decisor, mas não em nulidade da decisão.

Com efeito, e conforme já evidenciado anteriormente, a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

Em resultado do exposto, dimana inequívoca a improcedência da aludida nulidade.

Subsiste, então, por analisar a nulidade por alegada falta de fundamentação da decisão recorrida.

A Recorrente alega que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, visto que a sentença recorrida não teve o mérito de indicar qual a prova documental material sobre que assentou a decisão, donde padece de falta de fundamentação legal e material.

Mais uma vez, ajuizamos que não assiste razão à Recorrente, inexistindo a arguida nulidade.

Senão vejamos.

Dimana do artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Preceituando o, já citado, artigo 125.º do CPPT, que constitui “[a] não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste âmbito, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação, a Doutrina[3]  tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário [4]”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item III denominado de “segmento fáctico” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

No concernente à factualidade não provada encontra-se individualizado um item reportado a tal assunção, sendo especificadas as razões atinentes a esse juízo de valoração.

Ora, em face do supra aludido entende-se que quanto à enumeração dos factos provados, e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, foram analisadas, criticamente as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, permitindo a mesma dar a conhecer quais os suportes probatórios que justificam a prova dos factos considerados provados, o mesmo sucedendo quanto à factualidade não provada.

Com efeito, entende-se, in casu, e contrariamente ao propugnado pela Recorrente que inexiste qualquer falta de fundamentação legal e material que permita extrair, nesse e para esse efeito, a arguida nulidade.

Ademais, as razões expendidas e tendentes a alicerçar a convocada nulidade em nada permitem inferir no sentido da verificação de tal nulidade, existindo, mais uma vez, uma clara confusão conceptual entre nulidade da decisão e erro de julgamento, quer de facto, quer de direito.

Acresce que, só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação jurídica, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada.

Face a o exposto, conclui-se que a sentença não padece da arguida nulidade por falta de fundamentação.


***

Aqui chegados, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

A Recorrente alega, desde logo, que o Tribunal a quo não valorou a legislação evidenciada e que relevava para o caso dos autos, sendo que foi desvirtuado e invertido o ónus probatório que impendia sobre as partes, descurando-se, desde logo, a origem das correções que motivaram a emissão dos atos impugnados.

Densifica, neste particular, que as faturas ou documentos equivalentes serão substituídos por guias ou notas de devolução, quando se trate de devoluções de mercadorias anteriormente transacionadas entre as mesmas pessoas, e que a sua emissão se processará o mais tardar no 5.° dia útil seguinte à data da devolução que os documentos referidos nos números anteriores devem ser processados em duplicado, e devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto.

Sendo que a contabilidade deve, ainda, ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários.

Até porque, quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respetiva dedução.

Mais aduzindo que sendo o IVA um imposto que investe os agentes económicos na responsabilidade pela sua cobrança, o ónus probandi recai sempre sobre o operador económico que tem que provar e demonstrar indubitavelmente o seu direito, não estando, assim, na esfera de responsabilidade ou atribuição da Administração Tributária, a produção de prova adicional sobre o indeferimento do respetivo reembolso em sede de IVA.

Assim, se o sujeito passivo impugnante não tem em seu poder todos os exemplares das faturas anuladas, nem existe qualquer documento que permita fazer as respetivas regularizações, estão legitimadas as correções realizadas.

Ademais, sustenta que no âmbito da reclamação graciosa apresentada foram exibidas seis caixas de papel Rank Xerox (500 A4X5) e um caixote de grande dimensão  onde se encontram faturas sem qualquer ordem, nem numérica nem mensal, e sem documento comprovativo de devolução da mercadoria, cuja responsabilidade de organização não se encontrava na esfera da Administração Tributária mas sim na esfera da contabilidade do contribuinte.

Adensa, ainda, que contrariamente ao evidenciado pelo Tribunal a quo, os processos não estavam completos, e a contabilidade não se encontrava organizada sequencialmente por contas e períodos de imposto de acordo com o POC e com a legislação fiscal, nem tão pouco se encontra arquivada sequencialmente.

Conclui, assim, que a Administração Tributária considerou que não estava materialmente provado o direito ao reembolso, e a verdade é que o contribuinte não logrou prová-lo.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Para se aferir do acerto da decisão recorrida, convoquemos, neste âmbito, a fundamentação jurídica, na parte que para os autos releva e na qual a mesma se ancorou:

O Tribunal a quo começa, desde logo, por evidenciar que quanto à questão da falta de fundamentação substancial ter-se-á de acompanhar a posição da Recorrida, porquanto a Administração Tributária não cumpriu o ónus que sobre si impendia, relevando, neste particular que:

“A Administração Tributária com base no documento n.°2 dos oito documentos apresentados pela Impugnante em sede de procedimento de inspecção, e sobre os esclarecimentos prestados por um funcionário dos CTT, concluiu, que “não nos é possível validar tal documento dado que o mesmo só contem uma rubrica, impessoal estilo "rabisco" que não nos permite identificar se se trata do cliente ou do funcionário da empresa.

Ora, e desde logo, por não se identificar a pessoa que o disse, quais as razões porque o disse e onde é que obtive esse conhecimento, enfim, as razões de ciência de quem produz essa informação para que se possa aquilatar da sua veracidade, acarreta, desde logo, que não possam ser valoradas.

A isto acresce, que impendia sobre a Administração Tributária analisar a facturação colocada à sua disposição, não se admitindo, desde logo, por força do Princípio da Verdade material, que assim não tenha procedido pela singela razão aquela de ter sido apresentada no dia anterior à conclusão da acção inspectiva.

O que vem expendido, forçoso é de concluir que a Administração Tributária não poderia refugiar-se, apenas na análise de um documento e muito menos ainda, deixar de levar a efeito uma análise à facturação.

Mais aduz, neste e para este efeito, que:

“[n]ão é possível através da fundamentação usada, saber o que levou os Serviços de Inspecção a concluir: “ (...) o Sujeito Passivo não tem em seu poder todos os exemplares das facturas anuladas nem existe qualquer documento que permita fazer as respectivas regularizações (...).

Com efeito, considerou a Administração Fiscal: “Uma vez que não existe uma forma expedita de ver ficar todas as devoluções, e atendendo a que existem uma média mensal de 1400 facturas cuja venda não é consumada não é possível aferir se as regularizações que deram origem aos pedidos de reembolso, estão efectivamente correctas, mas não se descortina porquê, isto é, ficamos sem saber a razão - de facto e de direito - de tal entendimento, o mesmo é dizer que não se adianta em tal discurso quais os fundamentos por que assim se decidiu.

E, diz ainda a Administração Fiscal: “uma vez que o Sujeito Passivo não obedece ao estipulado no n. °2 do art. 45° do CIVA (...)" e, “não têm em seu poder todos os exemplares das facturas anuladas.”

Desde modo, dúvidas não se nos colocam quanto ao facto de estamos perante uma fundamentação incongruente, uma vez que, se por um lado se considera não existir forma expedita de verificar as devoluções e por tal razão a Administração Tributária optou por não apurar se aquelas ocorreram ou não, por outro lado, diz-nos também que a Impugnante não cumpriu o estipulado no n.°2 do art 45° da CIVA e por outro que não possuí todos os exemplares das facturas apuradas.

Linearmente se retira do contexto do Relatório de Inspecção em causa que o mesma não contém a necessária motivação decisória, desconhecendo-se, ainda, em absoluto quais os exemplares das facturas anuladas que a Impugnante não disponha.

O que bem se compreende, pela afirmação produzida em sede de prova testemunhal pela Inspectora no sentido de que não analisou a facturação da Impugnante. ( Cfr. alíneas M) e N) do probatório)

Mas para além, do que supra se escreveu, temos ainda dar nota, que a Impugnante em sede do exercício do direito de audição sobre o projecto do Relatório Final, informou a Administração Tributária que: " Os duplicados das facturas podem ser consultados na sede da A......, Lda ".

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que a fundamentação que releva e que importa para efeitos de apreciação da questão e legalidade do ato impugnado, é a que se encontra espelhada no Relatório Inspetivo, em nada podendo relevar as constantes, designadamente, em sede do procedimento de reclamação graciosa, por representarem fundamentação a posteriori.[5]

Feito este introito, vejamos, então, quais os fundamentos em que se estribou a correção e bem assim os normativos convocados para o efeito, porquanto, como visto, a Recorrente evidencia que a questão fática não foi, devidamente, ponderada e valorada à luz dos normativos invocados e com base nos pressupostos nele expendidos.

Atentemos, então.

Do teor do Relatório Inspetivo, resulta que na sequência de dois pedidos de reembolso de IVA, a Recorrida foi objeto de uma ação inspetiva, tendente à aquilatar, designadamente, da legalidade do IVA regularizado.

Nessa conformidade, no âmbito da aludida ação inspetiva foi a mesma notificada para apresentar doze processos completos, a título exemplificativo, em cada período de reembolso, referente às devoluções, o que a Recorrida satisfez, dando nota dos respetivos procedimentos e com a atinente prova documental, entendendo, no entanto, a Administração Tributária, em análise a um dos sete documentos que integram o procedimento que não é “[p]ossível validar tal documento dado que o mesmo só contém uma rubrica, impessoal, estilo “rabisco” que não  nos permite identificar se se trata do cliente ou do funcionário da empresa.”

Relevando, depois, que “[n]ão existe uma forma expedita de verificar todas as devoluções, e atendendo a que existem uma média mensal de 1400 facturas cuja venda não é consumada, não é possível aferir se as regularizações que deram origem aos pedidos de reembolso, estão efectivamente correctas, uma vez que o Sujeito Passivo não obedece ao estipulado no n. °2 do art. 45° do CIVA, que refere: “ que as facturas, documentos equivalentes e guias ou notas de devolução serão numerados seguidamente, em uma ou mais séries convenientemente referenciados, devendo conservar-se na respectiva ordem os seus duplicados e. bem assim todos os exemplares dos que tiveram sido anulados ou inutilizados com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que o substituíram, se for caso disso".

Concluindo, para o efeito, que “[d]ada a impossibilidade de aferir a veracidade das devoluções, uma vez que o Sujeito Passivo não obedece ao estipulado no nº 2 do Artº 45.º do CIVA, não vão ser aceites as regularizações efectuadas a favor do Sujeito Passivo, constantes nas Declarações Periódicas no montante de 11.315.051$00 (…)”.

Face ao supra aludido, dimana que as correções se estribaram em falta de cumprimento do ónus probatório, por não ter a Recorrida demonstrado, de forma inequívoca, que as devoluções declaradas ocorreram convocando, em termos de fundamentação legal, o artigo 45.º, nº2 do CIVA.

Ora, face ao supra aludido, importa, desde já, relevar que nenhuma incorreção se vislumbra quanto à falta de pronúncia expressa quanto aos normativos invocados pela Recorrente, porquanto em nenhum momento no Relatório Inspetivo se alude aos mesmos, ou seja, os mesmos não fundamentaram as correções atinentes às devoluções.

De todo o modo, sempre se dirá, que o aduzido quanto ao artigo 71.º, nº5 do CIVA, ainda que não pudesse, como visto, relevar, porquanto não alicerçou o juízo de fundamentação da Administração Tributária no momento e sede própria, a verdade é que, face às devoluções em causa nos autos, ou seja, que estão concatenadas não com uma devolução na verdadeira aceção da palavra, mas sim com o não recebimento por parte do adquirente, as exigências nele contempladas, concretamente, cognoscibilidade por parte do adquirente, não poderiam ser transpostas para o caso vertente.

Mas o mesmo se diga quanto ao juízo de entendimento atinente à falta de fundamentação do ato tributário. Ressalvando, desde já, que enquanto a fundamentação formal está concatenada com a questão de saber se a Administração Tributária deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.

Como visto, o Tribunal a quo entendeu que os motivos atinentes às correções não eram suficientes, per se, para legitimar a atuação da Administração Tributária e bem assim a emissão dos atos impugnados, porquanto não ponderou toda a realidade documental apresentada para o efeito, sendo que não analisou toda a faturação do período visado, convocando razões que não podem ser valoradas para efeitos de descoberta da verdade material.

E, de facto, entende-se que nenhuma censura merece o juízo de valoração do Tribunal a quo, porquanto ajuíza-se, efetivamente, que a Administração Tributária não se encontrava legitimada a realizar as correções dado que se limitou a analisar a questão de uma forma redutora, sem envidar quaisquer diligências que pudessem esclarecer e dissipar quaisquer dúvidas atinentes à realidade fática dos autos, eximindo-se do seu ónus com base em considerações concatenadas com a dificuldade de análise.

Senão vejamos.

Atentando no Relatório Inspetivo e como já se expendeu anteriormente, a Administração Tributária tendente a validar o IVA regularizado atinente às devoluções e para percecionar todo o circuito interno e externo solicitou-por amostragem- a apresentação de doze processos completos, o que a Recorrida cumpriu, juntando cópia de todos os procedimentos, desde a nota de encomenda, até à devolução da mercadoria ao armazém.

Densificando, para o efeito que, os processos são constituídos por oito documentos, que materializa da seguinte forma:

“Documento 2 - É um documento dos CTT, e quando assinado, datado e com o número do registo nos CTT (que é igual ao número da factura) é o comprovativo da devolução da mercadoria. por parte dos CTT.

Documento 3 - Factura do Cliente:

Documento 4 - Conta corrente do cliente, onde vem discriminado o registo da factura e respectiva devolução:

Documento 5 - Registo da devolução da factura:

Documento 6 - Registo da factura;

Documento 7 - Conta de encomenda de cliente e

Documento 8 - Encomenda do cliente e registo da devolução dos produtos.”

No entanto, por razões que não justifica, e de forma, absolutamente, conclusiva, salienta que a análise vai, tão-só, debruçar-se sobre o documento 2, tecendo as seguintes considerações:

“Vamos debruçar- nos apenas sobre o Documento 2, que é emitido pelos CTT, e que nos foi referido, pelo responsável da A....., que quando assinado, datado e com o número do registo nos CTT, era o comprovativo da devolução da mercadoria, por parte dos CTT.

Para validar este procedimento, deslocamo-nos a uma Estação de Correios e questionamos um funcionário que se encontrava ao balcão, se o referido documento comprovava ou a não a devolução da mercadoria, tendo-nos este informado que o documento de registo se encontrava assinado logo, a mercadoria recebida pelo destinatário. ( ...) Tendo este confirmado que efetivamente também nestes casos, existe a assinatura da empresa vendedora, aquando da recepção das mercadorias que não são reclamadas, pelos seus destinatários.”

Concluindo, depois, que “Pelo exposto não nos é possível validar tal documento dado que o mesmo só contem uma rubrica, impessoal estilo “rabisco" que não nos permite identificar se se trata do cliente ou do funcionário da empresa.”

Aduzindo, ainda neste particular e como já evidenciado e que, ora, se reitera, que “[n]ão existe uma forma expedita de verificar todas as devoluções, e atendendo a que existem uma média mensal de 1400 facturas cuja venda não é consumada, não é possível aferir se as regularizações que deram origem aos pedidos de reembolso, estão efectivamente correctas (…)”

Concluindo, neste e para este efeito, que “[o] Sujeito Passivo não tem em seu poder todos os exemplares das facturas anuladas nem existe qualquer documento que permita fazer as respectivas regularizações.”

Ora, face ao supra aludido, entende-se que nenhuma censura merece o juízo de entendimento do Tribunal a quo, expliquemos, então, porque assim o entendemos.

Ab initio, importa evidenciar, desde já, que carece de qualquer relevância para a presente lide todas as alegações concatenadas com os princípios e regras de organização contabilísticas, e natureza/mecânica do IVA (alíneas V a XXIV), porquanto se limitam a enquadramentos teóricos, genéricos, e naturalmente não controvertidos, sem a devida materialização em termos de erro de julgamento, para o caso vertente.

Prosseguindo.

Cumpre, desde logo, sublinhar e ressalvar que existindo um procedimento consubstanciado em sete documentos, não pode a Administração Tributária-de forma conclusiva- limitar o seu juízo de entendimento a um só documento, descurando, sem mais, todo o suporte procedimental e documental.

Acresce que mesmo limitando a sua análise ao aludido documento dois, as justificações avançadas pela Administração Tributária não são de molde a legitimar as correções, porquanto redutoras, conclusivas e excludentes de inquisitório.

Com efeito, tendo por suporte o consignado no Relatório Inspetivo, verifica-se, desde logo, que o mesmo consubstancia um documento dos CTT com o número de registo o qual tem correspondência com o número da fatura, tendo sido invocado pela Recorrida, que, quando assinado e datado, representa o comprovativo da devolução da mercadoria.

A Administração Tributária tendente à aludida validação deslocou-se a uma Estação de Correios -a qual não identifica- e questionaram um Funcionário - o qual, também não é identificado- relativamente à assinatura e à falta de identificação do montante da cobrança, e daí inferiram que:

“[n]o caso de empresas que tinham um grande volume de vendas por correspondência, o espaço reservado ao montante da cobrança, poderá não ser preenchido, uma vez que o controle é feito através do talão de linha óptica”

“[e]xiste a assinatura da empresa vendedora, aquando da recepção das mercadorias que não são reclamadas, pelos seus destinatários.”

E com base nisso extrapolaram que “[n]ão nos é possível validar tal documento dado que o mesmo só contém uma rúbrica, impessoal, estilo “rabisco” que não nos permite identificar se se trata do cliente ou do funcionário da empresa”.

Ora, como é bom de ver não só o respondido pelo funcionário dos CTT não é impeditivo da assunção e ponderação de tal documento, como, em bom rigor, existindo dúvidas sempre carecia de uma indagação superior por parte da Administração Tributária, mormente, junto dos clientes e dos funcionários da empresa, não podendo, sem mais, concluir que não é possível validar esse documento.

Com efeito, dir-se-á que o supra expendido, constitui um critério redutor sem aptidão e idoneidade suficiente para abalar e desconsiderar as regularizações declaradas.

Ademais, não se percebe porque inexistiram esclarecimentos escritos juntos da Entidade CTT, com curial indagação de todo o procedimento de devolução, e respetiva densificação e transposição casuística para o caso em apreço, como se impunha.

Acresce, outrossim, que não pode ser aceite enquanto justificação legitimadora de uma correção a morosidade e a dificuldade na elaboração do trabalho, ou seja, não pode, simplesmente, a entidade fiscalizadora eximir-se das suas funções fundamentando com base em que “[n]ão existe uma forma expedita de verificar todas as devoluções, e atendendo a que existem uma média mensal de 1400 facturas devolvidas e consequentemente 1400 produtos cuja venda não é consumada”.

E inclusive, depois concluir que “[n]ão é possível aferir se as regularizações que deram origem aos pedidos de reembolso, estão efectivamente correctas, uma vez que o Sujeito Passivo não obedece ao estipulado no nº2 do Artº 45.º do CIVA”.

Com efeito, não só tal conclusão não se afigura correta e idónea, como desconforme e incongruente.

Vejamos com o devido pormenor.

Dispunha, à data, o artigo 45.º, nº2 do CIVA, que “[a]s faturas, documentos equivalentes e guias ou notas de devolução serão numerados seguidamente, em uma ou mais séries convenientemente referenciadas, devendo conservar-se na respetiva ordem os seus duplicados e, bem assim, todos os exemplares dos que tiverem sido anulados ou inutilizados, com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que os substituíram, se for caso disso.”

Ora, atentando no Relatório Inspetivo que temos vindo a analisar, não se retira, de todo, que exista violação de tal normativo, até porque se não foram analisadas todas as faturas face, desde logo, à sua excessiva morosidade e dificuldade não é possível, sem mais, estabelecer-se, de forma segura e fidedigna, tal assunção conclusiva.

Ademais, não obstante a Recorrente aduza que a contabilidade não se encontra organizada, do probatório não se retira, de todo, tal assunção.

Aliás, bem pelo contrário, porquanto se atentarmos no próprio Relatório Inspetivo nos itens “regime fiscal da empresa” e “regularidade da escrita”, encontra-se expresso o seguinte:

“A empresa encontra-se colectada em IRC no Regime Geral e em IVA no Regime Normal de Periodicidade Trimestral. Tem vindo a cumprir as suas obrigações fiscais com regularidade, no que respeita à entrega das Declarações Periódicas e respectivos meios de pagamento de IRC, IRS e IVA”.

“A empresa possui contabilidade organizada utilizando o sistema informático para o seu processamento. Os livros selados encontram-se escriturados dentro do prazo permitido por lei.”

Acresce que, conforme resulta do probatório e não impugnado, no âmbito da ação de inspeção e aquando do exercício de audição prévia sobre o projeto de Relatório Inspetivo a Recorrida evidenciou, desde logo, que os originais das faturas podiam ser consultados na sede da A....., Lda, faculdade que não foi exercida, e conscientemente, como visto, atenta a dificuldade e morosidade.

É certo que em sede de recurso, a Recorrente vem alegar que a inspetora analisou a faturação, porém não só tal alegação não está minimamente consubstanciada, como é o inverso do que consta do acervo probatório dos autos e que, como visto, não foi impugnado em ordem aos requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC.

Aliás, da conjugação das alíneas M) e N) da factualidade assente-não impugnada- resulta provado que a Inspetora Tributária que procedeu à ação Inspetiva não analisou a globalidade da faturação, eximindo-se, expressamente, desse dever, com base na circunstância de se encontrava no último dia de instrução do procedimento inspetivo, donde, não iria ao armazém aquilatar da existência de todas as faturas.

É certo, outrossim, que a Recorrente defende que “os doze processos não estavam completos, porque não vinham acompanhados das notas de devolução/crédito exigidas por imperativo legal, nem tão pouco de qualquer documento comprovativo de devolução da mercadoria, em clara contradição com o preceituado no POC, e nos artigos 35.º, 44.º, 45.º, 48.º, e nº5 do artigo 71.º, todos do CIVA”.

Porém, mais uma vez tal argumentação não logra provimento, não só porque não corresponde à realidade espelhada no acervo probatório, como não é contextual da fundamentação contemplada no probatório, conforme temos vindo a densificar.

Com efeito, da factualidade assente, mormente, alínea O), o que dimana, expressamente, é que os doze processos apresentados durante a ação de inspeção estavam todos completos, exceto um, o qual não vinha acompanhado do original da fatura mas apenas do duplicado.

De relevar, neste particular, que inexiste, contrariamente ao avançado pela Recorrente, qualquer inversão do ónus probatório, tendo o Tribunal a quo cumprido o consignado no artigo 74.º da LGT.

Aduza-se, em abono da verdade, que distintamente do evidenciado pela Recorrente não nos encontramos perante a apreciação da legalidade do pedido de reembolso de IVA, mas sim perante a análise da conformidade de regularizações de IVA realizadas pela Recorrida, tendo a mesma envidado total colaboração e logrado demonstrar, não se eximindo -em sentido inverso à atuação da conduta da Administração Tributária e conforme já evidenciado anteriormente e em sede própria- dos seus ónus.

Noutra formulação, competiria à Administração Tributária no âmbito do seu poder/dever de investigação, inquisitório e descoberta da verdade material, analisar, de forma fundamentada, explicitada e densificada faticamente, porque motivo se teriam de corrigir as regularizações, o que, face a todo exposto e que nos eximimos de reiterar, não sucedeu no caso vertente.

Note-se, a final, e sem embargo do exposto, que mesmo que se equacionasse que os processos de reembolso não se encontravam completos, ter-se-ia de densificar de que forma, com que abrangência e porque motivo as aludidas falhas inviabilizariam as regularizações, corrigindo, se fosse o caso, nesse segmento e em proporção, não podendo desconsiderar, tout court, todas as regularizações declaradas, conforme foi realizado pela Administração Tributária.

Ademais, como expendido em recente Aresto deste Tribunal, que acompanhamos, prolatado no processo nº 179/06, datado de 14 de janeiro de 2021:

“Se a AT, com vista a afastar tal presunção de veracidade, funda a sua posição em circunstâncias descritas de forma genérica e por amostragem, não discriminando concretamente as situações subjacentes a essa mesma posição, não é exigível ao contribuinte uma prova que não se quede, igualmente, por aspetos genéricos e globais, porque a própria fundamentação do ato não permite qualquer nível de detalhe adicional.”

Neste particular, sempre importa relevar que no limite sempre o Tribunal teria de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100.º do CPPT (anterior 121.º do CPT), e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a Administração Tributária, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles. O aludido normativo constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal, determinando que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado[6].

In fine, e quanto à alegada circunstância de serem juntos sete caixotes em sede de reclamação graciosa, tal não permite desvirtuar o exposto anteriormente, não só porque, como evidenciado, entendemos que existe um incumprimento do ónus a montante, ou seja, no seio da ação inspetiva, como, rigorosamente, não se pode aceitar, sem mais, que não se realiza qualquer exame atento o volume e falta de organização documental.

Assim, face a todo exposto, ajuíza-se, que, efetivamente, a Administração Tributária não se encontrava legitimada a realizar as correções sindicadas na presente lide, conforme decidido pelo Tribunal a quo.

E por assim ser, a decisão recorrida que assim o decidiu deve ser mantida na ordem jurídica, inexistindo qualquer violação dos preceitos legais invocados pela Recorrente.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Segunda Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]


Patrícia Manuel Pires

_________________________
[1] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[2] vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
[3]Neste sentido Alberto dos Reis-Código de Processo Civil Anotado: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[4] Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
[5] Vide, designadamente, Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 65/0, de 11.04.2019 e TCAN, proferido no processo nº 01099/03, de 20.01.2004.
[6] Vide, designadamente, o Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 0097/03, de 27 de maio de 2010.