Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1499/17.1BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/23/2017
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INTIMAÇÃO PROTEÇÃO DIREITOS
LIBERDADES E GARANTIAS
GREVE
IMPUGNABILIDADE DO ATO
PROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL
Sumário:I. A adequação do meio processual é aferida pela configuração dada ao litígio, pelo pedido e pela causa de pedir.

II. Existindo uma multiplicidade de meios processuais, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, deverá utilizar-se o meio próprio e adequado a tutelar os direitos e interesses em cada caso ameaçados, segundo o princípio da tipicidade dos meios processuais, nos termos do qual, existe um meio próprio de tutela contenciosa para cada pretensão material, sob pena de procedência da exceção dilatória de erro na forma do processo.

III. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias visa tutelar direitos, podendo o tribunal impor a adoção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, através da emissão de uma sentença de condenação, mas sem que caiba no seu objeto a impugnação de ato administrativo, não visando apreciar a legalidade de atos administrativos.

IV. Pretendendo o Requerente a anulação do ato administrativo, o meio processual próprio é a ação administrativa de impugnação de ato administrativo, cuja sentença a proferir tem efeitos constitutivos.

V. Não obstante a configuração de uma situação de necessidade de uma tutela jurisdicional urgente, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual próprio e adequado a tutelar o litígio configurado nos autos, considerando a tramitação prevista, designadamente, em face do disposto no n.º 1 do artigo 110.º do CPTA, que prevê o despacho liminar do juiz a proferir em 48 horas, seguido de citação da outra parte para responder em sete dias, seguida da demais tramitação da intimação, não sendo a instauração de uma intimação na véspera da data da greve suscetível de operar a definição do direito material controvertido em tempo útil.

VI. Ainda que se admita a propriedade e a adequação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para tutelar a pretensão célere e definitiva dos serviços mínimos de uma greve, considerando que, com o Requerente, se reconhece a necessidade de uma tutela definitiva e de mérito sobre tal pretensão, a presente intimação não é o meio processual próprio para a anulação de atos administrativos.

VII. Não é de consentir que a presente via judicial possa servir o propósito de regular outras relações jurídicas, como será o caso de greves futuras.

VIII. Tendo sido proferidos dois despachos conjuntos, destinando-se cada um a regular o exercício do direito à greve, mas greves diferentes e convocadas para datas diferentes, ainda que convocadas pelo mesmo Sindicato, não se pode falar em ato meramente confirmativo e, por isso, inimpugnável contenciosamente para efeitos do disposto no artigo 53.º do CPTA.
Votação:COM ÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

S......... – Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, movida contra o Ministério da Administração Interna, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o Ministério da Economia e o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas e as Contrainteressadas, P…………. Companhia ……….. Lda. e a S………. Transport A………………., Lda., rejeitou liminarmente a petição inicial, absolvendo as Entidades Requeridas e as Contrainteressadas da instância.

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 105 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A) A Intimação para defesa de direito liberdades e garantias é o meio processualmente adequado para obter uma decisão urgente, de mérito, perante a eminência de execução do Despacho Conjunto emitido pelos Ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Economia, da Administração Interna e do Planeamento, e das Infraestruturas e que, a não ser declarado ilícito, afeta de forma definita e irreversível, Direitos Liberdades e Garantias, do Recorrente, e dos respetivos associados abrangidos pelo aviso de greve;

B) O objeto do pedido de Intimação é a proteção de direitos, liberdades e garantias, dos trabalhadores, consistindo este na defesa do exercício do direito de greve e de contratação coletiva – Título II, Cap. III, art.ºs 56.º, n.º 3 e 57.º da Constituição da Republica Portuguesa;

C) A regulação do conflito exige uma decisão definitiva sobre o mérito da causa, que defina o quantum dos serviços mínimos que a ora Recorrente está obrigada a assegurar, bem como dos serviços abrangidos pelo conceito de serviço social impreterível, sendo a ameaça de violação de direitos iminente;

D) Os meios processuais comuns não se mostram adequados a pronunciar-se, em tempo útil, sobre a questão de fundo, porque são demasiado lentos, com tendência para acabarem numa declaração de inutilidade superveniente da lide quando o conflito já se encontra extinto, pelo decurso do tempo;

E) As medidas cautelares, pela sua natureza provisória, num processo composto por uma sucessão de greves, levam a uma acumulação de decisões, por vezes contraditórias entre si (o que sucede no processo sucessivo de greves, aqui em causa). Por outro lado,

F) A greve esgota-se, enquanto ação, num dia determinado, pelo que as medidas cautelares acabam por decidir, ilegitimamente e em definitivo, produzindo uma decisão que a medida cautelar não está em condições de dar.

G) O fundamento da presente intimação consiste em decidir os serviços abrangidos pelo conceito de “serviço social impreterível”, bem como o “quantum” dos serviços mínimos que o recorrente está obrigado a prestar nos termos da lei;

H) Com a Intimação o Requerente deveria obter uma decisão de mérito, urgente, apta a fazer cessar a lesão dos direitos em questão e a por termo ao litígio.

I) A não emissão de uma decisão de mérito, urgente, potencia a continuação do litígio e ameaça o conteúdo final da convenção inviabilizando a celebração da mesma, por falta de condições da parte sindical para exercer, com toda a liberdade e responsabilidade, os direitos que constitucionalmente lhe são conferidos pelos art.ºs 56.º, n.º 3 e 57.º da Constituição da Republica Portuguesa e que são essenciais ao estabelecimento do equilíbrio entre partes, no processo negocial;

J) Temos, assim que, estão verificados todos os pressupostos de recurso à Intimação, ou seja: (a) “a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito indispensável para proteção de um direito, liberdade e garantia” consistindo este na defesa do direito de greve do requerente e respetivos associados; (b) a insuficiência, por inadequação, do “decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma ação administrativa normal”; (c) por inadequação de recurso a um meio não urgente (ação administrativa) que “não chegaria a tempo de ditar a justiça para a situação, isto é, para a proteção de um direito, liberdade e garantia; e (d) no âmbito de um meio processual provisório “o juiz da causa cautelar se ditasse justiça para a situação teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito”.

K) O Recorrente entende que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei processual no caso concreto, pelo que a ação deve prosseguir como Intimação para a Defesa de Direitos Liberdades e Garantias, conforme requerido.

L) O Tribunal a quo fez, ainda, errada interpretação do disposto no art.º 53.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos ao decidir pela inimpugnabilidade do Despacho em causa;

M) Tal decisão fundamenta-se na conclusão de que, o despacho conjunto de 21.06.2017, cuja anulação é pedida na presente intimação, “é da autoria dos mesmos membros do Governo” que emitiram o Despacho Conjunto 12/2017 de 10.05.2017, e que este não foi impugnado;

N) Tal conclusão, sendo verdadeira, não determina a inimpugnabilidade do Despacho de 21.06.2017, porquanto, nos termos do art.º 58.º, n.º 1, do CPTA, o Requerente pode, se assim o entender, impugnar o despacho 12/2017, uma vez que o prazo de impugnação não se encontra esgotado;

O) Acresce que, o Despacho cuja anulação se requer não constitui um ato confirmativo do outro Despacho de 10.05.2017, ainda que no sentido extenso que lhe é dado pelo disposto no art.º 53.º, n.º 1 do CPTA, porquanto, uma leitura comparativa dos dois despachos leva, necessariamente, a conclusão diversa.

P) Enquanto no Despacho n.º 12/2017, os serviços sociais impreteríveis identificados cingem-se à “assistência a todos os voos impostos por situações criticas à segurança de pessoas e bens, incluindo voos-ambulância, movimentas de emergência entendidas como situações declaradas em voo designadamente por razões de ordem técnica ou meteorológica e outras que, pela sua natureza, torne absolutamente inadiável a assistência em voo”; a “assistência a todos os voos militares” e “assistência a todos os voos do Estado, nacional ou estrangeiro”;

Q) No Despacho de 21.06.2017, não se definem os serviços (sociais impreteríveis) a abranger pelos serviços mínimos; o mesmo dirige-se a todo o universo de serviços aeroportuários;

R) Ou seja, o Despacho de 21.06.2017, não se limita a reiterar, com os mesmos fundamentos, a decisão contida no Despacho 12/2017; estende a prestação de serviços mínimos a todas as atividades exercidas nos aeroportos, não deixando quaisquer dúvidas quanto à dissemelhança entre eles.

S) E ainda que os dois Despachos fossem iguais, quer quanto ao universo, quer quanto aos fundamentos apresentados, as greves seriam diferentes, porque realizadas em dias, em fases negociais e contextos irrepetíveis. As semelhanças seriam apenas de texto, ou seja, formais, sem aderência às situações materiais a regular;

T) Por outro lado ainda, - mesmo numa interpretação alargada da norma do art.º 53.º do CPTA - não é de acolher o sentido de que todos os despachos subsequentes a um não impugnado são confirmativos. A ser assim, estaria encontrada uma maneira de vedar, ou pelo menos de limitar ilegitimamente, o acesso à justiça, denegando-a, em violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa,

U) Pelo que, a norma do art.º 53.º, n.º 1 do CPTA, assim interpretada é materialmente inconstitucional.

V) Mostram-se, assim, verificados os pressupostos da necessidade, da suficiência, da subsidiariedade e da exclusividade do meio processual requerido, visando a obtenção de uma decisão de mérito, urgente, indispensável para a proteger direitos liberdades e garantias da recorrente e dos seus associados, abrangidos pelo aviso de greve;

W) Os fundamentos alegados na ação de intimação mantêm-se válidos e atuais; o conflito continua latente; a eventualidade de próximas greves é muito real como é real a possibilidade de emissão de despachos de licitude muito duvidosa, que afetam, ou podem afetar, em breve, o exercício do direito de greve, com repercussão no exercício do direito de negociação coletiva, previstos, respetivamente nos art.º 56.º, n.º 3 e 57.º, da Constituição da Republica Portuguesa, como direitos liberdades e garantias dos trabalhadores.”.

Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada ordenando-se o prosseguimento dos autos.


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O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social notificado apresentou contra-alegações (cfr. fls. 140 e segs.), assim concluindo:

“1 - A decisão recorrida sustenta-se em todo o argumentatório e prova documental que o requerente juntou ao processo e de que se louva para fazer valer os seus direitos;

2 - A sentença não merece qualquer reparo e resulta tão só de uma análise lógico­ dedutiva face aos despachos juntos ao mesmo para efeitos probatórios;

3 - O M.M. Juiz a quo fez o seu julgamento no estrito cumprimento dos artigos 53.º e alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º todos do CPTA;

4 - Ainda que assim se não entenda, considerando o termo do prazo da greve e da cessação da vigência do despacho conjunto de 21 de Junho de 2017, deixou de existir objecto da requerida intimação;

5 - Nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA, deve ser julgada extinta a instância por ser inútil o prosseguimento do processo

Conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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O Ministério do Planeamento e das Infraestruturas veio contestar, a fls. 170 e segs., pedindo que a intimação seja rejeitada, com a absolvição das entidades requeridas ou, se assim não se entender, que seja julgada improcedente, por não provada.

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O Ministério da Economia veio, a fls. 176 aderir aos fundamentos constantes das contra-alegações apresentadas pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

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O Ministério da Administração Interna contra-alegou a fls. 184, aderindo às contra-alegações apresentadas pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida.

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Foi proferido despacho que determinou a notificação do Requerente, ora Recorrente, para se pronunciar sobre a extinção da presente lide, por inutilidade superveniente da lide.

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O Requerente pronunciou-se requerendo o prosseguimento dos autos.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento, por a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias ser o meio processual próprio;

2. Erro de julgamento, por errada interpretação do artigo 53.º, n.º 1 do CPTA, quanto à inimpugnabilidade do Despacho Conjunto impugnado.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1 – No dia 10.5.2017 foi assinado o seguinte Despacho Conjunto:

«Texto no original»

2 – O Despacho Conjunto cuja anulação é pedida na presente intimação, da autoria dos mesmos membros do Governo, datado de 21.10.2017 (data da última assinatura aposta) é do seguinte teor:

«Texto no original»

3 – Na consulta feita ao SITAF verifica-se que o A. não usou qualquer meio de defesa dirigido contra o Despacho Conjunto datado de 10.5.2017, antes transcrito.

4 – A p.i. da presente intimação foi apresentada em juízo, hoje - 6.ª feira- (23.6.2017), pelas 14:25:11, tendo sido entregue na 2.ª UO às 16:11, cf. print de fls 83 do processo virtual, com conclusão aberta à signatária às 17:24:20.

5 – A greve a que se referem os dois despachos antes mencionados tem início previsto para as 00.00 de amanhã.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada pelo Tribunal a quo, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento, por a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias ser o meio processual próprio

Nos termos alegados pelo Recorrente a decisão recorrida é ilegal, por erro de julgamento quanto a julgar que a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual próprio e adequado a fazer valer a pretensão material requerida, defendendo a idoneidade da intimação para obter uma decisão urgente e de mérito, perante a iminência da execução do Despacho Conjunto emitido pelos vários Ministérios, ora Requeridos, sob pena de afetação de forma irreversível dos direitos dos associados abrangidos pelo direito à greve, estando em causa a proteção dos direitos dos trabalhadores, traduzidos no exercício do direito à greve e de contratação coletiva.

Alega que é exigível uma decisão definitiva que defina o “quantum dos serviços mínimos” a que o ora Recorrente está obrigado a assegurar e dos serviços abrangidos pelo conceito de “serviço social impreterível”, sendo a ameaça a esses direitos iminente.

Mais defende a insuficiência, por inadequação, do decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma ação administrativa.

Vejamos.

Importa ter presente, por um lado, a configuração do litígio resultante da petição inicial e, por outro, a fundamentação acolhida na decisão judicial recorrida.

A configuração dada ao litígio, depende do pedido e da causa de pedir concretamente deduzidos, pois será em função da estruturação objetiva da instância, que se aferirá a adequação do meio processual.

Existindo uma multiplicidade de meios processuais, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, deverá utilizar-se o meio próprio e adequado a tutelar os direitos e interesses em cada caso ameaçados, segundo o princípio da tipicidade dos meios processuais, nos termos do qual, existe um meio próprio de tutela contenciosa para cada pretensão material.

Por isso, não é indiferente a escolha do meio processual utilizado pelo autor/requerente, pois terá de ser o meio adequado a fazer valer em juízo a pretensão material requerida, sob pena de procedência da exceção dilatória de erro na forma do processo.

Analisando a petição inicial, dela resulta que o Requerente vem demandar vários Ministérios, autores do Despacho Conjunto que decretou os serviços mínimos da greve, discordando da fixação do “quantum dos serviços mínimos” a que o ora Recorrente está obrigado a assegurar e ainda da fixação dos serviços abrangidos pelo conceito de “serviço social impreterível”, alegando estar em causa uma ameaça iminente dos direitos à greve e da contratação coletiva, considerando a proximidade da data da greve em causa.

No que respeita ao pedido formulado mostra-se peticionado em juízo a anulação do Despacho Conjunto, por vício de violação de lei e vício de forma, por obscuridade e insuficiência de fundamentação.

Tendo presente esta configuração do litígio, de imediato se impõe dizer não ser o pedido deduzido em juízo pelo ora Recorrente instrumental e adequado ao meio processual instaurado que foi a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, pois nesta visa-se tutelar direitos, podendo o tribunal impor a adoção de uma conduta positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, mas sem que caiba no seu objeto a anulação de quaisquer atos administrativos.

A presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um processo declarativo e como processo de intimação “dirige-se à emissão de uma sentença de condenação, mediante o qual o tribunal impõe a adoção de uma conduta, que tanto pode consistir num facere, como num non facere, numa conduta positiva (uma ação), como numa conduta negativa (uma abstenção)” – cfr. Mário Aroso de Almedida e Carlos Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª ed., Almedina, pp. 882.

Apenas assim não é no caso do disposto no n.º 3 do artigo 109.º do CPTA, em que a sentença é constitutiva, não havendo lugar neste caso à intimação do requerido.

Assim, destinando-se a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias à emissão de uma sentença condenatória, o seu objeto traduz-se em exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito.

O Requerente, arrogado da titularidade de um direito que afirma estar a ser violado, pretende que o órgão judiciário declare a existência e a violação do direito e ordene ao réu a realização ou a abstenção da prestação, destinada à reintegração ou reparação do direito violado.

“Por isso, nestas acções o autor além de pretender a declaração do seu direito, como nas acções de simples apreciação, também visa a condenação do réu à reintegração desse direito violado.

A condenação tanto se pode traduzir na realização de uma certa prestação, quer numa omissão ou abstenção, assim como se pode traduzir numa condenação genérica, quando no momento em que a decisão é proferida não seja possível a determinação concreta da prestação devida ou da prestação líquida.” – cfr. Ana Celeste Carvalho, “Os Efeitos e a Eficácia da sentença administrativa”, in Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, pp. 254-255.

Pretendendo o Requerente a anulação do ato administrativo, o meio processual próprio é a ação administrativa de impugnação de ato administrativo, no âmbito da qual pode haver lugar a tal pronúncia judicial, segundo o disposto no artigo 50.º e segs. do CPTA.

Esta mesma pretensão anulatória foi reafirmada pelo ora Recorrente no articulado de pronúncia à questão suscitada pelo Tribunal, pretendendo o Requerente da intimação que o Tribunal anule o ato impugnado, ou seja, profira uma sentença constitutiva que não cabe no objeto da presente lide.

Daí que, com fundamento em não ser possível através da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias conceder a tutela jurisdicional requerida, de anulação do Despacho Conjunto, se decide existir a impropriedade do meio processual.

O Recorrente pretende contrariar este entendimento ao invocar a urgência na emissão de uma decisão definitiva e de mérito que resolva definitivamente o litígio, mas sem razão, não sendo o argumento da urgência apto a inverter o anteriormente expendido.

Compulsados os autos verifica-se que o Requerente veio instaurar a presente intimação em 23/06/2017, estando em causa a alegada tutela do direito à greve, marcada para os dias 24 e 25/06/2017, pelo que é manifesto que o Requerente veio a juízo em termos que inviabilizam a obtenção de qualquer tutela jurisdicional oportuna e em tempo útil.

Não obstante a configuração de uma situação de necessidade de uma tutela jurisdicional urgente, nunca a presente intimação, requerida em juízo na véspera do primeiro dia da greve, seria o meio processual próprio e adequado a tutelar o litígio configurado nos presentes autos, pois considerando a tramitação prevista, designadamente, em face do disposto no n.º 1 do artigo 110.º do CPTA, que prevê o despacho liminar do juiz a proferir em 48 horas, seguido de citação da outra parte para responder em sete dias, para além da demais tramitação da intimação, não seria suscetível de permitir operar a definição do direito material controvertido em tempo útil.

Por outro lado, resulta dos presentes autos que não requerido pelo Requerente, nem foi ponderado pelo Tribunal a quo, a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 110.º-A do CPTA e, consequentemente, a adoção de uma medida cautelar provisoriamente decretada, porventura adequada a dar resposta efetiva e em tempo útil aos direitos à greve e à contratação coletiva alegadamente ameaçados.

Por isso, o Requerente veio instaurar um meio processual que não obstante revestir natureza urgente é ele próprio impróprio e insuficiente para dar resposta em tempo útil à sua pretensão.

Embora se admita a propriedade e a adequação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para tutelar a pretensão célere e definitiva dos serviços mínimos de uma greve, considerando que, com o Requerente, se reconhece a necessidade de uma tutela definitiva e de mérito sobre tal pretensão material, no presente caso não se mostra adequado o pedido que foi deduzido em juízo, por não ser a presente intimação meio processual próprio para a anulação de atos administrativos.

Impunha-se ao Requerente que viesse utilizar os meios processuais em tempo oportuno, de modo a que a utilização do serviço público de justiça possa cumprir as finalidades para que está erigido e se apresente eficiente e eficaz na resposta jurisdicional requerida ou, pelo contrário, que assumisse a impossibilidade de resolução atempada do litígio em presença, considerando a data do seu impulso processual e a data marcada da greve, ajustando o meio processual e a concreta providência requerida a essa realidade.

Para além disso, é exigível que exista uma adequação da pretensão material deduzida ao meio processual utilizado, o que ora de todo não se verifica, reafirmando-se não ser legalmente possível no âmbito da presente intimação emitir uma pronúncia anulatória de ato administrativo, por não ser a via própria para a impugnação de atos administrativos.

Assim, considerando o momento temporal em que o Requerente veio a juízo, encontra-se comprometida a resposta a dar pelo sistema de justiça, sendo que este é pautado por critérios de necessidade e de interesse processual em agir, servindo para a tutela de direitos e interesses violados ou séria e gravemente ameaçados e não como forma de tutelar situações futuras, que venham a ocorrer, visando por isso regular a situação concretizada na petição inicial e não qualquer outra que se projete num futuro mais ou menos próximo no tempo, como seja uma qualquer outra greve futura.

Não é pois, possível assegurar através da presente intimação a tutela preventiva do conteúdo do direito à greve, destinada a obstar à definição do “quantum dos serviços mínimos” e do conceito de “serviço social impreterível”, considerando o Requerente vir a juízo na véspera da data da greve, ciente de que a resposta jurisdicional a prestar pelo tribunal não tem a aptidão de produzir qualquer efeito útil sobre o litígio em contenda.

Do mesmo modo, não é de consentir que a presente via judicial possa servir o propósito de regular relações jurídicas futuras, segundo a alegação de “uma decisão de mérito sobre a licitude do despacho impugnado terá a virtualidade de contribuir para a regulação do exercício do direito à greve”, por referência a greves futuras, conforme expressado pelo Requerente no seu articulado de pronúncia à questão prévia suscitada por este Tribunal ad quem.

O Requerente reiterou o propósito de obtenção da pronúncia jurisdicional de anulação do ato administrativo impugnado, pedindo que o tribunal se debruce sobre a sua legalidade, o que não é possível obter através da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, além de a mesma, pela sua própria natureza, não se destinar a servir à resolução de litígios futuros.

Nestes termos, forçoso se tem de concluir pela improcedência das conclusões do presente recurso jurisdicional, sendo a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias meio impróprio à obtenção da anulação de um ato administrativo, além de não se destinar a regular qualquer situação jurídica decorrente de greves futuras, mantendo-se nesta parte a decisão recorrida.

2. Erro de julgamento, por errada interpretação do artigo 53.º, n.º 1 do CPTA, quanto à inimpugnabilidade do Despacho Conjunto impugnado

Segundo a alegação do Recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 53.º do CPTA ao decidir pela inimpugnabilidade do Despacho Conjunto impugnado, datado de 21/06/2017, pois este não é confirmativo do despacho anterior, datado de 10/05/2017.

Sustenta que no último despacho não se definem os serviços a abranger pelos serviços mínimos, por se dirigir a todo o universo de serviços aeroportuários, pelo que o despacho impugnado não se limita a reiterar com os mesmos fundamentos o despacho anterior, pois estende a prestação de serviços mínimos a todas as atividades exercidas nos aeroportos.

Além disso, alega o Recorrente que, mesmo que os dois despachos fossem iguais, quer quanto ao universo, quer quanto aos fundamentos, as greves seriam diferentes porque realizadas em dias, em fases negociais e em contextos irrepetíveis.

Vejamos.

Segundo a fundamentação da decisão de que se interpõe recurso, da simples leitura do despacho conjunto de 10/05/2017 se extrai que os aspetos reputados por ilegais imputados ao despacho de 21/06/2017, já tinham sido definidos no despacho de 10/05/2017, sendo o ato inimpugnável em face do disposto do artigo 53.º do CPTA.

Pelo que foi decidido que o ato impugnado é um ato meramente confirmativo de um ato administrativo anterior, sendo inimpugnável judicialmente.

Porém, afim de apurar se assim é, importa analisar ambos os despachos, no sentido de saber se a definição do direito para o caso concreto resulta do primeiro despacho ou se o despacho que o Requerente pretende ver impugnado é inovatório em relação ao primeiro despacho, contendo novas determinações vinculativas para os seus destinatários.

Compulsados os despachos em causa de imediato é apreensível que o Despacho Conjunto datado de 10/05/2017 se destina a regular o exercício do direito à greve marcada para os dias 13 a 17 de maio de 2017 e o despacho datado de 21/06/2017 regula o exercício do direito de greve marcada para os dias 24 e 25 de junho de 2017.

Assim, está em causa a regulação de greves diferentes, ainda que marcadas pelo mesmo Sindicato, pelo que, é de recusar que o Despacho Conjunto impugnado nos autos, datado de 21/06/2017, integre os pressupostos previstos no artigo 53.º do CPTA, para que se possa falar em ato meramente confirmativo e, como tal, inimpugnável contenciosamente.

Estão em causa greves diferentes, pelo que, situações jurídicas diferentes, reguladas por despachos que não são inteiramente coincidentes, que não admitem que se possa falar de uma mesma relação jurídica administrativa ou de identidade entre atos administrativos para efeitos de determinar a existência de decisões administrativas confirmativas, para efeitos do disposto no artigo 53.º do CPTA.

Nestes termos, não se pode manter a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do Despacho Conjunto, datado de 21/06/2017, ora impugnado, por não se tratar de um ato confirmativo do despacho datado de 10/05/2017.


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Em consequência, impõe-se revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância, devendo o Requerente ser notificado sobre os termos da convolação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em ação administrativa de impugnação de ato administrativo, com as suas demais consequências, havendo nesse caso o prosseguimento do processo,

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Pelo exposto, será de conceder procedência parcial ao recurso, por provados os seus respetivos fundamentos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A adequação do meio processual é aferida pela configuração dada ao litígio, pelo pedido e pela causa de pedir.

II. Existindo uma multiplicidade de meios processuais, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, deverá utilizar-se o meio próprio e adequado a tutelar os direitos e interesses em cada caso ameaçados, segundo o princípio da tipicidade dos meios processuais, nos termos do qual, existe um meio próprio de tutela contenciosa para cada pretensão material, sob pena de procedência da exceção dilatória de erro na forma do processo.

III. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias visa tutelar direitos, podendo o tribunal impor a adoção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, através da emissão de uma sentença de condenação, mas sem que caiba no seu objeto a impugnação de ato administrativo, não visando apreciar a legalidade de atos administrativos.

IV. Pretendendo o Requerente a anulação do ato administrativo, o meio processual próprio é a ação administrativa de impugnação de ato administrativo, cuja sentença a proferir tem efeitos constitutivos.

V. Não obstante a configuração de uma situação de necessidade de uma tutela jurisdicional urgente, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual próprio e adequado a tutelar o litígio configurado nos autos, considerando a tramitação prevista, designadamente, em face do disposto no n.º 1 do artigo 110.º do CPTA, que prevê o despacho liminar do juiz a proferir em 48 horas, seguido de citação da outra parte para responder em sete dias, seguida da demais tramitação da intimação, não sendo a instauração de uma intimação na véspera da data da greve suscetível de operar a definição do direito material controvertido em tempo útil.

VI. Ainda que se admita a propriedade e a adequação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para tutelar a pretensão célere e definitiva dos serviços mínimos de uma greve, considerando que, com o Requerente, se reconhece a necessidade de uma tutela definitiva e de mérito sobre tal pretensão, a presente intimação não é o meio processual próprio para a anulação de atos administrativos.

VII. Não é de consentir que a presente via judicial possa servir o propósito de regular outras relações jurídicas, como será o caso de greves futuras.

VIII. Tendo sido proferidos dois despachos conjuntos, destinando-se cada um a regular o exercício do direito à greve, mas greves diferentes e convocadas para datas diferentes, ainda que convocadas pelo mesmo Sindicato, não se pode falar em ato meramente confirmativo e, por isso, inimpugnável contenciosamente para efeitos do disposto no artigo 53.º do CPTA.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, julgando o ato impugnável, e manter a decisão na parte em que julgou procedente o erro na forma do processo, por a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não ser o meio próprio à anulação de ato administrativo e, em consequência, determinar a baixa dos autos, devendo o Requerente ser notificado sobre a convolação da presente intimação em ação administrativa de impugnação de ato administrativo, com as demais consequências legais.

Custas em partes iguais, pelo Recorrente (1/2) e pelas Entidades Requeridas (1/2).

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Subscrevendo a declaração de voto da Exmª 2ª Adjunta , no seu ponto 2º)



(Helena Canelas)
Declaração de voto

Subscrevemos a fundamentação do acórdão no que tange à procedência do apontado erro de julgamento quanto à inimpugnabilidade do identificado Despacho Conjunto por errada interpretação do artigo 53º nº 1 do CPTA.

No que divergimos é quanto à fundamentação do acórdão no que tange à verificação de impropriedade do meio processual, por duas ordens de razão fundamentais:

1º - Porque entendemos que, salvo melhor entendimento, que o que é decisivo para a admissibilidade do uso do meio processual Processo de Intimação para Proteção de Direitos Liberdades e Garantias, é que a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º (cfr. artigo 109º nº 1 do CPTA). No caso o requerente Sindicato pretende afastar os efeitos do Despacho Conjunto que fixou os serviços mínimos no âmbito da convocada greve, alegando que o mesmo impede, afeta e restringe, injustificadamente, o direito à greve constitucionalmente consagrado. Pelo que o afastamento da ordem jurídica daquele despacho é adequado, em tese, a tutelar o direito em causa. Por outro lado, a circunstância de a impugnação de atos administrativo se fazer através da ação administrativa, nos termos do disposto no artigo 37º nº 1 alínea a) do CPTA revisto, aquela forma de processo, que constitui a forma de ação comum nos tribunais administrativos, só é a seguida quando não seja de utilizar uma das formas especiais previstas no Código (ou em legislação especial), como claramente resulta do inciso “…os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem neste Código, nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial”.

2º - Porque entendemos, salvo melhor entendimento, que a circunstância de o requerente ter instaurado o Processo de Intimação para Proteção de Direitos Liberdades e Garantias em 23/06/2017, estando em causa a tutela do direito à greve marcada para os dias 24 e 25/06/2017, não configura impropriedade do meio processual. A propriedade do meio processual haverá de ser aferida à luz do disposto no artigo 109º do CPTA. E claramente impunha-se uma decisão definitiva, célere e urgente adequada a tutelar o direito à greve alegadamente violado pelo Despacho Conjunto que definiu os serviços mínimos. Despacho que, atenha-se, data de 21/06/2017, tendo a petição inicial do processo de intimação sido apresentado em juízo logo dois dias depois (23/06/2017). Prevendo o artigo 110º nº 3 do CPTA revisto mecanismos que permitem, de forma expedita, dar resposta judicial em tempo útil. Pelo que não subscrevemos, designadamente, a afirmação de que «…nunca a presente intimação, requerida em juízo na véspera do primeiro dia da greve, seria o meio processual próprio e adequado a tutelar o litígio configurado nos presentes autos, pois considerando a tramitação prevista, designadamente, em face do disposto no n.º 1 do artigo 110.º do CPTA, que prevê o despacho liminar do juiz a proferir em 48 horas, seguido de citação da outra parte para responder em sete dias, para além da demais tramitação da intimação, não seria suscetível de permitir operar a definição do direito material controvertido em tempo útil».



Lisboa, 23 de novembro de 2017
A 2ª adjunta,
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas