Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:416/07.1BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA VS ILEGITIMIDADE PROCESSUAL;
QUESTÃO NOVA.
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia [prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC e, bem assim, no artigo 125º do CPPT], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar.

II - A ilegitimidade a que se refere a alínea b) do nº1 do artigo 204º do CPPT e, portanto, fundamento de oposição, corresponde ao que se designa por ilegitimidade substantiva e visa aferir do acerto da imputação que foi efectuada de uma dívida tributária a uma determinada pessoa.

III - Esta (i)legitimidade – substantiva – não se confunde a (i)legitimidade processual, enquanto pressuposto processual relativo às partes, correspondente a uma excepção dilatória do conhecimento oficioso – cfr. artigo 577º e 578º do CPC.

IV - Nos recursos ordinários permite-se ao Tribunal ad quem que reaprecie a decisão proferida pelo Tribunal a quo, reapreciação esta que não pode deixar de ser levada a cabo dentro do mesmo circunstancialismo em que se moveu o tribunal recorrido quando proferiu a sentença recorrida, não podendo o Tribunal de recurso ser convocado a pronunciar-se sobre questões que não foram alegadas na 1ª instância, sem prejuízo de matéria do conhecimento oficioso.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

E......., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou parcialmente procedente a oposição por si deduzida relativamente ao processo de execução fiscal nº 3….. e aps, instaurado pelo Serviço de Finanças de Almada 3, contra a devedora originária E.... – R .......Lda., e contra si revertido, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

I. A Sentença recorrida julgou «a presente oposição parcialmente procedente, declarando extinta por prescrição a dívida exequenda relativa a IVA dos anos de 1995 e 1996 e a IRC do ano de 1996 e a execução fiscal contra a oponente nessa parte.».

II. Verifica-se, porém, que na oposição à execução oportunamente apresentada, invocou o Recorrente (i) a prescrição das dívidas de IVA referentes a 1995 e 1996 e IRC referente a 1996, (ii) a preterição de formalidade legal consubstanciada na ausência de qualquer resposta ao direito de audição por si oportunamente exercido, e (iii) a falta de legitimidade para a reversão de todos os impostos cujo facto tributário ou data limite de pagamento tenha ocorrido após a nomeação de liquidatário judicial no processo de insolvência da devedora originária - 05/04/1999.

III. Atenta a factualidade em causa nos presentes autos e os preceitos jurídicos aplicáveis, afigura-se, assim, que a Sentença recorrida não pode manter-se.

IV. Na verdade, quer a Autoridade Tributária e Aduaneira, quer o Tribunal recorrido, concordam que ao Recorrente não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelas dívidas fiscais contraídas após 05/04/1999, na medida em que nesta data foi nomeado o liquidatário judicial da sociedade devedora originária, no âmbito do respectivo processo de insolvência.

V. Não obstante, verifica-se que a citação do Recorrente para o presente processo inclui dívidas cujo facto tributário ou data limite de pagamento ocorreu após 05/04/1999.

VI. Apesar de devidamente alegado e reconhecido pela Sentença recorrida, verifica-se que a mesma é absolutamente omissa e não retira quaisquer conclusões da falta de legitimidade do Recorrente após a data em que foi nomeado o liquidatário judicial da sociedade devedora originária 05/04/1999.

VII. Quando é certo que a ilegitimidade é de conhecimento oficioso (Cfr. art. 578.º CPC, ex vi art. 2.º, al. e), do C.P.P.T.

VIII. Nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, «constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer» - sublinhado nosso.

IX. Há, como tal, uma omissão de pronúncia, geradora de nulidade da Sentença, nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT.

X. É evidente que a partir de 05/04/1999 o Recorrente deixou de ser responsável pelo destino da devedora originária, cuja administração passou para a responsabilidade do liquidatário judicial nomeado no respectivo processo de insolvência, de onde resulta que, por força do disposto no art. 24.º da LGT, não pode ser considerado como responsável subsidiário pelo pagamento de quaisquer dívidas cujo facto tributário ou data limite de pagamento tenha ocorrido após 05/04/1999.

XI. Aliás, não só o Recorrente é, nessa medida, parte ilegítima na execução, como o acto praticado extravasa e é contrário à sua própria fundamentação, já que o despacho de reversão refere expressamente que o Recorrente não pode ser responsabilizado pelo pagamento de quaisquer dívidas da devedora originária após 05/04/1999.

XII. Verifica-se, assim, que a Sentença recorrida deveria ter-se pronunciado quanto à falta de legitimidade do Recorrente quanto a todas as dívidas da devedora originária cujo facto tributário ou data limite de pagamento tenha ocorrido após 05/04/1999.

XIII. Não o tendo feito, a Sentença recorrida é, nessa medida, anulável e deve ser revogada, sempre se requerendo que, caso assim não se entendesse, sempre deverá ser reconhecida a ilegitimidade do Recorrente relativamente a todas as dívidas da devedora originária cujo facto tributário ou data limite de pagamento tenha ocorrido após 05/04/1999.

XIV. Sem prescindir do exposto, em 04.10.2006, o aqui Recorrente, notificado para o efeito, pronunciou-se em sede de audição prévia, invocando a prescrição das dívidas dos impostos do ano de 1995 e de Janeiro de 1996, e sustentando não ser responsável subsidiário relativamente às restantes dívidas exequendas, dado que foi decretada a falência da devedora principal.

XV. A Autoridade Tributária e Aduaneira não deu devida resposta ao direito de audição exercido pelo Oponente, verificando-se, pelo contrário, que se pronunciou exclusivamente, e de forma conclusiva, sobre a questão da prescrição, referindo apenas que «as dívidas fiscais no período tributário de 1995 e 1996 não se encontram prescritas»

XVI. A própria fundamentação da Sentença determina que deveria ter sido reconhecida a existência de preterição de formalidade legal que determina a nulidade da citação do Recorrente para o processo de execução em causa, na medida em que não só considera que o Oponente suscitou questões novas em sede de direito de audição - merecedoras da competente resposta -, como também que a citação inclui valores relativos a processos de cujas dívidas fiscais o Recorrente não é responsável em consequência da declaração de insolvência da devedora originária, sem que daí retire as necessárias consequências.

XVII. Entende a Sentença recorrida, contudo, que aquela afirmação é suficiente em resposta ao direito de audição, na medida em que «foi proferido a seguir a uma informação vertida nos autos que lhe serve de suporte».

XVIII. Sucede, porém, que o Recorrente nunca foi notificado dessa informação que serve de suporte ao despacho de reversão.

XIX. Ora, o art. 125.º, n.º 1, do CPA, apenas permite que a fundamentação do acto administrativo possa consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta (fundamentação per relationem), desde que estes, nesse caso, façam parte integrante do respectivo acto, devendo, por isso, ser notificados aos interessados.

XX. A falta de resposta fundamentada à prescrição invocada pelo Recorrente em sede de direito de audição constitui preterição de formalidade legal susceptível de determinar a anulação do acto da mesma dependente - a citação do Recorrente - por violação dos princípios da participação e do contraditório, previstos nos arts. 60.º da LGT e 45.º do CPPT, respectivamente.

XXI. Uma mera resposta conclusiva a se assiste ou não razão ao contribuinte afigura-se manifestamente violadora dos princípios da participação e do contraditório, previstos nos arts. 60.º da LGT e 45.º do CPPT, respectivamente.

XXII. De igual modo, a fundamentação apenas é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber­ se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o seu autor decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

XXIII. Ora, é evidente que o despacho de reversão em crise não se encontra suficientemente fundamentado, já que a própria Sentença recorrida apenas conseguiu aperceber-se do itinerário cognoscitivo da Autoridade Tributária e Aduaneira com o recurso a informações adicionais posteriormente fornecidas.

XXIV. Sendo certo que «Não cabe ao Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração Fiscal na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem, em abstracto, justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação.».

XXV. Consequentemente, o despacho de reversão é ilegal, por violação do dever de fundamentação, conforme se preceitua nos artºs.268.º, nº. 3, da C.R. Portuguesa, e 23.º, nº. 4, e 77.º, da L.G.T., devendo, em consequência, ser anulado, nos termos do disposto nos artºs.125.º, nº. 2, e 135.º, do C.P.A.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, A SENTENÇA ORA RECORRIDA DEVERÁ SER ANULADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTES, ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!


*


A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

*


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

*


2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

“1. Em 09.09.1996, foi instaurada a execução fiscal nº 3…..-96/…..6, para cobrança da quantia de 974.951$00, relativa a IVA e juros compensatórios do ano de 1995, figurando como devedora a sociedade E….. – R…., Lda. (cfr. processo de execução fiscal apenso);

2. Posteriormente foram apensos os processos a seguir discriminados, passando a quantia exequenda para o montante global de € 162.162,91 euros:

- proc. nº 3….., instaurado em 11/ 11/2003, para cobrança da quantia de € 1.884,46 euros, referente a IRC do ano de 1996;

- proc. nº 3……., instaurado em 07/02/2004, para cobrança da quantia de € 2.992,80 euros, referente a IVA do ano de 2001;

- proc. nº 3……., instaurado em 11/11/2003, para cobrança da quantia de € 5.736,19 euros, referente a IVA do ano de 1999 e 2000;

- proc. nº 3….., instaurado em 28/06/2004, para cobrança da quantia de € 5.323,00 euros, referente a coimas e custas do ano de 2004;

- proc. nº 3….., instaurado em 27/02/2005, para cobrança da quantia de € 1.643,69 euros, referente a IRC do ano de 2000;

- proc. nº 3……, instaurado em 14/11/2000, para cobrança da quantia de € 2.992.79 euros, relativa ao IVA do ano de 1998;

- procº. nº 3….., para cobrança da quantia de € 58.082,60 euros, relativa ao IVA dos anos de 1996 e 1997;

- proc. nº 3….-98/…...2, instaurado em 06/02/98, para cobrança da quantia de 163.967$00, relativa a IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 1996.

- proc. nº 3…..-96/…….7, instaurado em 24/10/1996, para cobrança da quantia de € 14.574.981$00, relativa a IVA do ano de 1995;

- proc. nº 3…..-96/…..0, instaurado em 19/11/96, para cobrança da quantia de 444.910$00, relativa ao IVA e juros compensatórios do ano de 1996.

- proc. nº 3…..-96/1…...0, instaurado em 12/11/96, para cobrança da quantia de 244.078$00 relativa a IVA e juros compensatórios do ano de 1996;

- proc nº 3……, instaurado em 22/02/2006, para cobrança da quantia de 1.643,69 euros, relativa a IRC do ano de 2001;

- proc. nº 3……., instaurado em 28/04/2006, para cobrança da quantia de 1.518,24 euros, relativa a IRC do ano de 2002;

- proc. nº 3……., instaurado em 11/08/2006, para cobrança da quantia de 740,40 euros, relativa a coimas do ano de 2006. (cfr. processo de execução fiscal apenso);

3. Em 04.10.2006, o aqui oponente, "tendo sido notificado do despacho que determinou a preparação do processo para efeitos de reversão fiscal (.. .) na qualidade de responsável subsidiário”, pronunciou-se em sede de audição prévia, invocando a prescrição das dívidas dos impostos do ano de 1995 e de Janeiro de 1996, e sustentando não ser responsável subsidiário relativamente às restantes dívidas exequendas, dado que foi decretada a falência da devedora principal, tendo concluído não ser responsável "senão pela totalidade, pelo menos pela grande maioria das obrigações tributárias" que constituem a dívida exequenda (cfr. fls. 6 a 9 do processo de execução fiscal apenso);

4. Por despacho do órgão de execução fiscal, datado de 17/ 10/2006, foi a execução fiscal revertida contra o aqui oponente, com a seguinte fundamentação: " De acordo com os elementos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, verifica-se que: - As dívidas fiscais no período tributário de 1995 e 1996 não se encontram prescritas.- As dívidas fiscais contraídas após 1999.04.05 não são da responsabilidade do contribuinte supra identificado. Assim determino a RE ERSAO nos termos do art. 160 do CPPT e 23º nº 4, da L.G.T. das dívidas constantes nos presente s autos contra E......., NIF 1……, quanto aos anos de 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999." (cfr. fls. 23 do apenso);

5. O despacho em causa foi precedido de informação que refere o seguinte: "(...) - De acordo com os termos do nº 2 do artº 264 º do CPT, actualmente artº 180º do CPPT, os processos de execução fiscal avocados a tribunal serão sustados até que finde o processo de falência. - Os processos executivos foram avocados a Tribunal em 1999.06.08. - O arquivamento do processo de falência ocorreu em 2004.03.18. - Os processos executivos, ao abrigo da legislação acima citada, estiveram sustidos de Junho de 1999 a Março de 2004. Não se encontrando, portanto, prescritos os anos de 1995 e 1996. 2 - Em 1999.04.05 foi nomeado liquidatário judicial o Sr. Dr. J……, não tendo o contribuinte acima citado, qualquer participação na liquidação judicial da sociedade. - Não se imputando ao contribuinte responsabilidade sobre as dívidas fiscais, e consequentes processos executivos, contraídas após aquela data." (cfr. fls. 23 do processo apenso);

6. Aduziu-se ainda como fundamento da reversão: " - A declaração de falência da executada. - Não são conhecidos bens penhoráveis à firma. - O revertido era administrador da firma executada à altura dos factos.'' (cfr. fls. 24 do apenso);

7. O oponente foi citado para os termos da execução fiscal em 17/01/2007 (cfr. fls. 24 a 27 do processo apenso).

8. Por sentença do Tribunal de Recuperação da empresa e de Falência de Lisboa, datada de 05.05.1999, foi declarada a falência da sociedade E…. – R…., Lda. (cfr. fls. 16-21 dos autos).


*


A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes”.

*


2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões, temos que as questões que constituem objecto do presente recurso são as seguintes:

1) Saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não conheceu da invocada ilegitimidade do executado relativamente a todas as dívidas da devedora originária cujo facto tributário ou data limite do pagamento tenha ocorrido após 05/04/99;

2) Reconhecendo-se tal nulidade, deve o Tribunal concluir que não pode ser imputada qualquer responsabilidade ao revertido por dívidas contraídas após 05/04/99, na medida em que nesta foi nomeado o liquidatário judicial da devedora originária;

3) Saber se a sentença recorrida errou ao não julgar verificada a preterição de formalidade legal, concretamente por violação dos princípios da participação e do contraditório, previstos nos artigos 60º da LGT e 45º do CPPT;

4) Saber se a sentença errou ao não concluir pela falta de fundamentação do despacho de reversão.

Vejamos, então, lembrando que, como a sentença evidenciou, na reversão estavam em causa dívidas dos anos de 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999. Lembremos, ainda, que o TAF de Almada concluiu pela prescrição das dívidas de 1995 e 1996, com a consequente extinção da execução fiscal, na parte correspondente, julgando a oposição improcedente quanto ao mais.

Avancemos, começando pela alegada omissão de pronúncia – questão 1).

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC e, bem assim, no artigo 125º do CPPT], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, no caso em apreciação, defende o Recorrente que a omissão de pronúncia reside na circunstância de o Tribunal não ter tomado conhecimento da invocada ilegitimidade do executado relativamente a todas as dívidas da devedora originária cujo facto tributário ou data limite do pagamento tenha ocorrido após 05/04/99.

Sem hesitações, diremos que nenhuma razão assiste ao Recorrente, já que tal questão jamais foi invocada na petição inicial.

Com efeito, se lermos os 18 parágrafos que compõem a petição, constatamos facilmente que, tal como a sentença autonomizou, foram dois os fundamentos de oposição: por um lado, a (i) prescrição das dívidas de 1995 e 1996 e, por outro lado, a (ii) violação do direito de audição prévia à reversão, por terem sido ignorados os argumentos avançados pelo revertido naquela fase, pondo-se em causa a observância dos princípios da participação e do contraditório.

Portanto, à falta de invocação de tal questão – leia-se, ilegitimidade substantiva, por o executado não poder ser revertido a título subsidiário – não recaía sobre o Tribunal a quo o dever de sobre ela conhecer.

E nem se diga, como ensaia o Recorrente (cfr. conclusão VII), que o Tribunal não poderia deixar de conhecer de tal questão já que a “ilegitimidade é de conhecimento oficioso (Cfr. art. 578.º CPC, ex vi art. 2.º, al. e), do C.P.P.T”.

Como é claro, a ilegitimidade a que se refere a alínea b) do nº1 do artigo 204º do CPPT e, portanto, fundamento de oposição, corresponde ao que se designa por ilegitimidade substantiva e visa, claro está, aferir do acerto da imputação que foi efectuada de uma dívida tributária a uma determinada pessoa.

No caso, quando o Recorrente pretende ver apreciada a sua ilegitimidade “relativamente a todas as dívidas da devedora originária cujo facto tributário ou data limite do pagamento tenha ocorrido após 05/04/99”, porquanto a administração da devedora originária “passou para a responsabilidade do liquidatário judicial nomeado no respectivo processo de falência”, o que pretende discutir é a sua legitimidade substantiva, com âmbito atrás esclarecido, ou seja, algo do domínio do mérito da causa, que contende com a relação material controvertida.

Esta (i)legitimidade – substantiva, repita-se – não se confunde a (i)legitimidade processual, enquanto pressuposto processual relativo às partes, correspondente a uma excepção dilatória do conhecimento oficioso – cfr. artigo 577º e 578º do CPC.

Por conseguinte, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se improcedente esta primeira questão que nos vinha dirigida.


*

Em segundo lugar, sustenta o Recorrente que, reconhecendo a apontada nulidade por omissão de pronuncia, deve o Tribunal concluir que não pode ser imputada qualquer responsabilidade ao revertido por dívidas contraídas após 05/04/99, na medida em que nesta foi nomeado o liquidatário judicial da devedora originária.

Como é bom de ver, o conhecimento desta questão fica naturalmente prejudicado face à conclusão retirada na análise da questão precedente, já que não se verificando qualquer omissão de pronúncia relativamente à ilegitimidade substantiva do revertido, ora Recorrente, não se coloca o dever de a conhecer em substituição.

Improcede, assim, esta questão 2).


*

Passemos ao conhecimento da questão que identificámos em 3), a saber: se a sentença recorrida errou ao não julgar verificada a preterição de formalidade legal, concretamente por violação dos princípios da participação e do contraditório, previstos nos artigos 60º da LGT e 45º do CPPT.

Concretizando, defende o Recorrente que “notificado para o efeito, pronunciou-se em sede de audição prévia, invocando a prescrição das dívidas dos impostos do ano de 1995 e de Janeiro de 1996, e sustentando não ser responsável subsidiário relativamente às restantes dívidas exequendas, dado que foi decretada a falência da devedora principal”, sendo que a ATA “não deu devida resposta ao direito de audição exercido pelo Oponente, verificando-se, pelo contrário, que se pronunciou exclusivamente, e de forma conclusiva, sobre a questão da prescrição, referindo apenas que «as dívidas fiscais no período tributário de 1995 e 1996 não se encontram prescritas».

Apesar de assim ser, refere o Recorrente que a sentença errou ao considerar suficiente a resposta ao direito de audição, “na medida em que foi proferido a seguir a uma informação vertida nos autos que lhe serve de suporte”, já que “o Recorrente nunca foi notificado dessa informação que serve de suporte ao despacho de reversão”.

Assim, conclui o Recorrente que “uma mera resposta conclusiva se assiste ou não razão ao contribuinte afigura-se manifestamente violadora dos princípios da participação e do contraditório, previstos nos arts. 60.º da LGT e 45.º do CPPT, respectivamente”.

Vejamos o que dizer a este propósito, dando a conhecer, desde já, e no que para aqui releva, o discurso argumentativo seguido pela Mma. Juíza para decidir nos termos em que o fez. Assim:

“(…)


“(texto integral no original; imagem)”

Adiante-se que, também aqui, a razão não está com o Recorrente.

Efectivamente, não sofre dúvidas que entre o projecto de reversão e o despacho de reversão foi dada a oportunidade ao ora Recorrente para se pronunciar, o que ele, aliás, fez (cfr. pontos 3 e 4 dos factos provados).

Portanto, para já e formalmente, o exercício do direito de participação foi assegurado.

Para o Recorrente, porém, apesar de formalmente este direito ter sido assegurado, a verdade é que o despacho definitivo não levou em conta os seus argumentos, mostrando-se absolutamente conclusivo quanto à prescrição, limitando-se, sem explicar, a concluir que as dívidas analisadas não estavam prescritas.

O TAF de Almada, analisando este aspecto da controvérsia e, embora reconhecendo o pendor conclusivo do despacho de reversão, explicou que o mesmo foi proferido na sequência de uma informação e, nessa medida, apropriou-se do seu conteúdo.

O Recorrente não aceita esta posição, uma vez que, como afirma, “nunca foi notificado dessa informação que serve de suporte ao despacho de reversão”.

Ora, esta afirmação não corresponde à realidade, o que, aliás, resulta muito claro daquilo que vem articulado na p.i de oposição e, bem assim, dos documentos que lhe foram juntos, em especial do documento 3 (ofício remetido à Senhora Mandatária do Executado, em Janeiro de 2007, contendo o despacho e a informação que o precedeu), o mesmo a que a sentença se reporta no ponto 5 do probatório.

Com efeito, lê-se nos 7 primeiros artigos do articulado inicial o seguinte:

“1º

Em 25 de Setembro de 2006, o ora Oponente foi notificado do despacho que “determinou a preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal (…) na qualidade de responsável subsidiário” (Doc. nº 1).

Ao que respondeu conforme cópia de documento que se junta (Doc. nº 2)

Na sequência desta resposta. O ora Oponente foi notificado da decisão que manteve o sentido da projectada reversão, nos termos do documento que se junta (Doc. nº 3), que considerou improcedente a invocada prescrição,

Não explicando quais as normas materiais que aplicou e, consequentemente, não esclarecendo quais os prazos de prescrição que considerou para a contagem que, alegadamente, fez,

Ignorando, em absoluto, a exposição que o oponente atempadamente apresentou, e, por tal, violando claramente, os princípios da participação, e do contraditório, previstos nos artigo 60º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro (de ora em diante abreviadamente designada LGT) e artigo 45º do CPPT.

e em expressa e flagrante violação do disposto no némero 7 do referido artigo 60º que, dada a sua relevância, aqui optamos por transcrever:

“Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão”.

Vício este, que, por si só, acarreta a anulabilidade do acto tributário em causa, o que, pelo presente, se requer seja declarado.”

Portanto, dúvidas não restam – repete-se – que foi concedido o direito de audição, que o mesmo foi exercido e que, quanto à invocada prescrição das dívidas, o despacho de reversão considerou não verificada a prescrição apoiando-se, desde logo, no teor da informação que o precedeu, na qual se considera que a prescrição não ocorreu em virtude do processo de falência e da suspensão verificada entre Junho de 1999 e Março de 2004.

Nesta conformidade, independentemente de o despacho ter decidido com acerto (ou sem ele) a não verificação da prescrição, a verdade é que, ainda que em termos sucintos e com apoio na informação precedente, pronunciou-se sobre a questão suscitada no direito de audição, em moldes absolutamente perceptíveis.

De todo o modo, e a finalizar, deve dizer-se que esta questão, em bom rigor, e em função do decidido pelo TAF de Almada, perdeu utilidade, uma vez que a sentença declarou prescritas as dívidas de 1995 e 1996, sem que tal juízo tenha sido posto em causa pela Recorrida.

Em suma, também aqui há que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso respeitantes à questão formulada em 3).


*

Passemos à última questão que nos ocupa:

Saber se a sentença errou ao não concluir pela falta de fundamentação do despacho de reversão.

Ora, ressalvada a vertente da análise que deixámos efectuada no ponto precedente (sobre a violação do artigo 45º da CPPT e 60º da LGT e sobre a apreciação no direito de audição prévia na informação que precedeu o despacho de reversão), a verdade é que, percorrida a p.i de oposição, dúvidas não restam de que o vício formal correspondente à falta de fundamentação (concretamente a violação do artigo 77º da LGT, 268º da CRP e do artigo 125º do CPA) não foi aí invocado, pelo que se apresenta como uma verdadeira questão nova.

Assim sendo, como questão nova que é, está vedada a sua apreciação pelo Tribunal superior por não ter sido fundamento alegado na PI e não configurar vício de conhecimento oficioso. Com efeito, nos recursos ordinários permite-se ao Tribunal ad quem que reaprecie a decisão proferida pelo Tribunal a quo, reapreciação esta que não pode deixar de ser levada a cabo dentro do mesmo circunstancialismo em que se moveu o tribunal recorrido quando proferiu a sentença recorrida, não podendo o Tribunal de recurso ser convocado a pronunciar-se sobre questões que não foram alegadas na 1ª instância, sem prejuízo de matéria do conhecimento oficioso.

Porque assim é, porque daquilo que se trata, nas conclusões referidas, é de uma questão nova, não pode este Tribunal de recurso apreciá-la, razão pela qual a mesma não será conhecida.

Em síntese, há que julgar improcedentes todas as conclusões da alegação de recurso e negar provimento ao mesmo, o que seguidamente se determinará.


*


3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 28.11.19


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortez)