Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11324/02
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:03/03/2005
Relator:Coelho da Cunha
Descritores:EFEITOS DA ACEITAÇÃO
IMPUGNAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE NOMEAÇÃO
LISTAS DE ANTIGUIDADE
EFEITOS DA SUA NÃO IMPUGNAÇÃO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
ART. 44º, AL. G) DO C.P.A
Sumário:A aceitação constitui um requisito de eficácia do acto de nomeação, mas não significa, necessariamente, que o funcionário se encontre de acordo com todo o conteúdo dispositivo do acto de nomeação.
II - Tal acto poderá ser impugnado, nomeadamente, por se entender que os respectivos efeitos temporais deveriam retroagir a um momento anterior, em virtude da antiguidade do interessado.
III - As listas de antiguidade constituem um acto de acertamento, valendo apenas na medida em que estiverem conformes com o direito.
IV - A sua não impugnação não as consolida na ordem jurídica, nem pode ter-se como aceitação tácita, podendo ser objecto de alteração posterior, oficiosamente ou a pedido do interessado.
V - O art. 44º, al. g) do C.P.A. constitui um afloramento do princípio da imparcialidade, visando evitar que a intervenção do autor do acto impugnado condicione ou determine a decisão final a proferir pelo órgão "ad quem", a qual deverá possuir autonomia conceptual e jurídica.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 1º Juízo Liquidatário do T.C.A. Sul

1. Relatório
Hermínia ....., assistente administrativa principal do quadro de pessoal da Direcção Geral de Protecção Social dos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE), veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho de 27.02.02 do Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que rejeitou o recurso hierarquico da decisão que desatendeu a reclamação da lista de antiguidade relativa ao ano de 2000. -
A autoridade recorrida respondeu invocando a ilegitimidade da recorrente ou, quando assim se não entendesse, a improcedência do recurso. -
Relegado para final o conhecimento da questão prévia a recorrente, em sede de alegações, enunciou as conclusões seguintes:
1ª) A aceitação da nomeação na categoria de registo de dados, embora conste do termo de posse a produção de efeitos a 1 de Julho de 1979, nos termos da Portaria nº 1039/80, de 10 de Dezembro, não constitui caso decidido ou resolvido quanto à questão da antiguidade na referida categoria;
2ª) Tendo a entidade recorrida procedido à alteração da antiguidade da recorrente, constante de lista anterior, não há caso decidido quanto à antiguidade fixada em lista anterior, visto que a recorrente se encontrou face a lista que alterara a antiguidade anteriormente fixada e se limitou a reclamar quanto aos termos em que foi feita a alteração pela Administração; -
3ª) Por consequência, em qualquer das situações referidas nas conclusões anteriores, não há caso decidido ou resolvido; -
4ª) Embora o nº 5 da Portaria nº 1039/80 reporte as suas alterações a 1 de Julho de 1979, esta disposição legal não anula o disposto no nº 4 da citada Portaria, pelo que a recorrente, nos termos desta norma legal, tem direito a que a sua antiguidade seja contada desde 9.02.74; -
5ª) Decidindo em contrário, o acto recorrido fez errada interpretação e aplicação das normas dos números 4 e 5 da Portaria nº 1039/80, pelo que é inválido; -
6ª) O acto recorrido ofendeu ainda o princípio da imparcialidade, tal como é configurado na alínea g) do art. 44º do CPA, ao fundamentar-se na decisão do autor do acto hierarquicamente impugnado.
Não houve contra-alegações.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto.
Emerge dos autos a seguinte factualidade relevante:
a) A recorrente, tendo tomado conhecimento da lista de antiguidade relativa ao ano de 2000, e não se conformando com a antiguidade que lhe foi considerada, apresentou reclamação, nos termos do artº 96º do Dec. Lei 100/99;
b) Sobre tal reclamação, foi elaborado o Parecer nº 34/GJC/2001, em cujos fundamentos se conclui pelo indeferimento da reclamação;
c) O Sr. Director Geral, em 20.12.2001, emitiu o seguinte despacho: “Concordo com o presente parecer e respectiva conclusão; -
f) Do despacho de 20.12.2001, do Sr. Director Geral da ADSE, a recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o Sr. Ministro das Finanças;
g) Pelo ofício nº 443, de 1.03.2002, a recorrente foi notificada do despacho do Sr. Secretário de Estado do Orçamento, do seguinte teor: “Concordo. Rejeito o recurso com os fundamentos apresentados. 27.02.02 as) Rui Coimbra.
h) O despacho foi lavrado sobre o parecer do Sr. Director Geral;
i) É de tal despacho, de 27.02.2002, do Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que rejeitou o recurso hierarquico, que vem interposto o presente recurso contencioso de anulação.
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3. Direito Aplicável
A autoridade recorrida suscitou, na sua resposta, as seguintes questões prévias
a) Caso decidido ou caso resolvido, uma vez que a antiguidade da recorrente na categoria de operadora de registo de dados ficou definida no acto de posse, não censurado pela via do recurso na parte relativa à antiguidade, e cujos efeitos retroagem a 1 de Julho de 1979;
b) Preclusão do direito de reclamação, uma vez que a recorrente não reclamou da antiguidade que lhe foi fixada aquando da elaboração da 1ª lista da antiguidade posterior à sua transição para a categoria de assistente administrativo principal
c) Ilegitimidade da recorrente para interpor o presente recurso, decorrente da preclusão do direito de reclamar
Quanto à primeira questão, a entidade recorrida sustenta que, a partir do momento em que a recorrente não censurou, podendo-o fazer, pela via do recurso, o acto administrativo na parte que lhe era desfavorável, ou seja, na parte relativa à antiguidade na categoria, tornou-se evidente que tal acto se consolidou na ordem jurídica, como caso decidido ou resolvido, em tudo semelhante ao caso julgado.
E, em obediência a preceito legal expresso, os efeitos daquela posse retroagem a 1 de Julho de 1979.
Esta posição pretende apoiar-se no Parecer 34/GJC/01, onde se defende que, em face dos efeitos do acto de nomeação constantes dos números 1 e 4 do art. 4º do Dec. Lei 427/89, de 12 de Julho, a aceitação funciona como condição de eficácia do acto de nomeação, tanto assim que, anteriormente, a recorrente defendia o entendimento de que a sua antiguidade na categoria de operador de registo de dados se deveria reportar àquela data de 1 de Julho de 1979 (cfr. o requerimento entrado na D.G.P.S.F.A.A.P. em 7.7.99, doc. nº 1, fls. 23).
Vejamos:
A aceitação constitui um requisito de eficácia do acto de nomeação, mas não significa, necessáriamente, que o interessado se encontre de acordo com todo o conteúdo dispositivo do acto de nomeação. O acto de nomeação pode, nomeadamente, ser impugnado por se entender que os respectivos efeitos temporais deveriam retroagir a um momento anterior (cfr. Cadernos de Justiça Administrativa, nº 37, Anotação ao Ac. TCA de 7.3.2002, P. 10554).
No caso concreto, verifica-se que o despacho de integração na nova categoria, e a transcrição no termo de posse da norma do número 5 da Portaria nº 1039/80, de 10 de Dezembro, não apreciaram a questão da relevância da antiguidade prevista no número 4 da dita Portaria, segundo o qual; “Para efeitos de progressão na carreira, é contado o tempo de serviço prestado na categoria anterior e no exercício de funções de informática como se fosse prestado na categoria onde o funcionário é provido”. Não há, pois, caso decidido ou resolvido no tocante à questa da antiguidade, não expressa no termo de posse.
Nem a recorrente perde legitimidade para recorrer pelo simples facto de, em requerimento entrado na ADSE em 7.07.99 ter manifestado o entendimento de que a sua antiguidade na categoria de registo de dados se deveria reportar a 1 de Julho de 1979, posição posteriormente corrigida em virtude de mais atenta análise das normas legais em causa.
Isto posto, passemos à questão seguinte.
Alega a entidade recorrida que a recorrente não pode censurar qualquer eventual erro de contagem de antiguidade operado nos anos subsequentes à sua posse, esta em 19.05.81, como operador de registo de dados, ou após a transição para a categoria de assistente administrativo principal, dado o facto de a reclamação não poder fundamentar-se em contagem de tempo de serviço ou em outras circunstancias que tenham sido consideradas em listas anteriores, como expressamente se refere no nº 3 do art. 96º do Dec. Lei nº 100/99, de 31 de Março.
Deste, considerando precludido o prazo de reclamação, a entidade recorrida entende que a recorrente não tem legitimidade activa para o presente recurso, “ex vi” do disposto no nº 4 do art. 53 e nº 2 do art. 160º, ambos do C.P.A. –
Com a invocação destas normas, pretende a entidade recorrida trazer de novo à colação a existência de aceitação tácita do acto impugnado.
A nosso ver, não tem razão.
Como é sabido, as listas de antiguidade constituem um acto de acertamento, valendo apenas na medida em que estiverem conformes com o direito.
A sua não impugnação não as consolida na ordem jurídica, nem pode ter-se como aceitação tácita, podendo ser objecto de alteração posteriormente, oficiosamente ou a pedido do interessado (cfr. Ac. TCA, 1ª secção, de 31.10.02, P. 4382/02; Ac. STA (Pleno), de 16.01.2001).
Também o Ac. STA de 26.3.96, in Rec. 38903, entendeu que das listas de antiguidade “não decorre outro efeito que não seja dar publicidade à antiguidade e categoria dos funcionários de certo serviço ou organismo para poderem ser alvo das pertinentes correcções através da participação dos interessados”.
Atento o disposto no art. 93º do Dec. Lei nº 100/99, de 31 de Março, que obriga os serviços e organismos a organizar em cada ano as listas de antiguidade dos seus funcionários, poderá considerar-se que a graduação dos funcionários não pode ser modificada durante o ano por que tais listas perduram. Todavia, nada impede que, posteriormente à não impugnação de tais listas, em virtude do aparecimento de elementos novos, o funcionário interessado, possa ver reconhecido e declarado o seu direito à antiguidade na categoria, em termos consentâneos com a verdade material.
E o nº 2 do artigo 96º do mesmo diploma dispõe que:
“2. A reclamação pode ter por fundamento omissão, indevida graduação ou situação na lista ou erro na contagem do tempo de serviço”.
Em face da jurisprudência mencionada e do teor desta norma, é de concluir que a recorrente podia ter reclamado da lista de antiguidade de 2000, pondo em causa a antiguidade, apesar de não ter impugnado as listas de antiguidade anteriores.
Na verdade, defendendo a recorrente no recurso que a sua antiguidade remonta a 9.02.74 e não a 1.07.79, a mesma pretende ver reposta a verdade material, com fundamento na existência de erro na contagem de serviço, pelas razões aduzidas na reclamação e no recurso hierárquico. E, sendo certo, como alega, que na elaboração das listas de antiguidade anteriores, nunca foi ponderada a aplicação do nº 4 da Portaria nº 1039/00, o que agora foi feito, estamos perante novo fundamento ou elemento novo que nunca foi considerado e impede a formação de caso decidido ou resolvido.
Improcede, assim, a questão prévia relativa à preclusão do direito de reclamação, de onde resulta que a recorrente possui interesse directo, pessoal e legítimo para o recurso contencioso, não podendo ser posta em causa a sua legitimidade activa.
Passemos, então, à questão de fundo, que consiste em determinar se a antiguidade da recorrente se deve reportar a 1.07.79 ou a 9.02.74.
Do Parecer nº 34/GJC/2001, que fundamentou a decisão do Sr. Director Geral consta a seguinte consideração.
“Assim, e detendo anteriormente a reclamante a categoria de técnico mecanógrafo e sucessivamente a de operador de registo de dados para a qual transitou ao abrigo do número 4 da Portaria 1039/80, categoria esta considerada equivalente aquela (vide nº 2, alínea a) do mesmo diploma), e sendo-lhe contado para efeitos de progressão o tempo de serviço prestado na categoria anterior como se fosse na categoria para a qual se operou a transição, isto é, operador de registo de dados, a qual, conforme se refere no Mapa V anexo ao Dec. Lei nº 23/91, de 11.01, equivale à categoria de segunda oficial, a sua antiguidade dever-se-ia reportar à data do início de exercício de funções na categoria de técnico mecanógrafo, ou seja, 9.02.74, como alega a interessada”.
Esta passagem revela a clara percepção, por parte da entidade recorrida, de que a antiguidade da recorrente se deve reportar a 9.02.74, o que é consentâneo com o disposto no nº 4 da Portaria nº 1039/80, de 12 de Dezembro.
Na verdade esta norma preceitua que:
“4. Para efeitos de progressão na categoria, é considerado o tempo de serviço prestado na categoria anterior e no exercício de funções de informática como se fosse prestado na categoria onde o funcionário ou agente é provido”.
Ora, não sendo posto em causa pela entidade recorrida que a recorrente, na categoria de terceiro mecanógrafo, exerceu funções de informática desde 9.02.74, o número 5 da Portaria nº 1039/80 não impede a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira.
Como refere a recorrente, o que o nº 5 diz é apenas que a nova categoria retroage a 1.7.79 em tudo o que respeita aos direitos desta categoria, salvo, por força do nº 4, para efeitos de progressão na carreira no caso concreto ali previsto, mas não para efeitos remuneratórios. –
Conclui-se, pois, que o acto impugnado interpretou e aplicou erradamente os números 4º e 5º da Portaria nº 1039/80, procedendo, assim, as conclusões das alegações da recorrente.
Não deixará, no entanto de se dizer uma última palavra, acerca da invocada violação do princípio da imparcialidade prevista na alínea g) do artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo, norma que visa evitar que a intervenção do autor do acto impugnado influencie, decisivamente, a solução adoptada pelo órgão “ad quem” (cfr. Ac. T.C.A. de 7.11.2001, Proc. 3052/99). Tem-se entendido que a pronúncia a efectuar por parte do autor do acto instrutório deve, tão sómente, esclarecer os termos da controversia subjacente, e que a decisão final da autoridade competente deve possuir autonomia conceptual e jurídica. Tal não sucede, nomeadamente, se o autor do acto objecto do recurso hierarquico se limitar a emitir uma proposta no sentido da manutenção do despacho recorrido, desenvolvendo a argumentação jurídica a que aderiu a entidade “ad quem”, que se limitou a proferir despacho de concordância.
É o que sucedeu no caso dos autos, em que o acto recorrido se fundamentou exclusivamente na decisão do autor do acto hierarquicamente impugnado, não possuindo qualquer autonomia conceptual, o que sem dúvida, e violando, portanto, o princípio da imparcialidade (cfr. art. 44º al. g) e art. 172º nº 1, ambos do Cód. Proc. Administrativo
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4. Decisão.
Em face do exposto acordam em conceder provimento ao recurso e em anular o acto recorrido.

Sem custas

Lisboa, 3.03.05

as.)António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa