Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:57/17.5BECLSB
Secção:CAº 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
ISENÇÃO CUSTAS
ARTIGO 4º N.º 1, AL. F), E AL. G), DO RCP
Sumário:I – A medida concreta da pena disciplinar aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa – nomeadamente do princípio da proporcionalidade -, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes.

II – A Federação Portuguesa de Futebol não beneficia da isenção de custas prevista no art. 4º n.º 1, al. g), do RCP, já que é uma pessoa colectiva de direito privado.

III – A actuação da Federação Portuguesa de Futebol que, no Tribunal Arbitral do Desporto (e também neste TCA Sul), litiga em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina, opondo-se à sua invalidação, e com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.ºs 1 e 9, do CPTA - ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão -, não integra a previsão do art. 4º n.º 1, al. f), do RCP, pois aquela não litiga em defesa directa das atribuições que lhe estão especialmente cometidas pelo respectivo estatuto (promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições) ou legislação que lhe é aplicável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I - RELATÓRIO
Dyego ………………… apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), nos termos do art. 4º n.ºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei 74/2013, de 6/9, na redacção da Lei 33/2014, de 16/6, recurso do acórdão, proferido em plenário, do Conselho de Disciplina (Secção Não Profissional) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de 4.11.2016, no âmbito do processo disciplinar n.º 12 (2016/2017) - nos termos do qual foi condenado, pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo art. 131º n.º 3, conjugado com o art. 25º n.ºs 1 e 5, al. g), ambos do Regulamento Disciplinar da FPF, na pena de 9 meses de suspensão e multa de 1,5 UC -, contra a Federação Portuguesa de Futebol, no qual peticionou a revogação desse acórdão do Conselho de Disciplina da FPF e a sua absolvição da prática de qualquer infracção disciplinar.

Por acórdão de 3 de Março de 2017 do TAD foi dado provimento parcial ao recurso, condenando-se Dyego …………………… nas seguintes sanções:
- suspensão pelo período de 6 meses, a ser cumprida de forma contínua (arts. 131º n.º 3 e 28º n.ºs 4 e 5, ambos do Regulamento Disciplinar da FPF);
- multa no valor de € 122,40, correspondente a 1,2 UC (art. 131º n.º 3, com a redução imposta, quanto aos limites da sanção, na al. g) do n.º 5 do art. 25º, ambos do Regulamento Disciplinar da FPF),
sendo ainda indeferido o pedido de isenção de custas formulado pela FPF e condenado Dyego Wilverson Ferreira Sousa e a FPF nas custas, na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.

Inconformada, a FPF interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul desse acórdão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído
junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 3 de março de 2017

2. Esta decisão do TAD tem como origem a punição, por parte do Conselho de Disciplina da FPF, ao
jogador Dyego Wilverson Ferreira Sousa, pela prática da infração disciplinar prevista pelo artigo 131.º, número 3, do Regulamento de Disciplina da FPF, isto é, pela agressão a
um elemento da equipa de arbitragem, ainda que não lhe provocando qualquer lesão. Os factos ocorreram em jogo particular, realizado em 26/07/2016, no Luso Coimbra, entre o "Marítimo da Madeira Futebol, SAD" e o "Clube Desportivo de Tondela".
3. Como questão prévia, é importante salientar que, neste momento, existem 2 decisões sobre o mesmo caso: uma do Conselho de Justiça da FPF, que se julgou competente e que manteve a
decisão do Conselho de Disciplina da FPF - 9 meses de suspensão ao atleta - outro do Tribunal
Arbitral do Desporto (TAD) que reduziu a pena de suspensão, do atleta em causa, para 6 meses.

4. Apesar de apontar esta questão de "conflito positivo de competências" o TAD não extrai qualquer consequência/conclusão deste mesmo conflito.
5. Este conflito positivo de competências originou, agora, uma duplicidade de decisões de recurso
(do Conselho de Justiça e do TAD), sem que qualquer efeito prático tenha sido extraído pelo
Colégio Arbitral.

6. Por outro lado, a decisão do TAD, que reduziu a sanção imposta pelo Conselho de Disciplina da
FPF, e posteriormente confirmada pelo Conselho de Justiça da FPF, é ferida de ilegalidade, devido
a uma falta total de fundamentação que legitime, juridicamente, a decisão tomada.

7. O Colégio Arbitral decidiu que todos os factos alegados pelo Demandante, foram dados como não provados e "resultam da circunstância de o Demandante não ter logrado produzir prova sobre os
mesmo".

8. O TAD concluiu que "ponderada toda a prova produzida, criou o tribunal a convicção, sem margem
para qualquer dúvida, de se terem verificados os factos enunciados nos "factos provados",
designadamente de o Demandante ter agredido o árbitro assistente n° 1 com uma bofetada dada
com a sua mão esquerda".

9. Depois de 18 páginas de acórdão irrepreensíveis por parte do Colégio Arbitral - relativamente aos
factos assentes e dados como provados; bem como ao enquadramento jurídico a efetuar no caso
concreto - em apenas 2 páginas (págs. 19 e 20 do acórdão do Colégio Arbitral, objeto deste
recurso) tudo é esquecido e reduz-se o castigo aplicado pelo Conselho de Disciplina (e confirmado
pelo Conselho de justiça!!!) de 9 meses para 6 meses de punição, sei que haja qualquer tipo de
fundamentação jurídica que sustente tal posição.

10. O Colégio Arbitral, sabendo que não existe qualquer fundamento jurídico que sustente a sua posição, baseia a sua posição em elementos de cariz "pedagógicos" e "sociológicos", realizando
"juízos de prognose".

11. O Colégio Arbitral, na sua decisão, afasta-se do seu papel enquanto tribunal Arbitral, invocando "esperança fundada" e "pedagogia" e "sociologia" e "crenças" para reduzir uma sanção a um
jogador que agrediu um árbitro de futebol!

12. O Colégio Arbitral esquece por completo o elemento fundamental e dado como provado sem margem para dúvidas: a agressão de um jogador de futebol a um árbitro, durante o jogo, e sem
quaisquer atenuantes aplicáveis ao caso concreto.

13. Esta resultado final é ainda mais grave quando vai contra a decisão do Conselho de Disciplina da
FPF, posteriormente confirmada pelo Conselho de Justiça da FPF!

14. A decisão em causa não tem qualquer fundamento jurídico válido e baseia-se quase num "wishful thinking" de uma postura quase "maternal" perante uma atitude menos correta de um "filho" e
numa lição de pedagogia de cariz sociológico.

15. No entender da ora Recorrente, o Colégio Arbitral parece formular opiniões sobre a forma como considera ser melhor prosseguido o interesse público, ao invés de fazer um esforço para
demonstrar como e em que medida a sanção se afigura desadequada.

16. Importa salientar que a sanção aplicada ao jogador em questão está longe de ser desadequada,
tendo em conta o ilícito disciplinar em causa (que podia ir até aos 3 anos de suspensão...).

17. Caímos, portanto, na análise do mérito da decisão, a qual se encontra dentro da margem de livre
decisão da administração.

18. Ou seja, a análise do mérito e dos atos praticados dentro da margem de live decisão encontra-se vedada aos Tribunais, sejam eles arbitrais ou não.
19. Com base nos fatos dados como provados, juntamente com o enquadramento jurídico conferido à questão em apreço, teriam de ser apresentados argumentos jurídicos válidos que permitissem a
redução de uma sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF (no âmbito das suas
competências e com base na discricionariedade administrativa que lhe é concedida por lei, na
tomada das suas decisões) e que posteriormente foi validada por um outro órgão da FPF - o
Conselho de Justiça.

20. Tal justificação/fundamentação não aconteceu no caso concreto, pelo que a decisão do colégio Arbitral encontra-se ferida de ilegalidade!
21. Por último, é de basilar importância sublinhar que De acordo com o artigo 432.º, n.º 2 do Regime
Jurídico das Federações Desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, compete ao
Conselho de Disciplina da FPF, nos termos da lei e dos regulamentos e sem prejuízo de outras
competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e
arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares
em matéria desportiva.

22. É o Conselho de Disciplina da FPF que desenvolve "o exercício da margem de livre decisão administrativa" - discricionariedade - no âmbito disciplinar, no que se refere ao futebol em
Portugal.

23. Não existe qualquer margem de dúvidas relativamente à legalidade e proporcionalidade da sanção
aplicada pelo Conselho de Disciplina, devidamente sustentada e fundamentada, de um ponto de
vista factual e jurídico, no caso em apreço.

24. Aliás, esta mesma decisão foi confirmada após análise efetuada pelo Conselho de Justiça da FPF
25. Por todos os argumentos acima aduzidos, o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615.°, n.º l,
al. b) do CPC, aplicável por via do artigo 1.º do CPTA, aplicável por força do artigo 61.º da Lei do
TAD)
devendo, em consequência, ser revogada por este Tribunal superior.
26. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram
o Colégio Arbitral;

27. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º,
n.º l e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória;

28. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Colégio
de Árbitros aplicou assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;

29. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a
isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também
aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas
Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República
Portuguesa.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais,
ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela manutenção da decisão proferida pelo TAD.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.
II - FUNDAMENTAÇÃO
No acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes factos:
“1. No dia 26/07/2016 realizou-se, no Luso - Coimbra, um jogo de futebol entre o "……………. Futebol, SAD" e o "Clube Desportivo ……………".
2. Tratou-se de um jogo particular, na modalidade de futebol de 11, seniores.
3. A Sport TV fez a cobertura televisiva do jogo, tendo passado depois do jogo os seus principais momentos.
4. A equipa de arbitragem que dirigiu esse jogo era composta por Bruno ………(árbitro), Eduardo ………. (árbitro assistente nº 1), Vinicius ………… (árbitro assistente nº 2).
5. Nesse jogo o jogador Demandante foi inscrito pela equipa do "…………….. Futebol, SAD", com o nº 9 na camisola.
6. Aos 31 minutos da 2ª parte do jogo, o árbitro exibiu o cartão vermelho ao jogador Demandante por agressão ao árbitro assistente nº 1.
7. O Demandante atingiu o árbitro assistente nº 1 com a mão esquerda aberta no lado direito da face, cuja consequência foi a deslocação da cara do árbitro para o lado esquerdo em resultado do embate da mão do Demandante, não tendo aquele ficado com nenhuma marca na cara.
8. Por esse facto o jogador Demandante recebeu ordem de expulsão, tendo-lhe o árbitro exibido o cartão vermelho.
9. Nessa altura o jogador arguido já tinha sido substituído, encontrando-se no banco de suplentes.
10. O Demandante abandonou o recinto de jogo, tendo este prosseguido normalmente até ao seu final e tendo o árbitro assistente nº 1 permanecido, até então, no desempenho das suas funções.
11. Ao atingir com a mão na face do árbitro assistente nº 1 o Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária.
12. O árbitro assistente nº 1 dirigiu-se durante o jogo ao Demandante, dizendo-lhe que era “uma vedeta brasileira”.
13. O Demandante é profissional, tem 27 anos de idade e foi inscrito pela primeira vez na FPF na época 2007-2008, em representação do CD Nacional.
14. No cadastro disciplinar do Demandante constam diversas sanções, a maioria delas traduzida na aplicação, pelo órgão de disciplina competente, de uma multa, sendo que, entre 2007 e 2016, lhe foram aplicadas as seguintes sanções de suspensão: 1 jogo de suspensão em 2008, 2 jogos em 2012; 1 jogo, em duas vezes distintas, em 2013; 1 jogo em 2014 e 1 jogo, em três vezes distintas, em 2016, sendo que duas delas, a de 2014 e a ultima de 2016, por agressão a jogador, todas elas transitadas em julgado antes da prática do acto descrito no ponto 7.
15. O Demandante não tinha, até à realização do jogo T……….. – Marítimo, sido sancionado, na época desportiva 2016-2017, iniciada a 1 de Julho, pela prática de qualquer infracção disciplinar.
16. O Demandante, em declarações à imprensa, publicadas no dia seguinte ao do próprio jogo com o Tondela, pediu desculpa à equipa de arbitragem, mas negou ter praticado a agressão.
17. O Demandante não reconheceu ter agredido o árbitro assistente nº 1.
18. O Demandante é um jogador impulsivo.
19. O Demandante esteve, no âmbito dos processo disciplinar nº 12-2016/2017, suspenso durante os seguintes períodos de tempo: de 02.08.2016 até 02.09.2016, de 08.11.2016 a 19.11.2016 e de 27.11.16 a 18.12.2016.”.

No acórdão recorrido, e quanto a factos não provados, consignou-se o seguinte:
1. O árbitro assistente nº 1 manteve um atitude persecutória para com o Demandante com o intuito de o provocar e ofender.
2. A atitude do Demandante foi uma reação à atitude do árbitro assistente nº 1, que, durante todo o jogo, teve comportamentos incorretos, o que foi enervando o Demandante.

3. A conduta do Demandante ocorreu no “calor do jogo”, sendo que o mesmo tinha sido substituído pouco tempo antes e estava ainda “com os nervos à flor da pele”.

4. Outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que constem no Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, proferido em 04.11.2016, na petição de recurso do Demandante e na contestação da Demandada, e não se encontrem entre os provados, se encontrem em oposição com estes, constituam mera repetição, argumentação ou matéria instrumental ou conclusiva.”.


*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se o acórdão arbitral recorrido é:
- nulo por falta de fundamentação;
- enferma de erro ao:
- ter reduzido a pena de suspensão aplicada de 9 meses para 6 meses;
- rejeitar o pedido de isenção de custas.

Quanto à questão prévia suscitada pela recorrente consistente no facto do TAD não extrair qualquer consequência do conflito positivo de competências, o qual originou uma duplicidade de decisões [pois relativamente ao acórdão do Conselho de Disciplina da FPF de 4.11.2016 (e na sequência da interposição, pelo ora recorrido, de dois recursos desse acórdão, um para o Conselho de Justiça da FPF e outro para o TAD) foram proferidas duas decisões: o acórdão do Conselho de Justiça da FPF de 23.11.2016 – o qual manteve a pena de 9 meses de suspensão e reduziu a pena de multa – e o acórdão arbitral, decisão ora recorrida], cumpre salientar que no acórdão arbitral recorrido consignou-se o seguinte:
O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é competente para dirimir o litígio objeto dos presentes autos, concretamente o recurso do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Não Profissional, datado de 04.11.2016, proferido no processo nº 12 (2016/2017), pelas razões já enunciadas na anterior decisão proferida por este Tribunal, no âmbito do procedimento cautelar que correu termos nos presentes autos e que, por essa razão, aqui se dão por reproduzidas.”.

Nessa decisão do procedimento cautelar – de 14.12.2016 -, o TAD referiu, em suma, que:
- não há competências concorrentes de natureza necessária para a apreciação e tomada de decisão sobre o recurso interposto do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da FPF;
- tem competência, em sede de arbitragem necessária, para dirimir conflitos emergentes de actos das federações desportivas praticados no exercício dos seus poderes de disciplina;
- o acesso ao TAD só é admissível, entre outros, em via de recurso de deliberação do órgão de disciplina ou de decisão do órgão de justiça da federação desportiva, sendo que, neste último caso, apenas quando a decisão tenha sido proferida em recurso de deliberação de outro órgão federativo que não o de disciplina;
- as questões emergentes da aplicação das normas técnicas e desportivas directamente respeitantes à prática da competição desportiva, as ainda denominadas “questões estritamente desportivas”, estão excluídas da jurisdição do TAD;
- a conduta imputada ao recorrido não decorre (apenas) da violação de normas técnicas e/ou disciplinares directamente relacionada com a competição desportiva, pelo que o TAD tem competência exclusiva para apreciar e decidir o recurso que o recorrido interpôs do acórdão do Conselho de Disciplina da FPF.

Como esclarecem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil, Anotado, Volume 1º, 1999, pág. 213, “Importa ainda constatar que são restritas as hipóteses de conflito entre um tribunal judicial e uma autoridade administrativa.
Estabelecendo o art. 205-2 CR a obrigatoriedade das decisões dos tribunais para todas as autoridades públicas e a sua prevalência sobre as decisões de qualquer outra autoridade, não é, em princípio, possível configurar um conflito positivo entre um tribunal judicial e uma autoridade administrativa. Desde que o tribunal afirme a sua competência e decida a questão, a sua decisão impõe-se à autoridade administrativa (DAMASCENO CORREIA, idem, ps. 18-20)” (sublinhados nossos).

Ora, tendo o TAD afirmado a sua competência exclusiva para conhecer do recurso que o recorrido interpôs do acórdão de 4.11.2016 do Conselho de Disciplina da FPF, o acórdão (recorrido) que o mesmo proferiu em 3.3.2017 impõe-se ao acórdão proferido em 23.11.2016 pelo Conselho de Justiça da FPF, face ao estatuído no art. 205º n.º 2 [“As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”], conjugado com o art. 209º n.º 2 [“Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”], ambos da CRP.

Pelo exposto, improcede a presente questão prévia, cumprindo, então, passar à análise das três questões acima enunciadas.


Nulidade do acórdão recorrido

Invoca a recorrente que a decisão recorrida é nula, nos termos do art. 615º n.º 1, al. b), do CPC de 2013, por falta total de fundamentação de facto e de direito que legitime juridicamente a decisão tomada.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi do art. 1º do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), este último aplicável por força do art. 61º, da LTAD, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”.

A nulidade prevista na al. b) do n.º 1 deste art. 615º relaciona-se directamente com estatuído no art. 46º, al. e), da LTAD, nos termos do qual a decisão final do colégio arbitral é reduzida a escrito e dela constam a fundamentação de facto e de direito, ou seja, os factos considerados provados e a aplicação da lei aos factos (cfr. art. 607º n.º 3, do CPC de 2013).

Como ensina Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.” (sublinhados nossos).

E como explica Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 48 e 49, “Como atrás vimos, as decisões judicias devem ser fundamentadas, face ao determinado no n.º 1 do art. 205.º da CRP e no art. 158.º (1).
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso.
Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n.° 3 do art. 659.° (2), e que suportam a decisão.
No que concerne aos fundamentos de direito, duas notas se impõe destacar: à uma, o julgador não tem que apreciar todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, se bem que não se encontre dispensado de resolver todas as questões por elas suscitadas; à outra, não é forçoso que o juiz indique as disposições legais em que baseia a sua decisão, bastando que mencione as regras e os princípios jurídicos que a apoiam.
Não é assim, neste âmbito, nula a sentença que se firme em fundamentos de direito não invocados pelas partes, em consonância com a possibilidade admitida na 1ª parte do art. 664.° (3), como também não o é a que, sem referir o disposto nos arts. 408.°, n.° 1, 879.°, alínea a), e 1317.°, alínea a), do CC, se limite a afirmar que a propriedade sobre determinada coisa se transfere por mero efeito do contrato de compra e venda.
A fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.” (sublinhados nossos).

É também entendimento pacífico da jurisprudência que a nulidade da sentença prevista na al. b) do n.º 1 do referido art. 615º só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação - de facto e de direito -, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre ou errada, ou seja, a sentença só será nula por falta de fundamentação se a parte vencida ficar sem perceber a razão pela qual a mesma lhe foi desfavorável, assim impossibilitando a sua impugnação em sede de recurso, e o tribunal de recurso ficar sem perceber as razões determinantes da decisão, ficando impossibilitado de as poder apreciar no julgamento do recurso - neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STA de 14.7.2008, proc. n.º 510/08, 3.12.2008, proc. n.º 540/08, 1.9.2010, proc. n.º 653/10, 7.12.2010, proc. n.º 1075/09, 2.3.2011, proc. n.º 881/10, 7.11.2012, proc. n.º 1109/12, 29.1.2014, proc. n.º 1182/12, e 12.3.2014, proc. n.º 1404/13.

Retomando o caso vertente verifica-se que no acórdão arbitral recorrido foram consignados como provados os factos 1. a 19., ou seja, não se verifica qualquer falta de fundamentação de facto.

Além disso, a sentença recorrida também contém fundamentação de direito, pois a mesma não é omissa quanto às razões - de direito - que conduziram à decisão proferida, concretamente sob a epígrafe “IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO” são invocadas diversas disposições legais (cfr. fls. 13 a 21, da mesma).

Poder-se-á alegar que esta fundamentação é incompleta ou errada, mas tal é insuficiente para se considerar que a decisão recorrida é nula nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013, pois a nulidade prevista neste normativo legal só ocorre, conforme supra explicitado, quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando esta é apenas deficiente, medíocre ou errada.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não enferma de falta absoluta de fundamentação, pois contém a motivação de facto e de direito – sem prejuízo de tal análise poder ser deficiente ou errada - que levou o julgador a proferir decisão de parcial procedência.

Aliás, tal conclusão é corroborada pelo facto de a recorrente ter percebido de forma cabal as razões em que assentou o acórdão recorrido, face ao erro de julgamento que, na respectiva alegação de recurso, imputa ao mesmo.

Nestes termos, tem de improceder a arguição de nulidade imputada ao acórdão arbitral recorrido estatuída na al. b) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.


Redução da pena de suspensão de 9 meses para 6 meses

No recurso interposto perante o TAD o ora recorrido invocou que não praticou a infracção disciplinar pela qual foi condenado pelo acórdão do Conselho de Disciplina de 4.11.2016 [prevista e punida pelo art. 131º n.º 3 (ofensas corporais), conjugado com o art. 25º n.ºs 1 e 5, al. g), ambos do Regulamento Disciplinar da FPF, na pena de 9 meses de suspensão e multa de 1,5 UC], alegando ainda que, mesmo que, assim, não se entendesse, a pena de 9 meses de suspensão aplicada sempre seria manifestamente exagerada e desproporcionada [pois foi uma situação ocorrida no “calor do jogo”, estava “com os nervos à flor da pelo”, não foi provocada qualquer consequência na pessoa do árbitro, reconheceu o erro e pediu desculpa à equipa de arbitragem pelo seu comportamento, tendo a sua conduta sido determinada por provocação por parte do árbitro assistente (circunstância atenuante prevista na al. e) do art. 42º, do Regulamento Disciplinar da FPF)].

No acórdão arbitral recorrido concluiu-se, em suma, que:
- o recorrido cometeu a infracção disciplinar de ofensas corporais, prevista e punida pelo art. 131º n.º 3, do Regulamento Disciplinar da FPF;
- era proporcional e adequada à conduta do recorrido a pena de suspensão pelo período de 6 meses, atendendo à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial e tendo em conta a inexistência de circunstâncias atenuantes.

Invoca a recorrente que a sanção de 9 meses de suspensão (a qual podia ir até 3 anos de suspensão) aplicada ao recorrido pelo acórdão do Conselho de Disciplina de 4.11.2016 está longe de ser desadequada e desproporcionada, encontrando-se dentro da margem de livre decisão da Administração, pelo que a análise do mérito desse acórdão encontra-se vedada aos tribunais.

Vejamos.

O acórdão do Conselho de Disciplina de 4.11.2016 condenou o recorrido pela prática da infracção de ofensas corporais, prevista e punida pelo art. 131º n.º 3, do Regulamento Disciplinar da FPF, designadamente na pena de 9 meses de suspensão [sendo certo que tal pena de suspensão tem como limite mínimo 1 mês e como limite máximo 3 anos], tendo o acórdão arbitral recorrido considerado desproporcionada tal pena, reduzindo-a para 6 meses.

O princípio da proporcionalidade encontra-se consagrado no art. 266º n.º 2, da CRP, no art. 53º, al. b), do DL 248-B/2008, de 31/12 (que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva), e no art. 9º, do Regulamento Disciplinar da FPF, constituindo um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar.

Ora, a medida concreta da pena aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 3.11.2004, proc. n.º 329/04 [em cujo sumario consta o seguinte: “I - A graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação. II - Nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu”; neste aresto escreveu-se o seguinte: “Como se disse, por exemplo, no Acórdão de 6-3-97 – Rec 41112, seguindo jurisprudência uniforme “os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infracções, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal actividade se insere na chamada actividade discricionária da Administração], 16.2.2006, proc. n.º 412/05 [no qual se escreveu designadamente o seguinte: “Em todo o caso, sempre anuiremos que a graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação (Ac. do STA, de 3/11/2004, Proc. nº 0329/04)./Contudo, nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu (Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo Administrativo anotado, pags. 1904/105; tb. cit. Ac. do STA de 3/11/2004).”], 29.3.2007 (Pleno), proc. nº 412/05, 7.9.2010, proc. n.º 1012/09, 23.9.2010, proc. n.º 58/10, 15.11.2012 (Pleno), proc. n.º 622/11 [“V - Os tribunais não podem sindicar a proporcionalidade da medida concreta da pena, salvo havendo erro grosseiro ou manifesto”], 20.11.2014, proc. n.º 475/14 [“V - Na fixação concreta da pena disciplinar, a Administração goza de prerrogativas de avaliação e de decisão só judicialmente sindicáveis em caso de erro manifesto.”], 12.3.2015, proc. n.º 245/14 [“I - Muito embora seja certo caber dentro dos poderes judiciais analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem a infracção disciplinar que a determinou já lhe escapa, salvo em casos de erro manifesto e grosseiro, a competência para apreciar se a medida concreta da pena foi bem doseada por esta ser uma tarefa da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários.”], 3.11.2016, proc. n.º 548/16, e 17.11.2016 (Pleno), proc. n.º 131/13.

Conforme esclarecem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotado, Volume I, 2006, págs. 121 a 126:
I. Vêm reguladas neste artigo 3.° do CPTA algumas das questões nucleares que o julgamento da Administração Pública pelos Tribunais, do Poder Administrativo pelo Poder Judicial, suscita em sede de separação e interdependência de poderes e funções do Estado.
(…)
O reflexo mais nítido dessa separação (e também dessa interdependência) da função judicial e da função administrativa está na distinção feita no n.° 1 entre aquilo que, sendo embora próprio desta última, é passível de apreciação e sanção judicial e aquilo que, constituindo reserva do poder administrativo, não pode ser judicialmente fiscalizado.
(…)
A insindicabilidade judicial do mérito das medidas e opções administrativas ou, se se preferir, a reserva de discricionariedade da Administração representa, assim, um dos limites funcionais da justiça administrativa (cf. Barbosa de Melo, Direito Administrativo, 11, p. 72) e, ao mesmo tempo, um dos corolários do princípio constitucional da separação de poderes, um domínio da responsabilidade exclusiva dos titulares da função administrativa e, por isso, um fundamento da autonomia do poder administrativo no contexto dos vários poderes do Estado.
II. A chave da distinção feita no art. 3.°/1 do CPTA - justamente porque não opõe legalidade a discricionariedade, mas juridicidade a mérito - não passa pela afirmação de que o uso de poderes discricionários se encontra fora do domínio do jurídico (out of law), de que a Administração estaria aí submetida apenas a regras de boa administração e que portanto as suas decisões discricionárias, não encontrando quaisquer parâmetros normativos de controlo, também não seriam passíveis, em absoluto, em quaisquer circunstâncias, de censura judicial. Não é nada disso, claro.
O poder discricionário é, com efeito, tanto como o poder vinculado, um poder jurídico. Basta ver que, além de pressupor uma concessão legislativa - uma norma de competência (em sentido estrito) - e de se encontrar sempre teleologicamente ordenado (por uma norma jurídica, também) à prossecução de um certo e determinado interesse, o exercício de poderes discricionários conhece limites jurídicos internos, que funcionam irremediavelmente como parâmetro da validade das respectivas decisões administrativas.
O que sucede é que - ao contrário do poder vinculado - a opção em que se manifesta ou concretiza o exercício desses poderes, tendo sido cometida pelo legislador à responsabilidade da Administração, só em certas circunstâncias pode ser judicialmente sindicável. Não porque se trate de um «resto» menosprezado pelos tribunais, não porque a complexidade (a «tecnicidade») da questão iniba totalmente o juiz, mas, repete-se, porque o legislador, intencionalmente, quis atribuir à Administração, em última instância, uma competência decisiva nessa matéria, confiante em que ela saberá fazer um uso correcto dos conhecimentos (administrativos, financeiros, técnicos, etc.) de que dispõe para escolher a decisão concreta que melhor realiza o interesse em vista do qual essa competência lhe foi atribuída.
Sendo que tudo o que nessa opção ou escolha só for confrontável com juízos de mérito, com regras de boa administração, com esta ou aquela arte ou técnica, escapa por natureza à função judicial, à iurisdictio - à qual compete (apenas) declarar e fixar o Direito para uma dada hipótese.
E portanto de duas, uma: ou há (invoca-se que há) vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a actuação da Administração no caso em apreço, e pede-se ao tribunal que averigue da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efectivos, ou não há vínculos desses e o Tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspectos em que as decisões concretas da Administração relevam de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma, os tribunais administrativos - não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável - ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas.
Um exemplo demonstra bem o cerne da distinção: se, num concurso de uma empreitada de obra pública, a proposta de realização da obra segundo o projecto de um concorrente é classificada tecnicamente, pelo júri, com 18 valores, e outra com 10 valores, não é dado ao concorrente que apresentou esta arguir, nem ao tribunal averiguar, que (se) a diferença entre ambas não é dessa monta, que é antes de 16 para 12 ou de 14 para 13, porque se trata de uma questão de conveniência ou mérito da respectiva opção administrativa, em suma, de um caso de discricionariedade técnica, de a Administração entender que com os materiais ou os processos construtivos da primeira proposta a obra ficará «a valer» tecnicamente 18 valores, e com os do outro concorrente só 10 - do mesmo modo que um aluno não pode arguir judicialmente com fundamento apenas num juízo diverso daquele que o seu examinador formulou (salvo em casos de erro grosseiro, claro) que a prova escrita de exame que prestou era merecedora de uma nota positiva, em vez daquela negativa que lhe foi atribuída.
(…) Do mesmo modo que não se pode reconhecer que uma prova de exame é certeira na maior parte e nas mais importantes das questões postas, sem padecer de erros graves, e atribuir-lhe uma nota negativa, porque aí também já são regras ou princípios jurídicos - como os da racionalidade ou da proporcionalidade - que são violados, e não meras opções técnicas (ou de mérito) tomadas pela Administração.
III. A judicial restraint decretada pelo legislador no art. 3.°/1 do CPTA, impondo ao tribunal que circunscreva os seus juízos à interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos, vale para todas as formas por que se revela a actividade administrativa, desde o acto administrativo até à mera operação material (ou acto jurídico), passando pelo contrato e também pela actividade de produção normativa da Administração Pública, em especial, pela chamada actividade de planeamento (e a sua célebre «cláusula de ponderação de interesses»). Em todos estas formas ou manifestações da actividade administrativa há ou pode haver momentos de discricionariedade (tudo depende do caso), para os quais valem, então, as determinações deste art. 3. °/1 do CPTA.
Por outro lado, a hetero-contenção judicial aí consagrada é, por nós, alheia ou indiferente às várias posições doutrinais sobre o conceito (e âmbito) da discricionariedade. Há, de facto, quem distinga discricionariedade em sentido próprio ou estrito, figuras afins ou próximas da discricionariedade, interpretação ou aplicação de conceitos jurídicos indeterminados ou de conceitos técnicos, e há também quem englobe todas as situações referidas num conceito amplo de discricionariedade.
Seja porém qual for o entendimento que se tenha sobre tão complicado problema, o que releva para efeitos da constrição judicial estabelecida neste preceito legal, e da distinção aí inscrita, é que (por interpretação da norma em causa) se possa descortinar uma intenção legislativa de reconhecer à Administração um campo próprio e autónomo de apreciação e valoração, típico e específico do exercício da função administrativa, confiado à responsabilidade e entregue aos juízos do agente administrativo. Acontecendo isso, o juiz deverá respeitar a lei, abstendo-se de (des)valorizar, ele próprio, a opção feita pela Administração.
(…)
IV. O juiz não pode opor às opções discricionárias da Administração os seus próprios juízos de oportunidade ou conveniência, do tipo «se fosse eu, não teria mandado construir a estrada ou a ponte naquele local, mas noutro, bem melhor do ponto de vista urbanístico, rodoviário ou ambiental», ou coisa similar.
Mas pode e deve opor-lhe os «seus» juízos jurídicos, o paradigma de juridicidade que haja elaborado a partir das regras e princípios aplicáveis ao caso, e anular as decisões administrativas discricionárias que se não conformem com ele.
O que acontecerá sempre que (mas apenas quando) seja desrespeitado um dos pressupostos ou limites jurídicos do tal poder discricionário, permitindo detectar ou assinalar um vício jurídico à opção em que ele se haja materializado.
É o caso, entre outros:
i) do abuso do poder discricionário, mais conhecido entre nós por desvio de poder (que tem lugar quando o motivo principalmente determinante da actuação administrativa não condiga com "le but de Ia loi");
ii) do chamado erro de facto (quando se dão como verificados factos ou circunstâncias que não ocorreram, pelo menos como descritos, e se assumem como fundamento da opção administrativa);
iii) do erro manifesto de apreciação, resultante de um muito deficiente juízo técnico ou de valor, abrangendo as situações de «atrofia do poder discricionário» ou de redução de discricionariedade a zero (ver Hartmut Maurer, Droit Administratif Allemand, 1994, p. 135 e s.);
iv) da violação (que, em princípio, deverá ser flagrante e ostensiva) dos princípios gerais da actividade administrativa, da justiça, imparcialidade, proporcionalidade, racionalidade, igualdade, razoabilidade e boa fé ;
(…)
Basta ver o que se passa com a entrada galopante do princípio da proporcionalidade no seio do Direito Administrativo (erigido em parâmetro da validade jurídica da actividade administrativa pelo art. 266.°/2 da CRP e pelo art. 5.°/2 do CPA), cujas proposições jurídicas acabam, em parte, por sobrepor-se ou equiparar-se a outras tipicamente administrativas, associadas ao mérito ou demérito da opção do agente administrativo.
Assim, para averiguar se uma conduta da Administração é (des)proporcionada, o tribunal tem que ajuizar, sucessivamente, se a opção da Administração serve objectivamente, na prática, para realizar o interesse público em causa - portanto, se é adequada, conveniente e oportuna -, se, servindo, ela é necessária para o efeito (ou se havia outras opções menos drásticas, mas igualmente eficientes para realizar o interesse público em causa) e, em terceiro lugar, se as vantagens para o interesse público da medida escolhida são proporcionais à «carga coactiva» (Gomes Canotilho) que a mesma representa - ou, numa outra perspectiva, raramente lembrada, se «carga» dessa medida para o interesse público é proporcionada à utilidade social ou individual da mesma. E se, no termo disso, o tribunal chegar à conclusão que não se verifica qualquer uma das referidas premissas anula o acto administrativo em causa por violação do princípio da proporcionalidade.
Não é pouco, como se vê, o que sobre o «mérito» da actividade administrativa vai envolvido no juízo do tribunal a tal propósito.
Justamente por isso, para evitar que o teste da proporcionalidade acabe por transformar-se numa espécie de «cavalo de Tróia», por onde os tribunais facilmente invadiriam a «cidade» do mérito da Administração, há-de exigir-se que a violação desse princípio (e doutros, afins) só constitua fundamento jurídico da invalidação dos actos administrativos, em geral, quando seja concretamente ostensiva ou manifesta (…).” (sublinhados nossos).

E como ainda a este propósito explicitam Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2016, 4ª Edição:
- A págs. 126 e 127, “Do ponto de vista teórico, há dois princípios jurídicos fundamentais que se contrapõem no sentido de reconhecer uma menor ou maior extensão ao poder discricionário da Administração: o princípio do Estado de Direito e o princípio da separação de poderes.
(…)
De acordo com o princípio da separação de poderes a ideia é precisamente a oposta: proclama-se uma maior autonomia e uma responsabilidade própria da Administração (não se pode pretender que ela seja o que nunca foi: totalmente executiva), uma vez que o poder administrativo tem legitimidade e autonomia próprias em face dos outros dois tradicionais poderes do Estado: o legislativo e o judicial.
Realça-se, assim, a necessidade de reconhecer a legitimidade da Administração em face do poder legislativo: este exprime os seus comandos através de regras gerais e abstratas, ao passo que a Administração está em contacto com os casos concretos, devendo ser-lhe reservada a aplicação das finalidades gerais aos casos concretos.
Relativamente ao poder judicial, sublinha-se a necessidade de evitar uma “dupla Administração” que existiria se o juiz estivesse sempre em condições de anular as escolhas administrativas, substituindo pelos seus próprios critérios aqueles que foram utilizados pela Administração. Neste sentido, entende-se que a Administração é também responsável pela realização da ideia de Direito, pela realização e concretização deste.
A Administração tem perante a Constituição uma dignidade igual à do poder legislativo e à do poder judicial. Da mesma forma que ela não pode assumir um poder constitucionalmente atribuído aos outros poderes estaduais, estes também não podem intervir na esfera reservada à Administração.
O princípio da separação dos poderes acaba por ser o grande fundamento do poder discricionário: a Administração é responsável pela prossecução do interesse público, devendo fazer as escolhas e tomar as decisões nesse sentido, estando o juiz responsabilizado pelo controlo (atenuado, como veremos) da juridicidade dessas decisões.
Na linha deste raciocínio é comum sublinhar-se a legitimidade democrática dos órgãos administrativos (muito mais marcada do que aquela de que gozam os tribunais), a capacidade técnica desses mesmos órgãos, fundamental para tomar decisões com fortes componentes técnicas e ainda a irrepetibilidade das decisões administrativas, a responsabilidade pelas suas opções e a maior proximidade da Administração à realidade dos factos” (sublinhados nossos);
- A pág. 137, “a) A posição que defendemos (na linha da conceção preconizada entre nós por Rogério Soares) é a de um conceito unitário e amplo de discricionariedade como um espaço de decisão da responsabilidade da Administração, decorrente de uma indeterminação legal, o que abrange não apenas as situações de indeterminação estrutural mas também as de indeterminação conceitual, englobando quer as faculdades (diretas) de ação (que decorrem de normas autorizativas e de normas de decisão alternativa) quer os espaços de apreciação na aplicação de conceitos indeterminados - quer estes se encontrem na hipótese (discricionariedade de apreciação) quer na estatuição da norma (discricionariedade de decisão) -, quer ainda as prerrogativas de avaliação (juízos sobre aptidões pessoais ou avaliações técnicas especializadas, decisões com elementos de prognose, ponderação de interesses complexos e decisões com consequências políticas).” (sublinhados nossos);
- E a págs. 140 a 142, “a) Se é clara a juricidade do poder discricionário, importa contudo perguntar pela sua justiciabilidade, isto é, pela suscetibilidade do seu controlo jurisdicional. Ora, não há dúvida de que, ao contrário do que defendem algumas teorias, o exercício de poderes discricionários é suscetível de fiscalização pelo juiz. A questão está em saber até onde podem ir os tribunais administrativos quando estão em causa os poderes discricionários da Administração.
É frequente falar-se de duas formas de controlo a exercer pelos tribunais.
No contexto de um controlo externo, tendo em conta que nenhum ato é absolutamente discricionário, contendo sempre alguns aspetos vinculados, será sempre possível controlá-lo no que toca aos fins e competências estipulados na forma legal. O controlo desses momentos vinculados da atuação administrativa quando está em causa a prática de um ato discricionário não tem contornos especiais relativamente aos atos vinculados. Assim, se o órgão que atuou não era competente ou não dispunha de legitimação para agir, o tribunal administrativo anulará o ato praticado, por vício de incompetência, exactamente nos mesmos termos em que o anularia se o órgão estivesse a agir ao abrigo de poderes vinculados. Também se se demonstrar que a Administração se serviu dos poderes discricionários para prosseguir interesses (públicos ou privados) diferentes daqueles que a lei tinha em vista ao conceder-lhe tal competência discricionária, o tribunal anulará o ato praticado por desvio de poder subjetivo. (…)
Já no que concerne ao chamado controlo intrínseco, onde se coloca à prova o próprio uso dos poderes discricionários, a dificuldade é maior. Naturalmente que o parâmetro de controlo não pode agora ser a lei, pois ela é aqui, como já dissemos, deliberadamente lacunosa. O critério de controlo é mais vago e ao mesmo tempo mais abrangente, sendo constituído pelos princípios jurídicos que, como dissemos, devem nortear a Administração ao decidir com base em poderes discricionários, sendo necessário analisar todo o processo que antecede os atos administrativos, bem como a fundamentação que os justifica. Todavia, só a violação ostensiva ou intolerável destes princípios (desvio de poder objetivo) poderá basear a anulação jurisdicional dos atos praticados ao abrigo de poderes discricionários, sob pena de os tribunais administrativos praticarem uma “dupla administração” ao pronunciarem-se sobre o mérito das decisões administrativas. A intolerabilidade da violação de tais princípios variará na medida da densidade do princípio em causa e dos circunstancialismos concretos em presença.
Deve, em todo o caso, relembrar-se que grande parte dos “princípios gerais de direito administrativo” tem hoje expressa consagração constitucional (artigo 266º, nº 2) e/ou legal (artigos 3º a 19º do CPA), o que facilita a tarefa do julgador.
Para além disso, os atos praticados ao abrigo de poderes discricionários podem ser anulados com base em erro de facto, se a Administração baseou a sua decisão em factos inexistentes ou falseados, ou em erro manifesto de apreciação, quando se toma evidente que a Administração avaliou ou qualificou mal a realidade (está aqui em causa um “juízo valorativo”), embora se tenha baseado em factos verdadeiros, correspondentes à realidade. Não compete aos tribunais substituírem-se à Administração na avaliação da situação, mas compete-lhes anular o ato quando verificarem que a avaliação feita pela Administração é manifestamente desacertada e inaceitável, quando o erro é ostensivo e notório, percetível a uma pessoa sem os conhecimentos da Administração, O campo de eleição para o erro manifesto de apreciação é o do preenchimento de conceitos indeterminados típicos.
O exercício de poderes discricionários por parte da Administração é, pois, suscetível de fiscalização por parte do juiz, mas não de reexame: a maior flexibilidade dos parâmetros usados leva a que se caracterize o controlo judicial dos atos administrativos discricionários como um controlo atenuado. Pode-se, portanto, dizer que os poderes discricionários da Administração implicam uma repartição de competências entre a mesma e os tribunais. Assim, se à Administração cabe a adoção da solução mais adequada a um dado caso concreto, recaindo sobre si a responsabilidade de prosseguir o interesse público, aos tribunais caberá a fiscalização da atuação administrativa, tendo em conta os vários limites que lhe são impostos, mas abstendo-se de se pronunciar sobre a conveniência dessa atuação.
(…)
b) Não se pode, contudo, confundir juridicidade com justiciabilidade: o mundo jurídico é sempre mais vasto do que o justiciável. Toda a actividade administrativa está sujeita ao princípio da juridicidade mas nem toda ela é justiciável: não existe por isso, como vimos, um controlo total da atividade administrativa pelos tribunais.” (sublinhados e sombreados nossos).

Ora, no caso em apreciação não se pode considerar que a aplicação da pena de suspensão de 9 meses consubstancia-se numa violação ostensiva do princípio da proporcionalidade, pelas razões a seguir enunciadas.

Como acertadamente se escreveu no acórdão arbitral recorrido:
2. Determinação da pena.
a) da medida abstrata da pena
A moldura abstrata das penas para a infracção disciplinar pela qual foi o Demandante condenado é a (…) de suspensão de 1 mês a 3 anos (…).
b) da medida concreta da pena
A medida concreta da pena determina-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção (cfr. art. 40º do RDFPF, bem como do art. 71º do Código Penal ex vi art. 12º, nº 1 do RDFPF)(…).
Quanto à graduação concreta da pena há que respeitar os critérios fornecidos pelos art. 40º do RDFPF e art. 71º, nº 2 do Código Penal, ou seja, atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele". O legislador concretiza tal critério, exemplificativamente, nas diversas alíneas daqueles preceitos, sendo que a exigência de as circunstâncias referidas, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes) não integrarem o tipo legal de infracção disciplinar decorre do facto de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, salvaguardando, dessa forma, o princípio “ne bis in idem”.
Deste modo, é pela moldura da culpa - que a pena não pode ultrapassar - que se vai determinar o limite superior da pena (cfr. art. 40º nº 1 do RDFPF e art. 40º, nº 2 do Código Penal), concretizando-se, dessa forma, o princípio geral e fundamental de que o direito sancionatório - nele se incluindo o disciplinar - é estruturado com base na culpa do agente, atendendo, aliás, à defesa da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrada (cfr. arts. 1º, 13º, nº 1 e 25º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa). Por sua vez, as exigências de prevenção geral impõem uma "sub-moldura" que terá igualmente nos limites da culpa a sua delimitação, tratando-se de determinar qual a pena necessária para assegurar, também aos olhos da sociedade, o respeito pelos valores violados, pelo que a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites da prevenção geral. Finalmente, será dentro da moldura da prevenção geral que se fixará a pena a aplicar, considerando as necessidades de prevenção especial, isto é, atendendo, no domínio disciplinar, às exigências que se impõem no sentido de evitar a repetição do comportamento que haja sido praticado pelo infractor, neste caso, o jogador Demandante. A realização da finalidade de prevenção geral, que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, relaciona-se com a prevenção especial por forma que seja esta finalidade a fixar, em último termo, a medida final da pena [3 Anabela RodriguesA determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena: anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Março de 1990 (3.ª secção - Processo n.º 40639)”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Lisboa, Ano I, n.º 2 (Abril-Junho 1991), pag. 243-258; Figueiredo Dias inDireito Penal Português Parte Geral, Tomo II - As Consequências Jurídicas do Crime”, reimpressão 2009, Coimbra Editora, pág. 243.].
(…)”.

Ora, tendo em conta que:
- a culpa do recorrido é elevada, pois o mesmo actuou com dolo directo e sendo certo que não se provou qualquer atitude persecutória do árbitro assistente n.º 1 para com o mesmo;
- as exigências de prevenção geral assumem algum relevo, dado que, embora a agressão não tenha provocado marca na cara do árbitro assistente n.º 1, a verdade é que o comportamento é grave tendo em conta os graves efeitos que a infracção pode potenciar, nomeadamente a colocação em causa da autoridade do árbitro e árbitros assistentes - base essencial do desporto de competição - e a violência entre os demais participantes no fenómeno desportivo;
- as exigências de prevenção especial não são despiciendas, visto que, por um lado, o pedido de desculpas à equipa de arbitragem foi acompanhado da negação da prática da agressão – ou seja, tal pedido de desculpas é de nula ou, pelo menos, diminuta relevância, pois o recorrido não pediu desculpas pela agressão -, e, por outro lado, o recorrido é um jogador impulsivo, com antecedentes disciplinares por agressão a jogador,
não se pode considerar que a pena concretamente aplicada (9 meses de suspensão) – que corresponde a 1/4 do limite máximo (3 anos) – se consubstancia numa violação intolerável do princípio da proporcionalidade.

Assim sendo, deverá o acórdão arbitral ser revogado no segmento em que considerou desproporcionada a pena de 9 meses de suspensão e a reduziu para 6 meses, pois a verdade é que o mesmo não demonstra nem aponta qualquer erro grosseiro ou manifesto em que tivesse incorrido o Conselho de Disciplina da FPF, ao fixar tal pena de suspensão, ou seja, limita-se a contrapor o seu próprio entendimento ao que foi seguido por tal órgão da FPF, quanto à adequação da pena a aplicar.


Isenção de custas

Argumentou ainda a recorrente que o acórdão arbitral recorrido enferma de erro ao rejeitar o pedido de isenção de custas que apresentou, salientando que beneficia da isenção de custas prevista no art. 4º n.º 1, als. f) e g), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ex vi art. 80º, al. b), da LTAD [que prevê no âmbito da arbitragem necessária a aplicação subsidiária do Regulamento das Custas Processuais]. Além disso, na contra-alegação de recurso alegou beneficiar neste TCA Sul da isenção de custas prevista no art. 4º n.º 1, als. f) e g), do RCP.

Apreciando.

O DL 34/2008, de 26/2, o qual entrou em vigor em 20.4.2009 (cfr. o respectivo art. 26º n.º 1, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), revogou, através do seu art. 25º n.º 1, “as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas”, e aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP) – cfr. o respectivo art. 1º.

Dispõe o art. 4º, do RCP, o seguinte:
1 – Estão isentos de custas:
(…)
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
g) As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias;
(…)” (sublinhados nossos).

A isenção de custas prevista na al. g) do n.º 1 deste art. 4º, respeita às pessoas colectivas públicas, que não é o caso da ora recorrente, a qual é uma pessoa colectiva de direito privado – cfr. art. 1º n.º 1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é uma pessoa coletiva “ constituída sob a forma de associação de direito privado”].

Quanto à isenção de custas prevista na al. f) do n.º 1 do referido art. 4º, a mesma depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
b) que actue no processo judicial exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

Quanto ao requisito supra enunciado sob a alínea a), o mesmo encontra-se preenchido, face ao teor do art. 1º n.º 1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é “uma pessoa colectiva sem fins lucrativos”].

Relativamente ao requisito acima enumerado sob a alínea b), e como esclarece Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5ª Edição, págs. 159 e 160:
Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
É subjectiva, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de aquelas entidades atuarem nos processos judiciais, do lado activo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses comunitários que lhe estão especialmente conferidos.
Dada a sua estrutura e fins, essas associações e fundações beneficiam da isenção de custas a que se reporta este normativo nas acções relativas à defesa e promoção dos seus interesses específicos, naturalmente sob a envolvência do interesse público.
É uma isenção de custas restrita, na medida em que funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, reponderando, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as ações que não tenham por fim direto a defesa de interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos.” (sublinhados e sombreados nossos).

A FPF, ora recorrente, de acordo com o prescrito no art. 2º n.º 1, dos respectivos Estatutos, tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.

Ora, a recorrente, no TAD (e também neste TCA Sul), não litiga em defesa directa das atribuições enunciadas no parágrafo anterior, pois está em juízo em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, estando em causa saber se tal acórdão é ou não válido e intervindo a ora recorrente no TAD (e também neste TCA Sul) com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.ºs 1 e 9, do CPTA (no âmbito do TAD aplicável por força do art. 61º, da LTAD), ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão de 4.11.2016.

Dito por outras palavras, a ora recorrente contestou o recurso interposto perante o TAD (bem como interpôs o presente recurso jurisdicional) não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, invocando que o mesmo não padece de qualquer vício.

Conclui-se, assim, que a actuação da ora recorrente também não se encontra contida na isenção prevista no art. 4º n.º 1, al. f), do RCP.

Finalmente alega a recorrente que a negação de tal isenção perante o TAD viola designadamente os arts. 13º, 20º n.ºs l e 2 e 268º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a sua situação face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória, mas sem razão, dado que, antes da existência da arbitragem necessária, a recorrente era demandada nos tribunais administrativos de 1ª instância onde não beneficiava de isenção de custas ao abrigo do art. 4º n.ºs 1, als. f) e g), do RCP, conforme supra explicitado.

Do exposto resulta que o TAD bem andou ao indeferir o pedido de isenção de custas formulado pela ora recorrente, pelo que nesta parte tem de improceder o presente recurso jurisdicional.
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A recorrente e o recorrido deverão suportar as custas na proporção do respectivo decaimento, ou seja, de 1/10 e 9/10, respectivamente, nesta instância recursiva e perante o TAD (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, e art. 80º, al. a), da LTAD).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Conceder parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar o acórdão arbitral recorrido no segmento em que reduziu a pena disciplinar de suspensão de 9 para 6 meses e, em consequência, julgar improcedente o recurso interposto por Dyego Wilverson Ferreira Sousa perante o TAD, na parte em que solicitou o reconhecimento da desproporcionalidade da pena de suspensão que lhe foi aplicada pelo acórdão do Conselho de Disciplina de 4.11.2016.
II – Condenar a recorrente e o recorrido nas custas na proporção de 1/10 e 9/10, respectivamente, nesta instância recursiva e no TAD.
III – a) Registe e notifique.
b) Após trânsito comunique a presente decisão ao TAD.
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Lisboa, 1 de Junho de 2017




(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)



(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)



(Carlos Araújo – 2º adjunto)

(1) Actual art. 154º, do CPC de 2013.
(2) Actual n.º 4 do art. 607º, do CPC de 2013.
(3) Actual n.º 3 do art. 5º, do CPC de 2013.