Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2883/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
REVERSÃO;
INEXISTÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA DE BENS.
Sumário:I- Nos termos dos artigos 23º, nº. 2 da L.G.T., e 153º, nº. 2 do C.P.P.T., a reversão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário depende de verificação da inexistência ou da fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
II. Se a Administração Tributária demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão.
III- Fundada a responsabilidade do oponente/recorrido pelas dívidas da sociedade devedora originária nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT, sobre ele recai o ónus de demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento ou entrega do imposto.
IV- Nesse preceito, estabelece-se uma presunção legal de culpa do gerente pelo que a Administração Tributária não tem de integrar na fundamentação do despacho de reversão a enunciação dos pressupostos factuais da culpa do revertido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I – RELATÓRIO

J.................., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição à execução deduzida, contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ................ e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “E................, S.A”, por dívidas de IRS dos anos de 2007, 2008 e 2009 no valor total de € 20.135,75.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. Da douta sentença recorrida o ora Recorrente salvo o devido respeito, não concorda com a mesma, uma vez que não foram realizadas as diligências necessárias pela administração fiscal para determinar se o devedor originário dispunha ou não de bens necessários para solver os tributos.
II. Nos termos do disposto no nº 2 do art.º 23 da LGT refere-se que a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário.
III. Pelo que sendo insuficientes as diligências realizadas para averiguar se o devedor principal dispunha ou não de bens, não cumpriu a determinação prevista na referida disposição legal.
IV. Ou seja, sempre que não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados o processo de execução fiscal ficará suspenso desde o termo do prazo da oposição, até à completa exclusão do património do executado.
V. Para que haja lugar à reversão fiscal em relação ao Recorrente, devedor subsidiário é necessária a verificação cumulativa das disposições previstas nas alíneas a) e b) do art.º 24 da LGT.
VI. Ora, no despacho de reversão nem sequer é mencionado o ato imputado ao ora recorrente que permita sequer qualificar que foi devido a ato seu ou culpa sua que o devedor originário não procedeu ao pagamento dos tributos, pelo que é manifestamente ilegal, uma vez que é omisso quanto a que titulo é que é imputável a culpa ao revertido, ora recorrente.
VII. O instituto da reversão fiscal não é um instituto de responsabilidade solidária, antes pelo contrário apenas existe responsabilidade subsidiária do devedor subsidiário em relação ao devedor originário, caso se verifiquem os requisitos constantes dos artigos 23º e 24º da LGT, sendo, pois obrigação da administração fiscal, ora Recorrida de indicar no projeto de decisão, expressamente, quais os atos ou diligências que lhe permitiram formular a conclusão que primeiramente o devedor originário não dispunha ou não dispõe de bens para satisfazer as importâncias em dívida, e após esta indagação de verificar se tal ausência de bens se deveu a facto imputável ao responsável subsidiário.
VIII. Sendo inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou legítimos interesses dos administrados, em harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT.
IX. Deste modo, o acto só estará fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.
X. No caso presente, emerge clara e expressamente do teor do despacho de reversão que o oponente é responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda pela insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, que corresponde tal fundamentação, no essencial, ao próprio teor normativo do nº 2 do artigo 23º da LGT e nada mais.
XI. Ou seja, a Recorrida não justificou a que factos em concretos imputaram ao Recorrente para decidirem da reversão fiscal.
XII. Pelo que salvo o devido respeito julgou mal o Mm Juiz “a quo” quando
declarou a oposição improcedente, devendo, pois, a mesma ser revogada.”

* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter decidido pela improcedência da oposição.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“FACTOS PROVADOS, de acordo com o teor dos documentos infra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório:

a) Em 27/04/2009, os serviços de finanças de Vila Franca de Xira-1 instauraram o processo de execução fiscal n.º ................ à sociedade “E................ S.A.”, para cobrança coerciva e créditos fiscais referentes a IRS (retenção na fonte), relativos aos anos de 2006, 2007 e 2008, perfazendo a quantia exequenda o montante global de € 20.135,75 (vinte mil, cento e trinta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e cujo prazo legal de pagamento voluntário havia terminado em 2006m 2007 3 2008 - autuação do PEF e certidão de dívida do PEF apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) Por despacho, datado de 07/10/2010, o chefe do serviço de finanças de Vila Franca de Xira-1, ordenou a reversão, contra o ora oponente, na qualidade de devedor subsidiário, dos créditos tributários identificados na alínea antecedente - despacho de reversão junto ao PEF, despacho de citação junto a fls. 38 e 39 dos autos e documento de identificação das dívidas exequendas revertidas, junto a fls. 40 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos.

c) No citado despacho de reversão refere-se, em síntese, o seguinte, quanto aos fundamentos da reversão:
Despacho: Face às diligências de fls. que antecedem e, estando concretizada a audição do responsável subsidiário, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra J.................., morador em (…) na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação, infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do executado, por reversão, nos termos do artigo 160.º do CPPT para pagar, no prazo de 30 dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º5 do artigo 23.º da LGT).
Fundamento da reversão: Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24.º, n.º1, alínea b) da LGT)”- citado despacho de reversão.

d) Nas informações e diligências, para as quais o despacho de reversão remete, constata-se ainda o seguinte: que após consulta dos dados informáticos disponíveis: Sistema Informático de Penhoras Automáticas e Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis, verifica-se que à sociedade não são conhecidos bens susceptíveis de penhora, por os mesmos já se encontrarem penhorados ou serem insuficientes: “Não foram encontrados prédios”, “não foram encontrados viaturas”, “não foram encontrados outros valores e rendimentos, “Não foram encontradas contas bancárias” - Informação de 27/07/2010, anterior ao despacho de reversão e anexos contendo as pesquisas informáticas.

e) O despacho de citação assume conteúdo idêntico ao despacho de reversão, sendo-lhe acrescentadas as seguintes especificações:
EVOLUÇÃO PROCESSUAL POR FALTA DE PAGAMENTO
Decorrido o prazo de 30 dias a contar desta citação, sem que tenha sido efectuado o pagamento da dívida exequenda, para além de perder o benefício da dispensa de pagamento de juros de mora e custas, e sem que exista motivo para suspender a execução, nos termos do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a mesma prosseguirá a tramitação legal, designadamente para efeitos de PENHORA DE BENS e demais diligências prescritas no CPPT.”
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsável solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (artigo 23.º, n.º 2 da LGT)”
EXTENSÃO DA REVERSÃO
Todo o património do responsável, até ao montante da dívida tributária, os juros e demais encargos legais (n.º1 do artigo 22.º da LGT)”- despacho de citação, junto a fls., 38 e 39 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

f) Em 20/12/2005, o ora Oponente assumiu as funções nominais de administrador único da sociedade devedora originária, tendo permanecido como administrador único da sociedade até pelo menos 27/07/2010, data em que foi consultada a certidão de registo comercial da sociedade - certidão de registo comercial, junta a fls. 45 e 46 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzidos para todos os legais efeitos.

4.3.
FACTOS NÃO PROVADOS

1 - Que a insuficiência do património da devedora originária, relativamente aos créditos tributários exequendos, provenientes de IRS, não teve origem na actuação culposa do ora oponente.

4.4.
CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos e ao PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto ao facto não provado, elencado em 4.3.1., a convicção do Tribunal resultou de nenhuma prova ter sido feita sobre o mesmo, pelo Oponente, sendo certo que, era sobre este que recaía o ónus da prova, como adiante se verá.”.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrido deduziu junto do Tribunal Tributário de Lisboa, oposição à execução fiscal contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ................ e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “E................, S.A”, por dívidas de IRS dos anos de 2007, 2008 e 2009 no valor total de € 20.135,75.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a oposição por considerar que o despacho de reversão se encontra devidamente fundamentado quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária, designadamente, quanto à insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária, que o oponente não demonstrou, como lhe competia, que não teve culpa na insuficiência do património da devedora originária e que a responsabilidade tributária abrange a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais.

Discordando do decidido, o Oponente/Recorrente alega desde logo que não foram realizadas as diligências necessárias pela administração fiscal para determinar se o devedor originário dispunha ou não de bens necessários para solver os tributos (cfr. conclusão I).

Mais afirma que para ocorrer a reversão fiscal é necessária a verificação cumulativa das condições previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 24º da LGT e que no despacho de reversão não é mencionado o “ato imputado ao ora recorrente que permita sequer qualificar que foi devido a ato seu ou culpa sua que o devedor originário não procedeu ao pagamento dos tributos, pelo que é manifestamente ilegal, uma vez que é omisso quanto a que título é que é imputável a culpa ao revertido, ora recorrente”, considerando ainda que o despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado (cfr. conclusões V, VI, IX, X e XI).

Vejamos então.

Tendo presente que estamos perante uma situação de responsabilidade subsidiária, importa desde já considerar o disposto no artigo 23.º, nºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária:

«1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.»

Por seu turno, determina o n.º 2 do art.º 153.º do CPPT que:

“O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.

Daqui resulta que a reversão contra o responsável subsidiário depende, no que aqui importa considerar, da inexistência ou fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia tendo por base a recolha de elementos objectivos.

Compete à Administração Tributária aferir da inexistência ou fundada insuficiência dos referidos bens. Na verdade, o juízo de fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário para responder pela dívida exequenda, deve ter como base a recolha de elementos de facto que permitam concluir que o património do devedor originário, susceptível de penhora, não é bastante para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

Reitera-se que incumbe à Administração Tributária o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.

E, se a Administração Tributária demonstrar o preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens suficientes no património da sociedade, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão (neste sentido, Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 10.07.2015, proferido no processo n.º 08792/15).

Por se considerar relevante para a apreciação do caso em apreço, destacamos a argumentação apresentada pelo Recorrente na petição inicial de oposição quando invoca a ilegalidade do despacho de reversão por omissão de diligências essenciais para o apuramento da insuficiência patrimonial do devedor originário ao afirmar que “(…) a Administração Fiscal não averiguou da existência ou não, de bens da sociedade devedora originária, designadamente, não realizou a consulta ao Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis. Sendo o Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis um instrumento poderosíssimo do dispor da Administração Fiscal que permite através de uma simples consulta, apurar acerca da existência ou não de activos, designadamente prédios, viaturas, aquisições/fornecimentos, relações cadastrais, contas bancárias, desconhecem-se os motivos que não foi realizada semelhante consulta.” (cfr. art. 3º e 4º da petição de oposição).

Ora como resulta das alíneas c) e d) do probatório, o Órgão de Execução Fiscal, mencionou no despacho de reversão que, face às diligências efectuadas, verificava-se a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis da devedora originária para satisfazer as dívidas exequendas, concretizando-se essas diligências na consulta dos dados informáticos disponíveis: Sistema Informático de Penhoras Automáticas e Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis, tendo sido constatado que à sociedade devedora originária não eram conhecidos bens susceptíveis de penhora, por os mesmos já se encontrarem penhorados ou serem insuficientes: “Não foram encontrados prédios”, “não foram encontradas viaturas”, “não foram encontrados outros valores e rendimentos, “Não foram encontradas contas bancárias”, pelo que concluiu pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis da devedora originária para satisfazer as dívidas exequendas. (sublinhado nosso)

Portanto, face aos elementos de que o Órgão de Execução Fiscal dispunha, com base nas diligências que fez, não foram identificados quaisquer bens penhoráveis na esfera jurídica da devedora originária. Logo, no momento da prolação do despacho de reversão, os dados de que a Administração Tributária dispunha permitiam-lhe concluir de forma sustentada pela fundada insuficiência ou inexistência de património da devedora originária.

Alega ainda o Recorrente que para ocorrer a reversão fiscal é necessária a verificação cumulativa das condições previstas nas alíneas a) e b) do art. 24º da LGT e que no despacho de reversão não é mencionado o “ato imputado ao ora recorrente que permita sequer qualificar que foi devido a ato seu ou culpa sua que o devedor originário não procedeu ao pagamento dos tributos, pelo que é manifestamente ilegal, uma vez que é omisso quanto a que título é que é imputável a culpa ao revertido, ora recorrente”, considerando ainda que o despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado.

Quanto à afirmação de que é necessária a verificação cumulativa das condições previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 24º da LGT para que possa ser concretizada a reversão fiscal, desde já se afirma que tal afirmação é completamente destituída de fundamento, desde logo se atendermos ao elemento literal do nº 1 do art. 24º da LGT que evidencia que as situações enunciadas nas suas alíneas a) e b) são distintas e não cumulativas.

Dispõe o nº 1 do art. 24º da LGT (aplicável ao caso concreto dado tratar-se de dívida de IRS dos anos de 2007 a 2009) o seguinte:

1 – Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Atenta a disposição legal acima transcrita, importa agora definir o âmbito de aplicação de cada uma das alíneas, e para tanto, destacamos o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.02.2013, proferido no processo n.º 0642/12, que, sendo jurisprudência pacífica integralmente sufragamos e que passamos a transcrever:

(…) Deste modo, e sabido que a alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa), e que a alínea b) abrange a responsabilidade dos gerentes que exerceram o cargo à data do pagamento das dívidas, independentemente de o terem exercido ou não no período da constituição da dívida (razão por que lhe caberá provar que não lhe é imputável essa falta de pagamento) (Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se quando se atenta que no caso da alínea a) o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento, pelo que só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário. E, no caso da alínea b), quando se atenta que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, pelo que tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que foram os gerentes que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida que praticaram os actos lesivos do património da executada impeditivos do pagamento das dívidas posteriormente postas à cobrança.) (…)”.

E, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às situações acima enunciadas;

- cabe à Administração Tributária comprovar o exercício efectivo do cargo de gerente e a culpa do mesmo na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT);

- cabe ao gerente/revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT).

Sendo certo que o Recorrente nunca questionou a sua qualidade de gerente de facto, incumbia-lhe o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo. Pelo que improcede o fundamento invocado pelo Recorrente de que caberia à Administração Fiscal a prova da culpa do revertido/recorrente.

Alega ainda o Recorrente a falta de fundamentação do despacho de reversão.

Sobre da fundamentação do despacho de reversão, a jurisprudência do STA é pacífica, destacando-se o Acórdão do STA, de 29/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0925/13 no qual se afirma o seguinte:

“(…) não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. n.º 580/12 e de 23/1/2013, proc. n.º 953/12).”

Nesta conformidade, na linha do mencionado acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, nenhum problema se encontra na fundamentação formal do despacho de reversão, que se basta com a alegação dos pressupostos.

Do ponto de vista do cumprimento do dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao Órgão de Execução Fiscal que:

a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;

b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:

b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT);

b.2) O exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT;

c) Mencione a sua extensão temporal.

Ora no caso em apreço e considerando a factualidade assente, do despacho de reversão e da informação para a qual o mesmo remete, resulta que:

- São indicadas as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade, in casu, os art.ºs 23.º e 24.º, n.º 1, al. b), da LGT;

- No que respeita ao preenchimento dos pressupostos da reversão:

a) São indicadas as diligências efetuadas no sentido da identificação de património na esfera da devedora originária, designadamente por consulta aos sistemas informáticos, referindo-se que, não foram encontrados bens susceptíveis de penhora;

b) Foi identificado o Recorrente enquanto responsável subsidiário;

- Foram identificadas as dívidas em causa (com expressa referência às certidões de dívida, ao tipo de imposto, à quantia exequenda), o período a que respeitam, o prazo legal para pagamento ou entrega.

Assim, face ao supra descrito, foram cabalmente descritos os fundamentos da reversão, no que respeita à responsabilidade do Recorrente, pelo que a Administração Fiscal satisfez o requisito de fundamentação do ponto de vista formal, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a sua decisão, dado que deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a decisão e considerou reunidos os respectivos pressupostos para a reversão.

Questão diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

Pois bem, compulsando a factualidade ínsita nas alíneas b) a e) da decisão da matéria de facto, comprova-se que no património da devedora originária não existem bens. Efectivamente, e tal como foi referido anteriormente antes da prática do acto de reversão foram efectuadas diligências no sentido de encontrar bens penhoráveis da devedora originária, tendo-se revelado infrutíferas.

Na verdade, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito da administração tributária em operar a reversão da execução fiscal recai sobre esta, dado que foi a Administração Tributária quem invocou o pressuposto da inexistência de bens, e tendo sido comprovada a inexistência de bens penhoráveis da devedora originária, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade, salientando-se no entanto que o oponente/recorrente nunca invocou a existência de bens da sociedade devedora originária.

Resultando que o despacho de reversão refere as diligências efectuadas (informação existente nas plataformas informáticas disponíveis nos serviços, onde foi evidenciada a situação de inexistência de bens penhoráveis: de prédios, de viaturas, de valores e rendimentos e de contas bancárias) e constam os elementos que consubstanciam fundamento do despacho de reversão, foram identificadas as diligências realizadas, quais as razões da insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, a que título o Recorrente é considerado responsável subsidiário, e qual o período de tempo a que respeita a dívida tributária, conclui-se que o despacho de reversão está também fundamentado do ponto de vista substancial.

Quanto à culpa, atenta a circunstância de a Administração Tributária ter subsumido a situação à alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, disposição legal que prevê uma presunção de culpa a favor da Administração Tributária, não teria de constar do despacho de reversão qualquer menção à atuação culposa do revertido, que se presume, tal como já referimos anteriormente.


Ao decidir no sentido da improcedência da oposição por estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária do ora Recorrente, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.


V-
DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas a cargo do Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 21 de Maio de 2020

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Luisa Soares
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Mário Rebelo
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Patrícia Manuel Pires