Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1385/10.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC, ASSOCIAÇÃO; ISENÇÃO
Sumário:I. Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do CIRC os rendimentos provenientes de qualquer actividade comercial, industrial ou agrícola exercida, ainda que a título acessório, em ligação com essas actividades e, nomeadamente, os provenientes de publicidade, direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, aplicações financeiras e jogo do bingo, não são considerados rendimentos directamente derivados do exercício das actividades indicados no n.º1 do mesmo normativo, para efeitos da isenção aí previstas, ou seja dá-lhe o tratamento de rendimentos sujeitos a imposto e dele não isentos.

II. As contra-prestações pecuniárias pela cedência de espaços físicos stand’s e terrados constituem rendimentos de natureza comercial, pelo que não podem beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do CIRC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A F................................., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentou contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.ºs ...........…, .........…, ...........… e ..........…, relativas aos períodos de tributação de 2005 a 2008, e contra as liquidações de juros compensatórios n.ºs ...........…, ..........… e ............…, relativas aos períodos de tributação de 2005 a 2007, no valor total a pagar de € 80.688,62.

Nas correspondentes alegações, a Recorrente concluiu do seguinte modo:
«1 - Foi pelo douto Tribunal A Quo dado como provado que a Associação ........................, ora Recorrente, é uma Associação de natureza desportiva, cultural e recreativa, legalmente constituída para o exercício de tais actividades - cfr. resulta dos factos considerados provados pelo Tribunal A Quo sob os n.ºs 24.º e 25.º da sentença ora sob escrutínio;
«imagem no original»

II - Foi igualmente dado como provado pelo douto Tribunal A Quo que a Associação aqui Recorrente não distribui os resultados das actividades que prossegue, que os membros dos seus órgãos sociais não têm, por si ou por interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração dessas actividades, que a mesma dispõe de contabilidade que abrange todas as suas actividades e que a colocou à disposição dos serviços fiscais;
Efectivamente, a fls 25 da sentença ora sob Veneranda Apreciação o douto tribunal A Quo começou por referir:

III - Foi ainda dado como provado pelo douto Tribunal A Quo que a Associação aqui Recorrente tem por finalidade a organização da Feira Nacional do Cavalo, a levar a efeito todos os anos e bem assim que para a prossecução dos seus fins a associação actuará designadamente no sentido de defesa e promoção do cavalo, de promoção e organização de manifestações que visem o desenvolvimento de actividades hípicas e do desenvolvimento sócio-económico do concelho - cfr. resulta do facto considerado provado pelo Tribunal A Quo sob o n.º 26.º da sentença ora sob escrutínio


IV- Em face da realidade que se vem de referir, isto é, o facto de a Associação ora Recorrente ser uma Associação de natureza desportiva, cultural e recreativa e bem assim de não distribuir os resultados das actividades que prossegue, de os membros dos seus órgãos sociais não terem, por si ou por interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração dessas actividades, e de dispor de contabilidade que abrange todas as suas actividades, a qual colocou à disposição dos serviços fiscais, a Associação aqui Recorrente sempre entendeu que a actividade por si desenvolvida estava isenta de IRC, nos termos e ao abrigo do estatuído no artigo 11.º nºs 1e 2 do C.I.R.C.
V - Em Dezembro de 2008 a Associação ora Recorrente foi submetida a uma inspecção realizada pela Administração Tributária - cfr. resulta do facto considerado provado pelo Tribunal A Quo sob o n.º 1.º da sentença ora sob escrutínio
l. A coberto da ordem de serviço n.º OI..........…, de 09 de Dezembro de 2008, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, a Impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção externa, nomeadamente, com referência ao IRC, dos exercícios de 2005 a 2008
VI - Na sequência da referida acção inspectiva e dado que a Administração Fiscal adoptou o (erróneo) entendimento de que o aluguer de stands e terrados por parte da Associação aqui Recorrente a todos os participantes e expositores na Feira Nacional do Cavalo (o que, diga-se, faz por forma a garantir a presença dos mesmos no dito evento e o consequente sucesso do mesmo), configura o exercício de uma actividade comercial, procedeu à emissão das liquidações oficiosas - sede de IRC e respeitantes aos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008 - a que se reporta a sentença ora em crise.
VII - A Associação ora Recorrente discordando em absoluto do entendimento jurídico preconizado pela Administração Fiscal, que esteve na génese das referidas liquidações oficiosas, apresentou reclamação graciosa relativamente a tais liquidações oficiosas.
VIII - Não tendo a mencionada Reclamação Graciosa sido deferida, intentou a Associação .............................. impugnação judicial através da qual peticionou a anulação das liquidações oficiosas em questão.
IX - Proferida sentença no âmbito do processo de impugnação judicial a que se reportam os autos ora sub Júdice, decidiu o douto Tribunal A Quo indeferir totalmente o peticionado pela Associação Impugnante, ora Recorrente.
X - Sucede que da análise dos termos da sentença ora sob censura resulta que as normas jurídicas que constituem fundamento jurídico da decisão foram incorrectamente interpretadas pelo douto Tribunal A Quo.
Efectivamente resulta do texto da sentença ora sob censura, especificamente do segmento daquela referente à questão de saber se os rendimentos da Impugnante provenientes da cedência de stands e terrados e da publicidade em catálogo estão sujeitos e não isentos de tributação em sede de IRC que o Tribunal A Quo adoptou o entendimento de que a cedência de stands e terrados na Feira Nacional do Cavalo deve ser qualificada como uma actividade de natureza comercial, por considerar que tais cedências de stands e terrados estão abrangidas pelo art: 230.º, § 2.º, do Cc e pelo art. 463.º, § 1.º, do Cc.

Isto mesmo decorre do plasmado de fls. 25 a 28 da sentença ora submetida a Veneranda apreciação:





XI - Da errónea interpretação por parte do Tribunal A Quo do art. 230.º, § 2.º, do Cc
Sob a epígrafe, "Empresas comerciais" estatui o Artigo 230.º do Código Comercial o seguinte:




Atento o teor do trecho que se vem de citar percebe-se que o Tribunal A Quo considerou que o aluguer de stands e terrados por parte da associação Recorrente é subsumível ao referido artigo 230.º do C. Comercial, por considerar o Tribunal A Quo que tais alugueres consistem no fornecimento de serviços a que alude este dispositivo legal.
Salvo o devido respeito, a norma em causa (artigo 230.º do C.Comercial) deveria ter sido interpretada como sendo aplicável apenas a empresas, singulares ou colectiva e nunca também a Associações. Sendo a ora Recorrente uma Associação este dispositivo legal não lhe é aplicável
XII - Da errónea interpretação do art. 463.º, § 1.º, do Cc
Sob a epígrafe, "compras e vendas comerciais" estatui o Artigo 463.º do Código Comercial o seguinte:



Ora, a norma em questão deveria ter sido interpretada como aplicável à compra de coisas móveis para posterior revenda ou para aluguer de uso.
Deste modo, e dado que a Associação Recorrente não comprou os terrados nem os stands à Câmara Municipal da Golegã não se vislumbra como pode o douto Tribunal A Quo considerar que o aluguer dos stands e terrados é abrangido por esta norma.
XIII - É, outrossim, de mencionar e enfatizar que, salvo melhor opinião, os acórdãos - acórdão do Pleno do STJ, de 19.04.89, processo n.º 073284; e, acórdão do STJ, de processo 3B2100, de 25.09.2003 - citados pelo Tribunal A Quo, para ancorar o entendimento que adoptou de que a cedência dos stands e terrados - na medida em que os stands não são bens imóveis porque são bens móveis e os terrados por não serem susceptíveis de apropriação não são subsumíveis ao conceito de coisa nem sequer ao conceito de prédio- não se integra em nenhuma das categorias-tipo constantes do art. 11. º n.º 3 do C.l.R.C. mas configura ainda um verdadeiro acto de natureza comercial, não versam sobre o que são actos de natureza comercial, ou seja, não têm qualquer relação com a matéria. Vejamos:





XIV - A ratio legis do art. 11.º n.ºs 1 e 2 do C.I.R.C. que consagra a regra da isenção de IRC para as Associações de cariz cultural, recreativo e desportivo é a reconhecer e potenciar a actividade desenvolvida por estas associações na exacta medida em que reconhece o legislador que tais Associações desenvolvem um trabalho que aproveita a toda a sociedade, agindo, assim, como coadjuvantes do Estado.
Note-se que também no sentido do que se vem de expender consignou o douto Tribunal a Quo, a fls 25 da sentença ora recorrida, o seguinte: " (...) Com efeito, a isenção prevista no art. 11.º do CIRC tem como objectivo fundamental incentivar o incremento do chamado Terceiro Sector vulgo o sector social, na classificação que é dada pelo art. 82.º da CRP, o qual abrange todas as entidades privadas, sem fins lucrativos, que se dedicam ao exercício de actividades que interessam à comunidade em geral, tratando-se, por isso, de actividades que também interessam ao sector público, como é o caso das actividades de natureza cultural, recreativa e desportiva.
No entanto, esse incentivo não deve ser de tal forma extenso que provoque uma distorção no sector privado, mediante a isenção de rendimentos provenientes de outro tipo actividades que estão em concorrência directa com as actividades exercidas pelos agentes económicos que operam no mercado.
Daí que se tenha estabelecido urna espécie de cláusula-travão no art. 11.º, n.º 3, do CIRC e no art. 54.º, n.º 1 do EBF, ficando os referidos rendimento isentos apenas se não ultrapassarem um determinado montante, de carácter insignificativo."
XV- O n.º 3 do artigo 11.º do C.I.R.C. estabelece limites a tal isenção, por forma a assegurar que as Associações de natureza cultural, desportiva e recreativa não ultrapassam aquilo que deve ser o seu verdadeiro escopo e actuação.
Ou seja, pretendeu o legislador assegurar que as Associações não façam uso indevido dos seus direitos e benesses, designadamente da isenção consagrada no artigo 11.º n.ºs 1e 2 do C.I.R.C..
Dito, ainda, de outra forma: quis o legislador clarificar e garantir que as Associações não agissem sob a capa de Associação com um comportamento verdadeiramente próprio das sociedades comerciais, e assim caso tal suceda deixarão de beneficiar da isenção de IRC.
A este propósito é de referir que também o douto Tribunal A Quo interpreta de igual modo a norma constante do artigo 11.º n.º 3 do C.I.R.C., na exacta medida em que consignou a fls. 25 da sentença ora sub Júdice o seguinte: "No entanto, esse incentivo não deve ser de tal forma extenso que provoque uma distorção no sector privado, mediante a isenção de rendimentos provenientes de outro tipo actividades que estão em concorrência directa com as actividades exercidas pelos agentes económicos que operam no mercado.
Daí que se tenha estabelecido uma espécie de cláusula-travão no art. 11.º, n.º 3, do CIRC e no art. 54.º n.º 1 do EBF, ficando os referidos rendimento isentos apenas se não ultrapassarem um determinado montante, de carácter insignificativo."
XVI - Posto isto, importa referir e sublinhar que o aluguer de stands e terrados pela Associação ora Recorrente não gera qualquer distorção no sector privado.
Na verdade, e a este respeito, importa, desde logo, referir que só existe aluguer de tais stands e terrados porque a Associação ............................... organiza a Feira Nacional do Cavalo. Depois é de referir que os terrados fazem parte integrante da via pública e por essa exacta razão não é possível serem transaccionados por privados e bem assim que os stands são montados e desmontados por empresas que Associação contrata e paga e ainda que o valor que cobra do aluguer é integralmente canalizado para fazer face às inúmeras despesas que a organização de um evento como é a Feira Nacional do Cavalo envolve (designadamente as despesas a que se reporta o facto que sob o n.º 36 o douto Tribunal A Quo considerou Provado).
XVII - Importa, outrossim, referir e enfatizar que o aluguer de stands e terrados pela Associação ora Recorrente também não envolve qualquer concorrência directa com as actividades exercidas pelos agentes económicos que operam no mercado.
Pelas mesmas ordens de razões que se deixaram vertidas na conclusão imediatamente anterior o aluguer de stands e terrados pela Associação ora Recorrente também não envolve qualquer concorrência directa com as actividades exercidas pelos agentes económicos que operam no mercado;
XVIIII - Foi dado como provado pelo douto Tribunal A Quo que "Todas as receitas obtidas pela Impugnante com a cedência de stands e terrados na Feira Nacional do Cavalo e com a publicidade são canalizadas para a concretização dos seus fins, nomeadamente, para assegurar o pagamento com o alojamento e a alimentação dos participantes nos espectáculos e provas equestres que ali se realizam, garantir a segurança e a ordem públicas e zelar pela limpeza e higiene do espaço." - cfr.resulta do factos considerado provado pelo Tribunal A Quo sob o n.º 36 da sentença ora sob escrutínio;
XIX - Foi também dado como provado pelo douto Tribunal A Quo que "A Feira Nacional do Cavalo atrai milhares de pessoas ao concelho da Golegã, de todas as idades e de diversos pontos do país" - cfr. resulta do factos considerado provado pelo Tribunal A Quo sob o n.º 37 da sentença ora sob escr;
XX - Foi igualmente dado como provado pelo douto Tribunal A Quo que "A Feira Nacional do Cavalo possui um grande impacto económico e financeiro na região da Golegã, nomeadamente, nos sectores da reabilitação urbana, alojamento local, da restauração e do comércio local" - cfr. resulta do factos considerado provado pelo Tribunal A Quo sob o n.º 38 da sentença ora sob escrutínio;
XXI - Foi ainda dado como provado pelo douto Tribunal A Quo que " O acesso à Feira Nacional do Cavalo e aos respectivos eventos por parte dos visitantes é gratuito." - cfr. resulta do factos considerado provado pelo Tribunal A Quo sob o n.º 30 da sentença ora sob escrutínio;
XXII - O vertido nas conclusões I e II das presentes alegações concatenado com o facto de "todas as receitas obtidas pela impugnante com a cedência de stands e terrados na Feira Nacional do Cavalo e com a publicidade são canalizadas para a concretização dos seus fins, nomeadamente, para assegurar o pagamento com o alojamento e a alimentação dos participantes nos espectáculos e provas equestres que ali se realizam, garantir a segurança e a ordem públicas e zelar pela limpeza e higiene do espaço" (facto 36 dos factos dados como provados pelo tribunal A Quo) e bem assim com o facto de "a feira nacional do cavalo atrai milhares de pessoas ao concelho da Golegã, de todas as idades e de diversos pontos do país" (facto 37 dos factos dados como provados pelo tribunal A Quo) e ainda com o facto de "o acesso à feira nacional do cavalo e aos respetivos eventos por parte dos visitantes é gratuito" (tacto 30 dos factos dados como provados pelo tribunal A Quo) e finalmente com O facto de a feira nacional do cavalo possui um grande impacto económico e financeiro na região da Golegã, nomeadamente, nos sectores da reabilitação urbana, alojamento local, da restauração e do comércio local" (facto 38 dos factos dados como provados pelo tribunal A Quo) impõe, salvo o devido respeito por opinião diversa, a conclusão jurídica de que as receitas proveniente do aluguer por parte da Associação Recorrente dos stands e terrados aos participantes e expositores na Feira Nacional do Cavalo Devem ser no pleno respeito pelo estatuído no art. 11.º n.ºs 1 e 2 consideradas isentas de IRC
XXIII - O enquadramento do aluguer de stands e terrados por parte da Associação Recorrente aos participantes e expositores da Feira Nacional do Cavalo na isenção consagrada no artigo 11.º n.ºs 1 e 2 do C.I.R.C. impõe-se também na exacta medida em que, pelos motivos expostos nas conclusões XVI e XVII das presentes alegações, o referido aluguer de stands e terrados não gera qualquer distorção no sector privado nem envolve qualquer concorrência directa com as actividades exercidas pelos agentes económicos que operam no mercado, ou seja, não desencadeia nenhuma das situações que estiveram na génese da excepção contida no n.º 3 do artigo 11.º do C.I.R.C:
XXIV - Da violação do artigo 11.º n.ºs 1 e 2 do C.I.R.C. - O entendimento sufragado pelo Tribunal A Quo segundo o qual o aluguer de stands e terrados por parte da Associação Recorrente configura o exercício de uma actividade comercial abrangida pela excepção prevista no artigo 11.º n.º 3 do C.I.R.C., na exacta medida em que mina a meritória actividade desenvolvida pela Associação ................................................., a qual justamente porque tem canalizado todas as receitas que advêm de tais alugueres para o desenvolvimento e melhoria das condições da Feira Nacional do Cavalo tem conseguido com notório e crescente sucesso promover e defender o cavalo e o desenvolvimento sócio- económico do concelho, viola de forma flagrante o artigo 11.º n.ºs 1e 2 do C.I.R.C.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES DOUTAMENTE SUPRIRÃO
Deve ser revogada a decisão recorrida e, consequentemente, serem anulados os actos tributários objecto de impugnação judicial.
Assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!»

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal Central Administrativo, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil ( CPC), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Ora compulsando tais conclusões do recurso verifica-se que a única grande questão que importa aqui a apreciar é, a de saber se a Recorrente, por força do que se dispõe no artigo 11.º do CIRC estava isenta do imposto em causa e se, por isso, as liquidações impugnadas são ilegais.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. A coberto da ordem de serviço n.º OI........…, de 09 de Dezembro de 2008, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, a Impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção externa, nomeadamente, com referência ao IRC, dos exercícios de 2005 a 2008 (cfr. ordem de serviço, de fls. 28 e 29 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Através do ofício n.º 301…, de 24 de Abril de 2009, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém comunicaram à Impugnante o projecto de relatório de inspecção tributária, relativo ao procedimento identificado no ponto antecedente (cfr. ofício e relatório da inspecção tributária, de fls. 31 e 40 a 66 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. No dia 13 de Maio de 2009, deu entrada na Direcção de Finanças de Santarém a resposta da Impugnante ao ofício identificado no ponto antecedente (cfr. resposta e relatório da inspecção tributária, de fls. 32 a 38 e 40 a 66 do processo de reclamação graciosa em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. No dia 02 de Junho de 2009, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, elaboraram o relatório final de inspecção tributária, relativo ao procedimento identificado no ponto antecedente (cfr. relatório de inspecção tributária, de fls. 40 a 66 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No relatório identificado no ponto antecedente pode ler-se, designadamente, que “(…)





«imagem no original»






















«imagem no original»




(…)”(cfr. relatório final de inspecção tributária, de fls. 40 a 66 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Sobre o relatório descrito nos pontos antecedentes recaiu um despacho do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, no uso de delegação de competências, datado de 09 de Junho de 2016, no sentido de “
Confirmo as correcções nos termos propostos à margem. Procedimentos subsequentes adequados
(…)”(cfr. despacho, de fls. 40 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. No anexo n.º 3 do relatório descrito nos pontos antecedentes constam diversos anúncios de publicidade que a Impugnante fez nas suas revistas, nos anos de 2005 a 2008, nomeadamente, a concessionários de veículos automóveis, instituições bancárias, marcas de produtos de alimentação para animais, marcas de café e bebidas alcoólicas, marcas de artigos de porcelana, estabelecimentos de venda de artigos para a prática de equitação ou de artigos para escritório, estabelecimentos de diversão e a organizações agrícolas (cfr. anúncios de fls. 92 a 133 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Através do ofício n.º 463…/DITI, de 17 de Junho de 2009, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, comunicaram à Impugnante o relatório final de inspecção tributária (cfr. ofício, de fls. 39 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. No dia 22 de Outubro de 2009, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º ................…, relativa ao período de tributação de 2005, no valor a pagar de € 22.139,39 (cfr. liquidação de IRC, de fls. 211 e 212 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Na mesma data, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de juros compensatórios n.º .........…, relativa ao período de tributação de 2005, no valor a pagar de € 2.651,87 (cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 211 e 213 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. Na liquidação identificada no ponto antecedente consta, designadamente, que
“(…)
«imagem no original»

(…)” (cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 213 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
12. No dia 23 de Outubro de 2009, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º .................…, relativa ao período de tributação de 2006, no valor a pagar de € 20.974,34 (cfr. liquidação de IRC, de fls. 215 e 216 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. Na mesma data, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de juros compensatórios n.º ..........…, relativa ao período de tributação de 2006, no valor a pagar de € 1.673,35 (cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 215 e 217 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. Na liquidação identificada no ponto antecedente consta, designadamente, que
“(…)
“Texto integral com imagem”


(…)”(cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 217 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
15. No dia 26 de Outubro de 2009, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º .............…, relativa ao período de tributação de 2007, no valor a pagar de € 13.410,03 (cfr. liquidação de IRC, de fls. 219 e 220 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16. Na mesma data, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de juros compensatórios n.º .............…, relativa ao período de tributação de 2007, no valor a pagar de € 531,99 (cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 219 e 221 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17. Na liquidação identificada no ponto antecedente consta, designadamente, que

“Texto integral com imagem”

(…)”(cfr. liquidação de juros compensatórios, de fls. 221 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
18. No dia 13 de Novembro de 2009, os serviços da administração tributária emitiram, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º ............…, relativa ao período de tributação de 2008, no valor a pagar de € 19.307,65 (cfr. liquidação de IRC, de fls. 223 e 224 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
19. No dia 30 de Março de 2010, a Impugnante remeteu uma reclamação graciosa ao Serviço de Finanças de Golegã contra as liquidações descritas nos pontos antecedentes, via postal registada (cfr. petição de reclamação, envelope e selo dos CTT aposto no envelope, de fls. 03 a 22 e 25 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
20. Por despacho exarado, em 30 de Agosto de 2010, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém decidiu indeferir a reclamação graciosa identificada no ponto antecedente (cfr. informação e despacho, de fls. 256 a 261 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
21. Através do ofício n.º 60..., de 01 de Setembro de 2010, o Serviço de Finanças de Golegã comunicou à Impugnante a decisão descrita no ponto antecedente (cfr. ofício, de fls. 263 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
22. O ofício identificado no ponto antecedente foi recebido, em 03 de Setembro de 2010 (cfr. assinatura e data apostas no aviso de recepção, de fls. 264 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
23. No dia 21 de Setembro de 2010, a Impugnante entregou a presente impugnação judicial junto deste Tribunal (cfr. registo do SITAF, de fls. 01 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
24. No dia 14 de Julho de 1995, a Impugnante foi constituída mediante escritura pública, celebrada no Cartório Notarial da Golegã (cfr. Diário da República n.º 203, III Série, de 02.09.1995, de fls. 92 a 95 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
25. Do artigo 1.º dos Estatutos da Impugnante, sob a epígrafe «Denominação» consta que “A F................................ é uma associação de natureza desportiva, cultural e recreativa constituída pelos seus sócios, não tem fins lucrativos e de duração ilimitada” (cfr. Diário da República n.º 203, III Série, de 02.09.1995, de fls. 92 a 95 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
26. Do artigo 3.º dos Estatutos da Impugnante, sob a epígrafe «Objecto», consta que
“1 - A associação tem por finalidade a realização e organização da Feira Nacional do Cavalo, a levar a efeito todos os anos na Golegã.
2 - Para a prossecução dos seus fins, a associação actuará, designadamente, no sentido de:
a) Defesa e promoção do cavalo;
b) Promover e organizar manifestações que visem o desenvolvimento de actividades hípicas;
c) Cooperar com entidades nacionais e estrangeiras em todas as acções tendentes à realização dos fins da associação e, eventualmente, filiar-se ou associar-se em sociedades que tenham por finalidade o desenvolvimento sócio-económico do concelho.” (cfr. Diário da República n.º 203, III Série, de 02.09.1995, de fls. 92 a 95 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
27. E do artigo 22.º dos Estatutos da Impugnante, sob a epígrafe «Receitas», consta que “Constituem receitas da associação:
a) As jóias e quotas pagas pelos associados;
b) Os subsídios, doações, heranças, legados e participações que lhe sejam atribuídos;
c) Os rendimentos de bens;
d) O pagamento de serviços prestados pela associação a associados e a terceiros;
e) Os rendimentos provenientes com a realização de actividades promovidas pela associação;
f) Outras receitas, nomeadamente as provenientes da organização da Feira Nacional do Cavalo” (cfr. Diário da República n.º 203, III Série, de 02.09.1995, de fls. 92 a 95 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
28. A Feira Nacional do Cavalo, também conhecida como Feira de São Martinho, é organizada anualmente pela Impugnante, na vila da Golegã, no mês de Novembro (cfr. depoimento de testemunhas);
29. A Câmara Municipal da Golegã cede gratuitamente à Impugnante o terreno para esta instalar a feira identificada no ponto antecedente, sito no Largo do M….., também conhecido por Largo do A......, e nas ruas circundantes (cfr. depoimento de testemunhas e plantas da localização de expositores e stands, de fls. 87 a 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
30. O acesso à Feira Nacional do Cavalo e aos respectivos eventos por parte dos visitantes é gratuito (cfr. depoimento de testemunhas);
31. A Feira Nacional do Cavalo é composta, nomeadamente, por um conjunto de exposições, convenções e conferências sobre cavalos, de espectáculos e provas equestres, de espectáculos de folclore e de fado vadio e de stands e terrados para a venda de artigos para cavalos, roupa para a prática de equitação e tauromaquia, artigos de artesanato, roupas comuns, comidas e bebidas (cfr. depoimento de testemunhas);
32. Os stands e terrados descritos no ponto antecedente são cedidos pela Impugnante a terceiros mediante o pagamento de determinados montantes (cfr. confissão, constante do artigo 33.º da petição inicial);
33. Os terceiros utilizam os stands e terrados para vender os artigos descritos no ponto n.º 31 do probatório aos visitantes da feira (cfr. depoimento de testemunhas);
34. Os stands e terrados dispõem de água corrente, esgotos e electricidade, consoante as necessidades dos terceiros que exploram o espaço por altura da feira (cfr. depoimento de testemunhas e declarações escritas dos participantes na feira, de fls. 203, 205 e 206 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
35. Os stands são montados e desmontados todos os anos por altura da feira identificada no ponto n.º 28 do probatório (cfr. depoimentos de testemunhas e facturas de aluguer, montagem e desmontagem de stands, de fls. 192 a 197 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
36. Todas as receitas obtidas pela Impugnante com a cedência de stands e terrados na Feira Nacional do Cavalo e com a publicidade são canalizadas para a concretização dos seus fins, nomeadamente, para assegurar o pagamento com o alojamento e a alimentação dos participantes nos espectáculos e provas equestres que ali se realizam, garantir a segurança e a ordem públicas e zelar pela limpeza e higiene do espaço (cfr. depoimento de testemunhas);
37. A Feira Nacional do Cavalo atrai milhares de pessoas ao concelho da Golegã, de todas as idades e de diversos pontos do país (cfr. depoimento de testemunhas);
38. A Feira Nacional do Cavalo possui um grande impacto económico e financeiro na região da Golegã, nomeadamente, nos sectores da reabilitação urbana, alojamento local, da restauração e do comércio local (cfr. depoimento de testemunhas).
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Nada mais foi provado com relevância para a decisão em causa, atentos o pedido e a causa de pedir.

Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente aos factos dados como provados nos pontos n.ºs 1 a 27 do probatório teve por base o exame crítico dos documentos que constam junto aos autos e ao processo de reclamação graciosa, em apenso, tudo conforme especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos do art. 115.º, n.º 4, do CPPT e dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.
Por sua vez, no que diz respeito à matéria de facto constante dos pontos n.º 28 a 31 e 33 a 38 do probatório, a convicção do Tribunal assentou nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante, de seu nome R……., L…….. e A……. .
Melhor explicitando, as testemunhas R……. e A……, por terem sido vereadores na Câmara Municipal da Golegã à data dos factos e por frequentarem a feira todos os anos, demonstraram conhecer, de forma coerente, clara e assertiva, o relacionamento institucional existente entre a Impugnante e o Município da Golegã, a organização e o funcionamento da feira, os eventos e o tipo participantes na feira, assim como o impacto da feira na região.
Já a testemunha L……, por frequentar a feira todos os anos, foi convincente ao corroborar o depoimento das testemunhas R........ e A........, no que se refere aos eventos e participantes na feira e, bem assim, ao impacto da mesma na região.
Neste contexto, cabe fazer notar que os factos indicados nos pontos n.ºs 29, 34 e 35 do probatório, resultaram não só dos depoimentos das testemunhas anteriormente identificadas como também de documentos juntos ao processo de reclamação graciosa, em apenso, conforme foi especificado a propósito de cada um desses pontos, uma vez que os mesmos são complementares aos depoimentos das testemunhas e não foram, igualmente, objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos das disposições legais já citadas.
Para terminar, no que se refere ao facto dado como provado no ponto n.º 32 do probatório, o mesmo resultou da confissão expressa da Impugnante constante do artigo 33.º da petição inicial, efectuada nos termos dos arts. 352.º, 355.º, n.ºs 1 a 3, e 356.º, n.º 1, do Código Civil (CC) e do art. 465.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT
Assim sendo, resta somente referir que o depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, F........, não foi relevado por este Tribunal, na medida em que a mesma limitou-se a relatar factos que constam do relatório final da inspecção tributária.»
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B. DO DIREITO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, apreciando a questão do erro nos pressupostos de facto e de direito suscitada na petição inicial que originou os presentes autos, decidiu que a actividade de cedência de stands e terrados nas feiras organizadas pela Impugnante (doravante Recorrente), mormente, a Feira Nacional do Cavalo, não pode deixar de ser qualificada como uma actividade de natureza comercial, não estando, por isso, abrangida pela isenção prevista no artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC.

No entendimento da Impugnante (doravante Recorrente), a interpretação preconizada pelo Tribunal lª Instância, não corresponde à matéria de facto produzida e, do mesmo modo, é errada de Direito e assim deve ser julgado procedente o recurso.

Comecemos pela sede normativa da questão.

Sob a epígrafe «Atividades culturais, recreativas e desportivas» determina o artigo 11.º do CIRC:

«1 - Estão isentos de IRC os rendimentos diretamente derivados do exercício de atividades culturais, recreativas e desportivas.

2 - A isenção prevista no número anterior só pode beneficiar associações legalmente constituídas para o exercício dessas atividades e desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Em caso algum distribuam resultados e os membros dos seus órgãos sociais não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse direto ou indireto nos resultados de exploração das atividades prosseguidas;

b) Disponham de contabilidade ou escrituração que abranja todas as suas atividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido nas alíneas anteriores.

3 - Não se consideram rendimentos diretamente derivados do exercício das atividades indicadas no n.º 1, para efeitos da isenção aí prevista, os provenientes de qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola exercida, ainda que a título acessório, em ligação com essas atividades e, nomeadamente, os provenientes de publicidade, direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, aplicações financeiras e jogo do bingo.»

A norma acima transcrita estipula uma isenção real, parcial e condicionada, porquanto é concedida em atinência à natureza dos rendimentos auferidos, limitada aos rendimentos taxativamente enumerados - os diretamente derivados do exercício das atividades culturais, recreativas e desportivas - e condicionada à verificação dos requisitos exigidos neste número: os rendimentos devem derivar diretamente das actividades acima referenciadas. Quer isto dizer que, a isenção é em função da origem dos rendimentos e só pode beneficiar os rendimentos directamente relacionados com o exercício de actividades culturais, recreativas e desportivas.

No caso, é incontroverso que a Recorrente cumpre com todos os requisitos previstos no artigo 11.º, n.º 2, do CIRC (associação de natureza desportiva, cultural e recreativa sem fins lucrativos e que se encontra legalmente construída e por isso integra o sector não lucrativo (SNL) referido também como Terceiro Sector, Sector Voluntário ou então Sector das Organizações da Sociedade Civil e não distribui os resultados das actividades que prossegue, que os membros dos seus órgãos sociais não têm, por si ou por interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração dessas actividades, ou sequer que a mesma não dispõe de contabilidade ou escrituração que abranja todas as suas actividades e que não a colocou à disposição dos serviços fiscais).

É, assim, dentro deste enquadramento, que, no caso vertente, face à matéria de facto fixada em 1ª Instância (não impugnada), linearmente, podemos adiantar que o decidido sob recurso não merece censura.

Como se diz na fundamentação da sentença sob recurso:« Da análise do elenco dos factos provados retira-se que a Câmara Municipal da Golegã cede gratuitamente à Impugnante o terreno para instalar a Feira Nacional do Cavalo, o qual situa-se no Largo do M…….. e nas ruas circundantes (cfr. pontos n.ºs 28 e 29 do probatório).

Para além disso, resulta dos autos que o acesso à Feira Nacional do Cavalo, por parte daqueles que a visitam, é gratuito (cfr. ponto n.º 30 do probatório).

Resulta, igualmente, dos autos que a Feira Nacional do Cavalo é composta, nomeadamente, por stands e terrados, os quais são cedidos pela Impugnante a terceiros, mediante o pagamento de determinados montantes (cfr. pontos n.º 31 e 32 do probatório).

Mais, deriva dos autos que esses stands e terrados são utilizados pelos terceiros para vender um conjunto de artigos aos visitantes da feira, nomeadamente, artigos para cavalos, roupa para a prática de equitação e tauromaquia, artigos de artesanato, roupas comuns, comida e bebidas, dispondo os mesmos de água corrente, esgotos e electricidade, consoante as respectivas necessidades (cfr. pontos n.ºs 31 a 34 do probatório).

E, ainda, que os stands são montados e desmontados todos os anos por altura da feira (cfr. ponto n.º 35 do probatório).

Ora, se é certo que a cedência de stands e terrados, tal como está configurada no caso dos presentes autos, não se enquadra em nenhuma das categorias-tipo constantes do art. 11.º, n.º 3, do CIRC, desde logo, porque não estão em causa bens imóveis, na medida em que os stands são verdadeiros bens móveis, que se montam e desmontam todos os anos por altura da feira, e os terrados não são susceptíveis de apropriação por fazerem parte integrante da via pública, não sendo assim subsumíveis ao conceito de coisa, previsto no art. 202.º do CC, nem sequer ao conceito de prédio, previsto no art. 2.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Bens Imóveis (CIMI), a mesma configura, ainda assim, um verdadeiro acto de de natureza comercial (vide acórdão do Pleno do STJ, de 19.04.89, processo n.º 073284; e, acórdão do STJ, de processo 3B2100, de 25.09.2003) (cfr. pontos n.ºs 28 a 35 do probatório).

Melhor explicitando, do disposto no art. 2.º do Código Comercial (Cc), decorre que são actos de comércio não só aqueles que são praticados por comerciantes e que não possuam uma natureza exclusivamente civil, como também aqueles que estejam expressamente previstos na lei comercial ou que a estes sejam análogos (vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, Vol. I, 2004, 5º edição, Almedina, pág. 70).

E, de acordo com o art. 230.º, § 2.º, do Cc, haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas que se propuserem a fornecer géneros, em épocas diferentes, quer a particulares quer ao Estado, mediante preço convencionado, devendo aqui incluir-se tanto os bens materiais, como os bens imateriais e os serviços (vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, Vol. I, 2004, 5º edição, Almedina, págs. 63 a 66).

Para além disso, nos termos do art. 463.º, § 1.º, do Cc, são consideradas como comerciais quaisquer as compras de coisas móveis para revender, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso.

Assim sendo, não restam dúvidas de que os terceiros a quem a Impugnante cede os stands e os terrados na Feira Nacional do Cavalo são comerciantes, na medida em que os mesmos utilizam esses espaços para a prática actos de comércio, consubstanciados na venda de diversos artigos aos visitantes da feira (cfr. pontos n.ºs 31 a 33 do probatório).

Por conseguinte, a cedência de stands e terrados por parte da Impugnante a esses terceiros, mediante uma contraprestação, é de per si um acto de comércio, já que a mesma traduz-se num contrato em que uma das partes é um comerciante que se encontra no exercício da sua actividade comercial, conforme vem previsto no art. 2.º do Cc (cfr. pontos n.ºs 31 a 33 do probatório).

A isto acresce que, embora o acto seja mercantil apenas em relação a uma das partes, na medida em que a Impugnante é uma associação sem fins lucrativos, o mesmo não deixa de ser regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, nos termos do art. 99.º do Cc (cfr. pontos n.ºs 24 e 25 do probatório).

Ou seja, ao contrário do que parece ser o entendimento da Impugnante, o facto de serem apenas os feirantes e expositores que exercem uma actividade comercial não retira ao acto de cedência dos stands e terrados a sua natureza de acto comercial, bem pelo contrário.

Deste modo, constata-se que a cedência de stands e terrados na Feira Nacional do Cavalo por parte da Impugnante a terceiros deve ser, efectivamente, qualificada como uma actividade de natureza comercial, não estando assim abrangida pela isenção prevista no art. 11.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC (cfr. pontos n.ºs 31 a 33 do probatório).

Passando agora para a qualificação da actividade de publicidade em catálogo efectuada pela Impugnante a diversas entidades, com vista à divulgação dos respectivos bens e serviços junto do público em geral, mediante uma contraprestação, a mesma enquadra-se, necessariamente, no conceito de actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, uma vez que a mesma corresponde a uma das categorias-tipo previstas no art. 11.º, n.º 3, do CIRC (cfr. pontos n.ºs 5 e 7 do probatório).

Aliás, isso mesmo foi de certo modo admitido pela própria Impugnante no articulado de alegações finais.

Pelo que também é de entender que esta actividade não está abrangida pela isenção prevista no art. 11.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC.

Aqui chegados, constatando-se que nenhuma das actividades está abrangida pela isenção prevista no art. 11.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC e resultando da análise do elenco dos factos provados que os serviços da administração tributária apuraram que os rendimentos auferidos pela Impugnante pelo exercício das referidas actividades não só na Feira Nacional do Cavalo, como na Feira Expo-Égua e na Feira da Gastronomia, ultrapassaram largamente o montante de € 7.481,97, previsto no art. 54.º, n.º 1, do CIRC, em cada um dos anos de 2005 a 2008, não resta outra alternativa senão a de concluir que esses rendimentos estão sujeitos e não isentos a tributação, nos termos dos arts. 11.º, n.º 3, 48.º e 49.º do CIRC (cfr. ponto n.º 5 do probatório).

A esta conclusão não obsta o facto de a Impugnante canalizar todas as receitas assim obtidas para a concretização dos seus fins, nomeadamente, para assegurar o pagamento de despesas com o alojamento e a alimentação dos participantes nos espectáculos e provas equestres, garantir a segurança e ordem públicas e zelar pela limpeza e higiene do espaço (cfr. pontos n.º 36 do probatório).

Também não obstam os factos da Feira Nacional do Cavalo atrair milhares de pessoas ao concelho da Golegã, de todas as idades e de diversos pontos do país, e de a mesma possuir um grande impacto económico e financeiro na região da Golegã, nomeadamente, nos sectores da reabilitação urbana, alojamento local, da restauração e do comércio local (cfr. pontos n.ºs 37 e 38 do probatório)

Com efeito, tal apenas indicia que a Impugnante cumpre com os pressupostos previstos no art. 11.º, n.º 2, do CIRC, que alcança com sucesso os fins para os quais foi criada e que as suas receitas estão em conformidade com os respectivos estatutos, sendo certo que, como já se viu, não é isso que está em causa nos presentes autos (cfr. pontos n.ºs 26 e 27 do probatório).».

Isto é assim, não obstante nas conclusões de recurso, a Recorrente concluir que o Tribunal de 1.ª Instância, incorreu em errada interpretação do artigo 230.º § 2.º, do Código Comercial, por no seu entender, tal normativo apenas ser aplicável a empresas, singulares ou colectiva e nunca a Associações, com é o caso da Recorrente.

Com efeito, um tal argumentário não tem a virtualidade de contrariar a conclusão a que chegou a sentença recorrida, pois que apenas de compreende por assentar numa leitura que o decidido não consente.

De facto, como resulta da simples leitura da sentença, a referência efectuada ao artigo 230.º do Código Comercial não se reportou à Recorrente, mas sim, aos terceiros a quem aquela cedeu os stands e os terrados na Feira Nacional do Cavalo. O mesmo se diga relativamente à convocação do artigo 463.º § 1.º, do mesmo compêndio legal cuja alusão de destinou a suportar a qualificação da actividade daqueles mesmos terceiros.

Dito isto, permanecendo incólume a decisão do Tribunal de 1.ª Instância quanto à matéria de facto dada como provada, como já atrás dissemos e repetimos novamente, nenhuma censura há a fazer, pois que foi feita, correcta e devidamente, a subsunção dos factos provados ao direito.

Desde modo, aderindo à fundamentação e decisão do Tribunal de 1.ª Instância, não se justificam considerações suplementares sobre a única questão colocada em recurso.

Improcedem assim todas as conclusões do recurso, o que implica a improcedência do mesmo e a manutenção da sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES

I. Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do CIRC os rendimentos provenientes de qualquer actividade comercial, industrial ou agrícola exercida, ainda que a título acessório, em ligação com essas actividades e, nomeadamente, os provenientes de publicidade, direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, aplicações financeiras e jogo do bingo, não são considerados rendimentos directamente derivados do exercício das actividades indicados no n.º1 do mesmo normativo, para efeitos da isenção aí previstas, ou seja dá-lhe o tratamento de rendimentos sujeitos a imposto e dele não isentos.

II. As contra-prestações pecuniárias pela cedência de espaços físicos stand’s e terrados constituem rendimentos de natureza comercial, pelo que não podem beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do CIRC.

V.DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]