Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:802/19.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/16/2021
Relator:ALDA NUNES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Sumário:- No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o prazo de prescrição previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil ex vi art 5º da Lei nº 67/2007, de 31.12, apenas começa a correr após a conclusão do processo demorado.

- Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de um processo tributário por cerca de 9 anos, apurando-se uma paragem efetiva do processo por mais de 5 anos e outra por cerca de 2 anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa e bem assim a verificação de danos não patrimoniais imediatamente decorrentes da delonga processual.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

F… recorre da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, na presente ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual por atraso na prolação de decisão judicial em prazo razoável, que julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito do autor e absolveu o réu Estado Português do pedido (de condenação no pagamento de: (i) €11.644,10 referente a custos suportados pelo autor para assegurar a suspensão do processo de execução fiscal movido na sequência do ato de liquidação impugnado; (ii) €55.812,64, respeitante ao dano resultante da imobilização do capital do autor; (iii) €20.000,00, relativo ao dano não patrimonial sofrido pelo autor e (iv) juros de mora à taxa legal de 4%, a contar desde a citação e até integral pagamento).

O autor e recorrente conclui a alegação de recurso nos seguintes termos:

1. o prazo de prescrição só deverá ser contado a partir do momento em que a conduta omissiva ilícita cessou;

2. e o recorrente teve um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade civil;

3. mantendo-se o facto ilícito, no momento em que a ação foi instaurada, não há lugar a prescrição;

4. o conhecimento do direito não pode ser retirado de requerimentos apresentados pelos mandatários do recorrente, tendentes à aceleração do processo;

5. tanto mais que esse direito se consolida pela avaliação das circunstâncias especificas da tramitação processual ao longo da sua vigência;

6. e os danos foram sendo provocados durante esse decurso;

7. a douta sentença proferida violou, pelo exposto, o disposto no art 498º, nº 1 do Código Civil.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

O Ministério Público, em representação do Estado Português, ora recorrido, contra-alegou o recurso concluindo:

1. A sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 06 de janeiro de 2020, proferida na ação administrativa em epígrafe, julgou-a improcedente, por prescrição do direito de indemnização do Autor, pelo que absolveu o Réu Estado Português do(s) pedido(s) formulado(s).

2. Além da prescrição, outras exceções perentórias oportunamente arguidas na contestação, as quais continuamos a manter e subsistem para a eventualidade de 6 provimento do recurso, impedem a nosso ver a procedência da presente ação;

3. “Para evitar a prática de atos inúteis”, o seu conhecimento foi prejudicado na sentença pelo conhecimento e a procedência da exceção da prescrição;

4. Como bem refere a douta decisão sindicada, o “conhecimento do direito que compete ao lesado, para efeito de se iniciar o prazo de prescrição, tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência, como o conhecimento da ocorrência de todos os pressupostos da responsabilidade, ainda que tal conhecimento não tenha que ser jurídico, bastando que o lesado tenha conhecimento do dano e da conduta lesiva do seu direito, não necessitando de saber o quantum indemnizatório a que tem direito”;

5. Assim, decidiu que o prazo de prescrição se iniciou em 06.01.2015 (ou quanto mais em 06.04.2016), e por isso quando em 08.05.2019 deu entrada neste tribunal à petição inicial, que originou os presentes autos, já tinha decorrido o prazo de 3 anos.

6. Ora, conforme sustenta a sentença do tribunal a quo, o que releva para o início do prazo de prescrição é o momento em que o lesado teve conhecimento dos factos constitutivos do seu direito. Não é, pois, o momento em que cessou a sua eventual violação, independentemente do ilícito que fundamenta o pedido ser de produção instantânea ou continuada;

7. Outrossim, o trânsito em julgado de decisão final no processo que teria violado o direito do A. a uma decisão em prazo razoável, isto é, a data em que se tornou definitiva por já não ser suscetível de recurso ou de reclamação – art.º 628º do Código de Processo Civil - fixa definitivamente para as partes os efeitos dessa decisão e constitui o reconhecimento judicial, conquanto controversamente, de uma pretensão em litígio;

8. Assim, o trânsito poderá relevar como dies ad quem ou termo final da morosidade que afetaria os interesses do Autor, consequentemente, dos alegados danos, balizando os seus efeitos no tempo e logrando assim a sua quantificação.

9. Mas, pese embora se concretize numa data objetiva, o trânsito em julgado de uma decisão judicial é completamente alheio ao subjetivo, individual, facto relevante do foro íntimo, à consciência, ao conhecimento pessoal, não processual, do direito do lesado que é, naturalmente, anterior à data da entrada da presente ação.

10. A prova desse conhecimento, dessa consciência poderá ser feita através da sua exteriorização por qualquer um meio de prova admissível, máxime, documental. E, na ótica do Estado, tal conhecimento é revelado objetivamente muito antes da 7 propositura da presente ação, nas datas já mencionadas.

11. Outrossim, tendo em conta a causa de pedir, não tem aqui cabimento a suspensão ou o alargamento do prazo de prescrição previsto no art.º 498º, nº 3 do Código Civil.

12. É nossa convicção que a decisão recorrida é justa e encontra-se bem fundamentada, não padecendo de erro de julgamento, uma vez que fez correta apreciação dos factos não impugnados ali dados como assentes, e aplicou correta e justamente o Direito. Assim, a decisão do tribunal a quo deverá ser confirmada, não devendo ser dado provimento ao presente recurso.


Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.


Objeto do recurso:
Atentas as conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por determinar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar prescrito o direito do autor a ser indemnizado com fundamento no atraso na prolação de decisão judicial em prazo razoável, em violação do disposto no art 498º, nº 1 do Código Civil.


Fundamentação
De facto.
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto, a qual não vem impugnada:
A. «Com efeitos a 10.03.2009, F… constituiu um seguro caução, para garantia do cumprimento contratual no valor de €185.838,44, a favor da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), para suspensão do processo de execução fiscal n.º 3…, que foi remetida ao Serviço de Finanças de Lisboa 8, em 23.04.2009, tendo ficado arrolada/depositada a quantia de €185.042,16, e sujeita ao pagamento do prémio comercial de €929,19; tendo sido pago relativamente ao período: (i) de 10.03.2009 a 09.03.2010 o valor de €2.073,40 (incluindo o prémio comercial, adicionais, taxas e selos de apólice), (ii) e anualmente, desde 10.03.2010 a 10.03.2019, o valor de €957,07, que perfaz o total €9.570,70 (cfr. documento n.ºs 10 e 12 a 14 juntos aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
B. Desde 16.03.2010, o processo de execução fiscal n.º 3… fora suspenso, data em que o executado F… entregou o original do seguro-caução a favor da ex-DGCI, após a devida correção do montante e número de processos indicados, que estavam erroneamente identificados nos anteriores documentos entregues(cfr. documento nº 3 junto aos autos com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
C. Em 01.02.2010, F… intentou no Tribunal Tributário de Lisboa “impugnação judicial” do “indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto da decisão referente à manutenção do ato de liquidação adicional sobre o Imposto de Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente à correção dos rendimentos da categoria “G” (mais-valias), respeitante ao exercício de 2004”, que dera origem ao processo de execução fiscal n.º 3… e que deu origem ao processo n.º 217/10.0BELRS (cfr. documento n.º 1 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
D. Por ofício de 10.02.2010, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, o mandatário do impugnante F… foi notificado do despacho, proferido em 09.10.2010, de admissão liminar da impugnação judicial e que ordenou a notificação do Representante da Fazenda Pública para contestar no prazo de 90 dias (cfr. documento n.º 2 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
E. Em 19.05.2010, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, o Representante da Fazenda Pública remeteu aos autos o processo administrativo e a contestação (cfr. documento n.º 3 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
F. Por ofício de 22.10.2010, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, o mandatário do impugnante F… foi notificado do despacho de 21.10.2010, ordenando a notificação dos impugnantes para indicarem os factos (por artigos) sobre os quais haveriam de versar os depoimentos requeridos, a que que foi dado cumprimento por requerimento de 27.10.2010 (cfr. documento n.ºs 4 e 5 juntos aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
G. Em 10.03.2011, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, foi proferido despacho com o seguinte teor: «(…). Salvo melhor opinião, os presentes autos encontram-se prontos para a inquirição de testemunhas. Todavia, devido à grande pendência processual – não só pela significativa entrada de novos processos como, também, pela redistribuição dos processos mais antigos oriundos do extinto Juízo Liquidatário – não é possível, nos próximos tempos, marcar inquirição nestes autos. Assim, aguardem os mesmos por seis meses, sem prejuízo de se abrir conclusão por qualquer motivo.» (cfr. documento n.º 6 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
H. Em 10.10.2012, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, F… dirigiu ao juiz titular do processo requerimento com o seguinte teor (cfr. documento junto aos autos com a certidão integral do processo n.º 217/10.0BELRS, que se dá aqui por integralmente reproduzida): «(…)

«Imagem no original»

I. Em 14.03.2013, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, F… dirigiu ao juiz titular do processo requerimento com o seguinte teor (cfr. documento junto aos autos com a certidão integral do processo n.º 217/10.0BELRS, que se dá aqui por integralmente reproduzida):
«(…) F…, NIF 1… e mulher A…, NIF 1…, casados entre si, ambos com domicilio fiscal na A… Lisboa,
Impugnantes nos autos à margem identificados, vêm ao abrigo do artigo 183 — A do CPPT requerer a verificação da caducidade da garantia prestada para suspensão da execução, prestada pelos impugnantes. (…)».
J. Em 06.01.2015, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, F… dirigiu ao juiz titular do processo requerimento com o seguinte teor (cfr. documento junto aos autos com a certidão integral do processo n.º 217/10.0BELRS, que se dá aqui por integralmente reproduzida): «(…)
«Imagem no original»

K. Em 06.04.2016, F… dirigiu um requerimento ao Provedor de Justiça, solicitando o uso dos seus poderes para que fosse reposta a legalidade e dado andamento e conclusão do processo n.º 217/10.0BELRS, com o teor que se dá aqui por integralmente reproduzido designadamente o seguinte (cfr. documento n.º 10 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido): «(…)



L. Por ofício de 12.07.2016, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, as Partes foram notificadas do despacho datado de 06.07.2016, com o seguinte teor: «(…) Vieram os impugnantes requerer a caducidade da garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 183.ºA do CPPT. Apreciando. Notificada a ERFP para se pronunciar, nada veio dizer. No caso dos autos a reclamação graciosa foi apresentada em 10.02.2009 e a garantia foi prestada no processo de execução fiscal em 17-03-2009 (conforme consta do processo de reclamação graciosa apenso e documento n.º 12 junto à petição inicial a fls. 139 a 141), isto é na vigência da atual redação do artigo 183.º-A do CPPT (Aditado pelo artigo 1.º da Lei n.º 40/2008, de 11/08, que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2009), nos termos do qual «A verificação da caducidade cabe ao órgão com competência para decidir a reclamação, mediante requerimento do interessado, devendo a decisão ser proferida no prazo de 30 dias». Nestes termos, não compete ao tribunal pronunciar-se sobre o citado requerimento. Notifique. * Compulsados os autos verifica-se que a matéria controvertida diz respeito a questões de direito ou a provar por documento. Atendendo às questões de direito a solucionar e que o processo já contém todos os documentos para a decisão a proferir, considera-se desnecessária a produção da prova testemunhal requerida pelos Impugnantes, a qual se indefere. Notifique. * Notifique as partes para alegarem por escrito no prazo de 20 dias, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT» (cfr. documento n.º 7 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
M. Em 01.09.2016, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS os impugnantes apresentaram as suas alegações (cfr. documento n.º 8 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
N. Em 22.03.2017, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, o Procurador da República emitiu parecer, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, no sentido da procedência da impugnação (cfr. documento n.º 9 junto aos autos com a petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
O. Em 15.02.2019, no âmbito do processo n.º 217/10.0BELRS, foi proferida sentença, julgando procedente a impugnação judicial e anulando a liquidação de IRS, da qual foi interposto recurso em 07.03.2019 (cfr. documento junto aos autos com a certidão integral do processo n.º 217/10.0BELRS, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
P. Em 08.05.2019, deu entrada neste Tribunal, via SITAF, de petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
Q. No âmbito do presente processo [n.º 802/19.4BELSB9, foi citado, em 16.05.2019, o Ministério Público em representação do Estado (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
R. Os mapas estatísticos do Tribunal Tributário de Lisboa contêm o teor que se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. documento n.º 5 junto aos autos pelo Réu em 29.10.2019, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
S. F… nasceu a 03.07.1931 (cfr. documento n.º 25 junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
T. Em razão do arrastamento prolongado e indefinido do processo n.º 217/10.0BELRS, F… teve reflexos na sua vida, queixando-se constantemente, e tendo criado um sentimento de impotência e de revolta, por antever não ver o assunto encerrado no seu tempo de vida, originando-lhe grande tristeza e desilusão, ficando sem dormir, a pensar no assunto (cfr. depoimento das testemunhas R… e N…).
*
Factos não provados: inexistem, com relevância para a decisão da causa.
*
Motivação de Facto: A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial e da posição assumida pelas Partes nos articulados e, bem assim, no depoimento, claro e credível, das testemunhas ouvidas na audiência final, a saber, R… e N…, filhos do Autor, que o acompanharam durante a tramitação do processo de impugnação judicial, atenta a idade daquele, à data de 2010, com cerca de 80 anos».


O Direito

Erro de julgamento de direito – na aplicação do art 498º, nº 1 do Código Civil.

Vem o recorrente invocar um erro decisório por ter sido julgada procedente a exceção de prescrição do direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais relativos ao atraso na administração da justiça no processo nº 217/10.0BELRS, alegando que o prazo de prescrição só deverá ser contado a partir do momento em que a conduta omissiva ilícita cessou e o recorrente teve um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Mantendo-se o facto ilícito, no momento em que a ação foi instaurada, não há lugar a prescrição. Sustenta ainda que o conhecimento do direito não pode ser retirado de requerimentos apresentados pelo mandatário do recorrente, tendentes à aceleração do processo, tanto mais que esse direito se consolidaria pela avaliação das circunstâncias específicas da tramitação processual ao longo da sua vigência e os danos foram sendo provocados durante esse decurso. A sentença recorrida teria assim violado o disposto no art 498º, nº 1 do Código Civil.

O recorrente discorda da sentença recorrida relativamente ao momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição, estabelecido no artigo 498º, nº 1 do Código Civil, para que o lesado possa exercer o seu direito de indeminização.

Discorrendo a decisão em crise nos seguintes termos: o conhecimento do direito que compete ao lesado, para efeito de se iniciar o prazo de prescrição, tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência, como o conhecimento da ocorrência de todos os pressupostos da responsabilidade, ainda que tal conhecimento não tenha que ser jurídico, bastando que o lesado tenha conhecimento do dano e da conduta lesiva do seu direito, não necessitando de saber o quantum indemnizatório a que tem direito.

Assim, …. o prazo de prescrição iniciou-se em 06.01.2015 (ou quanto mais em 06.04.2016), e por isso quando em 08.05.2019 deu entrada neste tribunal à petição inicial, que originou os presentes autos, já tinha decorrido o prazo de 3 anos.

Vejamos.

Nos termos do art 5º da Lei nº 67/2007, de 31.12, o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do art 498º do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto nos arts 318º e segs e 323º e segs do mesmo Código em matéria de suspensão e de interrupção da prescrição.

O direito de indemnização, diz o art 498º, nº 1 do CC, prescreve (prescrição extintiva) no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, isto é, saiba que o facto foi praticado e dessa pratica ou omissão resultaram para si danos.

Analisando o art 498º, nº 1 do Código Civil, defendem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela que, para que o prazo de prescrição se inicie é necessário que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete – cfr. Código Civil Anotado, I, pág. 503.

De igual modo, neste domínio, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.1973, escreveu o Prof. Vaz Serra que «O prazo trienal da prescrição conta-se [...] da data em o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, o que, segundo Antunes Varela, significa «a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu» – cfr. RLJ, Ano 107, págs. 296 e segs.

Porque, o conhecimento do direito a indemnização coincide com o conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, o prazo prescricional conta-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade – facto, ilicitude, culpa, dano, nexo causal - soube ter direito à indemnização.

Para aferir do termo a quo da contagem do prazo prescricional de três anos, importa verificar em que momento o autor teve conhecimento do seu direito à indemnização, momento esse que há-de ser coincidente com o momento da verificação do conjunto dos pressupostos de que depende a responsabilização do lesante.

Sobre o que seja o conhecimento é pacífico que equivale à mera consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos, bastando que o lesado saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu.

Conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos.

O lesado não necessita saber o quantum da indemnização a que tem direito; o essencial é que saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu.

Extrai-se do exposto que se consagrou uma orientação objetiva para a fixação do início do prazo, não dependente da extensão integral do dano - visto que o lesado pode pedir a sua ampliação ou fixação em momento posterior (cfr art 569° do CC), ou mesmo formular um pedido genérico para o caso de sobrevirem danos futuros previsíveis, nos termos dos artigos 471°, n° l, al b), do CPC e artigos 564°, n° 2, 565° e 569°, todos do Código Civil - nem da pessoa do responsável, cuja indicação poderia servir para prolongar o prazo da prescrição, que ficaria à mercê da eventual incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis.

Assim, o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor, «o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos» (Abílio Neto, em Código Civil Anotado, 13ª edição, Lisboa, 2001, pág. 544 e, entre outros, Acs do STA de 25.9.2008, processo nº 456/08, de 8.1.2009, processo nº 604/08, de 4.2.2009, processo nº 522/08, de 27.1.2010, processo nº 1088/09, de 25.2.2010, processo nº 1112/09, de 9.6.2011, processo nº 410/11, de 21.11.2013, processo nº 929/12, de 6.2.2014, processo nº 1811/13, de 6.2.2014, processo nº 512/13, de 10.3.2016, processo nº 214/16, de 7.6.2018, processo nº 802/17).

O que significa ainda que, a conduta lesiva, mesmo sendo de natureza continuada, não é suscetível de afetar o momento inicial de contagem do prazo de prescrição - seja de modo a deferir o seu início para o momento de cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo, desde que o dano, que também se prolonga no tempo, se traduza num mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos iniciais, pois isso tem apenas a ver com a extensão integral dos danos, cujo desconhecimento não interfere no decurso do prazo prescricional (cfr, neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 1.6.2006, processo nº 257/06, e 8.1.2009, processo nº 604/09, Ac do TCAS de 23.10.2014, processo nº 8088/11).

In casu, o facto ilícito respeita à duração do processo, do Tribunal Tributário de Lisboa, com o nº 217/10.0BELRS, tendo por objeto o ato de liquidação adicional sobre o Imposto de Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente à correção dos rendimentos da categoria G (mais valias), respeitante ao ano de 2004, considerada pelo recorrente como excessiva, isto é, o mesmo alega a violação (imputável ao recorrido) do seu direito a uma justiça atempada, consagrado no art 20º nº 4 da CRP, e no art 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, salientando que tal delonga lhe tem causado danos patrimoniais e não patrimoniais.

Lê-se na sentença recorrida, para o que aqui importa, que considerando, como provado, que em 01.02.2010, o Autor apresentou impugnação judicial, que deu origem ao processo n.º 217/10.0BELRS, a qual foi admitida por despacho de 10.02.2010, e tendo sido concedido o prazo de 90 dias para contestar, a mesma veio a ocorrer em 19.05.2010, e em 22.10.2010, foi proferido despacho a ordenar que as Partes fossem notificadas para indicar os factos a inquirir às testemunhas arroladas.

Sucede que, em 10.03.2011, a juiz titular do processo n.º 217/10.0BELRS despacha no sentido de que os autos aguardem face à existência de pendências processuais, e assim, apenas em 12.07.2016, é que é indeferida a prova testemunhal e concedido prazo para a prestação de alegações escritas, que foram apresentadas pelo impugnante em 01.09.2016.

Nessa sequência, em 22.03.2017, o representante do Ministério Público apresentou parecer e, em 15.02.2019, foi proferida sentença, da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu.

Constatando-se, portanto, o decurso do prazo de, aproximadamente, 5 anos e 4 meses, entre o despacho de 10.03.2011 a ordenar que os autos aguardassem face ao elevado volume processual, e o despacho de 10.07.2016, a indeferir a produção de prova testemunhal e a conceder prazo para alegações finais.

Mais ainda se constata que desde 22.03.2017, data em que foi apresentado o parecer do Ministério Público, e 15.02.2019, data em que foi proferida sentença pela 1º instância, decorreram quase 2 anos.

Mais se lê na sentença, no que respeita ao momento em que o lesado teve conhecimento dos factos constitutivos do seu direito, que, em 06.01.2015, no requerimento apresentado pelo Autor este demostrou já ter consciência da delonga processual e da existência de danos, que se produziam na sua esfera jurídica … ou quanto mais não fosse em 6.4.2016.

E isto porque, atentos os factos provados nas als J) e K) do probatório, o autor/ recorrente requereu:

- em 6.1.2015, no processo judicial, urgência na tramitação processual dos autos, em virtude da dilação temporal desde a última movimentação nos autos e … os prejuízos que esta dilação está a causar nos impugnantes, sobretudo com referência aos custos com a manutenção da garantia dada no presente processo desde 2010,

E

- em 6.4.2016, ao Provedor de Justiça, solicitando o uso dos seus poderes para que fosse reposta a legalidade e dado andamento e conclusão ao processo nº 217/10.0BELRS, pois, até à presente data e decorridos mais de 6 anos os queixosos ainda não lograram obter qualquer decisão por parte do tribunal e, desde 10.3.2009, para manutenção da garantia, os queixosos suportam custos anuais relativos a prémios desse seguro, no valor de €: 957,07 … esta quantia anual já ultrapassa, até à presente data, o montante de €: 6.500,00 … não é admissível que os queixosos suportem mais custos pela ineficiência do sistema judicial.


Do ora descrito decorre que o recorrente passou a apontar uma duração excessiva ao processo nº 217/10 e a invocar que isso lhe estava a causar danos nos requerimentos que apresentou no processo, em 6.1.2015, e ao Provedor de Justiça, em 6.4.2016, nos quais pediu que fosse dado andamento e conclusão ao processo nº 217/10.0BELRS.
Ora, nestas circunstâncias e para efeitos de contagem do inicio do prazo de prescrição, o Supremo Tribunal Administrativo vem dizendo:
- no acórdão que proferiu a 7.11.2019, no processo nº 1909/16:
… só quando termina o processo executivo é que ocorre a determinação dos direitos e obrigações de carácter civil, devendo contar-se, em ação por morosidade da justiça, todos os períodos desde a entrada da ação declarativa em juízo.
- no acórdão que proferiu a 6.2.2020, no processo nº 3/16:

Em situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça como as dos presentes autos, deve entender-se que o prazo prescricional fixado no artigo 498.º do CC apenas começa a correr com a prolação da decisão de mérito irrecorrível.
- no acórdão que proferiu a 19.11.2020, no processo nº 506/16:

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na justiça, o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil apenas começa após a conclusão do processo.
- no acórdão que proferiu a 11.3.2021, no processo nº 1453/18:

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do direito a uma decisão judicial em “prazo razoável”, o prazo de prescrição previsto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil apenas começa a correr após a conclusão do processo (rectius: da “causa”, na aceção do art. 6º nº 1 da CEDH).

Pelo que, só quando termina o processo a que vem imputado o atraso é que se inicia o prazo de prescrição previsto no art 498º, nº 1 do CPC ex vi art 5º da Lei nº 67/2007, de 31.12 para exercer o direito à indemnização.

O mesmo é dizer que não ocorre a exceção de prescrição do direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais/ morais relativos ao atraso na administração da justiça enquanto o processo visado não for decidido, coincidindo o momento em que o lesado toma consciência de que o processo tem uma duração excessiva com a prolação da decisão de mérito irrecorrível.

E isto porque, como fundamenta o acórdão proferido a 6.2.2020, processo nº 3/16: «(…) Em nosso entender, este raciocínio linear não toma na devida conta a circunstância de que estas situações de indemnização por atraso na justiça são situações sui generis, estando-se em face de um “non facere”, além do mais não reportado a nenhum prazo específico. Acresce a isto que estamos no âmbito do exercício de um direito que tem uma fonte simultaneamente interna (art. 20.º CRP) e internacional (art. 6.º CEDH), sendo que a adequação do ordenamento interno às exigências que derivam da adesão à CEDH pode implicar algumas soluções mais específicas ou individualizadas do legislador ou mesmo do julgador, no sentido de não vulnerar de forma desproporcional o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas. O princípio da subsidiariedade da tutela europeia pressupõe a exaustão dos remédios domésticos e o dever do Estado de implementar ou prover à existência desses mesmos remédios domésticos. Ora, a solução preconizada pelas instâncias nos presentes autos teria como consequência uma restrição excessiva do mencionado direito. A verdade é que nestas situações de indemnização por atraso na justiça, um eventual atraso terá de ser apreciado de forma unitária, desde a proposição da ação até à prolação da decisão de mérito final. Até porque pode haver atrasos em certas fases do processo e não em todas, sendo isso, no entanto, suficiente para condenar o Estado por atraso na justiça. Só uma visão global do processo permite, pois, ao julgador, avaliar se a decisão judicial foi dada sem dilações indevidas».

Na base da jurisprudência fixada nos arrestos citados, decidiu o STA, no acórdão de 19.11.2020, proferido no processo nº 506/16, está o entendimento de que o n.º 4 do artigo 20.º da CRP, interpretado de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, consagra o direito de acesso à justiça em prazo razoável como uma garantia inerente ao direito à tutela jurisdicional efetiva, devendo o Estado ser constituído em responsabilidade civil extracontratual por violação daquele direito, em toda a sua extensão.

Transpondo a jurisprudência citada e uniforme do nosso Supremo Tribunal para o caso dos autos, não podemos deixar de entender, atenta a matéria de facto provada, que apenas com a sentença proferida a 15.2.2019 na impugnação judicial, processo nº 217/10.0BELRS, se iniciou a contagem do prazo de prescrição previsto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil (desta sentença foi interposto recurso para o TCAS em 7.3.2019, o qual foi decidido em 15.1.2020).

Entende a mesma jurisprudência que as queixas da morosidade da justiça no julgamento da sua causa, por si só, não evidenciam que o lesado conhecesse em toda a sua extensão os factos constitutivos do seu direito, e que estivesse em condições de formular o juízo de qualificação dos mesmos como geradores de responsabilidade do Estado por atraso na administração da justiça (cfr ac de 19.11.2020).

Nos termos desta jurisprudência do STA, que aqui seguimos, não é possível manter o julgamento efetuado na sentença recorrida, de que, não obstante o processo tributário nº 217/10.0BELRS ter sido decidido em 1ª instância em 15.2.2019, o termo inicial do prazo prescricional seria de fixar em 6.1.2015 (ou quanto mais não fosse em 6.4.2016) (pois que o autor teve, então, consciência da duração excessiva do processo e dos danos provocados).

Em consequência, aplicando ao caso a jurisprudência do STA citada, concluímos que aquando da propositura da presente ação, em 8.5.2019, não se encontrava esgotado o prazo prescricional de 3 anos, previsto no art 498º, nº 1 do CC.

Ou dito por outras palavras, a decisão recorrida enferma de erro ao ter julgado procedente a exceção de prescrição, pelo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional.

Cumprindo a este tribunal, nos termos do disposto no art 149º, nº 3 do CPTA, conhecer do mérito da causa, ou seja, da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, dado inexistir matéria de facto controvertida e estarem decididas as exceções, de incompetência material (no saneador) de caducidade (na sentença sem que esta parte tenha sido objeto do recurso) e de prescrição, invocadas pelo réu.

Do pedido de indemnização fundado em atraso na justiça:

O direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (art 20º, nº 4 da CRP) e impõe que a violação desse direito, em qualquer tipo de processo (cível, administrativo ou outro), constitua o Estado em responsabilidade civil extracontratual (artigo 22º da CRP e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)), hoje concretizada na Lei nº 67/2007, de 31.12, no seu artigo 12º.

A apreciação e integração do conceito de justiça em prazo razoável ou de obtenção de decisão em prazo razoável constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido em função das circunstâncias de cada caso concreto e nunca em abstrato, a partir dos prazos fixados na lei para a prática de atos processuais.

A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (incluindo o recurso para o Tribunal Constitucional) e a fase executiva.

Para tal tarefa de avaliação e de ponderação, escreveu-se no acórdão do TCA Norte, em 12.10.2012, processo nº 64/10.9BELSB, «tem-se como adequado e útil o recurso à jurisprudência do TEDH quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo, mormente fazendo uso dos critérios da complexidade do processo, do comportamento das partes, da atuação das autoridades competentes no processo, do assunto do processo e do significado que o mesmo pode ter para o requerente, critérios esses que são valorados e aferidos em concreto atendendo às circunstâncias da causa» [cfr Caso Valada Matos das Neves c. Portugal, Queixa nº 73798/13, acórdão de 29.10.2015; caso Frydlender c. França [GC], nº 30979/96, § 43, CEDH 2000-VII; caso Ruotolo c. Itália, 27.2.1992, § 17, Série A, nº 230-D].

Na complexidade do processo devem analisar-se as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo [mormente, número de pessoas/partes envolvidas na ação; tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados; produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta].

O segundo critério – a avaliação do comportamento das partes - atende não só ao uso do processo para o exercício ou efetivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais (afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória). Daí que o TEDH exige que o queixoso tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.

Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo, mas, também, ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais. A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art 6º da CEDH, porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele art 6º.

Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante, a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas (sua regularização). O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efetiva em sede cautelar (cfr acórdãos do TEDH - caso Comingersoli, SA v. Portugal, em 6.4.2000, processo nº 35.382/97; caso Sürmeli v. Germany).

Também os tribunais superiores nacionais, aderindo à jurisprudência do TEDH, têm contribuído para a densificação do conceito de prazo razoável para a resolução de um litígio em tribunal. Entre outros, (i) os acórdãos do TCA Norte de 30.3.2006, processo nº 5/04, de 15.10.2009, processo nº 2334/06; de 22.10.2010, processo nº 1357/07; de 12.10.2012, processo nº 64/10, (ii) os acórdãos do TCA Sul de 20.3.2014, processo nº 9034/12; de 15.12.2016, processo nº 13.706/16, (iii) os acórdãos do STA de 15.10.1998, processo nº 36.811; de 28.11.2007, processo nº 308/07; de 9.10.2008, processo nº 319/08; de 10.9.2009, processo nº 83/09; de 5.5.2010, processo nº 122/10; de 1.3.2011, processo nº 336/10; de 6.11.2012, processo nº 976/11; de 27.11.2013, processo nº 144/13; de 15.5.2013, processo nº 1229/12; de 14.4.2016, processo nº 1635/15; de 11.5.2017, processo nº 1004/16.

Munidos destes critérios, para aferir se ocorreu violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art 20º, nº 4 da CRP e pelo art 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, a constatação de atraso na decisão de processos judiciais pode gerar uma obrigação de indemnizar.

Os conceitos de indemnização razoável e danos morais indemnizáveis, tal como sucede com o conceito de prazo razoável, em matéria de indemnização por delonga na decisão de processo judicial, também são densificados por reporte à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos tribunais nacionais, à luz dos princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

O dever de indemnizar compreende os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais, sendo que neste domínio importa considerar o disposto no art 496º do Código Civil, como faz a jurisprudência nacional, designadamente, vertida nos acórdãos do STA, de 28.11.2007, processo nº 308/07; de 9.10.2008, processo nº 219/08; de 11.5.2017, processo nº 1004/16; de 5.7.2018, processo nº 259/18, nos termos da qual «o regime legal que decorre do art 496º do CC … carece de ser interpretado e aplicado «de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH».

Segundo o acórdão proferido pelo STA, em 5.7.2018, «resulta, assim, que o julgador nacional, para a decisão a proferir no que respeita à verificação/existência dos “danos não patrimoniais” e à sua concreta valoração pecuniária, deverá, no contexto da factualidade apurada, atender aos fatores expressamente referidos na lei, mas interpretados nos termos e à luz do que se mostra a conformação dada pelo «TEDH» aos referidos fatores, cientes de que este vem entendendo que, relativamente aos danos não patrimoniais suportados pelas vítimas de violação da CEDH, a sua dignidade indemnizatória não se mostra restringida aos de especial gravidade».

Para tanto, a citada decisão do STA identifica ainda que «o TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial: i) constitui uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; que ii) essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza, sendo que, então, o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente; e que, iii) quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália n.º 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2.ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55]».

E assim sendo, o valor de indemnização aventado pela jurisprudência do TEDH (caso Musci C. Itália (processo 64699/01), variável entre 1000 e 1500 euros, por cada ano de demora do processo, pode ser diminuído, de acordo com os danos não patrimoniais provados.

A prática jurisprudencial, do TEDH e do STA, para o cômputo do valor a arbitrar a título de danos não patrimoniais em casos de violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, como identificou o acórdão do STA de 11.5.2017, proferido no processo nº 1004/16, tem sido, nomeadamente, as condenações de:

Pelo TEDH:

- «4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];

- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];

- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];

- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];

- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];

- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];

- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];

- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];

- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];

- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].

Pelo o STA:

- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];

- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];

- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];

- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];

- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];

- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];

- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»]».

Em face do exposto, cumpre, agora, proceder ao enquadramento dos factos dados como provados nos presentes autos.

Por facilidade, recuperamos aqui a passagem da sentença recorrida relativa ao cômputo do prazo do processo tributário nº 217/10.0BELRS que se inicia com a apresentação da petição inicial em 01.02.2010, data em que o Autor apresentou a impugnação judicial, a qual foi admitida por despacho de 10.02.2010, e tendo sido concedido o prazo de 90 dias para contestar, a mesma veio a ocorrer em 19.05.2010, e em 22.10.2010, foi proferido despacho a ordenar que as Partes fossem notificadas para indicar os factos a inquirir às testemunhas arroladas. Em 10.03.2011, a juiz titular do processo n.º 217/10.0BELRS despacha no sentido de que os autos aguardem face à existência de pendências processuais, e assim, apenas em 12.07.2016, é que é indeferida a prova testemunhal e concedido prazo para a prestação de alegações escritas, que foram apresentadas pelo impugnante em 01.09.2016.

Nessa sequência, em 22.03.2017, o representante do Ministério Público apresentou parecer e, em 15.02.2019, foi proferida sentença, da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu.

Constatando-se, portanto, o decurso do prazo de, aproximadamente, 5 anos e 4 meses, entre o despacho de 10.03.2011 a ordenar que os autos aguardassem face ao elevado volume processual, e o despacho de 10.07.2016, a indeferir a produção de prova testemunhal e a conceder prazo para alegações finais.

Mais ainda se constata que desde 22.03.2017, data em que foi apresentado o parecer do Ministério Público, e 15.02.2019, data em que foi proferida sentença pela 1º instância, decorreram quase 2 anos.

Ou seja, no processo nº 217/10 instaurado a 1.2.2010 foi proferida sentença em 1ª instância a 15.2.2019, da qual foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul no dia 7.3.2019.

Deste modo, temos como relevante que o processo de impugnação judicial subjacente aos presentes autos deu entrada em juízo, no Tribunal Tributário de Lisboa, em 1.2.2010 e teve decisão na mesma instância em 15.2.2019. Mas foi objeto de recurso. O que significa que, sem decisão judicial transitada em julgado, apura-se um período de tempo de quase 9 anos (1.2.2010 a 15.2.2019).

Ora, este período de tempo, conduz-nos de imediato, de acordo com o enquadramento legal que deixámos enunciado, à verificação do facto ilícito, ou seja, à violação das normas jurídicas que regulam o acesso à justiça e ao direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.

Com efeito, a ilicitude tem de ser julgada verificada quando a decisão judicial não é proferida dentro do prazo razoável (artº 12º da Lei nº 67/2007), por motivos imputáveis ao Estado [quer seja em virtude de atos concretos de agentes, quer seja, do funcionamento anormal do serviço].

Vejamos então, no caso, qual deveria ter sido o prazo considerado razoável.

Resulta da factualidade provada que o processo nº 217/10, de impugnação judicial do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto da decisão referente à manutenção do ato de liquidação adicional sobre o IRS, relativamente à correção dos rendimentos da categoria G (mais-valias), respeitante ao exercício de 2004, que dera origem à execução fiscal nº 3…, iniciou-se no Tribunal Tributário de Lisboa e até ser proferida sentença em 15.2.2019 tramitou apenas neste tribunal (als C) a O) dos factos provados).

Sendo partes o ora recorrente e a Autoridade Tributária Aduaneira.

Cingindo-se os articulados do processo à petição inicial, contestação, alegações.

Foi emitido parecer pelo Ministério Público.

Foi indeferida a produção de prova testemunhal.

Não foram realizadas outras diligências de prova.

A matéria controvertida foi considerada de direito ou a provar por documento.

Constatando-se dois períodos de tempo em que o processo esteve parado – de 10.3.2011 a 10.7.2016, devido à grande pendência processual, e de 22.3.2017 a 15.2.2019, desde a data em que foi apresentado o parecer do MP até ser proferida sentença pela 1ª instância.

Com efeito, além dos requerimentos dirigidos pelo ora recorrente ao processo, em 10.10.2012 e em 14.3.2013, a requerer a verificação da caducidade da garantia prestada para suspensão da execução, e em 6.1.2015, a requerer a movimentação do processo, só em 10.7.2016 foi proferido despacho no processo.

Por conseguinte, como refere a sentença sob recurso, entre 10.3.2011 e 10.7.2016 decorreram 5 anos e 4 meses e de 22.3.2017 a 15.2.2019 decorreram quase 2 anos, mais precisamente, 1 ano, 10 meses e 24 dias. Ou seja, nestes períodos o processo esteve parado, sem tramitação, sem que qualquer facto o justificasse.

Nenhum destes dois atrasos pode ser imputável às partes intervenientes, designadamente ao autor/ ora recorrente.

Como assinala o Acórdão do STA, de 8.3.2018, processo nº 350/17, na apreciação da «duração razoável standard de um processo judicial convém ter em conta a jurisprudência do TEDH, de acordo com a qual a duração média - que corresponde à «duração razoável» - de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos, e a de todo o processo - incluindo recursos e eventual execução - deve corresponder, por regra, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais [ver Isabel Celeste Fonseca, in «CJA», n.º 72, págs. 45 e 46, e jurisprudência aludida]».

Deste modo, considerando o grau de complexidade do processo, o facto do mesmo haver permanecido apenas na 1ª instância e o prazo que decorreu desde a apresentação da petição inicial até ser proferida sentença em 1ª instância (que foi objeto de recurso), é inequívoco que efetivamente se violou o prazo razoável de acordo com o disposto no art 6º da Convenção dos Direitos do Homem e jurisprudência que tem sido fixada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo que este prazo se deve fixar no máximo de 3 anos.

Ora, tendo em consideração que o processo esteve em tramitação cerca de 9 anos, mostra-se assim excedido o prazo razoável para o autor/ recorrente obter uma decisão em tempo razoável que se fixa em 6 anos.

E o atraso/excesso ficou a dever-se ao funcionamento anormal do tribunal por onde o processo tramitou (art 7º, nº 4 da Lei nº 67/2007), pelo que se verifica a ilicitude no caso concreto dos autos.

Acresce que verificada que está a ilicitude, presume-se a culpa (art 10º, nº 2 da Lei nº 67/2007), que não vem ilidida pelo réu Estado Português (arts 344º, nº 1, 350º, nº 2 do CC).

Pois, o Estado Português apenas alega que o autor/ ora recorrente podia e devia ter dado entrada junto do Conselho Superior da Magistratura a um pedido de aceleração processual, conforme se estabelece no art 149º, al i) do EMJ, e não cingir-se a requerer urgência na tramitação processual dos autos. Deste modo, defende o réu que a atitude omissiva do autor contribuiu para a delonga do processo (art 4º da Lei nº 67/2007 e art 570º do CC). Mas, como esclareceu o STA, em acórdão proferido a 7.10.2021, no processo nº 1427/19, «o pedido de aceleração processual não é um ónus que recaia sobre os interessados que recorrem à justiça, ao ponto de, quando não fizerem uso do mesmo poderem ser acusados de, por alguma forma, terem concorrido para o resultado. Acresce que, o mecanismo de aceleração processual se mostra previsto nos arts 108º e 109º do Código do Processo Penal, situação em que esta iniciativa é conferida ao arguido, assistente ou parte cível, quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase processual», mas não está disposto para a ação que deu causa a estes autos.

O mesmo é dizer, que os atrasos apurados nos autos se devem ao funcionamento anormal do serviço de justiça e não ao autor da impugnação judicial nº 217/10.

Para haver obrigação de indemnizar constitui condição essencial que o facto ilícito e culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) (arts 562º, 563º e 566º do CC).

E o pedido de indemnização dos autos vem fundado em danos patrimoniais e em danos não patrimoniais.

No que concerne aos danos patrimoniais, o autor pretende lhe seja pago o valor de €: 11.644,10, referente a custos suportados para assegurar a suspensão do processo de execução fiscal, mais €: 55.812,64 respeitante ao dano resultante da imobilização do capital do autor.

Estes valores prendem-se com a caução prestada pelo autor para suspender o processo de execução fiscal – cfr al A) dos factos provados.

Com efeito a 10.3.2009, o autor constituiu um seguro caução para garantia do cumprimento contratual no valor de €: 185.838,44 a favor da Direção Geral dos Impostos, com vista a evitar o prosseguimento do processo de execução fiscal. Em consequência ficou depositada a quantia de €: 185.042,16 e o autor passou a pagar o prémio comercial. No período de 10.3.2009 a 9.3.2010 o autor pagou o valor de €: 2.073,40, relativo ao prémio comercial, adicionais, taxas e selos de apólice. Anualmente, desde 10.3.2010 a 10.3.2019, passou a pagar €: 957,07.

No entanto, estes danos patrimoniais, como refere o Estado Português no art 239º da contestação, não têm uma relação direta, causal com o facto gerador da responsabilidade civil extracontratual do Estado nesta ação, isto é, com o atraso na obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável no processo de impugnação judicial do Tribunal Tributário de Lisboa, com o nº 217/10. Estes danos prendem-se com a prestação da garantia na execução fiscal por ter sido apresentada reclamação graciosa, por forma a suspender a sua marcha, facto que decorre da lei – art 169º, nº 1 do Código de procedimento e de Processo Tributário - e da vontade do próprio autor, ao prestá-la para obter aquela suspensão. Razão pela qual tanto a garantia como o pagamento do prémio têm data anterior à instauração da impugnação judicial que deu origem ao processo nº 217/10. Tendo, inclusive, a caducidade da referida garantia sido requerida nos autos – als H) e I) dos factos provados – mas, nos termos do art 183º A, nº 3 do CPPT (na redação da Lei nº 40/2008, de 11.8), por a verificação da caducidade caber ao órgão (da execução fiscal) com competência para decidir a reclamação, o tribunal, por não ser competente, dela não conheceu.

Por conseguinte, inexiste fundamento para ressarcir nesta sede os alegados danos patrimoniais.

Quanto à verificação/existência dos danos não patrimoniais, como referimos em cima, o TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial constitui uma consequência normal da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente em todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável (cfr ac do STA de 5.7.2018, processo nº 259/18).

Na situação em apreço, atenta a factualidade provada na al T) do probatório, temos por efetiva a verificação de danos não patrimoniais na esfera jurídica do autor/ recorrente, em razão do arrastamento prolongado e indefinido do processo nº 217/10.0BELRS. Com efeito resultou provado que a demora do processo teve reflexos na vida do autor, nascido a 3.7.1931, queixando-se constantemente e tendo criado um sentimento de impotência e de revolta, por antever não ver o assunto encerrado no seu tempo de vida, originando-lhe grande tristeza e desilusão, ficando sem dormir, a pensar no assunto.

E esses danos têm de ser ressarcidos, pois existem em virtude - nexo causal - do processo nº 217/10 ter sido decidido, sem trânsito em julgado, para além do que seria razoável, isto é, como fixamos, em 6 anos.

Quanto ao quantum dessa indemnização, e tendo em consideração tudo quanto já se disse e os padrões fixados pela jurisprudência do TEDH (de 1.000€ a 1.500€), esse valor, por cada ano de atraso injustificado, que fixámos em 6 anos, julga-se adequado ser de €: 1.200€/ano, o que perfaz a quantia de €: 7.200,00, quantia esta, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, nos termos dos artigos 805º, nº 3 e 806º, nº 1 do Código Civil.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i) conceder provimento ao presente recurso jurisdicional,

ii) revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a exceção da prescrição dos pedidos indemnizatórios formulados,

iii) e em substituição julgar a ação parcialmente procedente por provada e condenar o réu Estado Português a pagar ao autor/ recorrente a quantia de €: 7.200,00 acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Custas do presente recurso pelo recorrido e custas em 1ª instância por ambas as partes na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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Lisboa, 2021-12-16,

(Alda Nunes),

(Lina Costa)

(Ana Martins).