Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05144/11
Secção:CT- 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IVA. CUSTOS/INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I) Os princípios constitucionais que estruturam a indemnização a atribuir por motivo de expropriação impõem uma equivalência entre o valor da indemnização e valor dos bens expropriados, sendo que a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constitui uma indemnização pela perda das casas.
II) As indemnizações estão fora do campo da abrangência do IVA e o devedor da indemnização não pode repercutir sobre o indemnizado o valor suportado, a qualquer título, em sede de IVA.
III) A neutralidade do sistema do IVA impõe o direito ao reembolso do IVA suportado no conjunto das operações tributadas, verificando-se que a limitação ao direito de reembolso constitui uma situação excepcional, quando o sujeito passivo suporta IVA.
IV) Existe direito ao reembolso sempre que as operações tributadas tenham uma relação directa com as operações sujeitas a imposto, sendo que há uma relação directa e imediata mesmo quando uma operação entre sujeitos passivos não é tributada, por razões de mera praticabilidade, como acontece no caso em análise com a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz, impondo-se afirmar a existência de uma relação directa e imediata entre o IVA suportado na construção da nova Aldeia da Luz e actividade sujeita a imposto, a saber, a produção de energia e serviços de irrigação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 11-07-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A..., S.A.” na presente instância de IMPUGNAÇÃO e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IVA, do ano de 2003, e respectivos juros compensatórios, no montante total de €9.113.698,54.

Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 220-225 ) no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A
A douta sentença “a quo” anulou indevidamente a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios de 2003, no montante de € 9.113.698,54, desconsiderando o disposto no artigo 20º do Código do IVA.
B
O IVA objecto da liquidação adicional respeita ao imposto deduzido nos custos com a construção da nova Aldeia da Luz e que não foi objecto da respectiva regularização pela impugnante, quando da entrega desses bens e equipamentos aos particulares, na sequência da expropriação dos imóveis que ficaram submersos na albufeira do Alqueva.
C
Verificando-se assim uma afectação dos bens a sector isento, nos termos do artigo 3º, nº 3, al. f) do Código do IVA.
D
Para fundamentar a anulação da liquidação do referido IVA, considerou a douta sentença sob recurso que a atribuição das novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constituiu uma indemnização pela perda das casas e que tais as indemnizações estão fora da abrangência do IVA
E
O Decreto-Lei nº 21-A/98, de 6/02/1998, veio estabelecer que a indemnização a atribuir aos proprietários dos imóveis expropriados poderia ser satisfeita, como foi, com a cedência de bens ou direitos com características equivalentes (prédios urbanos e/ou rústicos).
F
Outrossim previa o sobredito diploma legal a isenção do Imposto Municipal de Sisa, para as aquisições dos bens imóveis cedidos a título de indemnização, donde resulta que o legislador pretendeu não ver tributadas, em sede de Sisa, as transmissões dos imóveis para os seus novos proprietários.
G
A actividade exercida pela impugnante enquadra-se, para efeitos de IVA, no regime normal, de periodicidade trimestral, pelo que a entrega dos imóveis aos habitantes da submersa Aldeia da Luz será assimilada a transferência de bens do sector de actividade não isento para o sector de actividade isento (artigo 9º, nº 31 (actual nº 30) do CIVA.
H
E sendo os imóveis afectos a um sector isento da actividade exercida pela impugnante, deverá “in casu” proceder-se à regularização do IVA inerente aos custos da construção da Aldeia da Luz.
I
Embora inseridas no âmbito geral do empreendimento do Alqueva, as obras de construção da nova Aldeia da Luz constituirão um sector distinto na actividade global da empresa, e, por isso, a afectação de bens de uma actividade tributada para uma isenta tem como consequência a regularização do IVA deduzido no âmbito da actividade isenta.
J
Constitui um princípio estruturante do mecanismo do IVA a dedução do imposto nas operações montante quando essa dedução se encontre ligada à liquidação do imposto a jusante.
L
Portanto, as obras de construção da nova Aldeia da Luz não estão ligadas à produção de bens e prestações de serviços tributados, nem mesmo integram já os activos imobilizados da impugnante e, como assim, salvo melhor opinião, a dedução do IVA suportado nos respectivos inputs não cumpre com o disposto no artigo 20º do CIVA.
M
Assim, a douta sentença “a quo” enferma do vício de erro no julgamento dos factos e do direito aplicável.

Pelas razões acima expendidas, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que Julgue a presente impugnação improcedente,
Como é de Justiça.”

A recorrida “A..., S.A.” apresentou contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
“…
A. A ora contra-alegante (A…) tem como escopo social único a concepção, execução, gestão e construção de todo o complexo de infra-estruturas que constituem o Empreendimento do Alqueva;
B. Os custos com a submersão da "antiga" Aldeia da Luz, a reconstrução de uma "nova" Aldeia da Luz, sob uma perspectiva holística do projecto, que muito acertadamente foi considerada pela meritíssima juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, fazem parte integrante do empreendimento do Alqueva (actividade tributada a jusante) única actividade da Impugnante;
C. A construção da barragem e acessoriamente efectuar outras obras com impacto na região, na perspectiva holística considerada em 1a instância, encararam a actividade da A…, a montante e a jusante, como um todo, um conjunto único de intervenções articuladas, todas necessárias para o objectivo publico de contribuir para o desenvolvimento social e económico do Alentejo - escopo societário único da A…. Eis a perspectiva holística!
D. Ficou claro em todo este processo que este empreendimento não pode ser visto como uma mera soma de actividades ficcionadas, mas que toda a actividade e inerentes custos incorridos pela A…, resultam dos processos e actividades interligadas, que formam um conjunto único, em contínua interação visando alcançar o fim último que é a construção da barragem para ser afecta às operações da impugnante (todas elas tributáveis);
E. É igualmente inconcebível qualquer sustentação na equiparação das operações inerentes a construção da Nova Aldeia da Luz a uma transmissão de bens a título oneroso, sujeita a SISA, e consequentemente isenta de IVA;
F. Os imóveis entregues foram de valor equivalente, porquanto o desiderato da entrega foi o de repor os habitantes da "antiga" aldeia da luz, na mesma situação em quês estava, isto trata-se no fundo de cumprir com o artigo 562° do Código Civil "quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o vento que obriga à reparação";
G. Houve no fundo uma entrega de bens de igual valor, facto que está excluído da previsão normativa da SISA, visto que as duas partes vêm a ficar exactamente na mesma situação que teriam, se não fosse verificado o evento indemnizável (submersão da Aldeia antiga);
H. Assim, a atribuição das habitações e infra-estruturas não estava isenta de IVA, pois não se encontrava no âmbito de incidência do extinto imposto de SISA;
I. Por outro lado também não podem estas indemnizações sujeitas a IVA, onerando os seus beneficiários (das habitações e infra-estruturas);
J. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir o imposto de que é devedor, esta utilização deve ser vista de forma ampla e não restritiva, de forma a não invalidar ou objectar o direito à dedução do imposto que esteja relacionado, directa ou indirectamente com operações tributáveis a montante;
Assim, face ao exposto, deve ser mantida a douta sentença a quo que procedeu a uma acertada análise dos factos controvertidos e aplicou o direito e os princípios fiscais legitimados na lei, na doutrina e jurisprudência comunitária

Pelas razões supras, e como É DA MAIS ELEMENTAR JUSTIÇA não deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela Representação da Fazenda Pública, devendo ser mantida a sentença recorrida”

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos:
“ (…)
A recorrente acima identificada vem sindicar a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, exarada a fls. 173/192, em 11 de Julho de 2011.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida da decisão de indeferimento de recurso hierárquico intentado contra o despacho de indeferimento de reclamação graciosa deduzida da Liquidação adicional de IVA de exercício de 2003, no entendimento de que a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constitui uma indemnização pela perda das antigas casas não isenta de IVA, sendo que os custos de tais casas, sob uma perspectiva holística do projecto do Alqueva fazem parte integrante do referido empreendimento (actividade tributada a jusante), aliás a única actividade da recorrida.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 223/225 que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 690.°/l do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 234/237 que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os feitos legais
A nosso ver e ressalvado melhor juízo o recurso não merece provimento, pelos fundamentos constantes das conclusões da recorrida e pareceres por si juntos autos e nos quais apoia a sua tese.
Os princípios constitucionais que estruturam a indemnização a atribuir por motivo de expropriação impõem uma equivalência entre o valor da indemnização e valor dos bens expropriados.
Efectivamente, a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constitui uma indemnização pela perda das casas.
As indemnizações estão fora do campo da abrangência do IVA.
O devedor da indemnização não pode repercutir sobre o indemnizado o valor suportado, a qualquer título, em sede de IVA.
A neutralidade do sistema do IVA impõe o direito ao reembolso do IVA suportado no conjunto das operações tributadas.
A limitação ao direito de reembolso constitui uma situação excepcional, quando o sujeito passivo suporta IVA.
Existe direito ao reembolso sempre que as operações tributadas tenham uma relação directa com as operações sujeitas a imposto.
Há uma relação directa e imediata mesmo quando uma operação entre sujeitos passivos não é tributada, por razões de mera praticabilidade, como acontece no caso em análise com a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz.
Ora, no caso em apreciação há uma relação directa e imediata entre o IVA suportado na construção da nova Aldeia da Luz e actividade sujeita a imposto, a saber, a produção de energia e serviços de irrigação, aliás a única actividade estatutária da recorrida.
Por outro lado, o IVA ir-se-á incorporar nos preços da actividade atrás mencionada.
Pelas razões apontadas é de manter a sentença recorrida.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
(…)”

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
As questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, em suma, em indagar se a liquidação adicional de IVA de 2003, que desconsiderou o IVA suportado com a construção da Nova Aldeia da Luz, se pode manter.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Nesta matéria, consta da decisão recorrida que:
“…
A) A Impugnante é uma sociedade que reveste a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e é a entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva e tem por objecto social a concepção, execução e construção e exploração deste empreendimento, contribuindo para a promoção do desenvolvimento económico e social na respectiva área de intervenção, pelo aproveitamento das diversas potencialidades objectivadas (cfr. Decretos-Leis nº 335/2001, de 24 de Dezembro e 21-A/98, de 6 de Fevereiro);

B) Na sequência de pedido de reembolso de IVA foi objecto de inspecção externa;

C) Do relatório elaborado em 2004.08.25, extracta-se:

a. (...);

b. 4. Análise interna dos reembolsos de IVA

c. 4.1 Procedimento de Inspecção

i. (...);

d. 4.2. Irregularidades apuradas

i. (...);

ii. Significativas diferenças de valores no VIES, nomeadamente entre os valores declarados pela A… e os declarados pelos seus fornecedores intracomunitários (...);

iii. Dedução do IVA suportado na construção da nova Aldeia da Luz e inexistência de regularizações do IVA deduzido, quando da entrega dos bens e equipamentos aos novos proprietários (afectação de bens a sector de actividade isento – artigo 9/31 CIVA);

iv. (...);

e. 6.6.2. Organização da contabilidade

i. A A… dispõe de contabilidade analítica organizada por Centro de Custos;

ii. (...);


f. 6.6.3. Identificação da natureza operações – Enquadramento tributário

i. (...) na sequência da análise pormenorizada dos documentos de fornecedores relacionados com a construção da nova Aldeia da Luz, identificaram-se três grandes grupos de operações distintas (...):

1. Construção de bens de domínio privado, nomeadamente a construção de casas de habitação e infra-estruturas conexas, a entregar a particulares não sujeitos passivos de IVA;

2. Construção de bens de domínio público, nomeadamente a construção de infra-estruturas colectivas (rede viária, rede de saneamento, cemitério, igreja, museu, etc.), a entregar e a explorar por entidades públicas (ou equiparadas), que no exercício do seu poder de autoridade não são sujeitos passivos de IVA;

3. Construção de bens de domínio privado, nomeadamente a construção de infra-estruturas colectivas (rede de água, rede eléctrica, rede de TV, etc.) a entregar a título gratuito, a entidades públicas e privadas, sujeitos passivos de IVA;

ii. As operações identificadas nas alíneas a) e b), classificam-se como operações de afectação de bens a sector de actividade isento (artigo 9/31 CIVA – transmissão de bens sujeitos a imposto de Sisa, embora dele isentos), por enquadramento no artigo 3/3.g) CIVA;

iii. As operações identificadas na alínea c), classificam-se como operações relacionadas com a transmissão gratuita de bens, por enquadramento no artigo 3/3.f) CIVA;

iv. Ou seja, em qualquer dos casos conclui-se que ambas as operações são assimiladas a transmissões de bens, de acordo como o artigo 3/3 CIVA;

v. Assim, o valor tributável destas operações determina-se em conformidade com o artigo 16/2.b) CIVA;

vi. No caso em apreço, o valor tributável só poderá ser o «preço de construção» dos bens (preço de custo), reportado ao momento de realização das operações (data da entrega dos bens), já que não existe possibilidade de comparação com outros valores a considerar;

g. 6.6.4. Proposta de correcção, quantificação e apuramento dos valores a corrigir

i. No entanto (...) a forma como a contabilidade da A… se encontra [organizada], não permite apurar e distinguir o valor tributável individualizado dos bens em que haverá que liquidar imposto;

ii. De facto, a maioria dos documentos de custo respeitam a empreitadas globais que abrangem, sem distinção de valor, os três tipos de operações identificadas no ponto anterior;

iii. Assim sendo e no sentido de não prejudicar a empresa por esse facto, assume-se como base tributável (ou valor tributável) o «custo de produção global» da nova Aldeia da Luz em que houve dedução de IVA e como imposto a liquidar, o valor do imposto deduzido até à data de 2003.12.31;

iv. O valor apurado e a corrigir (...) totaliza o montante de € 8 921 100,53;

h. (...);

D) Em 2004.08.30, foi emitida a nota de apuramento Mod. 382, relativa ao ano de 2003, de 01 a 12, no Q13 – apuramento do montante da liquidação adicional – artigo 82º (Correcção do Imposto) foi inscrito o montante de € 8 921 100,53 (cfr. fls. 166 e 166-v dos autos);

E) Em 2004.09.06, foi emitida a liquidação nº 04298571, de IVA do período de 2003, no montante de € 8 921 100,53, com prazo de cobrança de 2004.11.30 (cfr. fls. 165 dos autos);

F) Em 2004.09.06, foi emitida a liquidação nº 04298570, de IVA – juros compensatórios, no montante de € 192598,04, com prazo de cobrança de 2004.11.30 (cfr. fls. 165 dos autos);

G) Em 2005.01.31, deu entrada reclamação da impugnante solicitando a anulação da liquidação adicional de IVA do ano de 2003 (cfr. fls. 96 ss do PA junto aos autos);

H) Em 2005.05.19, foi proferido despacho de indeferimento e a Impugnante notificada para exercer o direito de audição, que exerceu em 2005.06.09;

I) Em 2005.06.14, foi proferido despacho de indeferimento, comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2005.06.21 (cfr. fls. 287 do PA junto aos autos);

J) A Impugnante deduziu recurso hierárquico (fls. 2 ss do PA junto aos autos);

K) Em 2006.05.18, pela Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, foi elaborada informação R023 2005106, na qual o Subdirector–Geral, em 2006.12.21, exarou despacho de Concordo. Indefiro (cfr. fls. 289 do PA junto);

L) Este despacho foi comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2007.01.09;

M) Em 2007.04.05, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a presente impugnação.


b) Factos não provados

Dos demais factos constantes da impugnação, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.


IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se tendo em conta os documentos e informações constantes do processo.
«»

3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, notar que a decisão recorrida julgou a presente impugnação procedente ponderando de forma particular que (i) os princípios constitucionais que estruturam a indemnização a atribuir por motivo de expropriação impõem a equivalência entre o valor da indemnização e o valor dos bens expropriados; (ii) a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constituiu uma indemnização pela perda das casas; (iii) as indemnizações estão fora da abrangência do IVA. (iv) A neutralidade do sistema IVA impõe o direito ao reembolso do IVA suportado no conjunto das operações tributadas; (v) existe um direito ao reembolso sempre que exista uma relação directa e imediata entre as operações sujeitas a imposto e as operações tributadas.

Nesta sequência, a Recorrente aponta que o IVA objecto da liquidação adicional respeita ao imposto deduzido nos custos com a construção da nova Aldeia da Luz e que não foi objecto da respectiva regularização pela impugnante, quando da entrega desses bens e equipamentos aos particulares, na sequência da expropriação dos imóveis que ficaram submersos na albufeira do Alqueva, verificando-se assim uma afectação dos bens a sector isento, nos termos do artigo 3º, nº 3, al. f) do Código do IVA, sendo que para fundamentar a anulação da liquidação do referido IVA, considerou a douta sentença sob recurso que a atribuição das novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constituiu uma indemnização pela perda das casas e que tais as indemnizações estão fora da abrangência do IVA.
Ora, o Decreto-Lei nº 21-A/98, de 6/02/1998, veio estabelecer que a indemnização a atribuir aos proprietários dos imóveis expropriados poderia ser satisfeita, como foi, com a cedência de bens ou direitos com características equivalentes (prédios urbanos e/ou rústicos).
Outrossim previa o sobredito diploma legal a isenção do Imposto Municipal de Sisa, para as aquisições dos bens imóveis cedidos a título de indemnização, donde resulta que o legislador pretendeu não ver tributadas, em sede de Sisa, as transmissões dos imóveis para os seus novos proprietários.
A actividade exercida pela impugnante enquadra-se, para efeitos de IVA, no regime normal, de periodicidade trimestral, pelo que a entrega dos imóveis aos habitantes da submersa Aldeia da Luz será assimilada a transferência de bens do sector de actividade não isento para o sector de actividade isento (artigo 9º, nº 31 (actual nº 30) do CIVA e sendo os imóveis afectos a um sector isento da actividade exercida pela impugnante, deverá “in casu” proceder-se à regularização do IVA inerente aos custos da construção da Aldeia da Luz.
Embora inseridas no âmbito geral do empreendimento do Alqueva, as obras de construção da nova Aldeia da Luz constituirão um sector distinto na actividade global da empresa, e, por isso, a afectação de bens de uma actividade tributada para uma isenta tem como consequência a regularização do IVA deduzido no âmbito da actividade isenta.
Constitui um princípio estruturante do mecanismo do IVA a dedução do imposto nas operações montante quando essa dedução se encontre ligada à liquidação do imposto a jusante.
Portanto, as obras de construção da nova Aldeia da Luz não estão ligadas à produção de bens e prestações de serviços tributados, nem mesmo integram já os activos imobilizados da impugnante e, como assim, salvo melhor opinião, a dedução do IVA suportado nos respectivos inputs não cumpre com o disposto no artigo 20º do CIVA.
Que dizer?
Neste domínio, o IVA é comummente caracterizado como um imposto sobre o consumo, plurifásico, de valor acrescentado, e que opera através do método subtractivo indirecto.
É, desde logo, um imposto geral sobre o consumo, uma vez que tributa tendencialmente a generalidade dos actos de consumo ou de despesa. Na acepção do artigo 1.º n.º 1 do CIVA, estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens.
É, também, um imposto plurifásico, que incide sobre as diversas fases de um circuito económico, desde o momento da sua produção até à venda ao seu consumidor final.
Por outro lado, a sua característica de valor acrescentado, que opera através do método subtractivo indirecto (das facturas, do crédito de imposto ou dos pagamentos fraccionados), dita que, em cada fase do circuito económico, apenas se tribute o valor que resulta da diferença entre o IVA suportado nas operações realizadas a montante (inputs) e o IVA liquidado nas operações realizadas a jusante (outputs). Por outras palavras, a tributação incide exclusivamente no valor acrescentado obtido por cada agente económico até ao último estádio do processo económico, que é a apropriação por parte do consumidor final que, enquanto elemento sobre o qual o ónus do IVA incidirá, não poderá proceder à dedução do imposto suportado a montante.
A incidência efectiva do IVA, diferentemente do que acontece nos restantes impostos, é determinada não pela natureza formal do imposto, mas pelas características do mercado (v.g. a elasticidade da procura e a concorrência entre fornecedores), uma vez que sem consumo, não haverá IVA. Por outro lado, contanto que o IVA incida sobre o consumo e não sobre as transacções realizadas entre os diferentes operadores económicos, tem como objectivo fomentar a neutralidade e evitar a distorção de preços que poderia existir pelo facto de os produtores e outros agentes adquirirem produtos uns aos outros, visto que não é sobre estes que incide a tributação mas sobre os consumidores finais.
Diga-se ainda que um imposto é considerado neutro quando não tem impacto nas decisões dos agentes económicos, quer no plano interno quer no plano internacional.
De facto, o IVA, enquanto imposto que incide sobre as diversas fases do circuito económico e às quais é aplicada a mesma carga fiscal, consegue cumprir o objectivo da neutralidade uma vez que os operadores – independentemente da fase do circuito em que se encontrem – nunca são movidos por motivações fiscais, diferentemente do que se verifica com os impostos cumulativos sobre as transacções, que variam consoante a fase do processo ou o tipo de bens em causa.
Assim, e em cumprimento deste princípio da neutralidade, os bens e serviços semelhantes deverão ser sujeitos ao mesmo enquadramento fiscal e às mesmas taxas, independentemente do número de transacções ocorridas no processo de produção e distribuição.
Deste modo, impõe-se ter presente que o IVA incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços - enquanto expressões directas da realização de uma actividade económica. É, pois, evidente a existência de um nexo sinalagmático.
Assim, à excepção de determinados casos particulares em que se tributam prestações de serviços ou transmissões de bens efectuadas a título gratuito (cfr. artigo 3º nº 3 alínea f) e artigo 4.º n.º 2 alínea b) do CIVA), o conceito de onerosidade é essencial para definir o âmbito de incidência deste imposto.
Em contraposição, e em face do exposto, o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito, nascendo ex novo no momento em que é causado o dano. Ora, a entrega de uma indemnização pressupõe, de per si, a ausência de um nexo sinalagmático e, consequentemente, a inexistência de qualquer natureza onerosa.
Em suma, as puras indemnizações, como meras compensações ressarcitórias de um prejuízo / dano, não levantam quaisquer implicações ao nível de liquidação do IVA, uma vez que estão fora do seu âmbito de incidência (que, relembre-se, se limita às actividades económicas).
Neste âmbito, importa acentuar que está em causa o IVA objecto da liquidação adicional respeita ao imposto deduzido nos custos com a construção da nova Aldeia da Luz e que não foi objecto da respectiva regularização pela impugnante, quando da entrega desses bens e equipamentos aos particulares, na sequência da expropriação dos imóveis que ficaram submersos na albufeira do Alqueva.
Isto significa que existe uma ligação clara entre os custos suportados com a construção da nova Aldeia da Luz e a expropriação dos imóveis que ficaram submersos na albufeira do Alqueva.
Aliás, a decisão recorrida aponta que a atribuição das novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constituiu uma indemnização pela perda das casas e que tais as indemnizações estão fora da abrangência do IVA.
Neste ponto, a Recorrente alude ao Decreto-Lei nº 21-A/98, de 6/02/1998, veio estabelecer que a indemnização a atribuir aos proprietários dos imóveis expropriados poderia ser satisfeita, como foi, com a cedência de bens ou direitos com características equivalentes (prédios urbanos e/ou rústicos), sublinhando que o diploma legal apontado previa a isenção do Imposto Municipal de Sisa, para as aquisições dos bens imóveis cedidos a título de indemnização, donde resulta que o legislador pretendeu não ver tributadas, em sede de Sisa, as transmissões dos imóveis para os seus novos proprietários.
Diga-se que a norma em apreço só tem sentido como forma de afastar qualquer dúvida sobre a matéria, dado que, como a mesma norma aponta, sendo o valor patrimonial fiscal respectivo o que tinham os correspondentes bens expropriados, caso não se tivesse verificado a sua expropriação, ou seja, é consagrada uma identidade entre o bem cedido e o bem afectado, o que significa que, no fundo, não existe matéria colectável.
Tal entronca com a ideia de que está em causa a entrega de imóveis de valor equivalente aos bens afectados, porquanto o desiderato da entrega foi o de repor os habitantes da “antiga” aldeia da luz, na mesma situação em que estavam, sendo de notar que nos termos do artigo 562° do Código Civil “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o vento que obriga à reparação”, dando corpo ao princípio da reconstituição natural.
Esta matéria tem implicações na situação presente, na medida em que se a Recorrida tivesse tratado a situação de outra maneira, optando pela indemnização em dinheiro estaríamos perante uma operação fora do âmbito do IVA, ao passo que no âmbito da aludida reconstituição natural a ora Recorrida foi obrigada a suportar o IVA inerente à produção do bem a entregar para o efeito.
Pois bem, nesta situação, em que a indemnização a atribuir aos proprietários dos imóveis expropriados poderia ser satisfeita, como foi, com a cedência de bens ou direitos com características equivalentes (prédios urbanos e/ou rústicos), deparamos com uma situação em se configura uma permuta indemnizatória com referência à descrita cedência, não existindo dissídio quanto ao facto de tal indemnização não ser tributada, ou seja, a aquisição inerente à apontada cedência tem como título justificativo uma indemnização, sendo que não cabe ao indemnizado suportar o IVA, o que significa que não pode ser tido como consumidor final com referência ao sistema de tributação do IVA nos termos acima apontados.
Por outro lado, a Impugnante é uma sociedade que reveste a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e é a entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva e tem por objecto social a concepção, execução e construção e exploração deste empreendimento, contribuindo para a promoção do desenvolvimento económico e social na respectiva área de intervenção, pelo aproveitamento das diversas potencialidades objectivadas (cfr. Decretos-Leis nº 335/2001, de 24 de Dezembro e 21-A/98, de 6 de Fevereiro).
A partir da análise dos diplomas em apreço, impõe-se a afirmação de que, tal como defende a Recorrida, os custos com a submersão da "antiga" Aldeia da Luz, a reconstrução de uma "nova" Aldeia da Luz, sob uma perspectiva holística do projecto, (…), fazem parte integrante do empreendimento do Alqueva (actividade tributada a jusante) única actividade da Impugnante, na medida em que a construção da barragem e acessoriamente efectuar outras obras com impacto na região, na perspectiva holística considerada em 1a instância, encararam a actividade da A…, a montante e a jusante, como um todo, um conjunto único de intervenções articuladas, todas necessárias para o objectivo publico de contribuir para o desenvolvimento social e económico do Alentejo - escopo societário único da A….
Com efeito, do preâmbulo do D.L. nº 21-A/98, de 06-02 consta que “O Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, tal como foi definido pelo Decreto-Lei n.º 33/95, de 11 de Fevereiro, reveste-se de interesse público nacional, representando um grande investimento público, cuja execução assume especial complexidade. Para garantir a eficácia na realização deste projecto, importa adaptar regimes jurídicos de carácter geral à natureza e especificidade das vicissitudes que lhe são inerentes. … Neste contexto, as medidas normativas contidas no presente diploma permitem, de modo mais flexível, a realização deste investimento público e, …, reforçam o quadro legal que permite dotar a A… …, dos mecanismos legais necessários à prossecução das atribuições de interesse público que lhe estão cometidas. …”.
O diploma em apreço comete à aqui Recorrida a construção da nova Aldeia da Luz e o realojamento dos habitantes da antiga aldeia como algo integrado no referido Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, sendo um custo, como outros, suportando a montante.
Assim, revela-se bondoso o exposto pela Recorrida quando aponta que este empreendimento não pode ser visto como uma mera soma de actividades ficcionadas, mas que toda a actividade e inerentes custos incorridos pela A…, resultam dos processos e actividades interligadas, que formam um conjunto único, em contínua interação visando alcançar o fim último que é a construção da barragem para ser afecta às operações da impugnante (todas elas tributáveis).
A partir daqui, e enquadrando o que fica exposto, tem de entender-se que existe uma ligação entre o IVA suportado e a actividade principal da empresa, pois que embora os bens e serviços a produzir em função da construção da barragem não se evidencie de forma directa e imediata, não pode deixar de dizer-se que a construção da nova Aldeia da Luz foi necessária para a construção da barragem, ou seja, o direito à dedução existe porque aquele custo IVA que se inseriu na actuação da empresa tem uma ligação com uma parte tributada das suas actividades económicas sujeitas a IVA.
Nesta sequência, está aberto o caminho para a síntese efectuada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público quando sublinha que os princípios constitucionais que estruturam a indemnização a atribuir por motivo de expropriação impõem uma equivalência entre o valor da indemnização e valor dos bens expropriados, que a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz constitui uma indemnização pela perda das casas, que as indemnizações estão fora do campo da abrangência do IVA, que o devedor da indemnização não pode repercutir sobre o indemnizado o valor suportado, a qualquer título, em sede de IVA, que a neutralidade do sistema do IVA impõe o direito ao reembolso do IVA suportado no conjunto das operações tributadas, que a limitação ao direito de reembolso constitui uma situação excepcional, quando o sujeito passivo suporta IVA, que existe direito ao reembolso sempre que as operações tributadas tenham uma relação directa com as operações sujeitas a imposto, que há uma relação directa e imediata mesmo quando uma operação entre sujeitos passivos não é tributada, por razões de mera praticabilidade, como acontece no caso em análise com a atribuição de novas casas aos habitantes da submersa Aldeia da Luz, para concluir que no caso em apreciação há uma relação directa e imediata entre o IVA suportado na construção da nova Aldeia da Luz e actividade sujeita a imposto ( é pressuposto fundamental do direito à dedução do IVA que os bens serviços estejam directamente relacionados com o exercício da actividade do contribuinte (artigo 20° do CIVA) ), a saber, a produção de energia e serviços de irrigação, aliás a única actividade estatutária da recorrida e que o IVA ir-se-á incorporar nos preços da actividade atrás mencionada.
Diga-se ainda como refere, in fine, o Prof. Saldanha Sanches, no Parecer junto aos autos, “se a A… não pudesse deduzir o IVA que teve de suportar, sem repercutir, na construção da Aldeia da Luz iria aplicar o IVA ao IVA já suportado. Haveria, assim no seu preço IVA oculto e IVA cobrado. E só o reembolso integral pode evitar isso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO
JOAQUIM CONDESSO