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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06531/13
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:10/31/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO QUE TENHA POR DESTINATÁRIO AS SOCIEDADES.
NOTIFICAÇÃO DEFICIENTE.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.

2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

3. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

4. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.

6. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.

7. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).

8. No que diz respeito à notificação que tenha por destinatário as sociedades, em face do preceituado no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., ela é efectuada, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, como é o caso dos actos tributários de liquidação. Tal notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr.artº.246, do C.P.Civil). É o artº.41, do C.P.P.T., que consagra as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal. Sendo este o objectivo da referida norma, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à “perfeição das notificações” previstas no artº.39, do mesmo diploma.

9. Não se enquadrando a liquidação adicional de I.M.T. que constitui a dívida exequenda na previsão dos nºs.3 e 4, do artº.38, do C.P.P.T., deve concluir-se que o mesmo acto tributário devia ser notificado à opoente/recorrente, enquanto sociedade, de acordo com o regime regra previsto no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., portanto, através de carta registada com aviso de recepção, mais devendo ser realizada numa das pessoas físicas identificadas no citado artº.41, nºs.1 e 2, do mesmo diploma.

10. Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“E……… I………. - ACTIVIDADES ………………., L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.133 a 140 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição, intentada pelo apelante, à execução fiscal nº……………………, que corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais, visando a cobrança coerciva de dívida de I.M.T., relativa ao ano de 2007 e no montante total de € 12.028,96.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.199 a 210 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A oponente discorda do entendimento e da aplicação do direito que foi feita pelo Tribunal “a quo” quanto a todos os pontos da sua defesa, e bem assim da falta de análise crítica da prova feita nos autos e que a douta sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida nos números 1 a 11 dos factos constantes da peça processual da recorrente maxime do nº.1, do artº.39, do C.P.P.T., conjugado com o artº.41, C.P.P.T., e artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T.;
2-Na verdade e contrariamente ao decidido na sentença, a notificação de uma pessoa colectiva na sua sede social ou estabelecimento só pode fazer-se na pessoa de um dos seus administradores, gerentes ou directores e, na sua falta ou ausência, em qualquer funcionário dessa pessoa colectiva o que manifestamente não era nem é o caso do segurança do centro comercial, pessoa que é apenas funcionário de uma empresa de segurança, encontrando-se, aliás, ao serviço no local no âmbito de contrato mantido com o condomínio e não com a contribuinte/oponente;
3-O Tribunal “a quo” não considerou que tão pouco a Administração Fiscal terá tentado notificar a contribuinte na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes no domicílio destes, como deveria ter feito;
4-O ónus da prova da existência de regular notificação do acto de liquidação que terá dado origem à dívida fiscal exequenda à qual a contribuinte se veio a opor cabe inequivocamente à Administração Fiscal que, porém, não cumpriu tal ónus em momento algum do processo de oposição à execução que culminou com a prolação da sentença;
5-A oposição à execução, na ausência de notificação do acto de liquidação, é o meio próprio para arguir a ineficácia do acto tributário, bem como os demais vícios de que padece o mesmo, nomeadamente, duplicação de colecta, como se alega na p.i. da oposição à execução;
6-A oponente considera assim que se está perante um caso em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, pelo que contrariamente ao entendido pelo Tribunal recorrido está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T.;
7-Pelo que, justamente, ao invés do entendido pelo Tribunal “a quo”, entende a oponente que mesmo que porventura e por hipótese de raciocínio, que só por mera cautela de patrocínio se admite, assim se não entendesse, tendo a oposição à execução sido intentada relativamente a um acto tributário ineficaz perante a contribuinte por ausência de notificação pela forma legalmente prescrita para o efeito, sempre se teria de admitir que a oposição à execução teria sido deduzida dentro do prazo ainda em aberto, por definição, para apresentação da impugnação judicial que, segundo a sentença, deveria antes caber como forma de reacção processual adequada contra este acto tributário o que deveria ter por consequência a convolação do processo em processo de impugnação judicial e nunca o indeferimento puro e simples da oposição à execução, contrariamente ao decidido pela sentença;
8-A oposição à execução, sendo, porém, o meio próprio para reagir contra os acima mencionados vícios do acto tributário “sub judice” é também o meio próprio para reagir contra o vício de duplicação de colecta de que o mesmo acto de liquidação e consequente dívida fiscal exequenda padecem, visto que este vício constituiu, nos termos do C.P.P.T., uma "outra ilegalidade a provar por documento", sendo, além disso, viável arguir mesmo a ilegalidade concreta da dívida fiscal exequenda em sede de oposição à execução nos casos como é o caso “sub judice” em que não foi facultado à contribuinte outro meio de reacção processual adequado para poder fazer valer os seus direitos de defesa;
9-A oponente, através da sua alegação entende que o Mm° Juiz do Tribunal Fiscal de Sintra deveria ainda nos termos do artº.97, nº.3, da L.G.T., e artº.98, nº.4, do C.P.P.T., haver procedido à convolação na forma de processo adequada, no âmbito dos seus poderes;
10-E consequentemente decidido a anulação da dívida exequenda, emitindo-se a favor da oponente o competente título de anulação do respectivo título executivo;
11-Termos em que, e nos mais de Direito se requer a V. Ex.as, se dignem receber e processar o presente recurso julgando-o procedente, com todas as legais consequências, decidindo V. Ex.as pela revogação da sentença recorrida proferida pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, conforme se conclui, e proferindo total provimento ao recurso interposto pela recorrente farão a costumada Justiça!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.215 a 218 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.220 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.134 e 135 dos autos):
1-Corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais o processo de execução fiscal com o nº………………., contra a oponente, “E……….. I……….. - Actividades de ………….., L.da.”, instaurado para cobrança de dívida de I.M.T., do ano de 2007, no montante de € 12.028,86 e acrescido (cfr.informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos; documentos juntos a fls.1 e 2 do processo de execução fiscal apenso);
2-Em 19/10/2009, foi recebida carta registada com a.r., respeitante ao ofício nº.6129625, de 13 de Outubro de 2009, enviada pelo 1º. Serviço de Finanças de Cascais, para a morada da oponente, a saber Rua ………….. nº.5, ………, ………-240 ………, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado por Augusto ……………… (cfr. documento junto a fls.13 dos presentes autos; informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos; documento junto a fls.64 e 65 do processo administrativo apenso);
3-No aviso de recepção referido no número anterior foram apostos os elementos de identificação de Augusto ………….. (cfr.documento junto a fls.13 dos presentes autos);
4-Em 13 de Março de 2010, foi a ora oponente citada no âmbito do processo de execução fiscal referido no nº.1 (cfr.informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Nenhum outro facto com interesse para a decisão da causa ficou provado…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Com relevância para a decisão, com base na documentação junta aos autos, bem como pela posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
5-A notificação identificada nos nºs.2 e 3 do probatório supra, dizia respeito aos resultados da primeira avaliação de imóvel referente à fracção “………….” do artº…….., da freguesia do ……….., proveniente de 1º. transmissão na vigência do I.M.I., avaliação essa levada a efeito em 28/9/2009 e tendo por base a liquidação e pagamento de I.M.T. por parte da opoente e ora recorrente na qual fazia constar a aquisição da propriedade plena do imóvel em causa, na data de realização da escritura de compra e venda do mesmo imóvel, em 27/12/2007 (cfr.documento nº.6 junto com a p.i. a fls.39 a 45 dos presentes autos; documentos juntos a fls.63 a 65 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos);
6-Em 9/12/2009, foi estruturada a liquidação adicional de I.M.T., nos termos do artº.31, do C.I.M.T., relativa ao ano de 2007 incidente sobre o identificado imóvel, tudo em virtude do valor patrimonial resultante da avaliação efectuada ser superior ao valor de aquisição, fixando-se a colecta a pagar em € 12.028,96, após dedução do valor já pago em 27/12/2007 (cfr.documentos juntos a fls.63 e 67 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos);
7-A liquidação adicional identificada no nº.6 foi notificada à opoente/recorrente através de carta registada em 16/12/2009, com o registo nº.RY………., entregue ao destinatário no dia 17/12/2009, tendo-se fixado como termo final do pagamento do acto tributário o dia 31/1/2010 (cfr.documentos juntos a fls.3 a 5 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos);
8-No articulado inicial que originou o presente processo a opoente/recorrente aduz como causa de pedir, além do mais, a inexigibilidade da dívida exequenda, dado que nunca foi notificada para proceder ao pagamento voluntário da liquidação de I.M.T. relativa ao ano de 2007 (cfr.conteúdo da p.i. junta a fls.5 a 12 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações referidos em cada uma dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar improcedente a presente oposição, devido ao decaimento dos fundamentos da mesma.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que a decisão recorrida padece de falta de análise crítica da prova feita nos autos (cfr.conclusão 1 do recurso), com suporte em tal alegação demandando, salvo erro, consubstanciar a nulidade da sentença devido a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C. P. Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.6772/13).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.133 a 140 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se manifestamente improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
Mais aduz o recorrente que a sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida nos números 1 a 11 dos factos constantes da p.i. (cfr.conclusão 1 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar a alteração à matéria de facto defendida pelo recorrente.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Argui o recorrente, igualmente e conforme supra se alude, que o ónus da prova da existência de regular notificação do acto de liquidação que terá dado origem à dívida fiscal exequenda à qual o contribuinte se veio a opor cabe inequivocamente à Administração Fiscal que, porém, não cumpriu tal ónus em momento algum do processo de oposição à execução que culminou com a prolação da sentença. Que se está perante um caso em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, pelo que contrariamente ao entendido pelo Tribunal recorrido está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 2 a 6 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12).
Examinemos, agora, a forma e conteúdo da notificação do acto tributário de liquidação objecto dos presentes autos (recorde-se a natureza receptícia do acto tributário a que já supra se aludiu).
No que diz respeito à notificação que tenha por destinatário as sociedades, em face do preceituado no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., ela é efectuada, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, como é o caso dos actos tributários de liquidação. Tal notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr.artº.246, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6). É o artº.41, do C.P.P.T., que consagra as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal. Sendo este o objectivo da referida norma, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à “perfeição das notificações” previstas no artº.39, do mesmo diploma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.400 e seg.).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da factualidade provada (cfr.nº.6 do probatório), a liquidação adicional de I.M.T. que constitui a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1503/2010/102131.1 foi estruturada nos termos do artº.31, do C.I.M.T., preceito em cujo nº.4 se remete para o regime previsto no C.P.P.T. a forma e regime de notificação de tal acto tributário ao sujeito passivo.
Não se enquadrando tal liquidação adicional de I.M.T. na previsão dos nºs.3 e 4, do artº.38, do C.P.P.T., deve concluir-se que o mesmo acto tributário devia ser notificado à opoente/recorrente, enquanto sociedade, de acordo com o regime regra previsto no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., portanto, através de carta registada com aviso de recepção, mais devendo ser realizada numa das pessoas físicas identificadas no citado artº.41, nºs.1 e 2, do mesmo diploma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.400 e seg.).
Da factualidade provada retira-se que a liquidação adicional de I.M.T. que constitui a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº………………… foi notificada ao opoente/recorrente através de carta registada (cfr.nº.7 do probatório), quando o deveria ter sido através de carta registada com aviso de recepção, mais devendo ser realizada numa das pessoas físicas identificadas no citado artº.41, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., conforme referido supra (e recorde-se que o recorrente declara que não foi notificado do mesmo acto de liquidação, assim erigindo tal vector como causa de pedir no âmbito do presente processo - cfr.nº.8 do probatório)
Nestes termos, não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 384).
Por outras palavras, no caso “sub judice” foi preterida uma formalidade legal prevista nos examinados artºs.38, nº.1, e 41, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., pelo que, tal notificação não produziu efeito, porquanto a A. Fiscal não efectuou prova de que o sujeito passivo, apesar da omissão de tal formalidade, terá tomado conhecimento do teor da liquidação em causa. Tal não tendo acontecido, deve o Tribunal concluir que o acto de liquidação não pode produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, acto ineficaz, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495).
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento, ficando prejudicado o exame dos seus restantes esteios, não podendo manter-se a decisão de improcedência da oposição, a qual será revogada e substituída por outra que julgue a oposição procedente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição que originou o presente processo.
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Condena-se a Fazenda Pública em custas, somente em 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 31 de Outubro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)