Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2606/10.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CADUCIDADE DO DIREITO DE INSTAURAR O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – ART 4º, Nº 2 DO ED/84
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
MEDIDA DA PENA
Sumário:I – A prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo. Esse prazo é de 3 meses sobre a data em que o dirigente máximo do serviço teve conhecimento da falta do funcionário/ trabalhador faltoso, como prevê o art 4º, nº 2 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84, de 16.1.
II - O arguido que, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo de uma Escola, no exercício dessas funções, permite a aquisição de bens sem cumprir as normas da assunção e autorização das despesas e com ultrapassagem dos prazos legais para o seu pagamento, em violação do disposto no art 30º, al c) do DL nº 115-A/98, de 4.5 (diploma que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respetivos agrupamentos), e no art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3 e do DL nº 57/2005, de 4.3 (Decreto de execução orçamental), pratica infração disciplinar por má gestão financeira da escola.
III – O que desde logo afasta a qualificação do seu comportamento como exemplar, designadamente para efeitos de beneficiar de circunstância atenuante especial e/ ou extraordinária (cfr arts 29º e 30º do ED/84).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório.
O Ministério da Educação recorre da sentença proferida na presente ação administrativa especial de impugnação do despacho, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que, a 7.9.2010, aplicou a L… a pena disciplinar de suspensão graduada em 90 dias. O tribunal julgou a ação procedente e, em consequência, anulou a sanção disciplinar aplicada ao autor por caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar.
Nas alegações de recurso que apresenta, a entidade demandada/ recorrente formula as seguintes conclusões:
O direito de instaurar procedimento disciplinar não prescreveu atento ao prazo mais longo de 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida, prescrito no nº1 do artigo 4º do ED, neste caso, este prazo máximo a considerar será entre o fim do Processo de Averiguações e a instauração de Processo Disciplinar;
O prazo de 3 meses previsto no artigo 4º, nº 2 do ED, não se aplica como prazo limite para a instauração de PD, após averiguações, mas sim para a instauração de PD (ou de inquérito ou de averiguações), após ter sido conhecida a falta - e esse prazo não foi ultrapassado, nem isso vem provado na sentença a quo;
A nomeação de instrutor de PD, não ultrapassou o prazo de 3 anos, - artigo 4º, nº1 do ED, único que faria prescrever esses mesmos autos disciplinares.
Os prazos do artigo 45º,1 do ED, não se referem à nomeação de instrutor que foi nomeado a 6 de maio de 2008 pelo Inspetor Geral da Educação para iniciar a instrução do processo disciplinar, mas sim ao início da instrução e a sua ultimação, pelo que são inaplicáveis ao caso instauração de processo disciplinar.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso.

O recorrido L… contra-alegou o recurso e formulou as seguintes conclusões:

I - Considera o recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da lei às questões controvertidas nos autos, incorrendo em erro de julgamento pela incorreta interpretação e aplicação do art.º 4 e 5, n.º 1 e 2 do DL 24/84, de 16 de janeiro, que estabelece o prazo de caducidade e, por isso, deve a decisão ser revogada.

II- Porém a sentença proferida não merece censura, já que como nela se entende ocorreu a caducidade da ação disciplinar.

III- Está provado que em 30 de novembro de 2007, o Sr. Inspetor Geral da Educação ordenou a instauração de processo disciplinar sem nomear o respetivo instrutor.

IV- A nomeação, apenas, ocorreu em 6 de maio de 2008,

V- e só em 3 de junho é que o instrutor nomeado comunicou ao autor que contra ele foi instaurado processo disciplinar.

VI- Nos termos do art.º 51, nº1 do DL 24/84, de 16 de janeiro a entidade que instaurou o processo deve nomear instrutor.

VII- É este também, o entendimento de Paulo Veiga e Moura, in Estatuto Disciplinar da Administração Pública Coimbra Editora, 2009, pág.57.

VIII- Por outro lado, nos termos do art.º 120 do Código do Procedimento Administrativo, atos administrativos são decisões da Administração que “… visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

IX- Ora, o despacho que mandou instaurar processo disciplinar, não pode produzir efeitos jurídicos, já que tais efeitos (tramitação do processo) pressupõem necessariamente a nomeação de instrutor.

X- Acresce que a eficácia do ato está dependente da sua notificação ao respetivo interessado.

XI- Como refere Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol .II, 2.ª reimpressão, Almedina, pág.370, “Embora já existisse na lei ordinária, este requisito de eficácia obteve consagração na constituição enquanto não for publicado ou notificado … o ato administrativo será ineficaz, não produzirá efeitos…”

XII- Assim, por inércia do recorrente a tramitação do processo iniciou-se mais de seis meses após o despacho que o mandou instaurar.

XIII- Importa, pois, saber se se operou ou não a caducidade prevista no n.º 2 do art.º 4 do DL 24/84, de 16 de janeiro.

XIV- O órgão com legitimidade decisória teve três meses para instaurar o procedimento disciplinar, contado do conhecimento dos factos.

XV- O prazo de caducidade ficou suspenso com a instauração do processo de averiguações.

XVI- Por despacho de 30 de novembro o Sr. Inspetor Geral da Educação instaurou processo disciplinar mas não nomeou instrutor.

XVII- Ordenar a instauração do processo disciplinar e nomear o respetivo instrutor mais de cinco meses depois constitui uma situação de abuso de direito.

XVIII- Que é caracterizado como se diz na sentença recorrida, como o exercício disfuncional de posições jurídicas mais especificamente como o “concreto exercício de posições jurídicas que, embora correto em si, é inadmissível por confundir com o sistema jurídico na globalidade …” ou de “ fraude à lei” previsto no art.º 21 do Código Civil, figura afim do abuso de direito.

XIX- E como se refere na mesma sentença, o recorrente “ao instaurar o procedimento disciplinar, não nomeando o respetivo instrutor, sabia que tal ato de instauração feito apenas para evitar a caducidade do direito de exercício da ação disciplinar, ou no limite a prescrição do procedimento disciplinar, bem sabendo que nenhum procedimento instrutório iria ser tomado até aquele processo ter instrutor, constitui fraude à lei.”

Na realidade, aqui o autor do ato, Inspetor Geral da Educação, manipulou de certo modo um tipo legal com vista a obter uma consequência jurídica que era a de evitar aqueles resultados violando, de certo modo, os fins dos prazos de caducidade e prescrição.

XX- Ora, a sanção da fraude à lei traduz-se na aplicação da norma cujo imperativo a manobra fraudulenta procurou iludir, isto é, os atos jurídicos realizados e os direitos adquiridos em fraude à lei do foro serão ineficazes (ou inoperantes no respetivo ordenamento jurídico).

XXI- Alias, é o próprio recorrente que confessa que a não nomeação se deveu à falta de recursos humanos.

XXII- Como se afirma na sentença em apreço “o demandado assume que conscientemente ordenou a instauração do processo disciplinar para evitar tal caducidade formal mas apenas nomeando instrutor vários meses depois”.

XXIII- Terá, pois, de se concluir pelo decurso do prazo previsto no nº 2 do art 4 do DL 24/84 e consequentemente, pela verificação da caducidade.

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto do recurso:
Considerando o disposto nos arts 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e nos artigos 5º; 608º nº 2; 635º nº 4 e 5 e 639º do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas alegações e respetivas conclusões, verificamos que cumpre apreciar se a sentença recorrida incorreu em:
i) Erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do disposto no art 4º, nº 2 do DL nº 24/84, de 16.1.

Fundamentação

De facto

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos, que não vêm impugnados no recurso:

1. A 13 de março de 2007 foi instaurado processo de averiguações pela Delegada Regional de Lisboa da OGE na Escola Secundária do 3.º ciclo de Sobral de Monte Agraço; (Facto Provado por documento, a fls 3 do PA)
2. A 30 de novembro de 2007 o Inspetor-Geral da Educação instaurou processo disciplinar a L…; (Facto Provado por documento, a fls 3 do PA)
3. A 6 de maio de 2008 por despacho da Delegada Regional da Direção Regional de Educação, foi nomeado instrutor do processo disciplinar NUP 10.07/.../RL/07 o inspetor F…; (Facto Provado por documento, a fls 2 do PA)
4. A 3 de junho de 2008 é subscrita folha timbrada de “Ministério da Educação”, pelo instrutor F…, dirigido a “L…”, onde consta, em especial:



(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
5. A 4 de junho de 2008 L… toma conhecimento de que se deu início processo disciplinar NUP 10.07/.../RL/07, instaurado por despacho do Inspetor-Geral da Educação a 30 de novembro de 2007, na sequência de processo de averiguações NOP 10.05/.../RL/07; (Facto Provado por documento, a fls 28 do PA)
6. A 19 de junho de 2009, é subscrito documento denominado de “NOTA DE CULPA”; (Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
7. A 26 de março de 2010, é subscrita a informação n.º 10.07/…/RL/07, onde consta:


















(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
8. A 4 de maio de 2010 é subscrito documento timbrado de “Ministério da Educação” pelo Diretor Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, onde consta:



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(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
9. A 30 de dezembro de 2009 é subscrito Relatório Final do processo disciplinar


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[…]  


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(Facto Provado por documento, a fls … autos – paginação eletrónica)».

Nos termos do disposto no art 662º do CPC e do art 149º do CPTA, por resultarem dos autos e se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas, aditam-se os seguintes factos à seleção dos factos provados:
10. O autor interpôs recurso hierárquico da decisão que lhe aplicou a pena de suspensão graduada em noventa dias – cfr doc nº 1 junto com a contestação.
11. A 7.9.2010 o Secretário de Estado Adjunto e da Educação concedeu parcial provimento ao recurso, revogou o ato recorrido e, em substituição, aplicou ao arguido a pena de suspensão graduada em 90 dias, nos termos e com os fundamentos propostos na informação e parecer do doc nº 1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

O Direito.
Erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do disposto no art 4º, nº 2 do DL nº 24/84, de 16.1.
O presente recurso jurisdicional dirige-se contra a sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a ação administrativa especial de impugnação do ato administrativo, de 4.5.2010, que aplicou ao ora recorrido a sanção disciplinar de 90 dias de suspensão, anulando-a por considerar verificada a caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar, nos termos do art 4º, nº 2 do DL nº 24/84, de 16.1.
Com efeito, o tribunal recorrido decidiu que a entidade demandada, ora recorrente, ao ordenar a instauração do processo disciplinar contra o autor sem nomear o respetivo instrutor, sabia que tal ato de instauração feito apenas para evitar a caducidade do direito de exercício da ação disciplinar, a prescrição do procedimento disciplinar ou, no limite, a prescrição da infração disciplinar, bem sabendo que nenhum procedimento instrutório iria ser tomado até aquele processo ter instrutor, constitui uma clara situação de fraude à lei. Na realidade, aqui, o autor do ato, Inspetor Geral da Educação, manipulou de certo modo um tipo legal com vista a obter uma consequência jurídica que era a de evitar aqueles resultados, violando, de certo modo, os fins dos prazos de caducidade e de prescrição.
O recorrente não aceita este julgamento pelas razões sumariadas nas conclusões do seu recurso e que resultam em:
i) Neste caso, o prazo mais longo de 3 anos, do art 4º, nº 1 do ED, conta-se entre o fim do processo de averiguações e a instauração do processo disciplinar;
ii) O prazo de 3 meses do art 4º, nº 2 do ED não se aplica como prazo limite para a instauração do PD, após averiguações, mas sim para instauração de PD (ou de inquérito ou de averiguações) após ter sido conhecida a falta.
Vejamos, pois.
Os factos que vêm imputados ao recorrido datam dos anos de 2004, 2005 e 2006, foram objeto de processo de averiguações e a 30.11.2007 foi mandado instaurar o processo disciplinar que culminou com a prática do ato punitivo, em 4.5.2010.
No decurso deste período houve alteração do regime jurídico sobre responsabilidade disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas. Até 31.12.2008 vigorou o DL nº 24/84, de 16.1, e a 1.1.2009 entrou em vigor a Lei nº 58/2008, de 9.9. O novo regime, no entanto, só se aplica aos factos praticados antes da data da entrada em vigor da Lei nº 58/2008, de 9.9 (que ocorreu a 1.1.2009 – cfr art 7º), se em concreto se revelar mais favorável ao trabalhador e melhor assegurar a sua audiência e defesa.
Tem aplicação no caso dos autos, aliás como referem as partes e a decisão recorrida, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº 24/84, de 16.1, em vigor à data da prática dos factos, por não se antever que as posteriores alterações sejam, para o que ao caso interessa, putativamente mais favoráveis à tutela da posição processual do recorrente.
Assim, nos termos do artigo 4º do ED/84, que trata da Prescrição de procedimento disciplinar, consta o seguinte:
1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.
2 - Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses.
3 - Se o facto qualificado de infração disciplinar for também considerado infração penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
4 - Se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns atos instrutórios com efetiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infração, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último ato.
5 - Suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.
Defende o recorrente, neste âmbito, que a decisão judicial recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto o procedimento disciplinar de que o autor/ recorrido foi alvo não caducou de acordo com o art 4º, nº 2 do ED/84.
Deste modo, a prescrição que agora interessa é apenas a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo. Esse prazo é de 3 meses sobre a data em que o dirigente máximo do serviço teve conhecimento da falta do funcionário/ trabalhador faltoso.
Analisando a racionalidade e evolução do disposto na norma do art 4º, nº 2 do ED dizia o Parecer do PGR nº 123/87, de 11.3.1988, publicado no DR, 2ª série, de 10.10.1988 (transcrito por Manuel Leal-Henriques, em Procedimento Disciplinar, Rei dos Livros, 3ª edição) que a justificação deste regime radicava «no interesse público da regularidade e eficiência dos serviços e no dever imposto à hierarquia para intervir com rapidez e oportunidade a fim de remover quaisquer obstáculos àquele funcionamento regular e eficaz».
«Deste modo» - prosseguia o texto citado - «cometida uma falta integradora de infração disciplinar é exigível, até pela dinâmica, prestígio e confiança de que os mesmos serviços devem revestir-se, que a respetiva hierarquia, conhecedora dessa falta, atue sem delongas relativamente ao infrator, definindo claramente a responsabilidade deste e punindo-o». Para mais adiante, depois de algum desenvolvimento do tema, concluir: «Deste modo é inteiramente justificado que a lei imponha à hierarquia (…) o dever de, uma vez conhecida a falta de um subordinado, definir em curto prazo a sua posição em termos de instaurar ou não o respetivo procedimento disciplinar, entendendo-se que a sua inércia nesse prazo significa o seu desinteresse pela falta, quer pela irrelevância desta, quer pela inoportunidade em a perseguir, e conduz à cessação do direito de instaurar o procedimento disciplinar com a consequente manutenção da situação do agente prevaricador».

Tanto a doutrina como a jurisprudência entendiam e continuam a entender, de forma unânime, que há conhecimento da falta quando a mesma está efetiva e perfeitamente caraterizada em termos de poder ser valorada como ilícito disciplinar (sem necessidade de qualquer procedimento prévio como o processo de averiguações).
Só quando chega por forma juridicamente qualificada ao conhecimento do órgão cujo âmbito de competência objetiva contenha o poder disciplinar – mediante especificação em norma jurídica, como é óbvio, pois que, por força do princípio da conformidade legal do agir administrativo, a competência não se presume – a descrição dos factos naturalísticos passíveis de subsumir um conteúdo de desvalor de ação e de resultado funcional é que ocorre o evento juridicamente relevante que dá início ao decurso do prazo de 3 meses para o exercício da ação disciplinar (cfr Ac do TCAS de 23.10.2008, processo nº 2664/07).
Portanto o prazo de caducidade de 3 meses inicia-se com o conhecimento juridicamente qualificado da descrição dos factos naturalísticos indiciadores de falta disciplinar. E o termo desse prazo ocorre com o ato de instauração do procedimento disciplinar.
O órgão administrativo a que a lei comete competência disciplinar apenas tem de instaurar o concreto procedimento dentro dos 3 meses contados da tomada de conhecimento da factualidade que, a seu ver, indicie o cometimento de falta disciplinar, não tem que, dentro desses 3 meses, assumir a subsunção jurídica dessa factualidade na violação dum dos deveres gerais descritos no art 3º nº 3 a l2 ED que materializam o dever funcional.
Ou seja, na hipótese de participação de factos, o órgão com competência disciplinar, das duas uma, ou arquiva a participação ou ordena a instauração de procedimento de averiguações, inquérito, sindicância ao serviço ou disciplinar (cfr art 50º do ED/84).
O ato que determina a instauração do processo disciplinar pode designar o instrutor do processo. Mas, como ensina o Prof Marcelo Caetano, em Manuel de Direito Administrativo, Vol II, 10 ª edição, pág 838, não tem necessariamente de o fazer, podendo o instrutor do processo disciplinar ser nomeado depois do ato que o manda instaurar.
Se no próprio ato de instauração for nomeado o instrutor nada impede que o processo se inicie num prazo brevíssimo.
Na verdade, a nomeação do instrutor é um ato meramente preparatório para proceder à investigação e a lei não determina qualquer prazo para a nomeação de instrutor (art 51º do ED/84).

Quer a designação do instrutor quer as necessárias diligências de instrução do procedimento em ordem à qualificação jurídica dos factos, é questão que nada tem a ver com o início e com o termo ad quem do prazo de caducidade de 3 meses.
Ainda, compete ao instrutor nomeado dar a conhecer a instauração do procedimento disciplinar e o início da instrução do mesmo processo (cfr art 45º, nº 3 do ED/84).
Contudo, os prazos previstos no art 45º, nº 1 e também nos arts 65º, nº 1 3 e 66º, nº 2 do ED/84 são ordenadores e disciplinadores, não gerando o respetivo incumprimento qualquer ilegalidade suscetível que invalidar o ato final de aplicação da sanção disciplinar, nem extingue a possibilidade da prática do ato. Ou seja, os prazos previstos nesses preceitos legais não são perentórios, como os previstos no art 4º, nº 1, 2 e 3 do ED/84.
Neste sentido, não é sustentável, porque a lei não o consente, em concreto o disposto no art 4º, nº 2 do ED/84, considerar que o prazo de caducidade dos 3 meses, que se iniciou com o conhecimento da falta pelo dirigente máximo do serviço, tenha terminado, não com o despacho que, em 30.11.2007, instaurou o procedimento disciplinar contra o autor/ recorrido, mas somente com o ato de nomeação do instrutor, em 6.5.2008, e com a notificação da instauração do procedimento disciplinar, designadamente, ao arguido, em 4.6.2008.
À luz do probatório fixado e estabilizado na sentença recorrida, por o julgamento de facto não ser objeto do presente recurso, temos de contar com os seguintes factos:
· instauração do processo de averiguações em 13.3.2007, pela Delegada Regional de Lisboa da Inspeção Geral da Educação (nº 1 dos factos provados);
· instauração do procedimento disciplinar em 30.11.2007, pelo Inspetor Geral da Educação (nº 2 dos factos provados);
· despacho sancionatório em 4.5.2010 (nº 8 dos factos provados).
O ato de nomeação do instrutor, em 6.5.2008, não integra o ato que determina a instauração do processo disciplinar, por neste caso concreto a Administração não ter nomeado o instrutor no ato que determina a instauração do processo. O que não viola a lei, o disposto no art 4º, nº 2 do ED/84, que exige apenas que o procedimento disciplinar seja instaurado no prazo de 3 meses após o conhecimento da falta pelo dirigente máximo do serviço.
Ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, a data que marca os 3 meses da caducidade do direito de ação é a data do ato praticado em 30.11.2007, de instauração do procedimento, e não como pretende a sentença sob recurso a data de 6.5.2008, de nomeação do instrutor do processo disciplinar, e de 4.6.2008, de notificação dos atos de 30.11.2007 e de 6.5.2008 ao ora recorrido. Aliás, os atos de nomeação do instrutor e de notificação ao arguido do ato que instaurou o processo disciplinar foram praticados dentro do prazo legal do art 4º, nº 1 do ED/84, isto é, dentro dos 3 anos de prazo normal de prescrição do procedimento disciplinar.
O hiato de tempo entre a instauração do procedimento disciplinar e a nomeação do instrutor com a, consequente, notificação ao recorrido da instauração do procedimento, poderá traduzir atuação censurável por parte do responsável por essa inércia ou mesmo um anormal funcionamento do serviço (por alegada falta de recursos humanos para uma nomeação imediata de instrutor), mas não se vê que a lei faça decorrer desse facto qualquer consequência em termos da prescrição do procedimento disciplinar do arguido, ora recorrido, nem resulta provado o abuso de direito ou a fraude à lei que fundamenta a decisão recorrida. Com efeito, o autor do ato de 30.11.2007, o Inspetor Geral da Educação não manipulou um tipo legal para evitar a caducidade e prescrição, o mesmo agiu em conformidade com as normas do art 4º do ED/84.
Por conseguinte, não é de manter o entendimento vertido na sentença recorrida de que a instauração de processo disciplinar contra o autor sem nomear o respetivo instrutor pode assemelhar-se a uma situação de abuso de direito, … por inadmissível por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade, ou de fraude à lei. …por o ato de instauração ser feito apenas para evitar a caducidade do direito de exercício da ação disciplinar … bem sabendo o Inspetor Geral da Educação que nenhum procedimento instrutório iria ser tomado até aquele processo ter instrutor.
Perante a factualidade apurada, que não vem impugnada no recurso, o ato que em 30.11.2007 instaurou o processo disciplinar ao ora recorrido foi praticado em conformidade com o disposto na lei, ou seja, dentro do prazo de 3 meses previsto no art 4º, nº 2 do ED/84.
Donde se conclui pela procedência do erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida, por violar o disposto no art 4º, nº 2 do ED/84.

Além da caducidade/ prescrição do procedimento disciplinar, o autor imputou ao ato impugnado, de 4.5.2010, os vícios de erro nos pressupostos de facto e de violação do princípio da proporcionalidade, que a sentença recorrida não conheceu em face da decisão de caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar.
Em resultado da decisão que vimos de tomar, cumpre a este tribunal de recurso avançar para o conhecimento em substituição, nos termos do artigo 149º, nº 2 do CPTA, dos restantes fundamentos/ vícios imputados, na petição inicial, ao ato punitivo impugnado.
Subsiste, assim, a imputação dos seguintes vícios ao despacho punitivo impugnado:
Erro nos pressupostos de facto:
O autor/ recorrido imputou ao ato impugnado erro na apreciação dos factos constantes dos nº 8, 10, 12, 14, 27, 29 da nota de culpa, que referem: o arguido permitiu que a Chefe dos Serviços Administrativos Escolar tivesse assumido … compromissos … sem que o referido órgão autorizasse, previamente, a realização dessa despesa …
O autor/ recorrido imputou ao ato impugnado erro na apreciação dos factos constantes dos nº 5, 7, 19, 21, 23, 25, 26 e 28 da nota de culpa, que referem: o arguido, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo da Escola … permitiu que as despesas realizadas … com a aquisição dos bens … não fossem pagas, nem dentro do prazo legal estabelecido para o efeito nem até à presente data.
O autor/ recorrido considera estes factos como não provados e, consequentemente, como não violada a norma do art 30º, al c) do DL nº 115-A/98, de 4.5.
Também, o autor/ recorrido imputou ao ato impugnado erro na apreciação dos factos constantes dos nº 36, 37, 38 e 39 da nota de culpa, relativos a autorização de pagamento de faturas referentes a bens adquiridos em exercícios anteriores, pois o art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3 refere-se a aquisição de bens e o contrair encargos que não podem ser pagos até ao dia 7.1 do ano seguinte.
Ainda, o autor/ recorrido imputou ao ato impugnado erro na apreciação dos factos constantes do nº 23 da nota de culpa, em concreto da fatura nº 270, por assentar em documento – nota de encomenda - com assinatura falsa e forjado, porquanto se a nota de encomenda era de 15.3.2004 não podia o material (esfregonas) ter sido entregue 10 dias antes, ou seja, em 5.3.2004, data da guia de transporte.
Ao nº 44 da nota de culpa o autor/ recorrido imputa acusação vaga e imprecisa e, de todo o modo, não ter omitido a existência de faturas por pagar na passagem de testemunho ao novo Conselho Administrativo.
Em suma, o autor/ recorrido considera não ter praticado qualquer dos factos que lhe restavam imputados após a decisão final do procedimento disciplinar e do recurso hierárquico, a saber: os factos constantes dos arts 5, 7, 8, 10, 12, 14, 19, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 36, 37, 38, 39, 44 da nota de culpa.
Vejamos.
O arguido/ autor/ recorrido foi o Presidente do Conselho Administrativo da Escola Secundária do 3º Ciclo de Sobral de Monte Agraço, designadamente, no período de 2004 a 9.6.2006, e, no exercício dessas funções, vêm-lhe imputadas aquisições de bens – resmas de papel, giz, guardanapos, saquetas para talheres, toalhas de papel para tabuleiros, toalhas de papel para as mãos, papel higiénico – sem autorização prévia do Conselho Administrativo e com ultrapassagem dos prazos legais para o seu pagamento, em violação do disposto no art 30º, al c) do DL nº 115-A/98, de 4.5 (diploma que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respetivos agrupamentos), e no art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3 e do DL nº 57/2005, de 4.3 (Decreto de execução orçamental).
O conselho administrativo é o órgão deliberativo em matéria administrativo-financeira da escola e é presidido pelo presidente do conselho executivo ou pelo diretor (art 28º e 29º, nº 2 do DL nº 115-A/98).
O conselho administrativo é composto pelo presidente do conselho executivo ou pelo diretor, pelo chefe dos serviços de administração escolar e por um dos vice-presidentes do conselho executivo ou um dos adjuntos do diretor, para o efeito designado por este (art 29º, nº 1º do DL nº 115-A/98).
Nos termos do art 30º, al c) do DL nº 115-A/98 compete ao conselho administrativo autorizar a realização de despesas e o respetivo pagamento, fiscalizar a cobrança de receitas e verificar a legalidade da gestão financeira da escola.
O ciclo da despesa deverá obedecer às seguintes fases executadas de forma sequencial: identificação da necessidade de consumo, cabimentação, autorização, obrigação e pagamento.
Os requisitos gerais para a realização das despesas encontravam-se, à data, estabelecidos no art 22º do DL nº 155/92, de 28.6:
a) conformidade legal, ou seja, a existência de lei que autorize a despesa;
b) regularidade financeira, ou seja, estar inscrita no orçamento, ter cabimento orçamental e adequada classificação económica;
c) economia, eficiência e eficácia, ou seja, na realização das despesas deverá ter-se em vista a obtenção do máximo rendimento com o mínimo de dispêndio, tendo em conta a utilidade e prioridade da despesa e o acréscimo de produtividade daí decorrente.
O que implica necessariamente a fundamentação da despesa.
A fundamentação da despesa começa pela exigência de justificação da expressão de necessidades do serviço.
A falta de fundamentação implica que a entidade competente para autorizar a despesa não pode emitir despacho favorável para a realização da mesma, sob pena de incorrer em responsabilidade financeira, prevista e punida pelo regime constante da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, civil, criminal e disciplinar (cfr art 271º da CRP).
Neste caso, ficou provado que não foi utilizado o Mod. DGAE C/1, nº Catálogo 0110 – relação de necessidades, onde deveria ser exarada informação sobre cabimentação e o despacho de autorização de despesa mencionada, nomeadamente, nos arts 8, 10, 12, 14, 27 e 29 da nota de culpa. E as testemunhas ouvidas, E…, A…, C…, declararam que nunca preencheram relações de necessidades, nem efetuaram cabimentação para as despesas, nem o Conselho Administrativo proferiu despacho de autorização prévio à despesa (cfr fls 42 e 43 do relatório final).
Os factos provados nos arts 8, 10, 12, 14, 27 e 29 da nota de culpa atestam, por isso, o incumprimento das normas de pedido de aquisição, cabimentação e autorização da despesa e, consequentemente, violam o disposto no art 30º, al c) do DL nº 115-A/98.
Já os factos imputados nos arts 2, 4, 6, 18, 20, 22, 24, 43 da nota de culpa tratavam de compromissos assumidos que ultrapassavam o duodécimo da dotação orçamental da escola. E estes entendeu-os o ato impugnado como não provados, por não vir indicado que no momento do pagamento das faturas não havia disponibilidade financeira para o fazer. Como se alcança, as imputações feitas ao arguido/ autor/ recorrente nestes artigos da nota de culpa não são idênticas às dos arts 8, 10, 12, 14, 27 e 29 da nota de culpa. Por conseguinte, ao contrário do que defende o recorrente, não podem os factos imputados nos arts 8, 10, 12, 14, 27 e 29 da nota de culpa ter a mesma sorte dos considerados não provados, por insuficiência de prova, nos arts 2, 4, 6, 18, 20, 22, 24, 43 da nota de culpa.

O arguido/ autor/ recorrido, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo da Escola Secundária com 3º Ciclo de Sobral de Monte Agraço, permitiu que as despesas realizadas e a seguir discriminadas não fossem pagas nos prazos legais:
- ao fornecedor «I…, Lda»:
· no mês de novembro de 2005 com a aquisição dos bens constantes das faturas nº 16.643, no valor de €: 562,65, nº 16.644, no valor de €: 562,65 e nº 16.645, no valor de €: 562,65, datadas de 25.11.2005, num total de €: 1.687,95 (art 5º da nota de culpa);
· no mês de dezembro de 2005 com a aquisição dos bens constantes da fatura nº 16.851, no valor de €: 605,00, datada de 9.12.2005 (art 7º da nota de culpa);
- ao fornecedor «P…, Lda»:
· no mês de setembro de 2004 com a aquisição dos bens constantes das faturas nº 185, de 17.9.2004, no valor de €: 264,44, nº 188, de 22.9.2004, no valor de €: 1407,76, nº 189, de 22.9.2004, no valor de 1407,76 e nº 194, de 30.9.2004, no valor de €: 1.599,36, num total de €: 4.679,32 (art 19º da nota de culpa);
· no mês de outubro de 2004 com a aquisição dos bens constantes das faturas nº 199, no valor de €: 726,14 e nº 200, no valor de €: 866,72, datadas de 12.10.2004, num total de €: 1.592,76 (art 21º da nota de culpa);
· no mês de janeiro de 2005 com a aquisição dos bens constantes das faturas nº 267, no valor de €: 322,37, nº 268, no valor de €: 302,56, nº 269, no valor de €: 302,56, nº 270, no valor de €: 417,48, nº 271, no valor de €: 295,08, nº 272, no valor de €: 267,32, nº 273, no valor de €: 167,65, nº 274, no valor de €: 345,10, nº 275, no valor de €: 345,10, nº 276, no valor de €: 345,10, nº 277, no valor de €: 345,10, nº 278, no valor de €: 172,55, nº 279, no valor de €: 345,10, nº 280, no valor de €: 345,10, nº 281, no valor de €: 345,10, nº 282, no valor de €: 345,10, nº 283, no valor de €: 345,10, nº 284, no valor de €: 345,10, nº 285, no valor de €: 345,10, nº 286, no valor de €: 345,10, todas datadas de 31.1.2005, num total de €: 6.388,77 (art 23º da nota de culpa);
· no mês de fevereiro de 2005 com a aquisição dos bens constantes da fatura nº 294, de 26.2.2005, no valor de €: 106,20 (art 25º da nota de culpa);
· no mês de março de 2005 com a aquisição dos bens constantes das faturas nº 297, no valor de €: 358,19, nº 298, no valor de €: 355,81, nº 299, no valor de 699,79, nº 300, no valor de €: 699,79, nº 301, no valor de €: 63,43, nº 302, no valor de €: 426,02, nº 303, no valor de €: 572,15, nº 305, no valor de €: 903,78, todas datadas de 4.3.2005, num total de €: 4.078,96 (art 26º da nota de culpa);
· no mês de março de 2005 com a aquisição dos bens constantes da fatura nº 329, no valor de €: 312,97, de 23.3.2005 (art 28º da nota de culpa).
Nenhum destes factos tem data posterior ao dia em que o recorrente deixou de pertencer ao Conselho Administrativo da Escola Secundária 3º Ciclo de Sobral de Monte Agraço, ou seja, o dia 9.6.2006. Pois todas as aquisições de bens aqui discriminadas têm datas anteriores a 9.6.2006.
E todos os factos inscritos nos nº 5, 7, 19, 21, 23, 25, 26 e 28 da nota de culpa encontram-se provados, por documentos e depoimento de testemunhas, como manifestamente resulta explicado nos pontos 10.8, 10.9, 10.10, 10.11, 10.12, 10.13, 10.14, 10.15, 10.16, 10.17, 10.18, 10.19, 10.20 do relatório final.
Ora, enquanto Presidente do Conselho Administrativo da Escola, nos anos de 2004, 2005 e até 9.6.2006, competia ao arguido/ autor/ recorrente, nomeadamente, verificar a legalidade da gestão financeira da Escola e, assim, entregue o material discriminado nas faturas identificadas nos nº 5, 7, 19, 21, 23, 25, 26 e 28 da nota de culpa, autorizar o pagamento da despesa, consoante o caso, até 7.1.2005 ou até 6.1.2006, nos termos dos arts 23º e 31º do DL nº 155/92, de 28.6 e do disposto no art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3 e do DL nº 57/2005, de 4.3 (execução orçamental de 2005 e de 2006).
Ou seja, os factos provados demonstram, também aqui, a violação do ciclo da despesa pública pelo autor/ recorrido, porque se tivesse cumprido a lei, aquando da aquisição dos produtos, mediante a autorização da despesa, necessariamente sabia que podia liquidá-los, pois estando a despesa cabimentada necessariamente existia verba para a pagar.

O autor/ recorrido imputou ao ato impugnado erro na apreciação dos factos constantes dos nº 36, 37, 38 e 39 da nota de culpa, relativos a autorização de pagamento de faturas referentes a bens adquiridos em exercícios anteriores.
O que está em causa nestes artigos da nota de culpa prende-se com a efetivação de pagamento, em 2005 e em 2006, de despesas realizadas com a aquisição de bens efetuada no exercício de 2004.
E isto porque, como resulta do ponto 10.2 do relatório final, encontra-se provado por documentos – cfr auto de exame a fls 597 e segs do processo administrativo – e depoimento de testemunhas – A…, J…, M… que as faturas referidas nos arts 36, 37, 38 e 39 da nota de culpa resultaram do desdobramento de faturas emitidas no momento da aquisição dos bens (por várias faturas de valor inferior) e cuja despesa não foi paga no ano da respetiva emissão, como determinam o art 31º do DL nº 155/92, de 28.6 e o art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3 e do DL nº 57/2005, de 4.3 (execução orçamental de 2005 e de 2006).
Este mecanismo usado pelos serviços da Escola, onde e quando o arguido/ autor/ recorrente era o Presidente do Conselho Administrativo, e, portanto, o responsável pela autorização da despesa e pela autorização do respetivo pagamento, nos termos do art 23º e 29º do DL nº 155/92, permitia o pagamento ao fornecedor de encargos originados nos exercícios anteriores, em clara violação do preceituado no art 31º do DL nº 155/92, de 28.6 e no art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3 e do DL nº 57/2005, de 4.3 (execução orçamental de 2005 e de 2006).
Assim, o autor/ recorrido autorizou em 2005 (nº 36, 37 da nota de culpa) e em 2006 (nº 38 e 39 da nota de culpa) o pagamento de aquisição/ encargo/ despesa efetuada em 2004 (nº 36, 37, 38, 39 da nota de culpa).
Com efeito, nos termos do art 31º do DL nº 155/92, de 28.6, o prazo para a emissão de meios de pagamento ocorrerá até final do mês seguinte ao da efetiva constituição da obrigação de pagar, nos termos do art 28º e com a ressalva do que dispõe no nº 1 do art 7º.
O art 8º, nº 1 do DL nº 57/2004, de 19.3, dispunha que não é permitido contrair por conta do Orçamento do Estado ou de quaisquer orçamentos de serviços ou fundos autónomos encargos que não possam ser processados, liquidados e pagos até 7 de janeiro de 2005.
O art 8º, nº 1 do DL nº 57/2005, de 4.3, estatuía que não é permitido contrair por conta do Orçamento do Estado ou de quaisquer orçamentos de serviços ou fundos autónomos encargos que não possam ser processados, liquidados e pagos até 6 de janeiro de 2006.
Se o Conselho Administrativo da Escola, de que era Presidente o ora recorrido, autorizou a aquisição de bens no ano de 2004, que gerou encargo/ despesa, cujo pagamento apenas foi autorizado no ano de 2005 e no ano de 2006, manifestamente violou as normas transcritas, que lhe proibiam o assumir de encargos no ano de 2004 para ser pagos depois de 8.1.2005, e ainda o disposto no art 30º, al c) do DL nº 115-A/98, de 15.5, por ilegalidade da gestão financeira da Escola.

Ainda, o autor/ recorrido imputou ao ato impugnado erro na apreciação dos factos constantes do nº 23 da nota de culpa, em concreto, a fatura nº 270, por assentar em documento – nota de encomenda - com assinatura falsa e forjado, porquanto se a nota de encomenda era de 15.3.2004 não podia o material (esfregonas) ter sido entregue 10 dias antes, ou seja, em 5.3.2004, data da guia de transporte.
Salvo o devido respeito, não fora o incumprimento do circuito da despesa pública -identificação da necessidade de consumo, cabimentação, autorização, obrigação e pagamento -também esta conduta ilegal não teria sido praticada. Com efeito, a realização da despesa pública exigia, nomeadamente, regularidade financeira na atuação do Conselho Administrativo da Escola, logo, do respetivo Presidente.
Os documentos juntos aos autos disciplinares demonstram que a assinatura da nota de encomenda era da funcionária A… e a rubrica constante da guia de transporte era da funcionária que recebeu os bens, E…. Por conseguinte, o material discriminado na fatura 270 foi entregue na Escola, ainda que em incumprimento das regras de assunção e autorização da despesa, com a entrega e guia de transporte anterior à nota de encomenda. Sendo, por isso, devido o respetivo pagamento.
Obviamente, de acordo com o art 61º, nº 3 do ED/84, cumpre ao arguido do processo disciplinar requerer a prova que entender com a resposta à nota de culpa, para, designadamente, no caso, demonstrar a por si alegada falsificação da assinatura e que a fatura nº 270 era forjada. Produzida a prova da defesa, não tendo o arguido logrado demonstrar a falsificação da assinatura e da nota de encomenda mantém-se válida a prova produzida no procedimento disciplinar.

Ao nº 44 da nota de culpa o autor/ recorrido imputa acusação vaga e imprecisa e, de todo o modo, alega não ter omitido a existência de faturas por pagar na passagem de testemunho ao novo Conselho Administrativo.
O art 44º da nota de culpa imputa ao arguido/ autor/ recorrido a omissão da existência de faturas por pagar a 9.6.2006.
Do que ficou provado nos autos e que julgamos não padecer de erro nos pressupostos de facto, os nº 5, 7, 19, 21, 23, 25, 26, 28 da nota de culpa demonstram a existência de faturas por pagar na passagem de testemunho do Conselho Administrativo da Escola presidido pelo autor/ recorrido ao novo Conselho Administrativo.
Mas da ata da reunião de 9.6.2006 não consta o facto das faturas identificadas nos nº 5, 7, 19, 21, 23, 25, 26, 28 da nota de culpa estarem em dívida aos fornecedores, nem de as mesmas estarem registadas nos livros de registo contabilístico.
Se aos membros que tomaram posse no Conselho Administrativo da Escola, em 9.6.2006, foi informado, pelo Conselho Administrativo cessante presidido pelo autor, que têm sido cumpridas as regras da Contabilidade Pública, que os livros se encontram escriturados … que tudo está em conformidade, aos novos elementos do CA foi omitida a existência de faturas por pagar relativas à aquisição de bens antes de 9.6.2006.
Aqui chegados, em face da fundamentação exposta, concluímos que a prova produzida no processo disciplinar sustenta a imputação ao recorrido dos factos constantes dos arts 5, 7, 8, 10, 12, 14, 19, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 36, 37, 38, 39, 44 da nota de culpa.
O autor/ recorrido, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo da Escola Secundária com 3º CEB de Sobral de Monte Agraço, nos anos de 2004, 2005 e até 9.6.2006, praticou os factos que lhe vêm imputados.
Daí que não se mostre procedente o invocado erro sobre os pressupostos de facto da decisão punitiva.

Violação do princípio da proporcionalidade:
O autor/ recorrido alega que a pena aplicada – suspensão graduada em 90 dias – é desproporcional porque apenas foram consideradas as circunstâncias atenuantes gerais: ser primário e gozar de boa reputação na comunidade escolar onde se insere. Não foram ponderados os vários cargos que desempenhou e o exercício de funções, ao longo de 20 anos, com dedicação, zelo e diligência, sem olhar a horários. Assim sendo foi violado o artigo 28º do ED/84, com preterição da aplicação dos artigos 30º e 33º do mesmo diploma.
Como é entendimento unívoco da jurisprudência do STA e deste TCA Sul, no âmbito disciplinar está vedado ao Tribunal, ainda que apurada a existência de erro nos pressupostos de facto do ato punitivo, apreciar os restantes factos incluídos no libelo acusatório, com vista ao apuramento da medida concreta da pena.
Com efeito, o tribunal apenas aprecia a legalidade do ato punitivo, anulando-o se estiver em desconformidade com a lei ou os princípios jurídicos, não podendo ele próprio analisar os factos fornecidos pelo processo e o direito aplicável e definir a situação jurídica individual, o que consistiria em fazer administração ativa, atuação que está vedada ao tribunal e que só a Administração pode levar a cabo.
A determinação da medida da pena implica o exercício de um poder discricionário por parte da Administração que é contenciosamente insindicável, salvo se for invocado desvio de poder, erro grosseiro ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
O autor/ recorrido invoca violação do princípio da proporcionalidade, por não lhe terem sido consideradas outras circunstâncias atenuantes, decorrentes de ao longo da sua carreira ter sido Diretor de Turma por diversas ocasiões, assim como Presidente do conselho pedagógico, membro do conselho executivo e Presidente da Comissão Provisória da Escola EB 2.3/5 Sobral de Monte Agraço e que as funções foram todas exercidas com dedicação, zelo e diligência, sem olhar a horários e com prejuízo da sua vida familiar, o que foi amplamente confirmado pela prova testemunhal produzida.
A conduta apurada no processo disciplinar, o que subsistiu da nota de culpa – arts 5, 7, 8, 10, 12, 14, 19, 21, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 36, 37, 38, 39, 44 – demonstra que, no ano de 2004, 2005 e até 9.6.2006, o recorrido, enquanto Presidente do Conselho Administrativo da Escola, praticou várias infrações disciplinares no âmbito da gestão financeira da escola.
Como refere o relatório final, na medida em que o arguido era o Presidente do Conselho Administrativo, é censurável a falta de controlo sobre os procedimentos inerentes à realização de despesa com a aquisição de bens. É totalmente censurável que o arguido tenha permitido uma continuada aquisição de bens às empresas I… e P…, quando relativamente às mesmas ainda havia vários encargos assumidos por satisfazer, em momentos de falta de qualquer disponibilidade em caixa e sem respeitar as dotações orçamentais (duodécimos) atribuídas.
Mesmo aceitando que o arguido, durante a sua carreira, sempre exerceu as suas funções com dedicação, zelo e diligência, sem olhar a horários, mais provam os autos que teve um comportamento em nada dignificante da função e cargo por ele exercidos no período de 2004 a 2006, antes revelador de grave negligência e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, nomeadamente, de zelo e de lealdade.
Ou seja, o pretendido comportamento exemplar do recorrido inexiste, como inexistem circunstâncias atenuantes especiais, circunstâncias atenuantes extraordinárias ou justificação para a suspensão da pena disciplinar – cfr arts 29º, 30º, 33º do ED/84.
Ficando a prova por uma prestação de serviço com dedicação, zelo, diligência, sem olhar a horários, como ponderou a Administração.
Improcede, por conseguinte, a alegada violação do princípio da proporcionalidade.

Decisão
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a ação improcedente.
Custas a cargo do recorrente em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2022-04-21,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos).