Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:629/05.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
CASO JULGADO
AUTORIDADE CASO JULGADO
PREJUDICIALIDADE
INDEMNIZAÇÃO PRESTAÇÃO GARANTIA
Sumário:I-A exceção dilatória do caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado, enquanto a autoridade do caso julgado implica o acatamento de decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto necessário, no objeto de ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida possa ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II-Não é exigível no âmbito da autoridade do caso julgado, a plena identidade entre as partes, causa de pedir e pedidos.
III-Se no âmbito de um processo judicial foi dirimido o indeferimento do pedido de reembolso de IVA o qual se fundou em razões substanciais concatenadas com a possibilidade de dedução do IVA suportado, concretamente com a insusceptibilidade de dedução do mesmo face a, alegados, inputs mistos e afetação a uso pessoal, então, por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida nesse primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são as mesmas que a Recorrente aqui pretende ver apreciadas e discutidas.
IV-A autoridade daquela decisão, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra decisão, devendo, nessa medida, validar-se a legalidade do imposto dedutível, e nessa medida decretar-se a anulação da liquidação na globalidade.
V-O pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada é, em regra, feito na petição do meio procedimental ou processual em que seja sindicada a liquidação relativamente à qual a garantia foi prestada, podendo, no entanto, nos casos em que o fundamento do pedido seja posterior à apresentação da petição do meio utilizado ser feito posteriormente, desde que respeitados os requisitos e os prazos contemplados no artigo 53.º, da LGT e 171.º do CPPT.
VI- Se o pedido de indemnização veio a ser formulado já na pendência do recurso jurisdicional, após, inclusivamente, ter sido declarada a caducidade da garantia, com fundamento no disposto no artigo 183º-B do CPPT, o mesmo deve ser julgado intempestivo, obstando, per se, à sua apreciação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

S.....RIO, LDA, (doravante Recorrente ou S.....) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e correspondente liquidação de Juros Compensatórios (JC) com os números ..... e ....., no valor de €30.521,24 e €678,99, respetivamente, respeitantes ao ano de 2003, decretando, em conformidade, a anulação parcial do ato de liquidação de IVA pelo montante de €20.000,00, e correspondente proporção na liquidação de juros compensatórios.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“IV.           CONCLUSÕES

80.            Vem a Recorrente notificada da sentença proferida nos presentes autos, julgando a presente ação parcialmente procedente e determinando a anulação parcial da liquidação adicional de IVA n°. ....., no valor de €30.521,24 e a correspondente liquidação de juros compensatórios, com o n°. ....., no valor de €678,99, referentes ao exercício de 2003. A anulação parcial determinada pelo tribunal a quo atinge o ato impugnado de liquidação de IVA apenas pelo montante de €20.000,00, e a liquidação de juros compensatórios na correspondente proporção, absolvendo-se a Fazenda Pública quanto ao demais peticionado.

81.            Ora, na sequência de renúncia à isenção de IVA em contrato de arrendamento de imóvel, a Recorrente apresentou em 11/04/2004 declaração periódica de IVA respeitante ao período 03/12T, na qual declarou imposto liquidado a clientes no montante de € 1.140,00, ao qual deveria ser deduzido o IVA dedutível no montante de € 28.769,60 suportado nos bens e serviços por si adquiridos para a realização das suas operações sujeitas a imposto, requerendo reembolso no montante de €20.000,00 e ficando os remanescentes € 7.629,60 como excesso a reportar em subsequentes períodos de tributação.

82.            Na sequência de tal declaração periódica de IVA foi iniciado procedimento de inspeção tributária, culminando no relatório onde foi decidido o indeferimento total do pedido de reembolso, referindo encontrar-se ainda imposto em falta no montante de € 10.521,24, e propondo algo a que designa de “correções técnicas”, mas cujo cômputo a AT nunca procurou minimamente fundamentar ou justificar, no montante de € 30.521,24.

83.            A decisão tomada pela administração que redundou na prática dos atos tributários impugnados desconsidera inteiramente a presunção de veracidade e a boa fé das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei (artigo 75° n°. 1 da LGT), decidindo contra o ato por esta praticado na forma e no tempo legais, apenas com fundamento em “não ter sido possível confirmar sem base para dúvidas” que o IVA deduzido pela Recorrente era de facto dedutível, sendo por isso desprovida - bem como os atos tributários com base nela praticados - de base fundamentadora consistente e circunstanciadamente apoiada.

84.            No seguimento deste relatório foram ainda emitidas as liquidações adicionais aqui impugnadas.

85.            A decisão de indeferimento do pedido de reembolso foi objeto de impugnação judicial apresentada nos termos do n°. 13 do código do IVA e seguiu os seus termos no TAF de Sintra sob o n°. 103/05.5BESNT, e posteriormente na Secção de Contencioso Tributário deste TCA Sul, sob o n°. 09215/15, onde foi apreciada toda a relação jurídico-fiscal subjacente às liquidações ora impugnadas.

86.            Com efeito, na sequência daquele relatório foram igualmente emitidas as liquidações administrativas de IVA impugnadas no âmbito dos presentes autos, cuja suspensão foi determinada por despacho de 01/09/2008, em virtude da existência de causa prejudicial (a impugnação judicial do indeferimento do pedido de reembolso no montante de €20.000,00, com o n°. TAF de Sintra de 103/05.5BESNT, e n°. TCA Sul de 09215/15), até trânsito em julgado da decisão a proferir naquele processo de impugnação judicial.

87.            A 28/05/2015 foi proferida sentença no âmbito do processo de impugnação judicial n.° 103/05.5BESNT, julgando a ação procedente e determinando a anulação do acto de indeferimento do pedido de reembolso formulado nos autos, decisão que se tornou definitiva após acórdão do TCAS de 25/06/2019, transitado em julgado em 16/09/2019, que confirmou o sentido da decisão proferida em primeira instância e determinando a anulação do ato de indeferimento do pedido de reembolso, no montante de €20.000,00, formulado nos autos, considerando, entre outros fundamentos que: “a Impugnante podia exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, como sucedeu (cfr. alínea B dos factos provados).”

88.            Contrariamente ao que refere o tribunal a quo, a Impugnante nunca declarou que apenas o montante de € 20.000,00 correspondia a IVA associado a despesas de construção do armazém destinado à realização das operações para as quais tinha renunciado à isenção de IVA; o que declarou e declara, isso sim, é que tanto as “correções técnicas” que constam do ponto 8 do relatório de inspeção que deu origem aos atos impugnados, no total de € 30.521,24, e o “imposto em falta no montante de €10.521,24" nunca foram adequadamente fundamentadas ou justificadas pela AT, tratando-se por isso, para o signatário, de duas cifras incognoscíveis.

89.            O que a impugnante sabe e nunca colocou em causa é que o total do imposto deduzido no seguimento da renúncia à isenção levada a cabo pela Recorrente designadamente na sua declaração periódica de IVA relativa ao período 03/12T, corresponde a imposto dedutível associado a despesas de construção de um armazém objeto de arrendamento, operação relativamente à qual a impugnante havia renunciado à isenção de IVA (como consta do probatório).

90.            Por isso, não compreende nem a decisão de liquidar adicionalmente o montante de € 10.521,24 - cifra nunca adequadamente fundamentada nem sequer justificada pela AT - nem a liquidação adicional de IVA no total de € 30.521,24 - cifra igualmente não substanciada ou justificada pela AT - tudo apenas assente na singela asserção, contida no relatório de inspeção junto ao requerimento inicial de impugnação, de que “não foi possível confirmar, sem base para dúvidas, que o IVA dedutível diz respeito a despesas de construção de um armazém”, simplesmente porque as residências dos dois sócios gerentes da Impugnante são contíguas ao armazém a que e refere a renúncia à isenção de IVA.

91.            A afirmação contida na sentença recorrida de que “[1] do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo que perfazia o montante de €30.521,24, [2] apenas €20.000,00 correspondiam a despesas associadas à renuncia à isenção, [3] facto esse que se depreende pela circunstância do contribuinte apenas ter solicitado o reembolso daquele montante, e não da totalidade do IVA dedutível ”, revela uma contradição com os próprios fundamentos da decisão, já que, se ficou assente e foi decidido pelo TCAS que a Impugnante tinha direito não só ao reembolso de €20.000,00, como a “exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, como sucedeu (cfr. alínea B dos factos provados)”, então nunca poderia esse montante ser a única parcela do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo.

92.            Esta afirmação denota aliás a falta de compreensão do funcionamento do IVA, uma vez que o reembolso é feito, não pelo IVA deduzido pelo contribuinte, associado a despesas de construção de um armazém objeto de arrendamento, mas apenas na parte em que esse imposto por ele deduzido excede todo o imposto liquidado nos seus inputs, razão porque do facto de apenas ter sido pedido reembolso de €20.000,00 não se pode “depreender” que nem todo o IVA deduzido correspondeu a despesas associadas à renúncia à isenção.

93.            Por outro lado, e uma vez que foi realizado o reembolso pedido pela Recorrente, continua a não ser compreensível a que título pretende a AT manter a liquidação dos adicionais € 10.521,24, sobretudo tendo em conta que esse montante nunca foi, repita-se, adequadamente fundamentado ou justificado pela AT, violando o princípio da declaração (artigo 75° n°. 1 da LGT) e as regras sobre distribuição (artigo 74° da LGT) e satisfação do ónus da prova (artigo 100° n°. 1 do CPPT).

94.            Estas regras são aplicáveis ao caso em apreço, uma vez que este mesmo Tribunal Central Administrativo do Sul decidiu, por acórdão proferido no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, (proc. TC AS n°. 09215/15) - que aqui deve ter-se, para todos os efeitos por reproduzido - todas as questões relativas à legalidade do IVA deduzido pela ora Recorrente na sequência da referida renúncia à isenção de IVA, designadamente através da declaração periódica 03/12T, tendo acabado por, a propósito da mesma, declarar (linhas 6 a 8 da página 33 do acórdão), que: “não existindo dúvida alguma quanto à validade do exercício do direito à renúncia à isenção e tendo em conta que só com essa renúncia a Impugnante adquiriu o direito de deduzir o imposto suportado a montante com a construção dos imóveis, (...) a Impugnante podia exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, como sucedeu (cfr. alínea B dos factos provados).”.

95.            Constitui assim também questão a decidir pelo tribunal ad quem, a de saber se a anulação meramente parcial do ato impugnado decidida nestes autos ofende o caso julgado formado pela sentença e acórdão que, ao julgar procedente a pretensão anulatória do despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IVA (acórdão do TCAS, no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, (proc TCAS n°. 09215/15)), procederam também à definição da situação material subjacente de que resulta a concreta relação jurídica de imposto formada entre a Recorrente e a AT, relativamente ao direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, designadamente à luz da jurisprudência do ST A.

96.            De acordo com o STA, como num sistema de tipo subjetivo, o objeto do processo é o direito substantivo afirmado pelo particular como lesado por um ato administrativo, o objeto do processo de anulação de atos administrativos não se restringe à questão da validade ou invalidade de um ato, abrangendo ainda o juízo que a sentença faz sobre a relação material na qual se inscreve o ato impugnado (cfr. acórdão de 12/07/2011 (proc. 0419/11)).

97.            Pelo que não podia o tribunal a quo manter parcialmente o ato aqui impugnado com o fundamento de que “[1] do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo que perfazia o montante de €30.521,24, [2] apenas €20.000,00 correspondiam a despesas associadas à renuncia à isenção, [3] facto esse que se depreende pela circunstância do contribuinte apenas ter solicitado o reembolso daquele montante, e não da totalidade do IVA dedutível.”.

98.            Termos em que resulta já do acórdão proferido pelo TCAS no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, (proc. TCAS n°. 09215/15), o dever da autoridade tributária proceder à “imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, envolvendo o dever de proceder à revisão dos atos tributários que se encontrem numa relação de preiudicialidade com aqueles atos (artigo 172° do CPA e artigo 173° do CPTA), já que, subjacente à pretensão anulatória formulada nestes autos encontra-se uma relação material constituída que já foi definida por decisões transitadas em julgado, designadamente o acórdão que o TCAS proferiu no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, (proc. TCAS n°. 09215/15), já que:

d)              a decisão de indeferimento do pedido de reembolso foi tomada no relatório final do procedimento de inspeção tributária realizado:

e)              esse relatório de conclusões é o que fundamenta as liquidações aqui impugnadas;

f) a definição introduzida pelo acórdão do TCAS que anulou a decisão de indeferimento do pedido de reembolso, anulou também a base fática fundamentadora do poder-dever da administração de praticar o ato impugnado, ao declarar que “a Impugnante podia exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003”. 

99.            Pelo que em face da definição jurídico-fiscal da situação material subjacente feita pelo acórdão proferido pelo TCAS no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, (proc. TCAS n°. 09215/15), e em particular da sua incompatibilidade com a decisão recorrida e os atos aqui impugnados, deve a sentença recorrida ser anulada e em consequência os atos tributários impugnados serem anulados, assim se requerendo.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá conceder-se provimento a este recurso, revogando-se a sentença recorrida e reconhecida e declarada a ilegalidade das liquidações aqui impugnadas, tanto por oposição dos fundamentos com a decisão, por violação do caso julgado material e por erro nos pressupostos de facto, e em consequência serem as mesmas liquidações anuladas com todas as consequências legais pois só assim se fará Justiça”.


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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A 23 de outubro de 2020, a Recorrente apresentou requerimento no qual solicita a condenação da Recorrida no pagamento do montante de € 19.568,13, a título de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia bancária, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 100.° da LGT, e assim proceder-se “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

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A Recorrida foi notificada do aludido requerimento, mantendo-se silente.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.


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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

A)  A Impugnante é uma sociedade que iniciou a sua actividade em 06.03.1995, dedicando-se ao exercício de compra e venda de bens imobiliários (CAE 70120) [não controvertido – cf. artigo 1.º da p.i. e ponto 1 do relatório de inspecção a fls. 61 do PAT em apenso].

B)  Com data de 24.05.1993, foi assinado por J..... e esposa E..... e pelo representante legal da impugnante um documento que tem como epígrafe “contracto recibo de promessa de compra e venda”, e onde consta, nomeadamente, que os primeiros dois “são donos e legítimos de um terreno rústico com área de 1.280 m2, situado no ..... – Belas,” e que “prometem vender ao segundo contratante o já referido terreno livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades e este compromete-se a comprá-lo (…) pelo preço de quatro mil e quinhentos escudos (4.500499) o metro quadrado por conta da qual e como sinal e princípio de pagamento os promitentes vendedores receberão nesta data a quantia de 75% deste valor (4.320.000$00) quatro milhões, trezentos e vinte mil escudos” (…) “o promitente comprador fica autorizado a proceder a quaisquer beneficiações ou melhoramentos que serão necessários no referido terreno”. [cf. cópia do “contracto recibo de promessa de compra e venda”, a fls. 13 a 16 dos autos].

C)  Com data de 01.05.2003 foi assinado pelos representantes legais da impugnante e da sociedade T....., Lda., um documento sob a epigrafe “contrato-promessa de arrendamento”, onde consta, nomeadamente, que a primeira é dona e legítima proprietária do armazém sito no ....., Belas, que não dispõe de licença de construção ou utilização, em virtude de se encontrar implementada em terreno relativamente ao qual se encontra em curso processo de loteamento, junto da Câmara Municipal de Sintra, e que a primeira outorgante promete dar de arrendamento à segunda outorgante e esta promete tomar de arrendamento, o armazém para o exercício do seu objecto social, ficando o contrato prometido dependente da conclusão do processo de loteamento e do consequente licenciamento do armazém, pela utilização do armazém a partir daquela data a segunda outorgante pagará à primeira o montante mensal de €1.500,00 [cf. cópia do contrato promessa de arrendamento” a fls. 17 a 19 dos autos].

D)  Com data de 01.07.2003 foi assinado pelos representantes legais da impugnante e da sociedade G....., Lda., um documento sob a epígrafe “contrato promessa de arrendamento”, onde consta, nomeadamente, que a primeira é dona e legítima proprietária do armazém sito no ....., Belas, que não dispõe de licença de construção ou utilização, em virtude de se encontrar implementada em terreno relativamente ao qual se encontra em curso processo de loteamento, junto da Câmara Municipal de Sintra, e que a “primeira outorgante promete dar de arrendamento à segunda outorgante e esta promete tomar de arrendamento, o armazém para o exercício do seu objecto social, ficando o contrato prometido dependente da conclusão do processo de loteamento e do consequente licenciamento do armazém, pela utilização do armazém a partir daquela data a segunda outorgante pagará à primeira o montante mensal de €500,00 [cf. cópia do contrato-promessa de arrendamento” a fls. 20 a 21].

E) A 17.07.2003, a impugnante deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 4 um pedido de renúncia de IVA em relação aos contratos de arrendamento identificados nos dois pontos anteriores [não controvertido – cf. artigo 9.º da p.i. e ponto 5 do relatório de inspecção a fls. 61 do PAT em apenso].

F) A 26.08.2003 o Serviço de Finanças de Sintra 4 emitiu os certificados de renúncia à isenção [não controvertido – cf. artigo 10.º da p.i. e ponto 5 do relatório de inspecção a fls. 61 do PAT em apenso].

G) A 11.02.2004, a Impugnante requereu o reembolso de IVA, no montante de €20.000,00 [não controvertido – cf. artigo 11.º da p.i. e ponto 6 do relatório de inspecção a fls. 61 do PAT em apenso, data do pedido constante de fls. 1 do relatório de inspecção a fls. 58 do PAT em apenso].

H) A coberto da ordem de serviço n.º .....foi despoletado procedimento de inspecção tributaria com vista a analisar o pedido de reembolso de IVA formulado pela impugnante, relativamente ao período 03-12T, no montante de €20.000,00 [cf. fls. relatório de inspecção a fls. 27 dos autos e a fls. 61 do PAT em apenso].

I) . Em sede do procedimento de inspecção identificado no ponto anterior, em 08.09.2004 foi elaborado o relatório de inspecção do qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

6. O presente pedido de reembolso, primeiro pedido de reembolso do sujeito passivo, resulta deste ter iniciado a liquidação de imposto no exercício de 2003, enquanto a dedução do IVA reporta desde o exercício de 1995, originando o presente crédito de imposto, em que o IVA liquidado de 4.142,48€, é muito inferior ao IVA dedutível, de 30.521,24€.

7. Analisámos os documentos de suporte ao IVA dedutível cujo resumo é apresentado nos Apêndices 1 a 7, tendo concluído o seguinte:

7.1. O sujeito passivo exerce uma actividade isenta, mas exerceu o direito à dedução do IVA suportado nas despesas com a construção do armazém antes de ter solicitado a renúncia à isenção relativas aos contratos de arrendamento do referido armazém. Ou seja, foi deduzindo imposto em 1995,1996,1997,1998, 2000, 2001 e 2003, enquanto a renúncia à isenção só foi concedida em 26/08/2003.

7.2. Analisámos os documentos de suporte ao IVA Dedutível registados em Imobilizado em Curso desde 1995 até 31/12/2003, mas o sujeito passivo, embora solicitado para o efeito, não demonstrou que os bens e serviços adquiridos foram efetivamente destinados ao armazém. Nos Anexos 1 a 3 juntam-se os pedidos de elementos efectuados ao sujeito passivo e as respectivas respostas.

7.3. Contíguo com este armazém encontra-se situada a residência dos sócios gerentes desta empresa, conforme informação obtida junto do Serviço de Finanças de Sintra-4 (Queluz), que em seguida se resume:
7.4. Adicionalmente, para o armazém, sito na ....., em Belas, existem dois artigos, cuja matriz predial contém informações distintas;
Esta informação é ainda divergente da planta que nos foi enviada que evidencia um prédio composto por 2 pisos,

8. Face ao exposto o sujeito passivo não tem o direito de exercer o direito à dedução deste IVA nos termos da alínea a) do. número 1 do artigo 20° do CIVA, pelo que propõe-se o indeferimento total do presente pedido de reembolso, encontrando-se ainda imposto em falta no montante de 10.521,24 €, como se demonstra no seguinte quadro:

9. A fim de ser dado cumprimento ao artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, o sujeito passivo foi notificado, através de carta registada com data de registo de 2004/08/17, conforme anexo 4, para exercer o direito de audição, havendo sido a notificação acompanhada de Projecto de Conclusões de Relatório.

10. No prazo fixado na nossa notificação, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição prévia.

Pelo que, mantém-se a proposta de indeferimento total do pedido de reembolso, encontrando-se ainda imposto em falta no montante de €10.521,24, como se demonstra no seguinte quadro:

 

(…)” [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 56 a 64 do PAT em apenso]

J) A 27.12.2004 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º ....., em nome da Impugnante, referente ao período de 2003, no valor de €30.521,24, com data limite de pagamento a 28.02.2005 [cf. copia da notificação da liquidação a fls. 11 dos autos].

K)  A 27.12.2004, foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.º ....., em nome da Impugnante, associada à liquidação identificada no ponto anterior, referente ao período 2003/12T, no valor de €678,99, com data limite de pagamento a 28.02.2005 [cf. copia da notificação da liquidação a fls. 12 dos autos].

L) A 30.05.2005 foi remetida via postal a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. carimbo dos CTT aposto a fls. 2 dos autos].

M) A 28.05.2015 foi proferida sentença em sede do processo de impugnação judicial n.º 103/05.5BESNT, que teve por objecto a decisão de indeferimento do pedido de reembolso no montante de €20.000,00, tendo a acção sido julgada procedente e determinada a anulação do acto de indeferimento do pedido de reembolso formulado nos autos [cf. cópia da sentença a fls. 92 a 102 dos autos e por conhecimento judicial por consulta ao SITAF].

N) A 25.06.2019 foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, transitado em julgado em 16.09.2019, que confirmou o sentido da decisão identificada no ponto anterior [cf. cópia do acórdão no SITAF e por conhecimento judicial por consulta ao SITAF].


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

O) Para cobrança coerciva da dívida correspondente às liquidações impugnadas melhor evidenciadas em J) e K), foi instaurado o processo de execução fiscal nº ....., no valor global de €39.926,85 (cfr. fls. 362 e 363, numeração da plataforma SITAF);

P) A 15 de junho de 2005, e por forma a suspender o processo executivo evidenciado na alínea anterior, foi prestada garantia bancária nº ..... (cfr. fls. 362 e 363, numeração da plataforma SITAF);

Q) A 20 de junho de 2018, mediante requerimento da Impugnante, e face à caducidade da garantia referida na alínea precedente, foi a mesma devolvida ao banco emissor (cfr. fls. 364, numeração da plataforma SITAF);

R) A 23 de outubro de 2020, a Recorrente peticionou, na presente lide, a condenação da Autoridade Tributária no montante de €19.568,13, a título de indemnização por prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia bancária (cfr. fls. 363 e 364, numeração da plataforma SITAF);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de JC com os números .....e 0....., no valor de € 30.521,24 e €678,99, respetivamente, respeitantes ao ano de 2003, decretando, em conformidade, a anulação parcial do ato de liquidação de IVA pelo montante de €20.000,00, e correspondente proporção na liquidação de juros compensatórios.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que apenas a S..... interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos, tendo, por isso, transitado em julgado a anulação da liquidação no valor de €20.000,00.

De relevar, neste particular, que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
Ø A título prévio, da admissibilidade do documento junto em sede de alegações de recurso;
Ø Se a decisão recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão;
Ø Se o Tribunal a quo violou o caso julgado atento o Aresto prolatado no âmbito do processo nº 103/05;
Ø Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, particularmente por ter entendido que apenas o montante de €20.000,00 correspondia a IVA associado a despesas de construção do armazém destinado à realização das operações para as quais tinha renunciado à isenção de IVA;
Ø Se estão reunidos os pressupostos para a condenação no pagamento de indemnização por prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia bancária;

Vejamos, então.

Comecemos pela admissibilidade do documento junto em sede de recurso.

A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC);

O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista[1] julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”.

Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários[2].

Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado[3].

In casu, o documento junto com as alegações de recurso deve ser objeto de recusa, visto que nos encontramos perante um documento que tem data anterior ao encerramento da discussão em primeira instância, donde poderia ter sido entregue em data anterior, em nada consubstanciando superveniência objetiva ou subjetiva, de resto, nem tão-pouco alegada.

Com efeito, o aludido documento mais não representa que a declaração periódica de IVA, respeitante ao último trimestre de 2003, logo, como é bom de ver, atentas, desde logo, as causas de pedir elencadas na p.i., poderia a Recorrente ter procedido à sua junção nesse momento.

Concluindo, dada a sua impertinência, deve o documento junto a fls. 191 e 192 dos autos ser desentranhado e restituído à Recorrente, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão.

Atentemos, ora, na arguida nulidade da sentença.

Alega a Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade visto que incorreu em manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto a afirmação contida na sentença recorrida de que: “[1] do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo que perfazia o montante de €30.521,24, [2] apenas €20.000,00 correspondiam a despesas associadas à renuncia à isenção, [3] facto esse que se depreende pela circunstância do contribuinte apenas ter solicitado o reembolso daquele montante, e não da totalidade do IVA dedutível ”, mostra-se desconforme com o que ficou assente e foi decidido pelo TCAS, ou seja, de que a Impugnante tinha direito não só ao reembolso de €20.000,00, como a “exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, como sucedeu (cfr. alínea B dos factos provados)”.

Ademais, sustenta que tal argumentação é contraditória e desconforme com o funcionamento do IVA, e isto porque a admitirem-se as aludidas asserções nunca poderia esse montante ser a única parcela do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo.

Vejamos, então.

Preceitua o artigo 125.º, nº1, do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alínea c) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe-se que é nula a sentença quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

De relevar, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do CPC.

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada[4].

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela legalidade da correção no valor de € 10.521,24, e consequente manutenção do ato de liquidação nesse segmento, a fundamentação jurídica vai no mesmo sentido.

Com efeito, o Tribunal a quo entende que resulta “[d]a alegação do impugnante e dos factos assentes nos presentes autos, do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo que perfazia o montante de €30.521,24, apenas €20.000,00 correspondiam a despesas associadas à renuncia à isenção, facto esse que se depreende pela circunstância do contribuinte apenas ter solicitado o reembolso daquele montante, e não da totalidade do IVA dedutível”.

Computando, nessa medida, que “Desta forma, presumindo-se verdadeiras as declarações da impugnante apenas €20.000,00 do total de €30.521,24, corresponde a IVA dedutível associado a despesas associadas à renuncia à isenção.”

Concluindo, assim, que “[p]or não estar abrangido pela renúncia isenção, será aplicável o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, fundamento da correcção efectuada pelos serviços de inspecção, no sentido de “[s]ó poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (…)”.

Tendo, por conseguinte, no dispositivo da decisão recorrida decidido “[j]ulgar a presente acção parcialmente procedente, determinando a anulação parcial do acto de liquidação de IVA pelo montante de €20.000,00, e correspondente proporção da liquidação de juros compensatórios, absolvendo-se a Fazenda Pública quanto ao demais peticionado.”

Ora, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, decide, de forma coerente e lógica-ainda que a Recorrente discorde da aludida fundamentação jurídica-que a correção sindicada não padece de qualquer ilegalidade.

Conclui-se, assim, que o sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.

É certo que tais realidades poderão conduzir a conclusões de facto e de direito distintas das assumidas pelo Tribunal a quo, porém, sendo caso disso, tal redundará em erro de julgamento e não em nulidade da decisão.

Com efeito, e conforme já evidenciado anteriormente, a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

Aqui chegados, importa, então, atentar no erro de julgamento de direito.

A Recorrente sustenta, ab initio, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, visto que desconsiderou inteiramente a presunção de veracidade e a boa fé das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei (artigo 75° n°. 1 da LGT), decidindo contra o ato por esta praticado na forma e no tempo legais, e bem assim o ónus probatório que sobre si impendia.

 Mais aduzindo que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, nunca a Impugnante, ora Recorrente, declarou que apenas o montante de €20.000,00 correspondia a IVA associado a despesas de construção do armazém destinado à realização das operações para as quais tinha renunciado à isenção de IVA, e isto porque nunca colocou em causa que o total do imposto deduzido no seguimento da renúncia à isenção levada a cabo na sua declaração periódica de IVA relativa ao período 03/12T, corresponde a imposto dedutível associado a despesas de construção de um armazém objeto de arrendamento, operação relativamente à qual a impugnante havia renunciado à isenção de IVA (como consta do probatório).

Ademais, sublinha, o juízo de entendimento da decisão recorrida não leva em linha de consideração a mecânica do IVA, descurando o crédito de imposto e o eventual reporte.

Com efeito, o que declarou e declara, é que as correções técnicas e inerentes atos de liquidação, nunca foram adequadamente fundamentadas ou justificadas pela Administração Tributária, tratando-se por isso, para o signatário, de duas cifras incognoscíveis. Logo, não se compreende nem a decisão de liquidar adicionalmente o montante de € 10.521,24 - cifra nunca adequadamente fundamentada nem sequer justificada pela Administração Tributária - nem a liquidação adicional de IVA no total de € 30.521,24 - cifra igualmente não substanciada ou justificada pela Administração Tributária.

Propugna, outrossim, que a anulação meramente parcial do ato impugnado decidida nestes autos ofende o caso julgado material formado pela sentença e acórdão que, ao julgar procedente a pretensão anulatória do despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IVA (acórdão do TCAS, no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, (proc TCAS n°. 09215/15)), procederam também à definição da situação material subjacente de que resulta a concreta relação jurídica de imposto formada entre a Recorrente e a AT, relativamente ao direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, designadamente à luz da jurisprudência do STA.

Vejamos, então.

Por uma questão de procedência lógica, comecemos pela questão inerente ao caso julgado.

Como visto, a Recorrente entende que resulta subjacente à pretensão anulatória formulada nestes autos uma relação material constituída que já foi definida por decisões transitadas em julgado, designadamente o acórdão que o TCAS proferiu no âmbito do processo n°. 103/05.5BESNT, porquanto tendo a decisão de indeferimento do pedido de reembolso sido tomada no relatório final do procedimento de inspeção tributária que fundamenta as liquidações aqui em contenda, a definição introduzida pelo acórdão do TCAS que anulou a decisão de indeferimento do pedido de reembolso, anulou também a base fática fundamentadora do poder-dever da administração de praticar o ato impugnado, ao declarar que “a Impugnante podia exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003”. 

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Convoquemos, desde já, o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

De harmonia com o consignado no artigo 619.º, nº 1, do CPC, transitada em julgado a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, ficando, assim, a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro do processo e fora nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC, e sem prejuízo do consignado nos artigos 696.º a 702.º do CPC. É o que se designa por caso julgado material.

Dir-se-á, portanto, que a nossa lei adjetiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão, logo o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado conforme decorre do artigo 628.º do CPC.

Daí que ao caso julgado material sejam atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva, coadunada com a autoridade do caso julgado e uma função negativa consubstanciada na exceção do caso julgado[5].

Com efeito, a função negativa do caso julgado, como visto, traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão, opera por via da exceção dilatória do caso julgado, nos termos previstos nos artigos 577.º, alínea i), 580.º e 581.º todos do CPC, impedindo, por conseguinte, que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

Neste particular doutrina TEIXEIRA DE SOUSA[6] que “ a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” acrescentando ainda que “quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.

Verifica-se, assim, o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. artigo 580.º nº1, in fine, do CPC). Preceituando, por isso, o artigo 581.º do CPC quanto aos requisitos do caso julgado que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº1), havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4).

No concernente ao alcance do caso julgado, diz o artigo 621.º do CPC que: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Sublinhando ainda TEIXEIRA DE SOUSA que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”[7].

Feitos estes considerandos de direito, importa, então, responder à seguinte questão: A decisão recorrida viola o caso julgado material?

Para responder à aludida questão, ter-se-á de aquilatar, desde logo, do âmbito objetivo e subjetivo e o que foi dirimido no processo nº 103/05.

Vejamos, então.

Conforme resulta do acervo fático dos autos, foi deduzida impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o número de processo 103/05.5BESNT a qual teve por objeto a decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA no montante de €20.000,00, tendo a aludida ação sido julgada totalmente procedente por decisão datada de 28 de maio de 2015, e determinada a anulação do ato de indeferimento do pedido de reembolso, a qual foi confirmada mediante Acórdão prolatado a 25 de junho de 2019, por este Tribunal e que transitou em julgado, em 16 de setembro de 2019.

Ora, atentando no supra aludido verifica-se que os pedidos são distintos, ou seja, enquanto no aludido processo se visava o deferimento do pedido de reembolso de IVA no valor de €20.000,00, in casu, peticiona-se a anulação da liquidação nº IVA e correspondente liquidação JC com os números .....e ....., no valor de €30.521,24 e €678,99, respetivamente, respeitantes ao último trimestre do ano de 2003.

Face ao exposto, dimana perentório que inexiste plena identidade do âmbito das lides e dos pedidos, porém, como já evidenciado anteriormente, importará relevar que a figura da autoridade do caso julgado não carece da aludida identidade, como expressamente evidencia o Aresto do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 23201/17, datado de 11 de outubro de 2018, o qual, claramente, enuncia que:

“[p]or força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida naquele processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo.

Ora, como flui do que se deixou explanado, é precisamente isso que a autoridade do caso julgado visa obstar, relembrando-se que para a sua verificação não é exigível que haja plena identidade entre as partes, causa de pedir e pedidos.” (destaques e sublinhados nossos).

De relevar, neste particular que, como esclarece José Lebre de Freitas[8], “À identidade de efeito jurídico referida no art. 581.º-3, CPC [Efeito prático-jurídico, como é realçado nos acs. do StJ de 14.12.16 (Lopes do Rego), proc. 219/14 (citado infra, nota 19), e de 11.7.19 (Bernardo Domingos), proc. 13111/17 (citado infra, n.º 8.4] basta uma identidade relativa, abrangendo, “não só o efeito preciso obtido no primeiro processo, como qualquer que nesse processo houvesse estado implicitamente mas necessariamente em causa”[ Castro Mendes, Limites objetivos, cit., p. 350], o pedido tem um elemento material e um elemento processual: o primeiro consiste, na maioria dos casos, na afirmação duma situação jurídica atual, que lhe constitui o conteúdo; o segundo consiste na solicitação duma providência processual para tutela dessa situação jurídica, constituindo a sua função, ambos os elementos delimitam o conteúdo da sentença de mérito (cf. art. 10.º, CPC, n. os 2 e 3), mas é sobre o elemento material do pedido que se forma o caso julgado (…)”.

De sublinhar, outrossim, que conforme doutrinado no Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 161/09 de 05 de junho de 2019: “[a] autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões [(8) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1), de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB)].”

Face ao exposto, e por forma a, casuisticamente, se aferir da imposição da decisão de mérito proferida no processo nº 103/05, como pressuposto inegável, na presente lide, é basilar a convocação da fundamentação jurídica constante no mesmo, transcrevendo-se, ora, nos seus trechos que se reputam relevantes:

 “A Administração Tributária (AT) indeferiu o pedido de reembolso de IVA formulado pela S....., LDA, com respeito ao ano de 2003, concretamente ao período 03/12T.

Em causa estava o IVA liquidado relativo a despesas de construção de um armazém, objecto de arrendamento, tendo havido renúncia à isenção.
Para decidir pelo indeferimento, a AT apoiou-se na informação elaborada pelos Serviços de Inspecção, da Direcção de Finanças de Lisboa (…)

Discordando do indeferimento do pretendido reembolso, a S....., LDA deduziu impugnação judicial.

Na petição inicial, o impugnante invocou dois vícios relativamente à decisão contestada: por um lado, a falta de fundamentação e, por outro lado, o erro nos pressupostos de facto da decisão sindicada.

O Mmo. Juiz do TAF de Sintra, considerando não se verificar o vício correspondente à falta de fundamentação, julgou procedente a impugnação judicial.
Para assim concluir, o Tribunal seguiu a seguinte linha argumentativa:
“(…)
Diferente é a questão substantiva de erro sobre os pressupostos de facto daquela desconsideração do direito à dedução do imposto suportado nos respectivos "inputs". Ora, nessa sede
importa precisar que o pedido de reembolso não foi indeferido por não terem sido fornecidos os elementos que permitiam aferir da sua legitimidade, a que se refere a 1ª parte do n°11, do art°22° do CIVA, a qual se reporta exclusivamente à falta de apresentação formal dos documentos pertinentes ao pedido de reembolso, o que justifica a referência constante do quadro 4, do Relatório da I.T. quanto à relevância dos elementos disponibilizados para proceder a essa aferição. E que a razão do indeferimento reside na demonstração de que o imposto suportado pelo s.p. se destinou à realização de operações sujeitas a imposto nos seus "outputs", i. e. que os mesmos respeitavam àqueles espaços locados e doravante sujeitos a imposto por força da renúncia à isenção (cfr alínea a), do n°1,do art°20º do IVA). Sustenta a Adm Fiscal tal desconsideração do imposto dedutível apurado por aquelas aquisições de bens e de serviços por não ser possível afirmar que tais despesas se destinaram à construção do referido armazém objecto de arrendamento. Pois bem, analisado os elementos constantes dos autos, não se descortina quais as premissas do silogismo efectuado pela Adm Fiscal para assim concluir, porquanto, nem a contabilização do IVA dedutível em períodos anteriores ao surgimento do direito à dedução do imposto, nem a existência de determinados prédios pertencentes aos gerentes ou de diferentes descrições prediais do prédio edificado, determinariam "de per si", que tais encargos não diziam respeito ao imóvel arrendado, cabendo sim verificar da correcta aplicação dos critérios de imputação utilizados segundo o método de afectação real de todos os bens e serviços utilizados pelo s.p., como impõe o n°1, do art°5° do referido Dec.-Lei n°241/86, ou que tais aquisições teriam sido "desviados" para fins alheios à actividade então sujeita a imposto em razão da opção exercida nesse sentido pelo contribuinte, o que não tendo sido o caso, significa que se entenda que da prova produzida no processo resulta a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário quanto à desconsideração daquele direito à dedução do imposto suportado, nos termos do disposto no art° 100°, do CPPT, e em razão da necessária demonstração da inexistência de nexo causal entre aquelas despesas e as operações sujeitas a imposto por si efectuadas, a qual cabia à Adm Fiscal, nos termos do disposto no n°1, do art° 74° da LGT”.

É, agora, a AT, aqui representada pela Fazenda Pública, que discorda do decidido, defendendo, em suma, que a sentença procedeu a uma incorrecta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne ao acto de indeferimento do pedido de reembolso, bem como a uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 100º do CPPT.
Vejamos, então, iniciando a análise pelas conclusões iv) a vi), nas quais a Fazenda Pública questiona a compatibilização entre o momento da renúncia à isenção do IVA e o prazo para o exercício do direito à dedução – lê-se na conclusão v) que “o Impugnante exerce uma actividade isenta, mas exerceu o direito à dedução do IVA suportado nas despesas com a construção do armazém antes de ter solicitado a renúncia à isenção relativas aos contratos de arrendamento dos referidos armazéns, ou seja, foi deduzindo imposto referente aos anos de 1995, 1996, 1997. 1998, 2000, 2001 e 2003, enquanto a renúncia à isenção só foi concedida em 26/08/2003”.

Como se sabe, a regra geral é a de que a locação e transmissão de imóveis estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9º, n.ºs 30 e 31, do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos (actual n.º 30 do mesmo artigo), disposições legais que isentam do imposto a locação de bens imóveis e as transmissões onerosas do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, relativas a bens imóveis situados no território nacional, e, em geral, todas as demais operações que estejam abrangidas pelo âmbito de incidência do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

Trata-se isenção relacionada com a natureza não produtiva das apontadas operações.
A este propósito, vale a pena – pela clareza e exaustão na análise – chamar à colação o que ficou dito no acórdão do STA, de 07/10/15, no processo nº 1455/12. Assim:
“Trata-se de uma isenção incompleta (Sobre as isenções, vide CLOTILDE CELORICO PALMA, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, Almedina, 4.ª edição, págs. 145/146.), na medida em que não permite a dedução do IVA suportado a montante. Ou seja, na locação e transmissão de imóveis o alienante não liquida IVA sobre o valor da operação, não lhe assistindo, consequentemente, o direito de recuperar qualquer imposto que tenha suportado a montante, designadamente na construção.

Para obviar a este efeito negativo (impossibilidade de recuperação do imposto suportado), que gera efeitos económicos porventura penalizadores («[…] os bens transmitidos ou os serviços prestados no âmbito das actividades taxativamente inscritas em todas as alíneas do artigo 9.º do CIVA, apesar de isentos, incluem IVA oculto proveniente do imposto suportado que não pode ser deduzido, pelo que, representa um custo e naturalmente é repercutido no preço dos bens ou serviços. Daí que, em certas situações, onde relevam, nomeada e principalmente, o valor acrescentado por esses sujeitos passivos, o montante dos investimentos, o enquadramento jurídico tributário dos clientes e as taxas do IVA aplicáveis, essas isenções podem ser penalizadoras» (Código do IVA e do RITI, Almedina, 2014, comentário ao art. 12.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), pág. 160). ), e que implica distorção no funcionamento do imposto, designadamente ao nível da neutralidade (SALDANHA SANCHES salienta que «[o] facto de existirem sujeitos passivos que não podem desonerar-se do IVA que suportaram, por praticarem actividades isentas, implica uma distorção no funcionamento do IVA, uma perda de neutralidade pelo facto de aqueles que praticam actividades isentas estarem, na maioria das vezes, numa situação pior do que aqueles que praticam actividades tributadas. Isto conduz à possibilidade legal de, em algumas actividades e em certas circunstâncias, o sujeito passivo isento renunciar à isenção quando considere que, na economia final do seu produto, o encargo criado pelo IVA será menor se o seu valor acrescentado for tributado (uma vez que apenas deste modo ele pode realizar o esquema normal de repercussão do seu IVA no consumidor final, ao contrário do que lhe sucederia se continuasse isento de cobrar imposto)» (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 422).), o Código do IVA, de acordo com a legislação comunitária, prevê a opção pelo regime de tributação (ou de renúncia à isenção), passando as operações de locação e transmissão de imóveis a estar sujeitas a imposto, à taxa normal, quando realizadas entre sujeitos passivos do IVA.

Como diz CLOTILDE CELORICO PALMA, «A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias tem por objectivo permitir aos sujeitos passivos a opção pela tributação das referidas operações quando os adquirentes ou locatários tenham a sua actividade afecta total ou parcialmente a operações tributáveis em sede deste imposto, eliminando ou minorando o IVA oculto. Esta possibilidade foi concedida no artigo 13.º, C, da Sexta Directiva IVA, sendo actualmente consagrada, nos mesmos termos, no artigo 137.º da Directiva IVA. Neste contexto, o legislador comunitário concede aos Estados membros uma ampla margem de manobra, podendo estes prever e regulamentar nas suas legislações o exercício deste direito. Com efeito, a Directiva confia aos Estados membros a determinação das regras de exercício desta opção, bem como do respectivo âmbito objectivo e subjectivo de aplicação» (CLOTILDE CELORICO PALMA, Vicissitudes da renúncia à isenção das operações imobiliárias em Imposto sobre o Valor Acrescentado, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, ano III, n.º 1, pág. 364.).

Assim, «a principal vantagem inerente à renúncia à isenção do IVA consiste na possibilidade do vendedor/locador poder recuperar, pela via da dedução, o IVA suportado na construção ou na aquisição dos imóveis e portanto apresentar-se no mercado com um preço mais competitivo. Por outro lado, o arrendatário ou adquirente pode proceder à dedução do IVA liquidado sobre a renda ou preço de compra do imóvel, limpando deste modo o IVA que, no caso de a operação ser isenta, estaria oculto, o que representa um poupança nos custos de exploração» (Cfr. Código do IVA e do RITI, Almedina, 2014, comentário aos n.ºs 4, 5, 6 e 7 do art. 12.º, pág. 168.).

A renúncia à isenção para os sujeitos passivos que efectuem a locação ou a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos, fracções autónomas destes ou terrenos para construção para outros sujeitos passivos que os utilizem em actividades que conferem direito à dedução está prevista nos n.ºs 4 e 5 do art. 12.º, artigo que, no n.º 6, remete para legislação especial a regulamentação dos termos e condições para a renúncia e, no n.º 7 refere que nesse caso (de renúncia) o direito à dedução do IVA «obedece às regras constantes dos artigos 19.º e seguintes, salvo o disposto em normas regulamentares especiais».

A legislação especial a que alude o n.º 6 do art. 12.º do CIVA era o Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (Hoje, os termos e condições para o exercício da renúncia à isenção são regulados pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro), diploma legal que, no seu art. 1.º, dispunha:

«1. Os sujeitos passivos que nos termos dos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, pretendam renunciar às isenções referidas nos n.ºs 30 e 31 do artigo 9.º do mesmo Código deverão entregar, em triplicado, na repartição de finanças competente, uma declaração conforme modelo aprovado.
2. Sempre que se encontrem preenchidos os pressupostos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 12.º do Código do IVA, a repartição de finanças emitirá o certificado a que se refere o n.º 6 do mesmo artigo no prazo máximo de 30 dias a contar da data de entrega da declaração mencionada no número anterior».

Por outro lado, o mesmo diploma legal estabelecia, nos n.ºs 1 e 2 do seu art. 4.º, o seguinte:

«1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os sujeitos passivos que renunciarem à isenção nos termos do artigo 1.º terão direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada imóvel ou parte autónoma, segundo as regras definidas nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA.
2. Não será, todavia, permitido aos sujeitos passivos efectivar a dedução relativa a cada imóvel ou parte autónoma no imposto apurado em outros imóveis ou partes autónomas ou quaisquer outras operações, nem solicitar o respectivo reembolso nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 22.º do Código do IVA, antes da celebração da escritura de transmissão ou do contrato de locação dos imóveis».

Convém, ainda, recordar o disposto no art. 3.º do mesmo diploma legal:
«1. Os sujeitos passivos que exerceram a renúncia à isenção nos termos do artigo 1.º deste diploma são obrigados ao envio da declaração prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IVA, na forma e nos prazos enunciados no artigo 40.º, a partir do mês ou trimestre seguintes da emissão do certificado a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º, consoante os casos, observando o disposto nos números seguintes.
2. A declaração referida no número anterior juntar-se-ão tantos anexos de modelo aprovado quantos os imóveis ou partes autónomas relativamente aos quais foi exercida a renúncia, devendo neles figurar separadamente as operações referentes a cada imóvel ou parte autónoma.

3. Recebido o certificado a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º, o sujeito passivo deverá liquidar o imposto relativamente aos adiantamentos recebidos.

4. Na primeira declaração e anexos a apresentar pelo sujeito passivo, nos termos do n.º 2, deverá ser evidenciado o imposto devido nos termos do número anterior, bem como o valor de todas as aquisições e o imposto nelas contido, relativamente aos respectivos imóveis ou partes autónomas».

Ou seja, e no que ora nos interessa considerar: por um lado, para que os sujeitos passivos pudessem optar pela aplicação do IVA à locação e à transmissão de bens imóveis ou partes autónomas destes, renunciando à isenção, a lei exigia-lhes (como hoje continua a exigir, mas agora ao abrigo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro) que obtivessem um certificado de renúncia à isenção (Note-se que a faculdade conferida no segundo parágrafo do art. 13.º, C, da Sexta Directiva é compatível com a exigência de uma prévia apresentação à administração fiscal de uma declaração em que se manifeste a intenção de optar pelo regime de renúncia à isenção, como o então denominado Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia fez notar no acórdão de 9 de Setembro de 2004, proferido no processo C-269/03, disponível em http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=49468&pageIndex=0&doclang=PT&mode.); por outro lado, a lei dispunha que essa renúncia, com o consequente direito à dedução do imposto suportado a montante, só opera no momento em que for celebrada a escritura.

Como a jurisprudência tem vindo a afirmar (Cfr. os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Julho de 2002, proferido no processo n.º 139/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Março de 2004 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32230.pdf), págs. 1892 a 1896, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e702e5eb69a4e58f80256bf3004d3fc8;
- de 25 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 486/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1868 a 1874, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/015311d6253fb86580257681003f293f?OpenDocument.), este certificado de renúncia assume natureza constitutiva do direito à renúncia e subsequente dedução ou reembolso de IVA.

Ou seja, (…), só em face do certificado de renúncia – que a Impugnante apenas ficou em condições subjectivas de obter quando terminou a construção, em 2000 [cfr. factos provados sob as alíneas K) e L)] –, a Impugnante pôde exercer o direito à dedução. Antes, não o podia fazer. O que significa que apenas em 2000 nasceu o direito à dedução.

Na tese da Impugnante e da sentença, aquela podia exercer o direito à dedução a partir desse momento. Por isso, e uma vez que exerceu esse direito relativamente ao IVA suportado com a construção das fracções em causa no ano de 2001, na declaração que apresentou com referência ao 4.º trimestre do ano de 2000 [cfr. facto provado sob a alínea O)], como lho impunha o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa considerou que não foi excedido o limite temporal para o exercício do direito à dedução.

Na tese da Fazenda Pública, a Impugnante já não podia exercer o direito à dedução do IVA relativamente às facturas respeitantes a despesas com a construção que tivessem sido emitidas há mais de 4 anos à data em que se propôs exercer o direito à dedução. Isto porque, como afirma nas alegações de recurso, «tal direito à dedução se encontrava limitado a 4 anos após o nascimento da exigibilidade do imposto, que […] nasce com a emissão da factura de suporte aos consumos efectuados pela impugnante».

A nosso ver, a sentença fez a melhor interpretação da lei, a única que se compagina com o direito europeu e a única que assegura (rectius, que não impede) o efectivo exercício do direito à dedução, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, princípio nuclear do IVA. Há de se ter em conta que, na tarefa hermenêutica, nunca pode perder-se de vista que o princípio geral do direito à dedução impõe que todas as restrições ao direito de dedução devem ser interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo.

É certo que, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 22.º do CIVA, «[o] direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º» e nos termos do n.º 2 do mesmo preceito «[a] dedução do IVA, como regra, deverá ser efectuada na declaração do período ou período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas» (Cfr. Código do IVA e do RITI, Almedina, 2014, comentário aos n.º 2 do art. 22.º, pág. 266.).

No entanto, nem sempre o direito à dedução poderá ser exercido nesse momento.

É o que sucede na situação sub judice.

Na verdade, como deixámos já dito, o exercício da renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se dediquem à locação e transmissão de imóveis depende da obtenção de declaração de modelo oficial e da emissão de certificado pela AT, que será exibido aquando da celebração do contrato de arrendamento ou da escritura de transmissão (cfr. arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86 e art. 12.º, n.ºs 4 a 6, do CIVA).

Ora, se o direito à dedução depende da prévia renúncia a isenção, deve entender-se que ele apenas nasce com a realização da operação económica tributável, após a obtenção do certificado de renúncia. Assim, não há dúvida de que o direito à dedução foi exercido em tempo, ou seja, na primeira declaração periódica a apresentar após o nascimento do direito à dedução, respeitando o disposto no art. 3.º do Decreto-Lei n.º 241/86. (…)

Ora, como deixámos já dito, o direito à dedução só nasce desde que o sujeito passivo tenha obtido o imprescindível certificado de renúncia à isenção, nos termos do citado Decreto-Lei n.º 241/86. Esse direito, nos casos de renúncia à isenção, não surge – como é regra – na data em que foram emitidas as facturas respeitantes aos custos que o sujeito passivo suportou com a construções desses imóveis, pois, nessa data, a isenção prevista nos n.ºs 30 e 31 do art. 9.º do CIVA obstava ao direito à dedução.

Na tese da Recorrente, o direito à dedução do imposto nunca chegaria a nascer para as facturas que, à data em que fosse celebrado o contrato de locação ou de transmissão, tivessem sido emitidas há mais de quatro anos.
Essa tese, como bem salientou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, com fundamentação que acompanhamos na íntegra, com respaldo na jurisprudência do TJUE, designadamente no acórdão de 12 de Julho de 2012, proferido no processo C-284/11 ( Disponível em
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62011CJ0284&from=EN.), na medida em que criaria obstáculo intransponível ao exercício do direito a dedução do imposto (o direito estaria caducado ainda antes de poder ser exercido), deve ter-se por contrária ao direito europeu, designadamente às regras previstas nos arts. 17.º, n.ºs 2, alínea a), e 5, da Sexta Directiva do IVA.

Como aquele Tribunal tem vindo a afirmar, sendo certo que os Estados-membros não estão impedidos de estabelecer prazos de caducidade para o exercício do direito à dedução (porque assim o exige o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa), não pode esse prazo tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (princípio da eficácia) (Entre muitos outros, os acórdãos - de 27 de Fevereiro de 2003, C‑327/00, n.º 55;
- de 30 de Março de 2006, C-184/04, n.º 45;
- de 11 de Outubro de 2007, C‑241/06, n.º 52.).

Assim, não existindo dúvida alguma quanto à validade do exercício do direito à renúncia à isenção e tendo em conta que só com essa renúncia a Impugnante adquiriu o direito de deduzir o imposto suportado a montante com a construção dos imóveis, se considerarmos, como considerou a AT, que a Impugnante só poderia exercer o direito à dedução relativamente às facturas emitidas nos últimos quatro anos, então teremos de concluir pela violação do direito europeu (…)”.

Transpondo esta análise para a situação em apreço, temos por certo que, contrariamente ao que defende a Recorrente (cfr. conclusões vi., v., vi.), não resulta em incumprimento do DL nº 241/86, de 20/08, a circunstância de a Impugnante pretender exercer o direito à dedução do IVA suportado relativamente a despesas incorridas com a construção do armazém, nos anos de 1995, 1996, 1997, 1998, 2000, 2001 e 2003, ou seja, anteriores à renúncia à isenção, obtida em 26/08/03, uma vez que só com a renúncia à isenção é que a S......... adquiriu o direito de deduzir o imposto suportado a montante com a construção do dito imóvel.

Assim, considerando a obtenção, em Agosto de 2003, do certificado solicitado em Julho de 2003 (cfr. alínea A dos factos provados), a Impugnante podia exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003, como sucedeu (cfr. alínea B dos factos provados).

Isto mesmo, de resto, é o entendimento que subjaz à afirmação contida na sentença, nos termos da qual “…analisado os elementos constantes dos autos, não se descortina quais as premissas do silogismo efectuado pela Adm Fiscal para assim concluir, porquanto, nem a contabilização do IVA dedutível em períodos anteriores ao surgimento do direito à dedução do imposto, (…), determinariam "de per si", que tais encargos não diziam respeito ao imóvel arrendado…”.

Por conseguinte, e quanto a este segmento do recurso que vimos analisando, conclui-se que falece a razão à Fazenda Pública.


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Realça a Recorrente, insurgindo-se contra a sentença, que “os pedidos de reembolso serão indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso". Cfr. Artigo 22º, nº11 do CIVA”, salientando, ainda, que “a Impugnante tinha para com a AT o dever de colaboração, designadamente "a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária." Cfr. Artigo 59°, n°4 da LGT”.

Nesta parte, remete-se para o que foi salientado na sentença, no sentido de que “o pedido de reembolso não foi indeferido por não terem sido fornecidos os elementos que permitiam aferir da sua legitimidade”, importando evidenciar que, conforme consta de fls. 2 da informação interna relativa ao pedido de reembolso, que integra o relatório inspectivo (cfr. alínea C dos factos provados), em concreto do respectivo ponto 4, no qual se afirma que “foram exibidos documentos comprovativos do crédito solicitado” e, bem assim, que “os elementos disponíveis permitem confirmar o reembolso”.

Dir-se-á, aliás, que se surpreende até alguma contradição nesta linha argumentativa por banda da AT, pois se, efectivamente, aceita e afirma que os elementos disponibilizados pelo sujeito passivo permitem confirmar o reembolso, pouco sentido fará argumentar que o contribuinte não observou o dever de colaboração com a Administração, designadamente "a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária”, nos termos previstos no artigo 59°, n°4 da LGT. Por conseguinte, também este esteio do recurso está incontornavelmente condenado ao insucesso.


*

A questão que se colocou efectivamente como fundamento do indeferimento do reembolso foi, como a sentença não deixou de evidenciar, a circunstância de, do ponto de vista da AT, não estar demonstrado que “o imposto suportado pelo s.p. se destinou à realização de operações sujeitas a imposto nos seus "outputs", i. e. que os mesmos respeitavam àqueles espaços locados e doravante sujeitos a imposto por força da renúncia à isenção (cfr alínea a), do n°1,do art°20º do IVA)”.

Por outras palavras, e na economia da informação que sustenta o indeferimento do reembolso, não é possível estabelecer uma ligação entre as facturas que incluem o IVA cujo reembolso se pretende e as obras realizadas no imóvel arrendado, relativamente ao qual se verificou a renúncia à isenção. Ou seja, para os serviços da AT, não é possível o exercício do direito à dedução do imposto em causa por não se demonstrar que o mesmo incidiu “sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”, nos termos da invocada alínea a), do nº1 do artigo 22º do CIVA.

Ora, lida a base fundamentadora da decisão impugnada - e que a Recorrente novamente aqui recupera – o que se percebe é que aquela falta de demonstração reside na singela constatação de que “contíguo com este armazém encontra-se a residência dos sócios gerentes desta empresa, conforme informação obtida junto do Serviço de Finanças de Sintra 4 (Queluz)”.

Foi a este propósito que o Mmo. Juiz afirmou que “analisados os elementos constantes dos autos, não se descortina quais as premissas do silogismo efectuado pela Adm Fiscal para assim concluir, porquanto, (…), nem a existência de determinados prédios pertencentes aos gerentes ou de diferentes descrições prediais do prédio edificado, determinariam "de per si", que tais encargos não diziam respeito ao imóvel arrendado.”

E, na verdade, é pertinente o observado pelo Mmo. Juiz a quo, pois que, nos termos em que se mostra formulada a afirmação da existência das residências dos sócios nas imediações do armazém arrendado (contíguas, aliás, nas palavras da AT), a verdade é que tal afirmação não passa disso mesmo, ou seja, de uma constatação inconsequente para o que aqui importa considerar.

Admite-se, porventura, que a AT tenha sido levada a considerar que as obras realizadas nas apontadas residências e no armazém tenham decorrido ao mesmo tempo e que os materiais e prestações de serviços adquiridas tenham sido destinados àquelas residências e, por essa razão, tenha concluído nos termos em que o fez, com expressa invocação do artigo 20º, nº 1, alínea a) do CIVA.

Porém, a verdade é que, se assim admitiu, a AT não o disse e muito menos o demonstrou de forma fundamentada. Repete-se: a este propósito, a AT limitou-se a constar que “contíguo com este armazém encontra-se a residência dos sócios gerentes desta empresa”, afirmação esta que pouco mais é que nada.

Para efeitos de indeferimento do pedido de reembolso e, como tal, numa actuação impeditiva da dedução do imposto liquidado a montante, era exigível uma base fundamentadora sólida e factualmente ancorada, tanto mais que, conforme reconhecido pelos serviços inspectivos, o sujeito passivo exibiu os “documentos comprovativos do crédito solicitado” e, bem assim, que “os elementos disponíveis permitem confirmar o reembolso”.

Ora, no caso, a actuação da AT, correspondente ao indeferimento do pedido de reembolso, é desprovida de tal base fundamentadora consistente e circunstanciadamente apoiada, a qual não suporta o impedimento do exercício do direito à dedução do imposto suportado para as operações relativas ao imóvel, segundo as regras definidas no artigo 19º e ss do CIVA (cfr. artigo 4º, nº1 do DL nº 241/86).

Com efeito, na falta de qualquer alegação e demonstração de que as facturas em causa titulam a aquisição de bens ou prestações de serviços destinadas à residência dos sócios gerentes da Samac (e não destinadas ao dito armazém), irreleva o pressuposto da inexistência de qualquer relação entre os bens e serviços adquiridos e as obras no armazém arrendado, pressuposto este que esteve subjacente à decisão administrativa sindicada.

E, de facto, perante a dúvida que emerge, tem de fazer-se apelo a regra do ónus da prova que consta do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

Por isso, à face desta regra, sendo a ATA quem alega a falta de relação directa entre os bens e serviços adquiridos e as obras no armazém arrendado, tem de valorar-se a dúvida contra a Administração, o que se reconduz a considerar não provada a alegada falta de relação. Isto mesmo, aliás, foi dito pela sentença recorrida, na parte em que aí se escreveu que a AT não fez a necessária “demonstração da inexistência de nexo causal entre aquelas despesas e as operações sujeitas a imposto (…), a qual cabia à Adm. Fiscal, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 74º da LGT”.

Acresce, por outro lado, nos presentes autos, foi efectivamente desenvolvido um esforço probatório por parte do sujeito passivo/impugnante, no sentido de demonstrar o seu direito à dedução do imposto, como resulta da alínea D) do probatório, da qual resulta que a “edificação do armazém referido em A) iniciou-se em 1995 e prolongou-se até 1998 relativamente à fase de construção da nave, tendo-se procedido a obras de ampliação desde 2000 a 2002, numa 2a fase”.

Por conseguinte, entende-se que a decisão de indeferimento impugnada, com os fundamentos aqui expostos, é ilegal e não pode manter-se.

Improcedem, pois, na totalidade, as conclusões da alegação do presente recurso jurisdicional.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, atentando na aludida fundamentação e tendo presente a natureza e mecânica do IVA e bem assim como se processam os pedidos de reembolso de IVA, ter-se-á de concluir que a análise do imposto dedutível era pressuposto basilar para o deferimento ou indeferimento do pedido de reembolso de IVA.

Aliás, como claramente evidencia o citado Aresto, o indeferimento do pedido de reembolso de IVA não se fundou em razões formais, mas sim substanciais concatenadas com a possibilidade de dedução do IVA suportado, ou melhor com a insusceptibilidade de dedução do mesmo face a, alegados, inputs mistos e afetação a uso pessoal.

Note-se que, como doutrinado no Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 261/08, datado de 09 de fevereiro de 2017:
“3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. O sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo.”

Na verdade, e atentando na aludida fundamentação, dimana perentório que este Tribunal no âmbito do Aresto e processo que vimos analisando, começa por cotejar a compatibilização entre o momento da renúncia à isenção do IVA e o prazo para o exercício do direito à dedução, aludindo à atividade da locação e ulterior caracterização e qualificação como atividade isenta, fazendo a competente mensuração e densificação do pedido de renúncia à isenção com a devida transposição à realidade fática dos autos.

Concluindo, para o efeito, que face à obtenção, em agosto de 2003, do certificado solicitado em julho de 2003, a Impugnante podia exercer o direito à dedução do imposto suportado a montante na declaração que apresentou com referência ao 4º trimestre do ano de 2003.

Mais adensando que a Administração Tributária não alegou, fundamentou, e tão-pouco demonstrou que as faturas titulavam a aquisição de bens ou prestações de serviços destinadas à residência dos sócios gerentes da Samac, e não destinadas ao dito armazém, irrelevando, desta feita, o pressuposto da inexistência de qualquer relação entre os bens e serviços adquiridos e as obras no armazém arrendado, pressuposto este que esteve subjacente à decisão administrativa sindicada.

Ora, face ao supra aludido, entende-se que o Tribunal a quo face à prejudicialidade dos presentes autos -aliás atestada, desde logo, mediante suspensão da instância até prolação de decisão transitada em julgado no visado processo 103/05- deveria ter respeitado o nela dirimido que pudesse entroncar e, eventual, conflituar com a presente lide.

Noutra formulação, dir-se-á, que por força da autoridade de caso julgado, impunha-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo (103/05), na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são as mesmas que a Recorrente aqui pretende ver apreciadas e discutidas. Dito de outro modo, a decisão proferida no processo 103/05 na medida em que aquilata o direito à dedução respeitante ao último trimestre do ano de 2003, abrange os mesmos fundamentos de facto e de direito que a suportam, donde será-como foi- posta em causa, se de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo[9].

É certo que este Tribunal não descura que a decisão recorrida convocou o Aludido Aresto proferido no processo nº 103/05, e recorrendo à figura do caso julgado, relevou que não poderia manter-se o montante de €20.000,00, liquidado adicionalmente, decretando a sua anulação. Porém, limitou-o -tão-só, não apelando a todas as questões de facto e de direito nele dirimidas - ao aludido montante.

É certo, outrossim, que o fez ajuizando que o valor de €10.521, 24 não se coadunava com imposto suportado no âmbito das obras do armazém. No fundo, e como já evidenciado anteriormente, ajuizou que do montante total referente a IVA dedutível acumulado por aquele sujeito passivo que perfazia o montante de €30.521,24, apenas €20.000,00 correspondiam a despesas associadas à renúncia à isenção, facto esse que se depreendia da circunstância do contribuinte apenas ter solicitado o reembolso daquele montante, e não da totalidade do IVA dedutível.

Porém, não se afigura que o Tribunal a quo tenha interpretado da melhor forma a questão colocada, e isto porque tal juízo de entendimento se encontra suportado numa mera inferência/presunção desvirtuando, outrossim, a própria natureza e mecânica do IVA.

Com efeito, atentando na posição vertida na p.i., pela Recorrente, a mesma nunca assumiu que apenas €20.000,00 do total de €30.521,24, corresponde a IVA dedutível associado a despesas associadas à renuncia à isenção.

Sendo certo que, a presunção retirada do valor do próprio reembolso, não permite extrapolar o inferido, porquanto, o reembolso é feito, não pelo IVA deduzido pelo sujeito passivo, associado a despesas de construção de um armazém objeto de arrendamento, mas apenas na parte em que esse imposto por ele deduzido excede todo o imposto liquidado nos seus inputs.

De sublinhar, outrossim, que importa reter que existindo crédito de imposto, o sujeito passivo pode, efetivamente, solicitar o respetivo reembolso, porém o mesmo pode ser na totalidade do crédito ou apenas de uma parte, definindo uma parte a reportar para períodos subsequentes.

Convocando, novamente, o aludido Aresto deste Tribunal proferido no âmbito do processo nº 261/08:

 “[c]ontabilisticamente, o I.V.A. suportado nas aquisições de bens e serviços e o I.V.A. liquidado nas transmissões de bens e nos serviços prestados é levado a uma conta de terceiros, a subconta 243, no âmbito do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11(1) (cfr.António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.105 e seg.).

Logo, o tributo a entregar ao Estado consistirá na diferença (sistema de conta-corrente) entre aquele débito e aquele crédito (cfr.artºs.19, nº.1, e 27, nº.1, do C.I.V.A.), sendo que o resultado final será determinado pela aplicação da taxa ao preço na última fase do circuito económico e quem vai suportá-lo é o consumidor final: I.V.A. = [(valor de venda x taxa) - (valor de compra x taxa)]. Antes ocorre o fraccionamento do imposto a cargo dos diversos agentes económicos que vão recuperá-lo, sendo, porém e em princípio, irrecuperável o correspondente à última transacção (cfr.Joaquim Miranda Sarmento e Paulo Marques, IVA Problemas Actuais, Coimbra Editora, 2014, pág.176 e seg.).

O montante periodicamente "apurado" na citada subconta terá a natureza de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para o período fiscal seguinte, como imposto a recuperar, igualmente podendo ser objecto de um pedido de reembolso neste segundo caso.”

Destarte, a aludida inferência ao desrespeitar as premissas do silogismo, in casu, concatenadas com o IVA liquidado e o IVA dedutível, não pode, naturalmente, almejar e suportar o entendimento gizado.

Note-se, aliás, que atentando no Relatório Inspetivo, e ainda que assente em juízos conclusivos, o que é evidenciado é que o IVA dedutível ascende a €30.521,24, sendo que analisados “[o]s documentos de suporte ao IVA dedutível registados em Imobilizado em Curso desde 1995 até 31/12/2003, o sujeito passivo, embora solicitado para o efeito, não demonstrou que os bens e serviços adquiridos foram efetivamente destinados ao armazém”, fazendo, ulteriormente, alusão às residências contíguas “dos sócios gerentes desta empresa”, concluindo, para o efeito, que o contribuinte “não tem o direito de exercer o direito à dedução deste IVA nos termos da alínea a) do. número 1 do artigo 20° do CIVA”, com a consequente materialização de correções técnicas no montante total de €30.521,24.

Ora, face a todo o exposto, não sendo idónea a asserção quanto ao imposto dedutível no montante de €10.521,21 e tendo a decisão de indeferimento do pedido de reembolso sido tomada no mesmo relatório inspetivo que fundamenta as correções técnicas e as liquidações, ora, impugnadas, por desrespeito do IVA indevidamente deduzido, cuja legalidade foi analisada no âmbito do processo nº 103/05 supra transcrito, entende-se que, efetivamente, estava o Tribunal a quo vinculado ao respeito ao que foi dirimido no aludido Aresto.

Convocando, novamente, o entendimento expendido por José Lebre de Freitas, “[o] caso julgado terá de se estender à decisão das questões prejudiciais quando, caso contrário, se possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado, de impor praticamente um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma. Para o efeito, entende-se por questão prejudicial toda aquela cuja solução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito, quer se trate de questão fundamental, relativa à causa de pedir ou a uma exceção perentória, quer respeite ao objeto de incidentes que estejam em correlação lógica com o objeto do processo[10].” (destaque e sublinhado nosso).

Como doutrinado, em Aresto do STJ, proferido no processo nº 106/11, de 22 de setembro de 2016, cujo sumário se extrai, em parte:

“I. Julgada improcedente determinada pretensão por falta de verificação de um facto (o efectivo desembolso de uma quantia), o caso julgado formado pela sentença não obsta a que seja interposta nova acção na qual seja alegada a verificação ulterior desse facto para sustentação da mesma pretensão material (art. 621º do CPC).

II. Ainda que em tal situação não seja configurada a excepção de caso julgado (art. 581º, nº 1, do CPC), aquela sentença projecta-se na segunda acção através da autoridade de caso julgado relativamente às demais questões que nela tenham sido especificamente apreciadas.” (destaque e sublinhado nosso).

E por assim ser, a autoridade daquela sentença, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, devendo, nessa medida, validar-se a legalidade do imposto dedutível, e nessa medida decretar-se a anulação da liquidação na globalidade, sentido que se decidirá, a final.


***

Face ao supra aludido subsiste por analisar a questão inerente à indemnização por prestação indevida de garantia.

Vejamos então.

Para o efeito cumpre fazer uma interpretação articulada de dois normativos legais, especificamente: os artigos 53.° da LGT, e 171.° do CPPT.

Preceitua o artigo 53.º da LGT e sob a epígrafe de “Garantia em caso de prestação indevida” que:

“1- O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2- O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3-A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

Por sua vez, dispõe o artigo 171.º do CPPT, com a epígrafe “Indemnização em caso de garantia indevida” que:

“1-A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2-A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”

Resulta, assim, do teor dos normativos legais citados que no domínio do contencioso tributário se “(…) consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda (…)”[11]

No que concerne ao modo de exercício de tal direito, cumpre ainda relevar que o nº 3 do artigo 52.º da LGT refere expressamente que a indemnização pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente, sendo que o facto de os lesados não requererem a indemnização pela prestação indevida de garantia bancária no âmbito do processo de impugnação judicial, não preclude a possibilidade de se requerer essa indemnização no âmbito da execução de julgado anulatório.

E isto porque, a leitura do artigo 171.º do CPPT tem de ser conjugada com o dever de “plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio” que o artigo 100.° da LGT impõe à Administração Tributária em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo. Neste sentido, convoque-se, designadamente, o Aresto proferido pelo STA no processo nº 0216/11, em 22 de junho de 2011, chamando à colação a doutrina vertida no Acórdão de 24 de novembro de 2010, proferido no processo nº 01103/09[12].

São, portanto, pressupostos da concessão do direito à indemnização pela prestação indevida da garantia: a prestação da garantia por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida ou a invalidade do ato de liquidação, fundada em erro imputável aos serviços, peticionado no processo que tenha por objeto a ilegalidade da dívida exequenda e no prazo legalmente estipulado, ou em sede de execução de julgados.

Como doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 1154/17, de 15 de novembro de 2017:

“Estabelece-se, pois, que o pedido de indemnização (por garantia indevidamente prestada) seja apresentado no processo em que esteja controvertida a legalidade da dívida em causa e, de acordo com o seu nº 2, que o pedido seja solicitado na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência. Ou seja, o pedido deve, em regra, ser feito na petição do meio procedimental ou processual (Aqui se incluindo o pedido de revisão feito pelo interessado no prazo da «reclamação administrativa» (n° 1 do art. 78° da LGT) ou o recurso hierárquico ou contencioso em que se discuta a legalidade do acto de liquidação - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. III, anotação 3 ao art. 171º, p. 238.) em que seja sindicada a liquidação relativamente à qual a garantia foi prestada e só nos casos em que o fundamento do pedido for posterior à apresentação da petição do meio utilizado, é que pode ser feito posteriormente. Como sucederá, por exemplo, quando no momento da apresentação da petição inicial ainda não foi prestada garantia: então, o pedido de indemnização deve ser formulado no prazo de 30 dias após a prestação da garantia e naquele processo onde se discute a legalidade da liquidação da dívida exequenda. Sendo que, neste âmbito, não se descortina aqui deficiente enquadramento contextual, relativamente a eventual anterior entendimento do citado autor, quanto ao facto superveniente (no sentido de ter natureza exemplificativa a indicação da prestação da garantia no elenco de factos supervenientes e de o conceito de superveniência não se circunscrever à prestação de garantia).(…)”

Visto o que direito que releva para o caso dos autos, atentemos, então, no que resulta do acervo probatório dos autos:

Para cobrança coerciva da dívida correspondente às liquidações impugnadas nos presentes autos foi instaurado o processo de execução fiscal nº ....., no valor global de €39.926,85.

Nessa sequência, e por forma a suspender o processo executivo, foi prestada garantia bancária nº 319144, em 15 de junho de 2005, destinada a caucionar o aludido processo executivo.

Mais dimanando que a 20 de junho de 2018, a requerimento da Impugnante, e face à caducidade da mesma, foi a mesma devolvida ao banco emissor.

Sendo que, apenas a 23 de outubro de 2020, a Recorrente peticionou na presente lide a condenação da Autoridade Tributária no montante de €19.568,13, a título de indemnização por prestação indevida de garantia.

Assim, atenta a factualidade assente, dimana inequívoco que o pedido de indemnização veio a ser formulado já na pendência do presente recurso jurisdicional, após, inclusivamente, ter sido declarada a caducidade da garantia, com fundamento no disposto no artigo 183º-B do CPPT.

Ora, face ao enquadramento legal a que supra fizemos alusão, dúvidas não restam que o presente pedido de indemnização, formulado no âmbito do presente recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de impugnação judicial, é claramente intempestivo, por ter ultrapassado o apontado prazo de 30 dias[13], obstando, per se, à sua apreciação.

Uma nota final para relevar que tal não obsta a que a Requerente possa por outra via, como se apontou supra, mormente, em sede de execução de julgado obter o ressarcimento pelos prejuízos causados com a prestação da garantia indevida, verificados que estejam os respetivos pressupostos legais.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
Ø Conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença, na parte recorrida, julgando-se totalmente procedente a presente impugnação, anulando-se os atos de liquidação de IVA e respetivos JC.

Ø Julgar intempestivo o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, formulado pela Recorrente.
Ø Ordenar o desentranhamento e restituição à Recorrente do documento junto a fls. 191 e 192 dos autos.

Condenar a Recorrida nas custas do processo.

Condenar a Recorrente nas custas dos incidentes fixando-se no mínimo legal.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de Janeiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.
[2] Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.
[3] Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230
[4] vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
[5] Vide, designadamente, Acórdãos proferidos pelo TCA Sul, nos processos nºs 469/19, e 161/09, de 14.01.2020 e de 05.06.2019.
[6] Vide António Santos Abrantes Geraldes e outros-CPC anotado, Almedina, Vol. I, p.743, em anotação artigo 619.º, citando o autor no artigo intitulado O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.
[7] in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578-579
[8] In “Um Polvo chamado Autoridade do Caso Julgado”, Revista da Ordem dos Advogados, III-IV-2019, ponto 2.3, p.695.
[9] Vide, neste sentido, o já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 23201/17, datado 11.10.2018.
[10] In Ob. Cit, pp. 697 e 698.
[11] In Acórdão do STA, proferido no recurso nº 01032/10, de 13 de abril de 2011.
[12] Neste sentido, vide também Acórdão proferido pelo STA no processo nº 01032/10 de 13.04.2011, no Acórdão proferido pelo STA, no processo nº 09/02, de 09.10.2002, no Acórdão proferido pelo STA no processo nº 0299/10, de 24.11.2010, no Acórdão proferido pelo STA no processo nº 0620/11, de 2.11.2011, entre outros, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[13] Vide, neste sentido, também o Acórdão já citado proferido no processo nº 103/05.