Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11502/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
Sumário:I – Pode retirar-se do disposto na 1ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas, ao estatuir-se ali que “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público”. Princípio da coincidência que é acolhido, também, no processo civil, dispondo o nº 2 do artigo 5º nº 2 do CPC antigo (a que corresponde o nº 2 do artigo 11º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013), de aplicação subsidiária nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 1º do CPTA), que “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.

II – A 2ª parte do mesmo nº 2 daquele artigo 10º salvaguarda logo uma exceção, nos termos da qual “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é (…), no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Trata-se, aqui, de um caso de extensão de personalidade judiciária (ainda que para alcançar tal desiderato não seja sido usada técnica idêntica à que foi seguida para os casos de extensão de personalidade judiciária previstos nos artigos 6º e 7º do CPC antigo, correspondentes aos atuais artigos 12º e 13º do CPC novo) atribuindo-se personalidade judiciária aos ministérios, em vez do Estado.

III – Está afastada para as ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual a extensão da personalidade judiciária aos ministérios prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA. Mantem-se, por conseguinte, neste tipo de ações (que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade), a regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas.

IV – A ação administrativa comum que diga respeito a responsabilidade civil extracontratual deve ser interposta contra o Estado (representado em juízo pelo Ministério Público), e não contra o ministério em que se integram os órgãos a quem são imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório.

V – Consubstanciam ilegitimidade passiva em sentido próprio os casos em que o autor demanda uma entidade pública que não é a contraparte na relação material controvertida, tal como esta é configurada na petição inicial. E consubstanciam situação de falta de personalidade judiciária da entidade pública demandada aquelas em que a ação é instaurada contra uma entidade sem personalidade jurídica para a qual a lei não estende (excecionalmente), a suscetibilidade de ser parte em juízo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. RELATÓRIO

Sérgio …………….. (devidamente identificado nos autos), Autor na Ação Administrativa Comum sob a forma de processo ordinário (Proc. nº 226/11.1BEBRG) que instaurou contra o Ministério da Defesa Nacional – Exército Português no qual pedia a condenação deste a pagar-lhe a quantia total de 245.402,19 € a título de indemnização por danos corporais, patrimoniais e não patrimoniais, que peticionou, inconformado com a decisão proferida no despacho-saneador de 20/05/2013 pela Mmª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria pela qual, julgando-se procedentes as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, foi o mesmo absolvido da instância, vem dela interpor recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida, por dever considerar-se deter o demandado Ministério da Defesa legitimidade passiva para a ação, com ele prosseguindo-se os demais termos, ou caso assim não se entender ser o réu na ação o Estado Português, sanando-se a irregularidade e processando-se a ratificação do processado.

Nas suas alegações o aqui Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A. A sentença recorrida julgou injustamente e sem fundamento válido, improcedente por falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva do Réu, a presente ação intentada pelo aqui Recorrente, absolvendo o Réu, aqui Recorrido, Ministério da Defesa Nacional – Exército Português dos pedidos contra ele formulados.

B. O artigo 10º nº 2 foi, assim, erroneamente interpretado visto não ter sido considerado no nº 1 do mesmo artigo, que amplia a legitimidade passiva a entidades com interesses contrapostos aos do autor, como acontece com o Ministério da Defesa Nacional no caso sub judice.

C. Pelo que não pode nem deve ser levada a efeito qualquer interpretação restritiva da norma constante do art. 10º nº 2 do CPTA.

D. Tem de entender-se ao ser intentada a presente ação contra o Ministério da Defesa Nacional como intentada contra o Estado Português.

E. Pois, o Ministério da Defesa Nacional é o órgão que incumbe a prática do ato que está aqui em causa na presente ação.

F. Ao não decidir assim, a sentença recorrida violou o que se dispõe no nº 2 e 4 do art. 10º,, nº 2 do art. 11º, ambos do CPTA, nº 1 do art. 20º do CPC.

G. Na situação em apreço, o Ministério da Defesa Nacional, e em concreto o Exército Português, ao decidir praticar, ou não, os atos, objeto do pedido, atua no exercício do ius autorictatis que impõe aquele um dever especial de proteção dos cidadãos que prestam serviço militar.

H. Assim, os factos fundamento do pedido levam o próprio Ministério do Exército Nacional à necessidade imperiosa da prática de um ato administrativo.

I. E conjugando a aplicação do art. 10º nº 2 e o art. 11º nº 2 conclui-se que a legitimidade passiva na ação comum cabe em princípio aos ministérios.

J. Excetuando-se as ações de contratos e ações de responsabilidade pura, em que a legitimidade passiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público.

K. Ora, no caso em apreço, a responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas está intimamente relacionado com a prática de um ato administrativo (no caso com omissão do mesmo) por parte da entidade administrativa demandada originariamente.

L. Pelo que o Ministério da Defesa Nacional tem legitimidade passiva para ser demandado na presente ação.

M. Por outro lado, como é jurisprudência assente, a personalidade judiciária pode existir sem que a entidade que a detém goze de personalidade jurídica (cfr. Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 1991, BMJ, nº 410/634).

N. Acresce que, ao não permitir a sanação da falta de personalidade judiciária do Estado, a sentença recorrida violou o disposto no nº 2 do art. 265º do CPC, com prejuízo dos interesses do aqui Recorrente e, pondo em causa os direitos deste, o qual os pode ver prescritos a manter-se tal errónea decisão.

O. E tal como é sabido, demandado numa ação sobre responsabilidade, o Ministério em vez do Estado, não deve, tendo em conta o princípio da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma, ser proferida decisão de absolvição da instância, antes devendo ser convidado o autor a corrigir a petição inicial, por força do princípio da economia processual – artigos 7º, 11º nº 2 do CPTA.

P. Seria excessivamente formalista e contrário ao princípio “pro actione” consagrado no artigo 7º do CPTA de acordo com o qual o Tribunal deve interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronuncia de mérito das pretensões formuladas, proferir uma decisão de absolvição da instância quando a falha da petição inicial se traduz, eventual e unicamente, na errada identificação do sujeito processual.

Q. E, no caso em apreço, deve concluir-se que a única e eventual irregularidade que a Petição Inicial pode apresentar consiste numa errada identificação do réu.”

Notificado o Recorrido não contra-alegou.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA emitiu Parecer (fls. 115) no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


*
2. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (das questões a decidir)
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho), ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao julgar procedentes as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, com violação do disposto nos nº 2 e 4 do artigo 10º e no nº 2 do artigo 11º do CPTA, ou se, a entender-se ocorrerem, por dever ter sido demandado o Estado Português e não o Ministério da Defesa, deveria ter-se promovido a sua sanação, convidado o autor a corrigir a petição inicial, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 265º do CPC e dos artigos 7º e 11º nº 2 do CPTA.
*
3. FUNDAMENTAÇÃO
~
Da decisão recorrida
No despacho-saneador de 20/05/2013 a Mmª Juiz do Tribunal a quo julgou procedentes as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado Ministério da Defesa Nacional – Exército Português, absolveu-o em consequência da instância. Decisão que se suportou na seguinte fundamentação, ali assim vertida, que se transcreve:
“Da ilegitimidade/falta de personalidade judiciária do R.
O A. veio intentar contra o Ministério da Defesa Nacional — Exército Português a presente ação administrativa comum de responsabilidade civil, peticionando o pagamento de indemnização por danos sofridos, decorrentes de saltos de para-quedas por si realizados em Abril de 2006.
Alegou que no seguimento de três saltos realizados no mesmo dia sofreu diversas lesões físicas e que, perante o insucesso de tratamento cirúrgico posteriormente realizado e os riscos de realização de segunda intervenção cirúrgica, a que não se submeteu, foi considerado incapaz para todo o serviço militar em final de Setembro de 2009, deixando de auferir o seu vencimento desde Outubro de 2009 até Março de 2010, data em que o seu contrato terminaria, não tendo o mesmo sido renovado em virtude da incapacidade sofrida.
Assim, peticiona desde logo o valor correspondente aos vencimentos que deixou de auferir desde Outubro de 2009, acrescido do valor que auferiria até 2012, em caso de renovação de contrato, mais o subsídio de Natal de 2009, proporcionais de subsídios de Férias e de Natal de 2010, num montante global de €23.282,91.
Mais peticiona o valor de €147.119,28 referente a danos corporais, contabilizando a quantia de €30,00 por cada dia em que esteve internado, €2.265,00 pelo dano biológico, €4.000,00 pelo dano estético, €5.200,00 referente ao quantum doloris, €100.000,00 pela incapacidade permanente absoluta para a prática da sua profissão habitual (soldado para-quedista) e €35.594,28 pela incapacidade permanente parcial.
Finalmente, peticionou o valor de €75.000,00 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos, consubstanciados em «grande dor, desgosto, angústia e ansiedade, uma vez que aquela era a vida profissional que tinha escolhido e tinha a perspetiva profissional de fazer “carreira militar”, vendo, assim, de um momento para o outro o seu sonho destruído (...) o réu “atirou” o autor para uma situação de carência deixando-o sem trabalho, impedindo-o de arranjar outra ocupação labora! remunerada de igual nível, o que lhe provocou, igualmente, um sentimento de frustração, sofrimento e incerteza do futuro».
O Exército Português, representado pelo Chefe do seu Estado-Maior, veio desde logo suscitar a sua falta de personalidade judiciária e ilegitimidade, na medida em que, estando-se perante uma ação de responsabilidade civil, apenas o Estado deveria figurar como demandado, porquanto apenas este goza de personalidade judiciária, atento o disposto no artigo 11º, n.° 2 do CPTA.
O A. replicou, alegando que tal exceção não foi invocada na providência cautelar intentada, e que o Tribunal julgou então as partes legítimas, não assistindo razão ao R. demandado.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 10º n.°1 do CPTA, cada ação “deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”, prevendo o n.° 2 do mesmo artigo que, quando os autos tenham “por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.”.
A propósito desta norma, referem AROSO DE ALMEIDA/FERNANDES CADILHA que a mesma «... não abrange todo o tipo de processos intentados contra entidades públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam ao recurso contencioso de anulação e à impugnação de normas (agora enunciadas nos artigos 50º e segs. e 72.°), e a que há a acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação na prática de ato devido e à declaração de ilegalidade por omissão de normas (artigos 66.° e 77.º), bem como as ações de reconhecimento de direitos e as ações de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo (artigo 37, n° 2, alíneas a), b), c) d) e e)). Trata-se, portanto, dos processos que seguem a forma de ação administrativa especial e uma parcela dos processos que seguem a forma da ação administrativa comum.»,
No processo cautelar intentado, de acordo com a sentença parcial junta pelo A. com a sua réplica (Doc. n.°2), verifica-se que o A. pediu a suspensão de eficácia «de ato administrativo da requerida que determinou o não cumprimento unilateral do contrato com o requerente, e consequentemente, o não pagamento do requerente».
Assim, os presentes autos não se configuram como o processo principal do referido processo cautelar, porquanto o pedido a realizar, para que assim se considerasse, era um mero pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade do ato proferido. Pretendendo o A o ressarcimento dos prejuízos sofridos em consequência de comportamento alegadamente ilícito da Administração, está em causa a mera condenação no pagamento de uma indemnização, comprovados que sejam os pressupostos legais da responsabilidade civil, pelo que a legitimidade passiva pertence ao Estado, o qual é representado na ação pelo Ministério Público (cfr. art.° 11.°, n.° 2 do CPTA).
Na verdade, o artigo 11.°, n.°2 do CPTA prevê que sem prejuízo “da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito...”
Como se viu já, o CPTA dispõe de regras próprias em sede de legitimidade processual, as quais se encontram previstas essencialmente nos seus artigos 9.° e 10.º, donde se retira que a regra geral em matéria de legitimidade processual passiva é a que consta do n.° 1 do artigo 10.° (já acima analisado), e que a regra constante do n.° 2 «desse mesmo preceito legal corresponde às situações de legitimidade processual passiva no que concerne, por um lado, aos processos que seguem a forma da Ação Administrativa Especial, e, por outro lado, aos processos que seguem a forma da Ação Administrativa Comum, com ressalva daqueles que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, caso em que, de acordo com a regra que se extrai do art° 11°-2, as ações devem ser interpostas contra o Estado, que se deve fazer representar em juízo pelo Ministério Público» (Ac. TCAN de 11.01.2007, proc. n.° 00534/04.8 BEPN F), disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).
Neste mesmo sentido vide, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03.03.2010 (proc. n.° 0278/09), do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.07.2007 (proc. n.° 0080/05.6BEPRT), e de 11.11.2011 (proc. n.° 00l6l/07.8BEBRG), e do Tribunal Central Administrativo Sul de 23.04.2009 (proc. n.° 04053/08).
Pela que, tendo a presente ação sida proposta singularmente contra o Ministério da Defesa Nacional — Exército Português, e não contra o Estado, existirá uma situação de ilegitimidade passiva singular, a qual constitui uma exceção dilatória insuprível, uma vez que o demandado não possui personalidade judiciária, nas termos gerais, nem legitimidade processual passiva para este tipo de ação.
E porque é tal exceção insuprível?
Em primeiro lugar, porque os processos que tenham por objeto litígios relativos às situações enunciadas no artigo 37º do CPTA, como é o caso dos presentes autos, seguem a forma de ação administrativa comum e os termos do processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima (cfr. art.° 35.º, n.° 1, 42.°, nº 1 e 43.º do CPTA).
De facto, aos presentes autos é aplicável em primeira linha a disposto nos artigos 1.° a 45.º do CPTA e em segunda linha, por força do disposto nos artigos 35.º, n.° 1 e 42.°, n.° 1 do CPTA, as disposições do Código de Processo Civil relativas ao processo de declaração na forma ordinária. Mas nunca, designadamente por falta de norma remissiva, qualquer disposição referente à ação administrativa especial.
Ora, seguindo os presentes autos os termos do processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, é indiscutível que a situação de ilegitimidade passiva singular constitui uma exceção dilatória insuprível: nos «... casos de legitimidade plural, a ilegitimidade pode ser suprida pelo chamamento à demanda dos vários interessados, mesmo após o transito em julgado do despacho saneador que absolva o réu da instância com fundamento em não estar em juízo determinada pessoa. Mas quando se trata de ilegitimidade singular, em que o sujeito da relação jurídica processual não é titular de qualquer interesses em conflito, ela é insanável. Como refere Anselmo de Castro, «a legitimidade singular é insuprível», pois, mesmo que intervenha a verdadeira parte não pode deixar de se absolver da instância a parte que nada tem a ver com a relação material controvertida (cfr. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. 11. pág. 216). Há, pois exceções, como a incompetência, a falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade singular, sobre as quais não faz sentido usar os poderes dos artigos 508° e 265° do CPC porque necessariamente seguirá uma sentença de absolvição da instância. Subsistindo a exceção, por insupribilidade, e não sendo caso de chamamento à demanda da parte em falta (n°2 do art. 269°), a situação só poderá ser corrigida através de nova ação a intentar dentro de 30 dias do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, com manutenção dos efeitos civis derivados da propositura da primeira causa (cfr. art. 289° do CPC). Uma nova ação, e não a substituição da petição Inicial, é o solução que a lei processual civil prevê para os casos de absolvição da instância por impossibilidade de suprimento da exceção.» (Ac. TCAN de 21.10.2004, proc. n.° 00229104.3BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).
Assim, não é possível aplicar o disposto nos artigos 88.° e 89.°, n.° 2 do CPTA, porquanto tais normativos referem-se apenas aos processos que correm sob a forma de ação administrativa especial, e que seguem a tramitação regulada no capítulo III do título III do visado Código.
Considerando o princípio da unidade do sistema jurídico, consideramos inaplicável uma interpretação nas normas processuais civis, referentes a formas processuais estabelecidas e reguladas no Código de Processo Civil (e para as quais o CPTA expressamente remete), à luz de normas estabelecidas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos para uma forma processual consagrada apenas neste último. Admitir o contrário levar-nos-ia à consagração de um sistema jurídico onde seria possível decidir em sentido diametralmente oposto, em processos perfeitamente iguais, consoante estivéssemos num Tribunal Judicial ou num Tribunal Administrativo.
Por outro lado, também não é possível aplicar o disposto no artigo 10.°, n.° 4 do CPTA, porquanto não está em causa a aplicabilidade, em primeira linha, do previsto nos n.°s 2 e 3 do mesmo artigo, e porque tal artigo sempre considera como regularmente proposta a ação contra o ministério a que o órgão pertence, e não contra o próprio Estado, como deveria suceder nos presentes autos.
Assim, atento tudo quanto o exposto, e nos termos do disposto nos artigos 493.°, n.°2, 494.°, aIs. c) e e) e 510.°, n.° 1, al. a) do CPC (aplicáveis ex vi art.° 1.º e 42.°, n.° 1 do CPTA), julgando-se procedentes as exceções de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva do Demandado, absolve-se o mesmo da instância.
Considerando a falta de personalidade judiciária e ilegitimidade do R., o conhecimento das demais exceções por si invocadas fica prejudicado.”
~
Da tese do recorrente
Pugna o recorrente pela revogação da decisão recorrida, por violação do disposto nos nº 2 e 4 do artigo 10º e no nº 2 do artigo 11º do CPTA, defendendo dever considerar-se deter o demandado Ministério da Defesa legitimidade passiva para a ação, com ele prosseguindo-se os demais termos, ou caso assim não se entender, por dever ter sido demandado o Estado Português e não o Ministério da Defesa, que deveria ter sido promovida a sua sanação, convidado o autor a corrigir a petição inicial, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 265º do CPC e dos artigos 7º e 11º nº 2 do CPTA.
~
Da análise e apreciação das questões a decidir
Em face do objeto do presente recurso, tal como se encontra delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), a primeira das questões a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar procedentes as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, com violação do disposto nos nº 2 e 4 do artigo 10º e no nº 2 do artigo 11º do CPTA.
E caso não proceda tal fundamento do recurso, importará ainda, então, decidir da questão de saber se o Tribunal a quo deveria ter-se promovido a sua sanação, convidado o autor a corrigir a petição inicial, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 265º do CPC e dos artigos 7º e 11º nº 2 do CPTA.
Comecemos, pois, por apreciar, a primeira das questões.
~
3.1 Da questão de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar procedentes as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, com violação do disposto nos nº 2 e 4 do artigo 10º e no nº 2 do artigo 11º do CPTA.
Atentemos nos invocados dispositivos legais.
Dispõe o artigo 10º do CPTA o seguinte:
“Artigo 10.º
Legitimidade passiva
1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 - Quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 - Os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença.
4 - O disposto nos dois números anteriores não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o ato impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a ação proposta contra a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence.
5 - Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas coletivas ou ministérios, devem ser demandados as pessoas coletivas ou os ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas.
6 - Nos processos respeitantes a litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva, a ação é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio.
7 - Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.
8 - Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra a Administração exija a colaboração de outra ou outras entidades, para além daquela contra a qual é dirigido o pedido principal, cabe a esta última promover a respetiva intervenção no processo.”

E dispõe o artigo 11º do CPTA o seguinte:
“Artigo 11.º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 - Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.
2 - Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 - Para o efeito do disposto no número anterior, e sem prejuízo do disposto nos dois números seguintes, o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do ministério.
4 - Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.
5 - Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, mas a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva.”

Na situação dos autos temos que o recorrente instaurou uma ação administrativa comum, identificando ser nela parte demandada o «Ministério da Defesa Nacional – Exército Português».
E nessa ação o recorrente, autor, formula o seguinte pedido nos seguintes termos:



Na decisão recorrida a Mmª Juiz do Tribunal a quo entendeu, em face do pedido assim formulado, e dos respetivos fundamentos (causa de pedir) para tanto expostos ao longo da Petição Inicial, que o aqui recorrente, autor na ação, pretende ser ressarcido dos prejuízos sofridos em consequência de comportamento alegadamente ilícito da Administração e que assim está em causa a mera condenação no pagamento de uma indemnização, comprovados que sejam os pressupostos legais da responsabilidade civil. Do que concluiu que, sendo assim, a legitimidade passiva para tal ação pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, por considerar que, nos termos do artigo 11º nº 2 do CPTA, nas ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, parte demandada deve ser Estado, representado pelo Ministério Público. Concluindo que “tendo a presente ação sida proposta singularmente contra o Ministério da Defesa Nacional — Exército Português, e não contra o Estado, existirá uma situação de ilegitimidade passiva singular, a qual constitui uma exceção dilatória insuprível, uma vez que o demandado não possui personalidade judiciária, nas termos gerais, nem legitimidade processual passiva para este tipo de ação.”
Não se estranha a utilização, aparentemente indiferenciada, feita na decisão recorrida, dos conceitos de legitimidade e de personalidade judiciária. Na verdade a questão de saber qual a entidade pública que deve ser demandada como ré numa ação administrativa é a maior parte das vezes encarada apenas como um problema de legitimidade passiva, desde logo, porque essa é a epígrafe do artigo 10º do CPTA: “legitimidade passiva”.
Porém tal epígrafe pode ser enganadora, já que, na verdade, as regras ali previstas respeitam não apenas à determinação da legitimidade passiva, mas também às respeitantes à personalidade judiciária das entidades públicas.
Quando, como é bom de ver, uma e outra constituem pressupostos processuais distintos entre si, não se podendo confundir, sendo pois essencial ao correto enquadramento da questão a compreensão dos pressupostos processuais, de personalidade judiciária e de legitimidade processual. Sendo certo que, um e outro, também não se confundem com a capacidade judiciária, (que consiste na suscetibilidade de estar por si em juízo, a qual tem por base e por medida a capacidade do exercício direitos - cfr. artigo 9º nºs 1 e 2 do CPC antigo, correspondente ao artigo 15º do CPC novo).
Com efeito, enquanto a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte em juízo (cfr. artigo 5º nº 1 do CPC antigo, correspondente ao artigo 11º nº 1 do CPC novo), traduzindo-se assim numa qualidade pessoal da parte, a legitimidade processual não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas uma qualidade do sujeito em relação a uma determinada ação com um certo objeto, consistindo na suscetibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objeto daquela ação, tratando-se, por conseguinte, de um conceito de relação (vide, entre outros, V. ANTUNES VARELA,J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, 179 e ss.).
Ora, no que tange à personalidade judiciária cumpre evidenciar que o CPTA não autonomizou tal pressuposto, o que não facilita a resolução das questões respeitantes à personalidade judiciária das entidades administrativas em sede de contencioso administrativo.
Pode, no entanto, retirar-se do disposto na 1ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas, ao estatuir ali que “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público”. Princípio da coincidência que é acolhido, também, no processo civil, dispondo o nº 2 do artigo 5º nº 2 do CPC antigo (a que corresponde o nº 2 do artigo 11º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013), de aplicação subsidiária nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 1º do CPTA), que “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
Porém, a 2ª parte do mesmo nº 2 daquele artigo 10º salvaguarda logo uma exceção, nos termos da qual “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é (…), no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Trata-se, aqui, na verdade, de um caso de extensão de personalidade judiciária (ainda que para alcançar tal desiderato não seja sido usada técnica idêntica à que foi seguida para os casos de extensão de personalidade judiciária previstos nos artigos 6º e 7º do CPC antigo, correspondentes aos atuais artigos 12º e 13º do CPC novo) atribuindo-se personalidade judiciária aos ministérios, em vez do Estado.
Assim, consubstanciam ilegitimidade passiva em sentido próprio os casos em que o autor demanda uma entidade pública que não é a contraparte na relação material controvertida, tal como esta é configurada na petição inicial.
E consubstanciam situação de falta de personalidade judiciária da entidade pública demandada aquelas em que a ação é instaurada contra uma entidade sem personalidade jurídica para a qual a lei não estende (excecionalmente), a suscetibilidade de ser parte em juízo.
A extensão de personalidade jurídica aos ministérios, prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, apenas ocorre quando se esteja perante processo que “tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública”, como expressamente ali se prevê. Do que tem que entender-se que não se estabeleceu ali uma cláusula geral de extensão da personalidade judiciária aos ministérios.
Importa, pois, definir o alcance deste segmento normativo, precisando para que situações se encontra reservada a excecional extensão da personalidade judiciária aos ministérios (os quais não têm personalidade jurídica).
Não pode ser inócuo, antes constituindo um importante contributo para a solução da questão, o segmento inserto na parte final do nº 2 do artigo 10º do CPTA, nos termos do qual, em tal situação (quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública), parte demandada é, no caso do Estado, o ministério “a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Com efeito, daqui deve retirar-se que a expressão “ação ou omissão de uma entidade pública”, usada no nº 2 do artigo 10º do CPTA, está desde logo associada às ações ou omissões de entidade pública que impliquem o exercício de poderes de autoridade para a emissão de normas ou atos administrativos. Pelo que tal regra é de aplicar, desde logo, no âmbito da ação administrativa especial prevista no Título III do CPTA, a qual constitui o meio processo processual a utilizar (forma de processo a seguir) para as ações judiciais “cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo” (cfr. artigo 46º nº 1 do CPTA). Meio processual a usar para a formulação dos seguintes pedidos principais: anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica; condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido; declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo; declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo (cfr. nº 2 do artigo 46º do CPTA).
Mas será que tal implica que essa regra não possa ser seguida quando o meio processual em causa é o da ação administrativa comum, a que alude o artigo 37º do CPTA? Ou de outro modo, será que a excecional extensão da personalidade judiciária aos ministérios, prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, não vigora para o meio processual ação administrativa comum, de modo que nesta forma de processo se mantém apenas a regra de coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas?
É conhecida a discussão em torno deste problema, designadamente em face das dificuldades resultantes da amplitude, diversidade e distinta natureza dos litígios que podem constituir objeto de uma ação administrativa comum.
O desde logo decorre da circunstância de, numa matriz essencialmente dualista das formas de processo acolhida no atual CPTA, que estabelece duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (vide, a este propósito, Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda Pedro Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs), a ação administrativa comum assumir uma natureza subsidiária, constituindo, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 37º do CPTA, a forma de processo a seguir quando para o objeto do litígio não se encontre prevista uma forma de processo especial, seja no CPTA, seja em legislação avulsa.
O que é também evidenciado pelo nº 2 do mesmo artigo, quando ali se enumeram (a título exemplificativo, lembre-se) os objetos de litígio a que deve corresponder a forma de ação administrativa comum, a saber:
“a) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
b) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
c) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo;
d) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;
e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
f) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo ações de regresso;
g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público;
h) Interpretação, validade ou execução de contratos;
i) Enriquecimento sem causa;
j) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”

Os problemas de interpretação da norma do nº 2 do artigo 10º do CPTA, são muitos, nomeadamente quanto à sua aplicabilidade no âmbito dos processos que seguem a forma de ação administrativa comum (vide, para maiores desenvolvimentos, Esperança Mealha, in, “Personalidade judiciária e legitimidade passiva das entidades públicas”, Publicações CEDIPRE Online 2; Coimbra, Novembro, 2010, in, htpp://www.cedipre.fd.uc.pt).
Cingemo-nos, todavia, ao que releva para a resolução da questão em causa nos autos, que é o que importa.
Na decisão recorrida a Mmª Juiz do Tribunal a quo entendeu, em face do pedido formulado e dos respetivos fundamentos, tal como vêm expostos na Petição Inicial, que o aqui recorrente, autor na ação, pretende ser ressarcido dos prejuízos sofridos em consequência de comportamento alegadamente ilícito da Administração e que assim está em causa a mera condenação no pagamento de uma indemnização, tendo assim considerado estar-se perante uma ação de responsabilidade civil (a que alude a alínea f) do nº 2 do artigo 37º do CPTA). E bem, diga-se. O que, ademais, vai ao encontro do que foi por ele perfilhado em sede de réplica (vide designadamente artigos 47º e 48º daquele seu articulado), e que não foi posto em causa pelo recorrente, em sede do presente recurso.
Com efeito, em face do pedido formulado e dos fundamentos da ação, tal como alegados na Petição Inicial, tem de considerar-se que o objeto do litigio, tal como foi configurado pelo autor na petição inicial, respeita a “responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes”, já que o que o autor peticiona é o pagamento de indemnizações, cujos valores cumula, ainda que fundadas em factos ilícitos distintos, que imputa ao Ministério da Defesa – Exército Nacional, tal como por si identificado.
E como é sabido o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa consagra a atribuição de um direito fundamental a ser indemnizado por prejuízos causados por ações ou omissões do poder público, a que corresponde um dever público de indemnizar sempre que ocorra a lesão de tais direitos. Sendo que no âmbito da responsabilidade civil por danos decorrentes de facto ilícito no exercício da função administrativa, à luz do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (com a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho – lei que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), consideram-se ilícitas “as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos” (cfr. artigo 9º nº 1), existindo também ilicitude “quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.
Mas a circunstância de na base de algum(ns) dos pedidos formulados pelo recorrente, autor na ação, poder estar a prática de uma ato administrativo ilegal (ou a ilegal omissão ou recusa da prática de uma ato administrativo devido) não altera a natureza do processo enquanto ação destinada a efetivar responsabilidade civil fundada na prática de ato administrativo ilegal, ou na omissão (recusa) ilegal do ato devido, como será o caso, quer no que respeita à decisão pela qual foi considerado «incapaz de todo o serviço militar, apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência» (a que se refere no artigo 21º da sua Petição Inicial), que lhe foi notificado, como alega, no mês de Setembro de 2009, na decorrência das lesões corporais que sofreu com as quedas de paraquedas que efetuou, quando se encontrava a prestar serviço militar voluntário, cujo ressarcimento (pelos danos que alega, delas decorrentes) também visa na ação, quer na circunstância de ter deixado de lhe ser pago a partir do mês de Outubro do mesmo ano de 2009 as quantias salariais. Até porque a circunstância de não ter sido oportunamente impugnado um determinado ato administrativo (ou de não ter sido oportunamente peticionada a condenação na prática de ato administrativo devido ilegalmente recusado ou omitido) não impede a instauração de ação destinada a efetivar responsabilidade civil extracontratual fundada na ilegalidade desse mesmo ato (ou na ilegalidade da sua omissão ou recusa), importando nesse caso conhecer, ainda que a título meramente incidental, da ilegalidade de tal ato. É o que decorre do artigo 38º nº 1 do CPTA que dispõe que “nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado”. Mas também o que já decorria do artigo 7º, 1ª parte do Decreto-Lei nº 48051 de 21 de Novembro de 1967 (diploma que estabelecia o regime responsabilidade civil do Estado e das pessoas coletivas públicas) de acordo com o qual “o dever de indemnizar, por parte do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer dos atos causadores do dano”. O que se mantém no novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Pelo que, ainda que seja imputável ao Ministério da Defesa Nacional a prática (ou omissão) dos identificados atos, como alude o recorrente nas suas alegações (vide conclusões E) e G) das suas alegações), tal circunstância não altera o objeto do litígio.
Mas será que tal conduz a que parte demandada na ação deva ser o Ministério da Defesa, como propugna o recorrente, e que assim tenha a decisão recorrida incorrido em erro de julgamento, com violação do disposto nos nº 2 e 4 do artigo 10º e no nº 2 do artigo 11º do CPTA, ao dar por verificadas as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, por entender que nas ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, parte demandada deve ser Estado, representado pelo Ministério Público?
Não há divergência de entendimento, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de que as ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual devem ser interpostas contra o Estado (representado em juízo pelo Ministério Público), e não contra os ministérios (vide, designadamente, na jurisprudência os Acórdãos do TCA Norte de 21/02/2008, Proc. 00639/06.0BEBRG‐A.; de 11/01/2007, Proc. 00534/04.8BEPNF; de 24/05/2007, Proc. 00184/05.1BEPRT; de 30/10/2008, Proc. 01170/05.7BEBRG, do TCA Sul, de 01/10/2009, Proc. 02405/07 e do STA de 03/03/2010, Proc. 0278/09, todos in, www.dgsi.pt, e na doutrina, designadamente Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005; PEDRO GONÇALVES, in, “A ação administrativa comum”, A Reforma da Justiça Administrativa, Studia Iuridica 86, Colloquia – 15, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 127‐167, 161).
Entendimento que começou por ser extraído do artigo 11º nº 2 do CPTA, que dispõe que “sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico”, e assente, também, em certa medida, na sua raiz histórica, decorrente dos termos em que na LPTA, se encontravam estabelecidas as “ações sobre contratos e responsabilidade” (cfr. secção II, do Capítulo VI, da LPTA).
Estamos em crer, no entanto, que o que a norma do nº 2 do artigo 11º do CPTA visa é a representação em juízo, estabelecendo possibilidades distintas para as entidades públicas (face à obrigação-regra de constituição de advogado prevista no nº 1 do mesmo artigo 11º). Nada dizendo, na verdade, sobre quem pode ser parte (demandada) em juízo nas ações sobre contratos ou de responsabilidade civil de entidades públicas.
Não pode, no entanto, negar-se que da ressalva feita no segmento normativo inserto na 1ª parte do nº 2 do artigo 11º do CPTA (“sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade), tem também que derivar, em conjugação com o nº 2 do artigo 10º do CPTA (na parte que alude à demanda do “ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”) que apenas a pessoa coletiva Estado pode ser demandada neste tipo de ações (sobre contratos ou de responsabilidade civil), estando, também por isso, afastada nelas a extensão da personalidade judiciária aos ministérios prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA.
É que, se assim não fosse, entendendo-se, como parece propugnar o recorrente, que mesmo nas ações de responsabilidade (e sobre contratos), por estar em causa uma ação ou omissão da pessoa coletiva Estado, em alusão à 1ª parte do nº 2 do artigo 10º (“quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública”) parte demandada deve ser o Ministério (a “cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” – cfr. 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA), então seria desprovida de qualquer utilidade a norma do nº 2 do artigo 11º, na qual se encontra ressalvada a representação em juízo do Estado pelo Ministério Pública nas ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, esvaziando-se esta de qualquer sentido. O que não terá sido querido pelo legislador.
O que explica que seja entendido (e que justifica que assim o seja), que o nº 2 do artigo 10º do CPTA deve ser interpretado restritivamente, no sentido de não ser de aplicar às ações administrativas comuns que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade a extensão da personalidade judiciária aos ministérios (prevista na 2ª parte daquele nº 2), reservada para distinto âmbito. Nesse sentido, vide, na doutrina, nomeadamente, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª Edição, 2010, págs. 85 e 86, em anotação ao art. 10º n.º 2 e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, 2006, pág. 167. Entendimento que foi também o seguido no recente acórdão deste TCA Sul de 06/11/2014, Proc. 10627/13, bem como nos anteriores acórdãos de 16/12/2013, Proc. 10159/13 e de 22/04/2010, Proc. 05901/10, disponíveis in, www.dgsi.pt/jcas.
Mantem-se, por conseguinte, naquele tipo de ações (que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade), a regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas. Pelo que, para elas, não detêm os ministérios (em que se integrem os órgãos administrativos parte num contrato, no caso de ações sobre contratos, ou a quem sejam imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório, no caso de ações referentes a responsabilidade civil) personalidade judiciária.
Aqui chegados, e considerando que, como se viu, é de configurar que o objeto da ação em causa respeita a responsabilidade civil, quem pode estar em juízo é a pessoa coletiva em que se integram os órgãos a quem são imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório, no caso o Estado.
Pelo que, e por estes fundamentos, não totalmente coincidentes com os da decisão recorrida, tem que manter-se o julgamento nela feito, de que o Ministério da Defesa, demandado na ação, não possui personalidade judiciária para este tipo de ação (de responsabilidade), não podendo ser parte em juízo.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
*
3.2 Da questão de saber se o Tribunal a quo se o Tribunal a quo deveria ter convidado o autor a corrigir a petição inicial, com vista a identificar o Estado Português como parte demandada, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 265º do CPC e dos artigos 7º e 11º nº 2 do CPTA.
É já reiterada, e maioritária, a jurisprudência no sentido de que a falta de personalidade judiciária (ainda que, em alguns casos, entendida como ilegitimidade passiva) do ministério que seja demandado em ação comum relativa a contratos ou a responsabilidade, por a mesma pertencer ao Estado não é suprível, não admitindo correção, seja oficiosamente, pelo Tribunal, seja pelo autor, após convite para o efeito. Nesse sentido veja-se, designadamente, os Acórdãos TCA Norte de 24/05/2007, Proc. 00184/05.1BEPRT, de 11/01/2007, Proc. 00534/04.8BEPNF; de 19/07/2007, Proc. 00805/05.6BEPRT e o acórdão deste TCA Sul, de 23/04/2009, Proc. 04053/08, todos in www.dgsi.pt e o Acórdão do STA de 03/03/2010, Proc. 0278/09, citado na decisão recorrida.
Ainda que com ela coexista jurisprudência em sentido contrário, que considera que o autor deve ser convidado a aperfeiçoar a petição quando, em ação administrativa comum de responsabilidade civil tenha demandado o ministério em vez do Estado (nesse sentido, vide, designadamente, o Acórdão deste TCA Sul de 22/04/2010, Proc. 05901/10, in, www.dgsi.pt/jtcas).
Importa, pois, tomar posição.
No âmbito das regras processuais constantes do CPC entende-se, de modo reiterado e uniforme, que a falta de personalidade judiciária constitui exceção dilatória insuprível, comportando unicamente a exceção prevista no artigo 8º do CPC antigo (a que corresponde o artigo 14º do CPC novo) que permite a sanação da falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações quando estas sejam demandadas em ação procedente de facto praticado pela administração principal, sanação que nesse caso é efetuada através da intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (vide, a este respeito, por todos, António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol I, 2ª. ed., 1998, pág. 258).
E fora daquele caso, não se encontra nas normas do processo civil (aplicáveis subsidiariamente nos tribunais administrativos, ex vi do artigo 1º do CPTA) qualquer outra norma que permita a sanação da falta de personalidade judiciária do demandado na ação. Como também não se encontra nas normas do CPTA.
Ora a possibilidade de o juiz providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento de pressuposto processuais a que alude o nº 2 do artigo 265º do CPC antigo, invocado pelo recorrente (e que corresponde, grosso modo, ao nº 2 do artigo 6º do atual CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013) depende desde logo de se estar perante pressupostos processuais suscetíveis de sanação. O que não é o caso, como se viu.
Assim sendo, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, tem que improceder, também nesta parte, o recurso.
**
III. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em julgar improcedente o recurso jurisdicional, mantendo-se, com os fundamentos vertidos supra, a decisão de absolvição do réu da instância, por verificação da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária insuscetível de sanação.
~
Custas, em ambas as instâncias, pelo Recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Lisboa, 15 de Janeiro de 2015

_____________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)


_____________________________________________________
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos


_____________________________________________________
Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela