Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:161/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO
PRESCRIÇÃO
GERENTE
PROCURAÇÃO.
Sumário:1. De acordo com o disposto no artº48º, nº 3 da LGT, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação;
2. Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5.° ano, se ele for citado até ao fim do 8.° ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele.
3. A outorga pelo gerente de direito de procuração a terceiro para o exercício da gerência, ou actos típicos de gerência, de uma sociedade não afasta a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas daquela sociedade, no regime decorrente do art.º24.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por D….. à execução fiscal n.º4227……. e apensos contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “V….. e Companhia, Transformação de V…., Unipessoal, Lda.”, por dívidas de IVA, IRC e Coimas, dos anos de 1999 a 2007.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.272).

O Recorrente conclui as suas alegações assim:

«I. Contrariamente ao estabelecido na douta sentença a quo, as dívidas de impostos em cobrança coerciva, cujo facto tributário ocorreu entre 1999 e 2002, não se podem considerar, salvo melhor entendimento, como estando prescritas em relação ao Oponente, como resulta da posição exposta pelo órgão de execução fiscal e no douto Parecer do Ministério Público expressos nos presentes autos.

II. Com efeito, tendo a primeira e única causa interruptiva, ocorrida nos autos, consistido na citação do revertido e ora Oponente, efectivada em 29.09.2009, a interrupção do prazo prescricional daqui decorrente, aproveita quer ao devedor originário, quer ao subsidiário, pelo que não podem tais dívidas ter-se por prescritas.

III, Sustentou-se este entendimento na jurisprudência expressa no Acórdão STA de 08.02.2012 (proc. 033/12), nos termos do qual: "Assim, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5o ano, se ele for citado até ao fim do 8o ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n° 2 do art. 48° da LGT).

IV. Contrariamente ao estabelecido na douta sentença a quo, a Fazenda Pública considera que o Oponente exerceu a gerência efectiva da sociedade, visto ter sido o único gerente daquela, como resulta do teor da respectiva certidão de matrícula, pela qual se percebe que a sociedade originaria devedora se obrigava com a respectiva assinatura.

V. Por tal facto, a gerência da sociedade originaria devedora sempre implicaria a participação do ora Oponente na prática de alguns actos em sua representação, como forma de assegurar o respectivo giro comercial.

VI. E tendo o Oponente conferido mandato a terceiro para que este, em sua representação, exercesse as funções de gerência da sociedade, os actos praticados pelo mandatário, não podem deixar de se reflectir na esfera jurídica do ora Oponente e mandante.

VII. Se assim não fosse, estar-se-ia perante um subterfúgio que poderia ser utilizado por
qualquer gerente de uma sociedade para se eximir, por acto voluntário e unilateral, à sua responsabilidade, mediante a outorga de procuração a terceiro para o exercício das funções de gerência.

VIII. Deste modo, devem ser considerados gerentes de facto e, consequentemente, responsáveis tributários subsidiários, aqueles que, sendo gerentes de direito, outorguem procuração a terceiro para o exercício das funções de gerência, tudo se passando como se fosse o próprio gerente nomeado a praticar os actos para cuja prática o mandato foi conferido.

IX. Resulta então do probatório evidenciado nos autos que o Oponente não cumpriu diligentemente com os seus deveres de gerência, ao conformar-se com a actuação de um terceiro, seu mandatário, que se veio a revelar negligente, face ao incumprimento das dívidas fiscais.

X. E não obstante o Oponente não ter assumido pessoalmente a gerência efectiva da sociedade, dado que confiou semelhantes funções a um terceiro, através de procuração, não deixa por tal facto de ser responsável pelo destino da sociedade e por todos os actos de gestão e administração da mesma, não lhe sendo, por tal facto, legítimo eximir-se a um dever que lhe foi atribuído, em exclusivo, aquando da sua designação como gerente de direito.

XI.O entendimento antecedentemente perfilhado encontra respaldo jurisprudencial no Acórdão TCAS de 31-10-2013 (Proc. no 06732/13), nos termos do qual: "5. A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir (cfr.ac.S.T.A.-22. Secção, 15/3/1995, rec. 18448; ac.S.T.A.-29. Secção, 26/2/1997, rec.20946; ac. S.T.A.-24. Secção, 2/7/1997, rec. 21502; ac. S.T.A.-22. Secção, 27/5/1998, rec. 19698; ac.T.C.A.Sul-22 Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 64. edição, 2011, pág.473)."

XII. Explicitando-se adicionalmente neste aresto que: "deve constatar-se que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de representação (cfr. passagem de procuração a favor de terceiro; entrega de declaração junto da A. Fiscal)."

XIII. E na esteira do antecedente aresto, retira-se com toda a propriedade para o caso sub judice que o exercício da gerência efectiva da sociedade também se pode inferir da: (...) consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - art°.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade (cfr.ac.T.C.A.Sul-22. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13)."

XIV. Não obstante, foi o próprio Oponente que afirmou na sua P.I. (artigo 41.º) que assinava documentação relacionada com a actividade da sociedade devedora originária, sempre que fosse necessário.

XV. Resultando ainda do depoimento testemunhal, tal como expresso supra, que o Oponente foi sócio e único gerente da sociedade e que para o exercício de tais funções, recebia um ordenado acima da média e que assinava toda a documentação necessária ao exercício da gerência.

XVI. Pelo que não tendo vindo o Oponente invocar que praticou todos aqueles actos, ao abrigo de qualquer outra qualidade (procurador, trabalhador, etc.), não pode deixar de se entender que o foi na qualidade e por força de ter sido nomeado gerente da mesma sociedade, na falta do conhecimento de qualquer outra fonte donde brotassem os poderes que o legitimassem para esse efeito, pelo que não pode deixar se concluir, que o mesmo não se encontrou apartado dos destinos da mesma sociedade, antes praticou ao longo dos referidos anos, diversos actos dos que normalmente são praticados pelos gerentes ou administradores.

XVII. Destarte, deve operar a presunção de culpa funcional prevista no art. 24, nº. 1, al.b), da L.G.T, porquanto, não tendo o oponente enquanto gerente único daquela sociedade, logrado fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não era da sua responsabilidade, deve concluir-se, num juízo de normalidade, que não usou da diligência de um "bonus pater familiae", e, assim, que não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia,

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

O Recorrido apresentou contra-alegações, que termina assim:

«CONCLUSÕES:

1. Nos termos do n.º1 do 48.º da LGT, as dívidas tributárias prescrevem no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

2. O n.º 3 do referido preceito legal refere que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.

3. Tal como resulta da alínea H) da Matéria de Facto Provada, «O Oponente foi citado em 29.05.2005».

4. Quer isto dizer que, em relação aos impostos relativos aos anos de 1999 a 2002, o Recorrido foi citado após o 5." ano posterior ao da liquidação do imposto, não sendo a citação do devedor originário passível de fazer interromper o prazo de prescrição, atenta a natureza pessoal da responsabilidade em causa.

5. Andou bem o tribunal a quo em considerar que prescreveram em relação ao Recorrido todas as dívidas tributárias relativas a períodos tributários compreendidos entre 1999 e 2002.

6. Com vista a fazer proceder o recurso, veio a Recorrente , nos arts. 23." a 27." das Alegações, fazer referência à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.

7. Não obstante a Recorrente faça referência aos depoimentos produzidos, não veio a mesma alegar qual a matéria de facto que, no seu entender, deveria ser a alterada, nem , em consequência, em que medida a alteração da matéria de facto deverá levar a outra decisão de Direito, não respeitando as regras da impugnação da matéria de facto.

8. Nos termos conjugados do at.º2 do C.P.T.T. c do art. 140.'' do C.P.T.A., às regas de interposição de recurso - e salvo quanto ao que especifica e especialmente estiver determinado - são aplicáveis aos recursos em processo judicial tributário e em processo judicial administrativo as regras constantes do Código do Processo Civil.

9. Dispõe o art . 640.º do C.P.C. que:

« 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de
registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte , indicar com exatidão os passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(...)”.

10. O referido preceito legal exige que a Recorrente, na impugnação da decisão relativa à matéria de facto , demonstre, através dos concretos pontos de facto e dos concretos meios ele prova produzidos, que existiu um erro na apreciação da prova, que inquinou a decisão proferida.

l l. A Recorrente não invocou qualquer ponto concreto da Matéria de Facto que considere incorrectamente apreciado, nem elaborou ou expões qualquer análise crítica da prova produzida , concluindo no sentido pretendido.

12. Atenta tal omissão, a Recorrida vê-se impedida de ponderar a bondade do recurso nesta parte, bem como de aduzir quaisquer argumentos que contradigam ou impeçam tal pretensão, o que também impede que o tribunal ad quem aprecie a impugnação da matéria de facto dada por provada, devendo o presente recurso limitar-se à Matéria de Direito, por manifestamente não ter cumprido com os requisitos que a lei exige para tal impugnação.

13. Acresce que, no domínio da valoração da prova vigora o principio da livre convicção do julgador (art.º 607.º, n .º 5 do C.P.C.) , possibilitando- se juiz um âmbito de discrícionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão.

14. Tal princípio só pode ser afastado quando a lei atribui força plena a determinado tipo de prova (art.º 342.º e seguintes do C.C.) ou quando se verifiquem erros grosseiros de julgamento .

15. Analisada a decisão recorrida, não se verifica qualquer erro de julgamento, nem a incorrecta aplicação ou interpretação de qualquer preceito legal, não tendo a Recorrente igualmente demonstrado que a decisão recorrida tenha extravasado a liberdade, ainda que vinculada , objectiva e limitada do julgador.

16. Com relevância para o presente recurso, da Matéria de Facto Provada resulta o seguinte:

''N) O oponente emitiu uma procuração a favor de H……….., conferindo poderes para movimentar as contas bancárias da Originária Devedora.

O) O Oponente era considerado como qualquer trabalhador da Originária Devedora.

P) As contas bancárias da originária devedora eram movimentadas por H…….,

Q) A 1.ª testemunha recebeu algumas vezes o ordenado em cheque que era assinado por H… .

R) H…….. ela Costa N…… tratava dos assuntos da contabilidade e pagava os impostos.”.

17. Por seu turno, não resultou provado que:

- O Recorrido pagasse as contas da Originária Devedora e os ordenados;
- O Recorrido tivesse o poder de decidir se a Originária Devedora pagava ou não os impostos à Fazenda Pública .

18. A responsabilidade subsidiária dos gerentes administradores, tal como a jurisprudência tem assinalado - e assim o fez igualmente a decisão recorrida - explica-se e justifica-se com base na culpa e, nessa medida , os gerentes só são responsáveis quando por culpa sua o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação das dividas tributárias (art.º24.º n.º 1 alínea a) da LGT).

19. Tal como resulta da Matéria de Facto, não existem nos autos quaisquer factos demonstrativos de que a insuficiência do património da devedora principal se ficou a dever a culpa do ora Recorrido.

20. Como reconhece a melhor doutrina, os gerentes só podem ser responsáveis pelo pagamento das dívidas fiscais ou equiparadas desde que tenham agido com culpa, ou seja, desde que tenha praticado qualquer acto ilícito e culposo que provoque a insuficiência do património social para liquidar as dívidas em causa.

21. Qualquer interpretação do regime legal estabelecido em sentido contrário ao exposto, viola claramente o disposto nos arts. 2.º e 266° n .º2 da Constituição da República e, é por isso, inconstitucional.

22. Também qualquer , ainda que aparente, inversão do ônus de prova, é manifestamente inconstitucional por violação do disposto nos arts. 2 .º e 266.º da C.R.P., uma vez que não pode o legislador ordinário por dificuldades em fazer prova positiva da culpa , fazer recair sobre o devedor subsidiário a prova da sua não culpa.

23. A não ser assim, a responsabilidade subsidiária converter-se-ia numa verdadeira responsabilidade objectiva, o que não é admissível nem legal nem constitucionalmente.

24. O Recorrido apenas exerceu a gerência de direito e não de facto, não optou por gerir a sociedade através de procurador, não tendo verdadeiramente a "gerência originária", antes exercendo uma gerência de favor.

25. O Recorrido nunca agiu na qualidade de gerente perante outros trabalhadores, fornecedores, clientes, instituições bancárias, contabilistas , etc., sendo que quem conduzia os negócios da sociedade era a cunhada do Recorrido (e também testemunha dos autos), H…….., fazendo -o ao abrigo de uma procuração que lhe conferia amplos e variados poderes de gestão da mesma sociedade (alíneas N), O), P) e R) da Matéria de Facto Provada ) .

26. Foi ao abrigo dos poderes conferidos por essa procuração que H……… geriu a sociedade devedora, nunca tendo o Recorrido participado na tomada de decisões, apenas assinando as actas das Assembleias gerais quando tal lhe era pedido, sem nelas ter qualquer intervenção.

27. Não resultou demonstrado nos autos um dos requisitos para a existência de obrigação tributária subsidiária, a saber , a culpa.

28. Nestes termos, e tal como se salienta na douta sentença em crise:

"Do exposto resulta que o Oponente no plano material não actuou de facto como gerente da Originária Devedora.
(...)
Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juizo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dividas fiscais e não o fazer, dividas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.
(...)
O que importa para possibilitar a reversão contra o oponente, não é que, em termos jurídico-civilísticos, se deva entender que este agiu quando agiu o seu procurador em seu nome, mas sim que exista efectivamente, em termos naturalísticos, uma relação entre ele e a vida da sociedade, que, pelo menos, possa garantir que, quando o procurador agiu no exercício da gerência, agiu de acordo com a vontade real do mandante e com conhecimento por parte deste da vida da sociedade.
(...)
No caso dos autos não se demonstrou que o Oponente, enquanto gerente de direito da Originária Devedora, tinha algum conhecimento da actividade levada a cabo pelo seu procurador e determinou ou, pelo menos, aceitou a sua actuação, pelo que não poderá operar a presunção de culpa funcional, ínsita no artigo 24.º n.º 1, alínea b), da LGT. "

29. A decisão recorrida deu integral cumprimento ao disposto nos arts. 24.º n.º1, alínea a) da LGT, não devendo por isso ser merecedora de qualquer reparo.

Termos em que, pelo que antecede e pelo muito que V. Exas. haverão doutamente de suprir deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, par a assim se fazer
JUSTIÇA!».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), as questões que importa resolver reconduzem-se, nuclearmente, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir: (i) pela prescrição das dívidas de impostos cujo facto tributário ocorreu entre 1999 e 2002 e (ii) pela ilegitimidade substantiva do oponente para a execução.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão, julgo assente a seguinte factualidade:

A) A Administração Fiscal instaurou, em 09/11/2002, o processo de execução fiscal n.º4227……, contra a executada V…. E COMPANHIA, TRANSFORMAÇÃO DE V…., UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º504….., com sede na R. das R… Viv. S.tª Teresinha, Oficina 2, para cobrança coerciva de dívidas por IVA de 2002, cfr. fls. 24 e 25.

B) Em 07/03/2006, pelo termo de apensação de fls. 26 e 27, foram apensados os presentes autos ao processos de execução fiscal n.ºs 4227…., 4227….; 4227….; 4227…; 4221….; 4227….; 4227….; 4227….; 4227…..; 4227…;4227….;4227….;4227….;4227…; 4227…;4227…; 4227…; 4227…; 4227…; 4227….; 4227…; 4227…; 4227…; 227…..;4221…..; 4227……;4227…..;4227….;4227…..;4227….; 4227….; 4227… .

C) No processo de execução fiscal foi prestada a seguinte informação (fls. 38):
«Informo V.ª Ex.ª, que após me ter deslocado ao local que consta como sede do executado supra — R. Das R….., Viv. Stª Teresinha Oficina 2 , em C….., verifiquei que o mesmo já não exerce a sua actividade no local.

Foi-me informado no local que se teriam mudado para a localidade de C….., Freguesia de Almargem do Bispo, Concelho de Sintra, área do Serviço de Finanças de Sintra 2 — Algueirão (3549).

Assim e por forma a averiguar da veracidade do informado desloquei-me à referida localidade, onde à saída de C…, num complexo industrial composto por diversos pavilhões, junto à Rua A do Bom P…., localizei a sede da empresa que corresponde ao Pavilhão n.º …., facto que é também verificável por consulta às páginas amarelas.(vide fotocópia em anexo)

Apesar de fechado, foi possível verificar quer pelo contentor de desperdício de vidro que se encontrava no exterior, quer pelo que me foi confirmado por pessoas que se encontrava no local, que inclusivamente conheciam o sócio gerente, o Sr. D….., que a firma continua a exercer a sua actividade. Assim, de acordo com o acima exposto e tendo em consideração que os únicos bens constantes em nome do executado são 2 veículos para os quais já foi efectuado pedido de penhora via SIPA e cujo valor é necessariamente insuficiente para pagamento da dívida - valor global actual ascende a 301 mil euros, julgo ser de remeter Carta Precatória para o Serviço de Finanças de Sintra 2 a fim de se proceder à penhora de outros bens para pagamento integral da dívida.

S.F. de Odivelas, 06 Setembro de 2006»

D) Resulta do auto de diligências de 31/01/2007, que a executada não era titular de bens susceptíveis de penhora, cfr. fls. 97

E) Em 25/05/2007, pelo funcionário encarregado da penhora de bens da executada foi prestada a seguinte informação (fls. 98):

«Informo V. Ex.a que na sequência do mandado de penhora extraído no processo em epígrafe, verificou-se não ser possível cumpri-lo, em virtude da executada já não exercer qualquer actividade no local indicado, sito no armazém n°.. na Rua do P….. na Localidade de C…., desconhecendo -se o seu actual paradeiro, assim como do seu sócio gerente, conforme auto de diligências constante nos autos.

Em face do exposto, parece-me ser de devolver os presentes autos ao Serviço de Finanças deprecante.

Mem Martins, 25 Maio de 2007»

F) Em 04/05/2009, foi enviado ao Oponente o projecto de despacho de reversão, para o exercício do direito de audição prévia, cfr. fls. 124 e 125.

G) Por despacho de 22/05/2009, a execução reverteu contra o Oponente para cobrança coerciva das seguintes dívidas (fls. 126 a 130):

“Texto integral com imagem”

H) O Oponente foi citado em 29/05/2009, cfr. fls. 131 a 134.

I) A petição inicial foi apresentada em 30/06/2009, cfr. carimbo aposto a fls. 7.

J) No Serviço de Finanças foi prestada a seguinte informação (fls. 135):

«Em face do requerimento de oposição entregue pelo revertido D……., NIF 218……., o mesmo vem alegar, entre outros factos, de que este processo de reversão é inconstitucional, por configurar uma violação da esfera da competência judicial por parte do Chefe de Finanças.

Mais informo V. Ex.a de que o revertido foi notificado para exercer o direito de audição prévia (Fls. 102 e 103), conforme estipula o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, contudo este direito não foi exercido.

O oponente alega de que não foi responsável pela gerência da sociedade supra, pois a mesma foi efectuada por outrem – H….., através de procuração, contudo não apresenta cópia da mesma.

Neste contexto e por estarem em causa matérias do foro constitucional, sou de parecer que se remeta o presente processo à DF, de forma a serem analisados esses pressupostos.

À consideração superior.»

K) Por despacho de 15/10/2009, foi mantida a reversão e ordenada a remessa do processo a este Tribunal, cfr. fls. 136.

L) O Oponente foi designado gerente da Originária Devedora por deliberação de 29/12/1998, cfr. fls. 117.

M) A Originária Devedora obrigava-se com a assinatura do gerente, cfr. fls. 116

N) O Oponente emitiu uma procuração a favor de H……, conferindo poderes para movimentar as contas bancárias da Originária Devedora.

O) O Oponente era considerado como qualquer trabalhador da Originária Devedora.

P) As contas bancárias da originária devedora eram movimentadas por H….. .

Q) A 1.ª testemunha recebeu algumas vezes o ordenado em cheque que era assinado por H….. .

R) H…….. tratava dos assuntos da contabilidade e pagava os impostos.

S) A Originária Devedora tinha 5 ou 6 trabalhadores.

T) F…. comprava as matérias-primas e fazia os orçamentos e tratava das obras.

FUNDAM ENTAÇÃO DO JULGAM ENTO
A decisão da matéria de facto quanto aos pontos A) a M) resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Quanto aos pontos N) a T), a decisão da matéria de facto assentou nos depoimentos das testemunhas arroladas, sendo certo que as testemunhas F…….. e H….. assumiram exercer de facto a gerência da originária devedora.
*

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão não se provou que o Oponente:
- pagasse as contas da Originária Devedora e os ordenados;
- tivesse o poder de decidir se o Originária Devedora pagava ou não os impostos à Fazenda Pública».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Ø Prescrição da dívida tributária de 1999 a 2002

Alega o Recorrente que as dívidas tributárias até 2002 não podem considerar-se prescritas, como o entendeu o Mmº. juiz recorrido por a citação do oponente (responsável subsidiário) ter sido efectuada em 29/05/2009, após o 5.º ano posterior ao da liquidação, porquanto, não podem julgar-se prescritas dívidas que à data da citação do oponente (primeiro e único facto interruptivo) não contavam ainda com o decurso do prazo de oito anos da prescrição.

E tem inteira razão, como decorre do regime aplicável e é entendimento consolidado do STA. Ora vejamos.

Na redacção da Lei 55-B/2004 de 30 de Dezembro, dispõe o art.º48.º da LGT:
«1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação».

E o n.º1 do art.º49.º da mesma LGT, prescreve que «A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição».

Como resulta do regime legal, é apenas a relevância das causas de interrupção que se verifiquem apenas em relação ao devedor originário (e o consequente diferimento do termo do prazo que delas deriva) que é afastada em relação ao responsável subsidiário, se a sua citação não ocorrer até ao 5.° ano posterior ao da liquidação.
Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5.° ano, se ele for citado até ao fim do 8.° ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n°2 do art.º48°).

Ou seja, o efeito daquele nº3 do art.º48° é apenas de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor originário.

Adoptando este entendimento podem ver-se inúmeros arestos do STA, de que destacamos o Acórdão de 18/01/2017, exarado no proc.º0895/14, em cujo sumário doutrinal se pode ler:
«I - De acordo com o disposto no artº48º, nº 3 da LGT, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
II - Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5.° Ano, se ele for citado até ao fim do 8.° ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele.
III – (…)».
No caso vertente, resulta do probatório que o oponente (devedor subsidiário) foi citado em 29/05/2009 (e não 29/05/2005, como por lapso manifesto consta do ponto 3. das conclusões do Recorrido), pelo que a dívida tributária exequenda que a essa data ainda não tinha completado o prazo de oito anos de acordo com o cômputo previsto no art.º48.º, n.º1 da LGT, não está prescrita.

Assim, não se consideram prescritas as dívidas tributárias de 2001 e 2002, mas unicamente as anteriores dívidas reportadas a 1999 e 2000, por à data da citação do oponente já terem completado o prazo de oito anos da prescrição.

Declaram-se prescritas as dívidas exequendas de 1999 e 2000.

Ø Ilegitimidade do oponente para a execução

Num outro segmento das suas alegações e conclusões, insurge-se o Recorrente contra o decidido na sentença quanto à não verificação da efectividade da gerência do oponente.

Estando em causa dívidas tributárias de 1999 e posteriores, o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos gerentes é o decorrente do art.º24.º da Lei Geral Tributária (vd. art.º6.º do DL 398/98, de 17 de Dezembro).

Na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, estabelece o n.º1 daquele at.º24.º da LGT:

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

Como se escreveu no Acórdão do STA, de 02/03/2011, exarado no proc.º0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava» (fim de cit.).

É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.24.º, n.º1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária do gerente, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.

No caso dos autos, não resulta controvertida a gerência de direito do oponente no período a que respeitam as dívidas (cf. alíneas L) e M) do probatório).

O que resulta controvertido é saber se a outorga pelo gerente de direito de procuração a terceiro para o exercício da gerência/administração de uma sociedade afasta a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas daquela sociedade, no regime de responsabilidade subsidiária decorrente do art.º24.º da LGT.
Ora, sobre esta questão de há muito se formou jurisprudência consolidada no sentido de que podendo a gerência ser exercida por procurador ou mandatário e produzindo os actos praticados por este os seus efeitos na esfera jurídica do mandante, deve este ser considerado gerente de facto para atribuição da responsabilidade prevista no art.º24.º da LGT, à semelhança do que se passava no regime do art.º13.º do CPT. Nesse sentido, podem ver-se os Acs. do STA, de 26/02/1997, tirado no proc.º020946; de 14/02/2001, tirado no proc.º025594.

Compreende-se que assim seja. Acompanhando o que sobre a matéria tem vindo a ponderar a jurisprudência dos nossos tribunais, se por um lado a procuração outorgada a favor de terceiro é ineficaz para a transmissão da administração de direito nos termos do disposto no art.º252º nº 5 e 6 do CSC [“Os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 261.º”; “O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa”], por outro, a dita procuração é também ineficaz para a transmissão da administração de facto porque titula um mandato com representação, nos termos do qual os actos do representante produzem os seus efeitos na esfera jurídica do representado gerente, nos termos do disposto nos arts.258º [“O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”] e 1178º nº l, ambos do Cód. Civil.

Como se escreveu no Acórdão do TCA Norte, de 26/03/2015, tirado no proc.º 01044/11.2BEBRG, «Da conjugação dos n.º 5 e 6 do art.º 252.º do CSC está vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo” podendo no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os actos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante».

No caso em apreço, não se discutindo a administração «de jure» do oponente, a responsabilidade subsidiaria dele radica em exercício efectivo do cargo, por intermédio do procurador, autorizado por título jurídico válido, com claro fundamento legal no art.º24.º, n.º1 da LGT (vd. al. N) do probatório).

Não pode, por conseguinte, o oponente desresponsabilizar-se da gerência quando resulta demonstrado «que emitiu uma procuração a favor de H….., conferindo-lhe poderes para movimentar as contas bancárias da originária devedora; que as contas bancárias da originária devedora eram movimentadas por H…….; que a 1.ª testemunha recebeu algumas vezes o ordenado em cheque, que era assinado por H…….; que a referida H….. tratava dos assuntos da contabilidade e pagava os impostos», sendo esta justamente o tal terceiro a quem o oponente, na qualidade de gerente de direito, outorgou procuração para o exercício da gerência da sociedade, fundando-se a sua responsabilidade subsidiária na outorga da procuração.

Salienta-se que os autos não evidenciam que a procuração para aquele terceiro exercer a gerência da sociedade ou actos de gerência, tenha sido emitida sem o propósito de determinar ou controlar a actividade do procurador, desconhecendo o representado gerente e não podendo conhecer, também, em absoluto, como se desenvolve a gestão dessa actividade, situação excepcional susceptível de configurar o afastamento da sua responsabilidade subsidiária, conforme já decidido pela jurisprudência, nomeadamente, no acórdão do TCA Norte de 27/11/2014, tirado no proc.º00824/06.5BEPRT, não ressumando dos autos qualquer relação de dependência do representado face ao terceiro a quem outorgou a procuração.

Fundando-se a reversão da execução na alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT (cf. fls.131 dos autos), tal faz impender o ónus da prova da falta de culpa sobre o gerente revertido, no caso, o opoente e Recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, pois em tal preceito consagra-se uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cf. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14.

Como se deixou consignado no Acórdão deste TCA Sul, de 06/04/2017, tirado no proc.º 456/13.1BELLE, «A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.)» (fim de cit.).

Regressando ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode, manifestamente, retirar que o oponente e aqui Recorrido tenha produzido prova concludente demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária “V….. e Companhia, Transformação de V…., Unipessoal, Lda.” se tenha ficado a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da gerência, bem que através de procurador, tenha usado da diligência de um "bonus pater familias".

Nessa medida, não pode o oponente/ Recorrido desresponsabilizar-se pelas dívidas fiscais da sociedade, tornando-se parte legítima na execução visando a sua cobrança coerciva.

Alega o Recorrido que a inversão do ónus da prova da culpa, prevista na alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT viola o disposto no art.º2.º e 266.º, n.º2, da CRP., mas não concretiza, nem se compromete com a preterição de qualquer dos princípios enunciados naqueles preceitos constitucionais.
Ora, não se estando no domínio de qualquer norma sancionatória, em que se poderia conflituar com o princípio constitucional da presunção de inocência (art.º32.º, n.º2), não se alcança a dimensão da inconstitucionalidade que se pretende apontar.

A sentença incorreu pois em erro ao julgar o oponente parte ilegítima na execução, não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
ü Conceder parcial provimento ao recurso;
ü Revogar a sentença recorrida na parte (i) em que declarou prescritas as dívidas tributárias de 2001 e 2002 e (ii) o oponente parte ilegítima na execução, julgando a oposição improcedente nesta parte;
ü Manter a sentença recorrida quanto ao demais (prescrição das dívidas de 1999 e 2000).

Custas na proporção de decaimento.

Lisboa, 14 de Março de 2019



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Vital Lopes




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Hélia Gameiro Silva





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Benjamim Barbosa