Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2364/18.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:ASILO- VULNERABILIDADES (SAÚDE E ORIENTAÇÃO SEXUAL)- RETOMA A CARGO- ITÁLIA;
AUDIÊNCIA PRÉVIA- FALHAS SISTÉMICAS- REFOULEMENT INDIRETO;
ARTIGO 3.º, N.º 2 REGULAMENTO (UE) 604/2013- ARTIGO 3.º CEDH- ARTIGO 4.º CDFUE.
Sumário:I- O exercício do direito de audiência prévia previsto no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (doravante, Regulamento Dublin), não obriga a que o relatório ou resumo da entrevista seja notificada ao requerente antes de ser emitida a decisão final deste procedimento especial, nos termos do art.º 17.º da Lei do Asilo, assim como não impõe que ao requerente deva ser notificado o projeto de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e subsequente transferência para o Estado responsável, por forma a que possa emitir a sua pronúncia.
II- No âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável ao abrigo do Regulamento Dublin, e de acordo com o disposto no art.º 5.º, n.º 6 do dito Regulamento, o direito de audiência prévia do requerente de asilo pode ser exercido durante a entrevista pessoal a que se refere o art.º 5.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, ou no final da mesma entrevista, contanto que ao requerente seja prestado todo o manancial informativo descrito no art.º 4.º do aludido Regulamento, e lhe seja dada a oportunidade de apresentar cabalmente todos os seus argumentos, razões e factos, mormente no caso de uma provável transferência para outro Estado.
III- Entendendo-se que o direito de audiência prévia pode ser exercitado em sede da entrevista pessoal descrita no art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento, deve igualmente entender-se que o direito de audiência prévia queda aniquilado no caso de o seu exercício por banda do requerente de proteção internacional ser, algum modo, desadequado, incompleto ou insuficiente.
IV- O direito europeu consagra, em matéria de asilo, a garantia a um procedimento justo, que inclui o direito a uma análise individualizada e atualizada do pedido de proteção internacional.
V- Tal direito a um procedimento justo constitui uma garantia de efetivação do direito de asilo, encarado este como um direito fundamental internacional ao acolhimento, titulado por todos os que reúnam determinadas condições.
VI- Ora, a ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode constituir infração ao art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência de um requerente de asilo no domínio do Regulamento Dublin, como aliás foi já firmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, no Acórdão proferido pela Grande Secção em 21/12/2011, nos processos apensos C-411/10 e C-493/10, N.S. vs Secretary of State for the Home Department.
VII- Tendo sido alegado pelo requerente de proteção internacional padecer de problemas de saúde, com internamento na Alemanha, bem como tendo fornecido informação de cariz pessoal, indiciadora de mais uma condição de vulnerabilidade (a circunstância de ser homossexual, de ter sido severamente espancado por esse motivo e de ter sido alvo de abuso sexual em criança no seu país de origem), impunha-se ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras uma averiguação dos factos mais profunda e cuidadosa.
VIII- Tal averiguação assoma como crucial, em virtude de subsistir no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante.
IX- Este princípio tem sido afirmado desde há muito, tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia reiterado o sobredito valor principiológico no Acórdão proferido em 16/02/2017 no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija, e explicitado que deve admitir-se outras circunstâncias fundamentadoras de uma proibição de transferência de um requerente de asilo para o Estado responsável para além das falhas sistémicas que neste Estado possam existir.
X- Nesta senda, o risco de violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual, abarcando não só o risco de devolução direta ou de devolução em cadeia (ou indireta), como o próprio risco da transferência em si mesma, em concordância com a Jurisprudência cristalizada no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09, bem como no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia promanado em 16/02/2017, no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija.
XI- A consideração do princípio de non refoulement e a respetiva importância para o sistema Dublin está já estabelecida pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, especificamente, nos Acórdãos promanados em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e em 04/11/2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12.
XII- O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não possibilitou ao requerente a apresentação de todo o acervo de razões e factos potencialmente obstaculizantes à emissão da decisão de transferência, demitindo-se também da realização de qualquer diligência instrutória apta a confirmar ou infirmar o teor do declarado pelo requerente.
XIII- Neste contexto, valorizando a insuficiência e incompletude do exercício do direito de audiência prévia, impera concluir que tal direito foi, afinal, coartado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, atendendo ao modo como auscultou o requerente e à absoluta passividade e indiferença com que encarou e tratou as breves declarações do requerente.
XIV- O que quer dizer que, por ter sido exercido de modo deficiente em virtude da concreta atuação do aludido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, deve concluir-se pela violação do direito de audiência prévia do requerente, violação esta que inquina as decisões de inadmissibilidade e transferência de ilegalidade.
XV- A atuação do Estado não é estritamente vinculada, no sentido em que ocorre impedimento absoluto de análise de um pedido de proteção internacional se o requerente já tiver formulado pedido similar noutro Estado-Membro.
XVI- Para além da cláusula de soberania inscrita no art.º 17.º, bem como para além das situações de existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e do risco de tratamento desumano, descritas no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, o mesmo instrumento jurídico estipula claramente, em jeito até de “válvula de segurança” e de favorecimento da posição do requerente de asilo, a possibilidade de um Estado-Membro assumir, no âmbito do exercício de um poder discricionário, a responsabilidade pela decisão do pedido de proteção internacional, independentemente dos critérios e regras estabelecidas.
XVII- A existência de um prévio pedido de proteção internacional formulado perante outro Estado-Membro não dispensa o exame cuidadoso da situação apresentada pelo requerente de asilo.
XVIII- A omissão da análise individualizada e cuidadosa da situação do requerente de asilo não só contraria todo o espírito que preside à existência do Regulamento de Dublin- e veja-se a este propósito os considerandos 9, 11, 15, 17, 18, 19, 21, 22 e 39-, como pode conduzir ao desrespeito da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, especialmente dos art.ºs 19.º, 41.º e 47.º.
XIX- É nosso entendimento que subsistem claros, evidentes e demonstrados indícios da existência de falhas sistémicas no sistema de receção e acolhimento de refugiados do Estado Italiano, derivados quer na atual modelação do sistema legal italiano, quer na insuficiência manifesta de condições materiais.
XX- Estas asserções decorrem dos relatos, descrições, informações, conclusões e notícias veiculadas e difundidas por múltiplas ONG’s, bem como por instituições internacionais dedicadas ao acompanhamento, tratamento e análise dos aspetos legais e da implementação prática de todo o sistema internacional de asilo, das quais salientamos o European Council on Refugees and Exiles (doravante, ECRE), a Asylum Information Database (em diante, apenas AIDA), o Conselho da Europa- Comité Europeu para a Prevenção de Tortura e das Penas ou Tratamento Desumano ou Degradante, o Danish Refugee Council, o Swiss Refugee Council, a European Database of Asylum Law (EDAL, em diante), a European Legal Network on Asylum (doravante, ELENA), a European Asylum Support Office (EASO, em diante) e a Associazione per gli Studi Guiridici Sull’ Immigrazione (ASGI).
Votação:UNANIMIDADE, COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

            I. RELATÓRIO

O Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 22/03/2019, que, julgando procedente a ação administrativa especial urgente proposta por I….. (Recorrido), anulou o despacho emitido em 27/11/2018 pelo Diretor Nacional Adjunto daquele Serviço- que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pela Recorrido e determinou a transferência do mesmo para a Itália- e condenou o ora recorrente a proferir nova decisão após instrução adequada do procedimento referente ao pedido de asilo formulado pelo Recorrido em 03/10/2018.

As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões:

«II- DAS CONCLUSÕES

1ª - A autoridade recorrente não concorda com os termos da sentença ora recorrida;

2ª- De harmonia com o art.º 18.º n 1, b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.º 37, n 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36 e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 08/11/2018, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, tendo o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF aos 26/11/2018, comunicado às autoridades italianas que, ao abrigo do n 2, do artigo 25.º do mesmo Regulamento, a falta de uma decisão equivale à aceitação do pedido.

3ª- Consequente e vinculadamente, por despacho do Diretor Nacional Adjunto do ora Recorrente proferido aos 23/08/2018, nos termos dos art9s 19-A, n 1, a) e 37 n2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência, nos termos dos arts 29 e 30 do Regulamento de Dublin;

4ª- O ora Recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Itália (cf. art.º 13, n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37, n 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência;

5ª- "Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito " (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. n9 08319/11);

6ª- Resulta, pois, incompreensível o entendimento ora sufragado na douta sentença ora recorrida por se considerar que "(...) Resta concluir que há que proceder à anulação da decisão sub judice e condenar a Administração a reconstruir o procedimento e, considerando a informação junta aos autos ( e se for o caso, instruindo-o com outros elementos informáticos fidedignos atualizados, que repute de relevantes, sobre o procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes), proceder a nova entrevista do requerente tendo em vista averiguar se a transferência para a República Italiana não implicará, tendo em conta as doenças do Requerente e os motivos pelos quais alega ter sido perseguido, um tratamento desumano e degradante na aceção do art.º 4.º da Carta, (in)suficiente para aplicação do critério previsto no n 2 do art.º 3 do Regulamento. Findo isto, deverá elaborar novo relatório, e dá-lo a conhecer ao Requerente, conferindo-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre o mesmo”;

7ª- O artigo 17.º da Lei n 27/2008, de 30.06, não é aqui aplicável, atenta a natureza "especial" do procedimento plasmado no art.º 36 e seguintes da Lei de Asilo, tal como se comprova do n 7 do art.º 37que estipula que "Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do ng 1, observa-se o disposto no Capítulo III”.

8ª- Nos presente autos inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante; ou que, dadas as particulares condições do A. a transferência implica um risco sério e verosímil de exposição do A, a um tratamento contrário ao artigo 4 da CDFUE, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.

9ª- No âmbito do Regulamento (UE) n 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o intercâmbio dos dados pessoais dos requerentes, efetuado antes da sua transferência, incluindo os dados sensíveis em matéria de saúde, garantirá que as autoridades competentes estão em condições de prestar aos requerentes a assistência adequada e de assegurar a continuidade da proteção e dos direitos que lhes foram conferidos.

10ª- Ao contrário do pugnado pela douta sentença recorrida, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional (que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido;

11ª- Contrariamente ao que a sentença refere, ao ora Recorrente outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.»

O Recorrido não apresentou contra-alegações.


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A Digníssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu provimento, uma vez que, no seu entendimento, ocorre erro de julgamento.

Com efeito, sufraga a Digníssima o entendimento de que, uma vez aplicado o regime constante do Regulamento da (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, resulta que o Estado responsável pela apreciação do pedido de asilo é a Itália. Sendo assim, resta proferir decisão de inadmissibilidade, de acordo com o art.º 19.º-A, n.º 1 da Lei do Asilo, e proceder à transferência do Recorrente para a Itália.


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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


*

Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erros de julgamento. Concretamente, as problemáticas a deslindar são a de apurar, tendo m conta que na situação vertente houve lugar à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, conducente à decisão de inadmissibilidade deste pedido e à decisão de transferência do Recorrido para Itália:

i) se a decisão de inadmissibilidade do pedido e sequente transferência constitui um ato vinculado nos termos do regime do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho;

II) se o Recorrente cumpriu adequadamente, ou não, o dever de ouvir o Recorrido no procedimento em causa, em virtude do preceituado no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho; e

iii) se ocorrem, em Itália, falhas sistémicas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo.

II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

«1. A 15 de Maio de 2017, o A. pediu asilo e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC, em Bari, Itália, sob a referência …..;

Cf. fingerprint form do EURODAC de fls. 3 do p.a.1 e questionário preliminar de fls. 6 do p.a.

2. Em 20 de Julho de 2017, o A. pediu asilo e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC, em Treviso, Itália, sob a referência …..;

Cf. fingerprint form do EURODAC de fls. 4 do p.a. e questionário preliminar de fls. 6 do p.a.

3. No dia 15 de Abril de 2018, o A. pediu asilo e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC, em Nuremberga, Alemanha, sob a referência …..;

Cf. fingerprint form do EURODAC de fls. 5 do p.a. e questionário preliminar de fls. 6 do p.a.

4. O A. apresentou pedido de protecção internacional junto dos serviços do GAR do SEF, em Lisboa, no dia 3 de Outubro de 2018, declarando ser I….., ser nacional da Serra Leoa, ter nascido a 16 de Março de 1998 em Freetown, e ter pedido asilo antes em Itália e Alemanha;

Cf. declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional de fls. 26 do p.a., o formulário/capa, o fingerprint form do EURODAC de fls. 1 e 2 do p.a. e o questionário de fls. 6 e ss. também do p.a.

5. Aquando do pedido formulado em Portugal, foram recolhidas as impressões digitais do A. e registadas na base de dados do sistema EURODAC;

Idem.

6. Os serviços do SEF autuaram o pedido do A. formulado em Portugal como “Processo de Determinação de Responsabilidade do Pedido de Protecção Internacional (Regulamento de Dublin) Retoma a cargo”, atribuindo-lhe o n.º …..;

Cf. capa do processo de fls. 28 do p.a.

7. A 8 de Novembro de 2018, foi remetido pelos serviços do GAR do SEF para as autoridades italianas, por e-mail, um designado pedido de retoma, respeitante ao pedido de protecção internacional do A. formulado em Portugal, onde se invoca a ocorrência registada sob o n.º ….., e a al. b) do n.º 1 do art. 18.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013;

Cf. e-mail de fls. 29 e formulário de fls. 31 e ss do p.a.

8. No ponto 12. do pedido de retoma a cargo aludido no ponto anterior, sobre se o Requerente havia pedido protecção internacional ou reconhecimento de estatuto de refugiado, fez-se consignar que o A., havia formulado pedido, em 10 de Setembro de 2017, em Terviso, Itália, e no ponto 13. do mesmo, respeitante ao abandono do território do Estado-Membro pelo Requerente e sobre as datas desse eventual abandono, não foi consignado nada;

Cf. formulário de fls. 31 e ss do p.a.

9. Em 23 de Novembro de 2018, o A. foi entrevistado, no procedimento em causa, nos serviços do GAR do SEF, tendo previamente sido informado de que nos termos do Regulamento de Dublin, que estabelece os critérios e mecanismo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de país terceiro ou apátrida, apenas um Estado-Membro é responsável, e que o pedido do A. seria sujeito a um procedimento especial de admissibilidade, e foram comunicados ao A. os objectivos da entrevista;

Cf. auto de entrevista/transcrição a fls. 34 e ss. do p.a.

10. Na entrevista aludida no ponto anterior, o A., perguntado sobre a duração da estadia em cada um dos países onde havia registos no EURODAC, disse, quanto ao registo aludido acima no ponto 2., que a sua estadia havia durado 8 meses, e, quanto ao registo aludido supra no ponto 3., que a sua estadia havia durado 7 meses, e que nos últimos 5 meses havia vivido na Alemanha, e, perguntado sobre se o pedido de asilo anteriormente formulado se encontrava em análise ou havia sido recusado, disse que desconhecia;

Idem.

11. Na mesma entrevista, perguntado sobre se estava de boa saúde, disse que não, perguntado sobre se tinha problemas de saúde, disse que sim, perguntado sobre quais os problemas de saúde, disse que tinha «problemas no coração e no estômago», perguntado sobre se estava medicado, disse estar a tomar «medicamentos para o estômago e o coração», e perguntado sobre o motivo pelo qual solicita protecção internacional, disse, entre o mais, «[e]u sai do meu país por ser homossexual e ter sido agredido com gravidade por essa razão»;

Idem.

12. Findas as declarações, foi, de seguida, elaborado um intitulado Relatório pelo SEF onde se disse «De acordo com as declarações prestadas pelo requerente (…) e de acordo com as informações recolhidas» e se preencheu a quadrícula associada à seguinte situação «Apresentou pedido de proteção noutro país da União Europeia, Itália, (REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida - Artigo 18.º, n.º 1)»

Cf. relatório a fls. 41 e 42 do p.a.

13. Ao A. foi dado conhecimento, no mesmo dia 23 de Novembro de 2018, do Relatório referido no ponto anterior, ao que o mesmo disse: «Eu não quero regressar a Itália»;

Cf. relatório a fls. 41 e 42 do p.a.

14. No dia 26 de Novembro de 2018, os serviços do GAR do SEF remeteram, por e-mail, para as autoridades italianas, comunicação onde se consignou que era feita na sequência da comunicação de 8 de Novembro de 2018, o Estado-Membro deve responder ao pedido em duas semanas, invocou-se o art. 25.º, n.º 1, do Regulamento de Dublin, e concluiu-se que, considerando que não houve resposta das autoridades italianas, Portugal considera que Itália aceitou retomar a cargo o A.;

Cf. e-mail de fls. 46 do pa..

15. A 26 de Novembro de 2018, foi lavrada pelos serviços do SEF, a informação n.º ….., sobre o pedido de protecção internacional do A., onde se lê, entre o mais, o seguinte:

«Dos motivos invocados no pedido de transferência

Aos 08-11-2018, o GAR apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, ao abrigo do artigo 18º, Nº 1 b), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho.

Consultado o sistema EURODAC, foram detetados dois Hits positivos com os "Case ID ….. e ….. ", inseridos pela Itália.

Aos 26-11-2018, Portugal informou as autoridades italianas que ao abrigo do artigo 25º, Nº 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, tinha duas (2) semanas para se pronunciar sobre o nosso pedido.

As autoridades italianas não se pronunciaram dentro do prazo estabelecido no art.º 25 nº 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, por isso de acordo com o artigo 25 nº 2 do mesmo Regulamento, a falta de uma decisão equivale à aceitação do pedido.

Pelo exposto, propõe-se que Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho.»;

Cf. informação de fls. 49 e 50 do p.a.

16. Sobre a informação mencionada e transcrita no ponto anterior, foi redigida, a 27 de Novembro de 2018, proposta, com o seguinte teor: «Com base na presente informação e à consideração superior para decisão, propõe-se que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º - A, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, o pedido de proteção seja considerado inadmissível e se proceda à transferência para a Itália do (a) cidadão (ã) acima identificado (a), nos termos do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho.»;

Cf. proposta de fls. 49 do p.a.

17. No mesmo dia 27 de Novembro de 2018, foi exarada, no processo de protecção internacional do A., Decisão pelo Director Nacional Adjunto do SEF, onde consta, entre o mais, o seguinte:

«De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º - A e no n.º 2 do artigo 37º, ambos da lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela lei nº 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.º ….. do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como I….., nacional da Serra Leoa, inadmissível.

Proceda-se à notificação d o cidadão nos termos do artigo 37º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho.»;

Cf. decisão de fls. 51 do p.a.

18. A Decisão que se refere e parcialmente se transcreve no ponto anterior foi entregue e dada a conhecer ao A. em 3 de Dezembro de 2018;

Cf. declaração assinada pelo A. de fls. 58 do p.a.

19. No mesmo dia 3 de Dezembro de 2018, foi apresentado pelo A., nos Serviços do ISS, pedido de apoio judiciário;

Cf. e-mail, fax, missiva do CPR e requerimento tudo de fls. 60 e ss. do p.a.

20. A 27 de Dezembro de 2018, deu entrada neste Tribunal a p.i. que originou os presentes autos;

Cf. comprovativo de entrega de fls. 1 dos autos.

21. Em 22 de Fevereiro de 2019, o Gabinete Jurídico do CPR elaborou informação sobre o procedimento de asilo italiana e as condições de acolhimento de requerentes de asilo e refugiados no aludido país, informação onde se lê, entre o mais, o seguinte:

«(…)

O sistema de asilo italiano tem vindo a ser amplamente analisado por várias organizações de direitos humanos, que reportam preocupantes opções legislativas e políticas das autoridades de Itália neste domínio7, às quais se associa uma forte retórica racista e xenófoba.

Sucintamente, a informação disponibilizada por organizações como o European Council for Refugees and Exiles (ECRE) e os Médicos sem Fronteiras (MSF), entre outras, revelam a existência de falhas sistémicas tanto no que respeita ao procedimento de asilo e garantias processuais, bem como na política de acolhimento dos requerentes de asilo. Entre as principais falhas, e conforme a informação recolhida e traduzida infra, contam-se:

• A degradação preocupante das condições de acolhimento de requerentes de asilo e beneficiários de protecção internacional e a existência de obstáculos significativos ao acesso a condições de acolhimento dignas (onde se incluem o acesso a cuidados de saúde, alojamento e medidas de integração);

• A limitação do escopo da protecção conferida;

• Os problemas no acesso efectivo ao procedimento de asilo;

• O alargamento dos períodos legais de detenção de requerentes de protecção internacional;

• Os riscos de violação do princípio do non-refoulement.

 Para informações detalhadas sobre o funcionamento do sistema de asilo italiano, ver também o relatório da Asylum lnformation Database -Itália, disponível em: http://www.asylumineurope.org/reports/country/italy

As insuficiências do sistema de asilo italiano, para além de reportadas por diversas fontes fidedignas, foram também já reconhecidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nomeadamente no caso Tarakhel c. Suíça8, de 2014, devendo notar-se que a situação se tem degradado significativamente desde então (nomeadamente à luz do actual contexto político).

Nota-se que também órgãos jurisdicionais de vários Estados-Membros da União Europeia, entre os quais Alemanha, França, Luxemburgo, Holanda e Reino Unido, anularam recentemente decisões de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin para Itália à luz do referido contexto.

(…)

Fonte: IRIN News, New Italian law adds to unofficial clampdown on aid to asylum seekers, 7 de Dezembro de 2018, disponível em: https://www.irinnews.org/newsfeature/2018/12/07 /new-italian-law-adds-unofficial-clampdown-aid-asylum-seekers[consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Dezenas de milhares de requerentes de asilo vulneráveis perderam o direito a autorizações de residência válidas por dois anos e a serviços de integração em Itália na sequência da aprovação, na semana passada, da nova legislação promovida pelo Ministro da Administração Interna do populista governo de direita, Matteo Salvini.

Todavia, de acordo com entrevistas a requerentes de asilo e juristas especializados realizadas ao longo de vários meses, bem como com as respostas governamentais a dezenas de pedidos feitos ao abrigo do direito à liberdade de informação, nos últimos dois anos, milhares já tinham visto os serviços públicos a que tinham direito cortados ou reduzidos.

De acordo com a informação obtida pela IRIN junto dos governos locais, um em cada três requerentes de asilo que chegou a mais de metade das prefeituras italianas nos últimos dois anos, abandonou ou foi expulso do alojamento público.

(…)

Grupos de apoio alertam para o facto de que a nova lei irá agravar a já existente crise em Itália, que se debate para prestar serviços básicos a cerca de 180.000 refugiados e requerentes de asilo que aguardam decisões e que tem um número estimado de 500.000 migrantes indocumentados - muitos dos quais já estão fora do sistema de acolhimento.

O Decreto-Lei sobre Imigração e Segurança em resumo:

(…)

• Requerentes de asilo deixam de ter acesso a serviços de integração até que o seu pedido seja deferido;

• Drástica redução da rede de centros de acolhimento;

(…)

Há apenas 25.000 lugares no sistema italiano de acolhimento de longo-prazo, gerido pelo governo, conhecido pelo seu acrónimo italiano, SPRAR, que tipicamente presta cuidados de elevada qualidade. Isto significa que mais de 150.000 pessoas que aguardam a decisão do seu pedido de asilo, ou 80 por cento do total, estão alojadas em mais de 9.000 infra-estruturas de acolhimento supostamente temporárias, conhecidas pelo acrónimo CAS. Na sua maioria, estas são geridas por entidades comerciais sem qualquer experiência de prestação de alojamento e serviços a requerentes de asilo e que têm sido associadas a corrupção e condições precárias.

(…)

Centenas já foram expulsos de centros de acolhimento por toda a Itália e ficaram sem-abrigo de um momento para o outro', relatou à IRIN Oliviero Forti, responsável pela divisão de migração da Caritas em Itália. 'Em alguns locais, como Crotone, os abrigos da nossa organização ficaram assoberbados durante o fim-de-semana. Algumas pessoas muito vulneráveis, como mulheres grávidas ou pessoas com doença psiquiátrica, estão a ser postas na rua sem qualquer medida de apoio e, inacreditavelmente, as infra-estruturas públicas estão a pedir ajuda à Caritas.'

(…)

Em 2016, a Itália tomou o lugar da Grécia como principal ponto europeu de entrada de migrantes e requerentes de asilo, tendo recebido 320.000 pessoas nos últimos dois anos - com a grande maioria a chegar em pequenos e sobre/atados barcos operados por contrabandistas pelo Mediterrâneo desde o Norte de África ou após serem resgatados no trajecto.

(…)

Aqueles relativamente aos quais seja prima facie determinada a existência de um fundamento legítimo para requerer asilo têm direito a um lugar no sistema SPRAR, ainda que a maioria não o obtenha. [Estas] são instalações de pequena dimensão, uniformemente distribuídas pelo país, criadas pelo Ministério da Administração Interna e geridas por organizações humanitárias com experiência de trabalho com populações migrantes. São amplamente conhecidas por prestarem serviços básicos de qualidade elevada, bem como formação profissional e apoio psicológico. As 25.000 vagas disponíveis têm-se destinado, em regra, aos casos mais vulneráveis, como menores vítimas de tráfico.

De acordo com a nova legislação de Salvini, apenas pessoas a quem seja concedido um visto - processo que pode demorar vários anos - e não requerentes de asilo, podem ser colocadas em infra-estruturas SPRAR. Os migrantes e requerentes de asilo serão enviados para um CAS.

Os Médicos sem Fronteiras [MSF] afirmaram em comunicado que a nova lei terá 'impacto dramático na vida e saúde de milhares de pessoas'. Os MSF declararam que 'nos anos em que operaram nos CAS', os seus trabalhadores concluíram que permanências prolongadas nos centros 'deterioram a saúde mental dos migrantes' e 'prejudicam a probabilidade de se integrarem na sociedade com sucesso'.

(…)

Entrevistas com juristas especializados, assistentes sociais, dezenas de migrantes e a análise de decisões de cessação revelam um padrão de violações generalizadas dos direitos legais dos migrantes nos centros de acolhimento, sendo as autoridades locais, por vezes, coniventes com os abusos.

Os centros CAS - na sua maioria unidades hoteleiras e apartamentos privados identificados e aprovados pelas autoridades locais - são, teoricamente, apenas um elo numa complexa e mal regulada cadeia de alojamento para migrantes. Todavia, como os centros SPRAR estão completos, assumiram o excedente.

(…)

Com as condições insatisfatórias do sistema de acolhimento, os bairros de lata cresceram nos últimos anos. Nestas comunidades, é frequentemente difícil para os migrantes obter serviços básicos como cuidados de saúde e apoio jurídico necessário ao acompanhamento dos pedidos de asilo.

(…)

Fonte: HRW - Human Rights Watch, World Report 2019 - Italy, 17 de Janeiro de 2019, disponível em: https:/ /www.ecoi .net/en/document/2002229.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

(…)

De acordo com o ACNUR, até meio de Novembro, apenas 22.435 migrantes e requerentes de asilo tinham chegado a Itália por mar, o que em grande parte se deve às medidas de prevenção de chegadas já implementadas pelo governo que cessou funções. Em contraste, em 2017,chegaram 119.369 pessoas.

(…)

Fonte: Danish Refugee Council, Swiss Refugee Council, MUTUAL TRUST IS STILL NOT ENOUGH The situation of persons with special reception needs transferred to ltaly under the Dublin III Regulation, 12 de Dezembro de 2018, disponível em: https:/ /rel iefweb.int/report/italy/mutual-trust-still-not-enough-s ituation-persons-special reception- needs-transferred [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Em 2016, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council iniciaram um projecto de monitorização conjunta, documentando as experiências de requerentes de asilo transferidos para Itália de acordo com o Regulamento Dublin III (…)

(…)

Os 13 casos de estudo demonstram que a recepção de requerentes de asilo vulneráveis transferidos para Itália é arbitrária, apesar das garantias prestadas pelas autoridades italianas na sequência do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo Tarakhel c. Suíça.

Através da monitorização da situação de 13 pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council documentam como a muitos é totalmente negado o acesso ao sistema de acolhimento italiano ou necessitam de esperar longos períodos antes de serem alojados, o que dificulta significativamente o acesso efectivo ao procedimento de asilo italiano.

As experiências dos requerentes de asilo que participaram demonstram que, depois de terem acesso a condições de acolhimento, que frequentemente estão longe de ser adequadas para responder às suas necessidade especiais de acolhimento, as pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin ficam em risco de perder o direito a alojamento sem que a sua situação de vulnerabilidade seja devidamente tida em conta.

Ao acompanhar os casos documentados através do projecto de monitorização, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council concluíram que é claro que existe um risco real de que não sejam prestadas condições de acolhimento adequadas a requerentes vulneráveis retomados ao abrigo do Regulamento Dublin à chegada a Itália, expondo-os a risco de maus-tratos contrários ao artigo 3.º da CEDH e ao artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

O risco de violação dos direitos fundamentais das pessoas retomadas ao abrigo do Regulamento Dublin tem aumentado com as alterações ao sistema de acolhimento italiano introduzidas pelo Decreto Salvini, que entrou em vigor a 5 de Outubro de 2018 e que piorou o sistema de acolhimento italiano.

Por fim, as experiências das pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin monitorizadas evidenciam que os Estados-Membros devem cumprir as obrigações a que estão vinculados pelo Regulamento Dublin de assegurar que é dada a devida resposta às necessidades especiais de pessoas retomadas a cargo na sequência de uma transferência Dublin para o Estado-Membro responsável. Como ilustrado pelos casos de estudo deste relatório, aqueles que são responsáveis por dar resposta às necessidades especiais de pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, parecem frequentemente desconhecê-las, apesar das obrigações que incumbem ao Estado que procede à transferência nos termos dos artigos 31 e 32 do Regulamento Dublin III, segundo as quais têm de transmitir qualquer necessidade especial da pessoa a transferir.

(…)

1.2. Desenvolvimentos políticos recentes e consequências para o sistema de asilo italiano.

O número de novos requerentes de asilo registados em Itália diminuiu progressivamente em 2017 e 2018, em parte devido à cooperação das autoridades italianas com as contrapartes líbias.

Um Memorando de Entendimento entre as autoridades italianas e líbias foi assinado e entrou em vigor em Fevereiro de 2018 por um período de três anos. O Memorando e outras formas de cooperação entre os dois países para travar o fluxo migratório para Itália têm sido fortemente criticados, tanto por organizações internacionais de direitos humanos, como por organizações intergovernamentais. Anteriores acordos semelhantes entre a Líbia de Gaddafi e a Itália foram censurados pelo TEDH na sua decisão no processo Hirsi Jamaa e outros c. Itália, no qual o tribunal decidiu que as parcerias violavam o princípio do non-refoulement e a proibição de expulsões colectivas.

O ACNUR reportou 21.000 novas chegadas por mar a Itália entre Janeiro e Setembro de 2019, em comparação com 105.400 no mesmo período em 2017. Tal não significa, contudo, que a pressão sobre o sistema de asilo italiano tenha desaparecido, uma vez que no final de 2017 ainda estavam pendentes em primeira instância 145.906 pedidos de asilo.

(…)

Assim, a forma como as pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin são recebidas pelas autoridades italianas continua a ser arbitrária. A maioria das pessoas vulneráveis transferidas monitorizadas teve de dormir na rua após a sua chegada a Itália e apenas teve acesso a centros de acolhimento ou outros abrigos na sequência da sua participação no DRMP [Dublin Returnee Monitoring Project], uma vez que os entrevistadores do DRMP frequentemente intervieram no seu caso. Após terem tido acesso a condições de acolhimento, frequentemente estas estavam longe de ser adequadas para responder às suas necessidades especiais de acolhimento, em alguns casos devido à falta de cuidados médicos especializados.

(…)

(…) Uma vez que as autoridades italianas não suprem as necessidades de acolhimento dos requerentes de asilo em geral, nem as necessidades especiais de requerentes de asilo vulneráveis, apesar de estarem juridicamente obrigadas a fazê-lo, o mero acesso a condições de acolhimento à chegada por uma pessoa vulnerável transferida ao abrigo do Regulamento Dublin parece ser uma questão de sorte.

(…)

(…) os requerentes de asilo vulneráveis correm o risco de lhes ser negado ou retirado o acesso ao sistema de acolhimento italiano sem que a sua situação de vulnerabilidade ou o princípio da proporcionalidade sejam tidos em conta, o que pode dificultar significativamente o seu acesso efectivo ao procedimento de asilo.

(…)

Fonte: OHCHR - UN Office of the High Commissioner for Human Rights, Legal changes and climate of hatred threaten migrants rights in Italy, say UN experts, 21 de Novembro de 2018, disponível em: https:/ /www.ecoi.net/en/document/1454541.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

A 18 de Outubro, o Tribunal Distrital da Haia pronunciou-se sobre um caso relativo à transferência Dublin para Itália de uma cidadã eritreia, cujo pedido de autorização de residência temporária de asilo foi recusado pelas autoridades holandesas com base no facto de as autoridades italianas serem responsáveis por analisar o pedido de asilo da requerente.

A requerente impugnou a decisão perante o Tribunal Distrital afirmando, inter alia, que não poderia ser transferida para Itália devido às sérias deficiências estruturais no procedimento de asilo e acolhimento no país. De acordo com a requerente, o recente decreto sobre asilo e migração limitou os direitos dos requerentes de asilo e agravou as condições de acolhimento.

Consequentemente, os requerentes de asilo e os beneficiários de estatuto de protecção humanitária estão excluídos do acesso a infra-estruturas de acolhimento SPRAR, sendo forçados a viver em centros de acolhimento temporários, onde as condições são frequentemente críticas.

O Tribunal notou que a restrição de acesso a infra-estruturas de acolhimento do Sistema SPRAR pode afectar negativamente a capacidade das restantes infra-estruturas de acolhimento. Neste contexto, citou várias fontes que documentam a considerável pressão que as instalações de acolhimento italianas já enfrentam, incluindo relatórios dos Médicos sem Fronteiras e da ECRE/AIDA. O governo holandês argumentou que, apesar de ser necessário examinar as

De acordo com o Tribunal, o argumento do governo não tem em conta as consequências mais amplas que o referido decreto poderá ter em geral nas condições de acolhimento em Itália. Assim, não estava suficientemente substanciado que não há deficiências estruturais na recepção em Itália. O Tribunal anulou a decisão impugnada e devolveu o processo às autoridades nacionais para que decidam de acordo com as conclusões da sentença.

[…]

Fonte: European Council on Refugees and Exiles, Asylum Information Database, ltaly: Latest lmmigration Decree drops Protection Standards, 26 de Setembro de 2018, disponível em: http://www.asylumineurope.org/news/26-09-2018/italy-latest-immigration-decree-dropsprotection-standards [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

(…)

O Decreto-Lei também limita o Sistema de Protecção de Requerentes de Asilo e Refugiados (SPRAR), uma rede de projectos de acolhimento de pequena escala e descentralizados com 35.881 lugares de alojamento actualmente financiados, a beneficiários de protecção internacional e crianças não acompanhadas. Os requerentes de asilo e beneficiários de estatuto de protecção humanitária ficarão, portanto, excluídos do SPRAR e apenas terão acesso a centros de acolhimento de primeira linha e a centros de acolhimento temporários (CAS), onde as condições de vida são, frequentemente, críticas.

(…)

Fonte: European Data base of Asylum law (EDAL), Luxembourg - Administrative Tribunal stops Dublin transfer of asylum seeker to ltaly, due to country's systemic deficiencies, 10

 de Julho de 2018, disponível em: https://www.asylumlawdatabase. eu/en/content/luxembourg%E2%80%93-administrative-tribunal-stops-dublin-transfer-asylum-seeker-italy-duecountry%E2%80%99s [consultado a 15 de Fevereiro]

A 10 de Julho, o Tribunal Administrativo do Luxemburgo pronunciou-se no processo 41401/18, relativo a um requerente de asilo Guineense que chegou ao Luxemburgo através de Itália. Alguns meses depois de ter pedido asilo, foi informado de que seria transferido para Itália por existir um primeiro registo das suas impressões digitais no país.

O requerente impugnou a decisão enquanto estava em detenção domiciliária devido à sua transferência para Itália. Alegou que as falhas sistémicas em Itália e a falta de condições de acolhimento adequadas não asseguram o respeito pelos seus direitos fundamentais e que a transferência para o país configuraria um risco real de tratamento desumano ou degradante. Respondendo à contestação do governo, o Tribunal reiterou que, não obstante a confiança mútua continuar a ser aplicável a Estados-Membros, esta continua a ser uma presunção ilidível e, à luz da fundamentação to TJUE no processo C-578/2016, deverá ser feita uma análise individual.

Prosseguiu examinando provas relevantes sobre a actual situação dos requerentes de asilo no país, incluindo o recente relatório AIDA do ECRE sobre Itália, concluindo que o procedimento de asilo e o sistema de acolhimento efectivamente apresentam várias falhas sistémicas. Notou também que tais falhas são exacerbadas pela actual instabilidade política no país. Afastando o argumento do Governo segundo o qual as alegações do requerente eram demasiados gerais, o Tribunal concluiu que há prova suficiente para considerar que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália são inadequadas, notando que as autoridades italianas não conseguem assegurar acesso a cuidados médicos e condições de vida dignas, criando um possível risco de tratamento desumano ou degradante.

(…)

Fonte: Amnesty lnternational, Amnesty lnternationa/ Report 2017/18 - Italy, 22 de Fevereiro de 2018, disponível em: https ://www.refworld.org/docid/Sa9938e2a.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

(…)

PROCEDIMENTO DE ASILO

Até ao final do ano, cerca de 130.000 pessoas tinham pedido asilo em Itália, um aumento de 6% relativamente aos quase 122.000 em 2016. Ao longo do ano, a mais de 40% dos requerentes foi concedido algum tipo de protecção em primeira instância. Em Abril foi introduzida legislação para acelerar os procedimentos de asilo e combater a migração irregular, incluindo através da redução das garantias processuais em impugnações de decisões de rejeição dos pedidos. A nova lei não esclareceu adequadamente a natureza e a função dos hotspots estabelecidos pela UE e dos acordos governamentais subsequentes de 2015. Os hotspots são instalações criadas para a recepção inicial, identificação e registo de requerentes de asilo e migrantes que chegam à UE por mar. No seu relatório de Maio, o Mecanismo Nacional para a Prevenção da Tortura destacou a contínua falta de base legal e de normas aplicáveis sobre a detenção de pessoas em hotspots.

Também em Maio, o Comité de Direitos Humanos da ONU criticou a detenção prolongada de refugiados e migrantes em hotspots. Também criticou a falta de garantias contra a classificação incorrecta dos requerentes de asilo como migrantes económicos e a falta de investigações na sequência de relatos de uso excessivo da força durante os procedimentos de identificação. Em Dezembro, o Comité das Nações Unidas contra a Tortura expressou preocupação relativamente à falta de garantias contra o retorno forçado de pessoas a países onde possam estar em risco de violações dos direitos humanos.

(…)

Fonte: Médecins sans Frontieres (MSF), Out of Sight, 2.ª edição, 8 de Fevereiro de 2018, disponível em: https:/ /www.msf.org/sites/msf.org/files/2018-06/out_of_sight_def.pdf [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Este relatório surge no seguimento da investigação feita em Fuori campo - Requerentes de asilo e refugiados em Itália: campos não oficiais e marginalização social. É o resultado de constantes actividades de monitorização realizadas em 2016 e 2017 por meio de repetidas visitas de campo e em colaboração com uma extensa rede de associações locais.

O sistema de acolhimento de requerentes de asilo e refugiados que, em 31 de Dezembro de 2017, tinha pouco mais de 180.000 lugares, continua a basear-se, em grande parte, em estruturas de recepção extraordinárias, sendo os serviços destinados à inclusão social limitados.

Há zonas de marginalização em áreas urbanas e rurais em toda a Itália. O aumento dos despejos forçados, combinado com a falta de soluções habitacionais alternativas, resultam na fragmentação dos aglomerados informais, especialmente em contextos urbanas: migrantes e refugiados vivem em lugares cada vez mais escondidos num estado de crescente medo e frustração, sendo o contacto com os serviços sociais, incluindo com cuidados de saúde, progressivamente limitado.

Devido a barreiras administrativas e apesar da legislação em vigor, os migrantes e refugiados em aglomerados informais, independentemente do seu estatuto à luz da lei, têm cada vez menos oportunidades de acesso a tratamento médico. Os serviços de emergência hospitalar estão rapidamente a tornar-se a única porta de entrada para o Sistema Nacional de Saúde de Itália.

Nos últimos dois anos, mais de vinte pessoas morreram a tentar atravessar as fronteiras com França, Áustria e Suíça. Os migrantes são repetidamente rejeitados na fronteira, sendo a rejeição frequentemente acompanhada por violência. O número de pessoas bloqueadas nas fronteiras e que vive em aglomerados não oficiais está a aumentar, sendo limitado o acesso a cuidados básicos e a cuidados de saúde.

(…)

Em 2016 e 2017, os Médicos sem Fronteiras (MSF) reforçaram o seu compromisso em apoiar os migrantes em aglomerados não oficiais. Em Como e em Ventimiglia, foi implementado um programa de primeiros socorros psicológicos para pessoas em trânsito, juntamente com o programa de saúde para mulheres em Ventimiglia. Em Roma, organizaram-se, em prédios abandonados onde homens, mulheres e crianças vivem em condições indignas, cuidados de saúde primários e apoio psicológico.

(…)

O relatório confirma a estimativa indicada na primeira edição do Fuori Campo: há, pelo menos, 10.000 pessoas excluídas do sistema de acolhimento, incluindo beneficiários e requerentes de protecção internacional e humanitária, com acesso limitado ou sem acesso a necessidades básicas e a cuidados médicos. A distribuição deste tipo de aglomerados é fragmentada e comum no país.

SISTEMA DE ACOLHIMENTO E FRONTEIRAS

Após os picos de 2016, 2017 registou uma diminuição global do número de desembarques - predominantemente devido a medidas de contenção implementadas após o acordo entre a Itália e a Líbia - e um aumento paralelo dos pedidos de asilo. A implementação completa da "abordagem de hotspot" resultou no registo forçado de quase todos os migrantes que chegam a Itália. Isso conteve os movimentos secundários em direcção aos países mais a norte.

A 31 de Dezembro de 2017, o sistema de acolhimento tinha 183.681 1ugares, um ligeiro aumento em relação a 2016. Apesar das tentativas do governo de promover o modelo do Sistema de Protecção de Refugiados e Requerentes de Asilo (SPRAR), gerido pelos Municípios, o número de requerentes de asilo e refugiados na rede SPRAR era de 31.270 na mesma data, apenas 17% do total.

A escassez crónica de lugares nos centros de acolhimento deve-se não só ao número crescente de pedidos de asilo, mas também ao facto de haver pouca rotatividade nos centros devido ao tempo necessário para avaliar os pedidos. Apesar do aumento das Comissões Territoriais nos últimos anos, o tempo decorrido entre o pedido de asilo e a notificação do resultado é em média de 307 dias. No caso de recusa de protecção e de impugnação, o tempo de permanência nos centros pode aumentar para mais 10 meses (o tempo médio necessário para se obter uma decisão em caso de impugnação). (…)

Outros factores estão a colocar pressão no sistema de acolhimento. Em primeiro lugar, o número crescente de requerentes de asilo noutros países que é enviado de novo para a Itália ao abrigo do Regulamento de Dublin. Em segundo lugar, o fracasso do processo de recolocação criado pelo Conselho da UE em Setembro de 2015 para transferir requerentes de asilo a partir de Itália e da Grécia para outros Estados-Membros.

(…) há também requerentes de asilo a quem foi retirado o acolhimento; migrantes que deixam os centros por lhes ter sido negada a protecção internacional, independentemente de terem impugnado ou não a decisão (…)

(…)

Durante os últimos dois anos, o número de requerentes e de beneficiários de protecção internacional e de protecção humanitária que vive em edifícios ocupados aumentou. A maioria destas pessoas nunca entrou num sistema de acolhimento institucional ou foi expulsa do mesmo, sem que tenha havido uma inclusão social adequada. As ocupações são geridas pelos próprios migrantes e refugiados, especialmente quando os residentes são do mesmo país de origem, outras são geridas por movimentos pelo direito à habitação; estes geralmente reportam-se às designadas "ocupações mistas", onde migrantes e refugiados de diferentes zonas – África Subsaariana, América Latina, Europa - coexistem juntamente com muitos italianos.

Muitas ocupações que começaram por ser ocupações à margem da lei foram posteriormente legalizadas, com o envolvimento de entidades e instituições privadas (principalmente os Municípios e Regiões). Em comparação com o sistema de acolhimento do governo para requerentes de asilo e refugiados, as ocupações promovem um modelo baseado na autogestão e dão aos residentes a oportunidade de permanecer em segurança até conseguirem uma efectiva independência a nível social, habitacional e laboral.

Em relação aos cuidados de saúde, foram impostas limitações pela Lei n.º 80/2014 (Artigo 5.º), confirmadas pela Lei n.º 48/2017: morar em prédios ocupados não dá às pessoas a oportunidade de obter uma residência formal e, portanto, de se registar no Serviço Nacional de Saúde. Isto é particularmente relevante nas cidades onde o município não concede uma residência fictícia - aquela que é dada aos sem-abrigo - ou onde é particularmente difícil obtê-la.

[…]

Despejos forçados

O Decreto Legislativo n.º 267/2000 confere autoridade ao prefeito "em relação à necessidade urgente de intervenções que visem a superação de situações de negligência grave ou degradação do território, do meio ambiente e do património cultural, ou em detrimento da limpeza e habitabilidade urbana". Essa autoridade, reafirmada e fortalecida pela Lei n.º 48/2017, é cada vez mais usada para desmantelar aglomerados não-oficiais onde vivem migrantes e refugiados excluídos do sistema de acolhimento institucional, usando mais ou menos despejos forçados, quase nunca programando os mesmos com a população residente. Isso força as pessoas a dispersar em áreas cada vez mais periféricas e em locais cada vez mais ocultos, com acesso mais limitado a serviços sociais e de saúde, com a possibilidade cada vez mais remota de aceder a serviços que atendam às necessidades dessa população vulnerável.

(…)

Fonte: Human Rights Watch, World Report 2018 - European Union, 18 de Janeiro de 2018, disponível em: https:/ /www.refworld.org/docid/5a61ee75a.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Itália

Mais de 114.000 migrantes e requerentes de asilo chegaram a Itália, por mar, até meados de Novembro, de acordo com o ACNUR, o que tem sobrecarregado o sistema de acolhimento do país. O governo adoptou políticas mais restritivas no contexto de um debate político tóxico sobre migração.

Nos primeiros sete meses do ano, o número de novos pedidos de asilo quase duplicou, quando comparado com 2016, tendo as autoridades conferido alguma forma de protecção em 43% dos casos. A maioria recebeu autorização humanitária temporária para permanecer no país, incluindo por abusos sofridos enquanto migrantes na Líbia.

Em Fevereiro, o governo introduziu medidas para acelerar o procedimento de asilo, incluindo através da limitação das impugnações de decisões negativas, e anunciou planos para novos centros de detenção para imigrantes no país.

O governo central teve problemas em encontrar alojamento para os requerentes de asilo em Itália, tendo muitas comunidades recusado ter centros de acolhimento. Muitos centros de acolhimento carecem de cuidados e apoio para sobreviventes de violência sexual, bem como para sobreviventes de outra[s formas de] violência traumática. A incapacidade de Itália em garantir o apoio de longo prazo a indivíduos que receberam protecção internacional ficou clara em Agosto, quando a polícia despejou violentamente centenas de refugiados da Eritreia sem-abrigo de um prédio ocupado em Roma.

(…)».

Cf. informação de fls. 143 e ss. dos autos.


*

Nada mais foi dado como provado ou não provado com interesse para a decisão da causa.

*

**


A matéria de facto foi dada como provada face às posições das partes e ao teor dos documentos juntos ao processo, de acordo com o que ficou plasmado a propósito de cada facto.»




            III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
O Recorrido, I….., propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa de natureza urgente, demandando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, de modo a obter a anulação do ato administrativo que considerou inadmissível o pedido de asilo apresentado no Gabinete de Asilo e Refugiados e, em consequência, determinou a sua retoma a cargo para Itália. Pede, também, que lhe seja concedido asilo ou proteção subsidiária.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação procedente e anulou o ato proferido em 27/11/2018 pelo Recorrente.
Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, invocando a ocorrência de erros de julgamento, pois que, no seu entendimento, foi adequadamente cumprido o dever de audiência prévia da Recorrida, nos termos estabelecidos no Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26 de junho. Além do mais, defende o Recorrente que aquele preceito de direito europeu não estabelece qualquer exigência de audiência prévia em moldes do descrito no art.º 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio (doravante, apenas Lei do Asilo) nas situações em que se imponha a prolação de uma decisão de inadmissibilidade do pedido por dever ser concretizado um procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, nos termos do art.º 36.º da Lei do Asilo.
Em concomitância, sufraga também o Recorrente que a decisão de inadmissibilidade do pedido e sequente transferência constitui um ato vinculado nos termos do regime do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e que não estão demonstradas nos autos, nem ocorrem, em Itália, falhas sistémicas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo.
Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente.

A primeira questão a dilucidar é a de saber se a sentença a quo realizou um julgamento incorreto, o que passa por apreciar se, no caso concreto, cumpria desenvolver um momento procedimental autónomo de audiência prévia do Recorrido, a acontecer antes da emissão da decisão final de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional formulado e de transferência do Recorrido para a Itália.
Ora, após minuciosa análise do caso agora em apreciação e aturada ponderação em termos hermenêuticos do regime legal aplicável à situação versada, incluindo os subsídios jurisprudenciais e doutrinais relevantes, é nosso entendimento que a decisão a quo revela-se, afinal, acertada, ainda que por fundamentos diferentes dos convocados na decisão recorrida.
Espraiemos, então, as razões do nosso veredito.
 
A concessão do direito de asilo ou, subsidiariamente, de proteção subsidiária, está prevista e é regulada, em termos de direito nacional infraconstitucional, pela Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio (Lei do Asilo em diante), diploma que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou de proteção subsidiária.
De acordo com a Lei do Asilo, as disposições comuns do procedimento a seguir para apreciação e decisão dos pedidos de proteção internacional estão consignadas nos art.ºs 10.º a 22.º.
No que releva para o caso versado, dispõem os art.ºs 16.º, 17.º, 18.º, 19.º-A e 20.º o seguinte:
Artigo 16.º
Declarações
1- Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão.
2- A prestação de declarações assume carácter individual, exceto se a presença dos membros da família for considerada necessária para uma apreciação adequada da situação.
3 - Para os efeitos dos números anteriores, logo que receba o pedido de proteção internacional, o SEF notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de dois a cinco dias.
4 - (Revogado.)
5 - A prestação de declarações só pode ser dispensada:
a) Se já existirem condições para decidir favoravelmente sobre o estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis;
b) Se o requerente for considerado inapto ou incapaz para o efeito devido a circunstâncias duradouras, alheias à sua vontade;
c) (Revogada.)
6 - Quando não houver lugar à prestação de declarações nos termos do número anterior, o SEF providencia para que o requerente ou a pessoa a cargo comuniquem, por qualquer meio, outras informações.

Artigo 17.º
Relatório
1- Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 - O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 - O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4 - Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.
Artigo 18.º
Apreciação do pedido
1- Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2- Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.


Artigo 19.º-A
Pedidos inadmissíveis
1- O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que:
a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;
[…]
2- Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

Artigo 20.º
Competência para apreciar e decidir
1- Compete ao diretor nacional do SEF proferir decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis no prazo de 30 dias a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional.
2 - Na falta de decisão dentro do prazo previsto no número anterior, considera-se admitido o pedido.
3 - A decisão sobre o pedido mencionado nos números anteriores é notificada ao requerente no prazo de dois dias.
4 - Relativamente aos pedidos fundamentados, é proferida pelo diretor nacional do SEF a decisão de admissibilidade.
5 - A decisão referida no n.º 1 é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento.

 Por sua vez, os art.ºs 36.º a 40.º, ínsitos no Capítulo IV da Lei do Asilo, consagram um conjunto de regras e princípios aplicáveis às situações em deva haver lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, conformemente com o estipulado no art.º 19.º-A, n.º 1, al. a) do mesmo diploma.
O art.º 37.º, sob a epígrafe “pedido de proteção internacional apresentado em Portugal”, nos respetivos n.ºs 1 e 2- que são os que interessam para o caso em discussão- reza o seguinte:
1- Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo.
2- Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º- A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.
Sendo assim, importa escrutinar o regime pertinente estabelecido pelo Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Com efeito, os art.º 3.º, 4.º, 5.º e 17.º do sobredito Regulamento n.º 604/2013 assumem determinante relevo na dissolução do conflito posto. Da redação dos indicados preceitos consta o que se segue:

Artigo 3.º
Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional
1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
(…)

Artigo 4.o
Direito à informação
1- Após a apresentação de um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.o, n.o 2, num Estado-Membro, as suas autoridades competentes informam o requerente da aplicação do presente regulamento e, em especial, dos seguintes elementos:
a) Os objetivos do presente regulamento e as consequências da apresentação de um novo pedido num Estado-Membro diferente, bem como as consequências da deslocação de um Estado-Membro para outro durante o processo de determinação do Estado-Membro responsável nos termos do presente regulamento e durante a análise do pedido de proteção internacional;
b) Os critérios e determinação do Estado-Membro responsável, hierarquia desses critérios durante as diversas etapas do procedimento e a duração das mesmas, nomeadamente que a apresentação num Estado-Membro de um pedido de proteção internacional pode implicar que esse Estado-Membro passe a ser o responsável nos termos do presente regulamento mesmo que essa responsabilidade não decorra desses critérios;
c) A entrevista pessoal nos termos do artigo 5.o e a possibilidade de informar da presença de membros da família, de familiares ou de outros parentes nos Estados-Membros, bem como os meios de que o requerente dispõe para transmitir essas informações;
d) A possibilidade de contestar uma decisão de transferência e, se necessário, de pedir a suspensão da transferência;
e) O facto de as autoridades competentes dos Estados-Membros poderem trocar dados sobre o requerente unicamente para dar cumprimento às suas obrigações decorrentes do presente regulamento;
f) O direito de acesso aos dados que lhe digam respeito e o direito de solicitar que os dados inexatos sejam corrigidos e que sejam suprimidos os dados tratados ilicitamente, bem como os procedimentos aplicáveis ao exercício de tais direitos, incluindo os elementos de contacto das autoridades referidas no artigo 35.o e das autoridades nacionais de proteção de dados pessoais competentes para analisar queixas em matéria de proteção de dados pessoais;
2- As informações referidas no n.o 1 devem ser facultadas por escrito numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda. Para o efeito, os Estados-Membros devem utilizar o folheto informativo comum elaborado nos termos do n.o 3.
Caso se afigurar necessário para a correta compreensão por parte do requerente, as informações também devem ser facultadas oralmente, por exemplo no âmbito da entrevista pessoal a que se refere o artigo 5.º.
3- A Comissão adota os atos de execução relativos à elaboração de um folheto informativo comum e um folheto específico para menores não acompanhados do qual devem constar, pelo menos, as informações referidas no n.o 1 do presente artigo. Daquele folheto informativo comum devem ainda constar informações relativas à aplicação do Regulamento (UE) n.o 603/2013, e, em especial, a finalidade com que os dados de um requerente podem ser tratados no Eurodac. O folheto informativo comum deve ser elaborado de forma a permitir que os Estados-Membros o completem com informações específicas a cada um. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.o, n.o 2, do presente regulamento.




Artigo 5.º
Entrevista pessoal
1- A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, o Estado-Membro que procede à determinação realiza uma entrevista pessoal com o requerente. A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do artigo 4.º.
2- A realização da entrevista pode ser dispensada se:
a) O requerente for revel; ou
b) Depois de ter recebido as informações referidas no artigo 4.o, o requerente já tiver prestado por outros meios as informações necessárias para determinação do Estado-Membro responsável. Se a realização da entrevista for dispensada, o Estado-Membro deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado-Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.º 1.
3- A entrevista pessoal deve realizar-se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.o 1.
4- A entrevista realiza-se numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda, e na qual esteja em condições de comunicar. Caso necessário, os Estados-Membros designam um intérprete que esteja em condições de assegurar uma comunicação adequada entre o requerente e a pessoa que realiza a entrevista.
5- A entrevista pessoal realiza-se em condições que garantam a respetiva confidencialidade e é conduzida por uma pessoa competente ao abrigo da legislação nacional.
6- O Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista. Esse resumo pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo. O Estado-Membro assegura que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso ao resumo em tempo útil.

Artigo 17.º
Cláusulas discricionárias
1- Em derrogação do artigo 3.o, n.o 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.
O Estado-Membro que tenha decidido analisar um pedido de proteção internacional nos termos do presente número torna-se o Estado-Membro responsável e assume as obrigações inerentes a essa responsabilidade. Se for caso disso, informa, por intermédio da rede de comunicação eletrónica «DubliNet», criada pelo artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 1560/2003, o Estado-Membro anteriormente responsável, aquele que conduz o processo de determinação do Estado-Membro responsável ou aquele que foi requerido para efeitos de tomada ou retomada a cargo.
O Estado-Membro responsável por força do presente número deve indicar também imediatamente esse facto no Eurodac em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 603/2013 acrescentando a data em que foi tomada a decisão de analisar o pedido.
2- Estado-Membro em que é apresentado um pedido de proteção internacional e que está encarregado do processo de determinação do Estado-Membro responsável, ou o Estado-Membro responsável, podem solicitar a qualquer momento, antes de ser tomada uma decisão quanto ao mérito, que outro Estado-Membro tome a seu cargo um requerente a fim de reunir outros parentes, por razões humanitárias, baseadas nomeadamente em motivos familiares ou culturais, mesmo nos casos em que esse outro Estado-Membro não seja responsável por força dos critérios definidos nos artigos 8.o a 11.o e 16.o. As pessoas interessadas devem dar o seu consentimento por escrito.
O pedido para efeitos de tomada a cargo deve comportar todos os elementos de que o Estado-Membro requerente dispõe, a fim de permitir ao Estado-Membro requerido apreciar a situação.
O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias para examinar as razões humanitárias apresentadas e responde ao Estado-Membro requerente no prazo de dois meses a contar da data da receção do pedido por intermédio da rede de comunicação eletrónica «DubliNet», criada pelo artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 1560/2003. As respostas de recusa do pedido devem indicar os motivos em que a recusa se baseia.
Se o Estado-Membro requerido aceitar o pedido, a responsabilidade pela análise do pedido é transferida para ele.

Vejamos então se o Tribunal a quo errou no julgamento que fez acerca da inadmissibilidade do pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrido, sucedendo que, para tal desiderato, impera assentar que, por não ter sido impugnada, a matéria de facto encontra-se estabilizada.
            Debruçando-nos sobre a factualidade que foi coligida no probatório exposto em momento antecedente, verifica-se, de imediato, que o Recorrido apresentou, anteriormente à sua chegada a Portugal, dois pedidos de proteção internacional: em 20/07/2017, em Treviso, Itália, e em 15/04/2018, em Nuremberga, na Alemanha.
Em 03/10/2018, o Recorrido apresentou pedido de proteção internacional em Portugal, tendo sido entrevistado em 23/11/2018, nos termos que se encontram descritos nos pontos 9, 10, 11, 12 e 13 do probatório.
Em 27/11/2018, após o decurso do prazo sem que as autoridades italianas respondessem quanto à aceitação do pedido de retoma a cargo do Recorrido, o Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu decisão de inadmissibilidade do pedido formulado pelo Recorrido de acordo com o prescrito no art.º 19.º-A, n.º 1, al. a) da Lei do Asilo, bem como decisão de transferência do mesmo para a Itália.
Perante a factualidade vinda de elencar, o Recorrente explana o entendimento de que o ato de inadmissibilidade do pedido do Recorrido e sequente decisão de transferência do mesmo para Itália constitui um ato estritamente vinculado, sendo certo que o regime contido no Regulamento (EU) n.º 604/13 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, na medida em que detém natureza “especial”, afasta a aplicação do art.º 17.º da Lei do Asilo. E, ademais, não ocorre qualquer evidência de falha sistémica no procedimento de asilo italiano.
De acordo com a sentença recorrida, foi postergado o direito de audiência prévia do Recorrido em virtude da decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e de transferência para a Itália, proferida em 27/11/2018, não ter sido precedida de notificação ao Recorrido de um relatório elaborado, “onde deverão constar os factos apurados (p. ex., a não resposta do Estado ao pedido de retoma; se pertinente, as questões pertinentes quanto ao regresso do Requerente ao Estado em causa, nomeadamente o acima tratado), informando-o de que tem a possibilidade de o Requerente se pronunciar no prazo de cinco dias”. Por isso, “há que proceder à anulação da decisão sub judice e condenar a Administração a reconstruir o procedimento e, considerando a informação junta aos autos (e se for o caso, instruindo-o com outros elementos informativos fidedignos actualizados, que repute de relevantes, sobre o procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes), proceder a nova entrevista do Requerente, tendo em vista averiguar se a transferência para a República Italiana não implicará, tendo em conta as doenças do Requerente e os motivos pelos quais alega ter sido perseguido, um tratamento desumano e degradante na acepção do art. 4.º da Carta, (in)suficiente para aplicação do critério previsto no 2.º § do n.º 2 do art. 3.º do Regulamento.
Findo isso, deverá elaborar novo relatório, e dá-lo a conhecer ao Requerente, conferindo-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre o mesmo.”
Ora, desde já se adianta não ser de acompanhar esta visão plasmada na decisão a quo, visto que, em nosso entendimento, o exercício do direito de audiência prévia previsto no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (doravante, Regulamento Dublin), não impõe a realização daquela formalidade intercalar específica, isto é, não obriga a que o relatório ou resumo da entrevista seja notificada ao requerente antes de ser emitida a decisão final deste procedimento especial, nos termos do art.º 17.º da Lei do Asilo, assim como não impõe que ao requerente deva ser notificado o projeto de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e subsequente transferência para o Estado responsável, por forma a que possa emitir a sua pronúncia.
Na verdade, sufragamos o entendimento de que, no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável ao abrigo do Regulamento Dublin, o direito de audiência prévia do requerente de asilo pode ser exercido durante a entrevista pessoal a que se refere o art.º 5.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, ou no final da mesma entrevista, contanto que ao requerente seja prestado todo o manancial informativo descrito no art.º 4.º do aludido Regulamento, e lhe seja dada a oportunidade de apresentar cabalmente todos os seus argumentos, razões e factos, mormente no caso de uma provável transferência para outro Estado.
Como bem explica CATARINA JARMELA (Audiência prévia nos procedimentos de protecção internacional, in Julgar, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º semestre 2019, número 1, junho de 2019, pp. 307 a 311), “neste art. 5.º n.ºs 1, 3, 4 e 5 prevê-se a realização de uma entrevista pessoal, antes de ser adoptada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável, a fim de facilitar o processo de determinação desse Estado-Membro, em condições que garantam a respectiva confidencialidade e numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda, e na qual esteja em condições de comunicar. No n.º 6 deste art. 5.º estatui-se ainda a obrigação de elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, o qual pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo.
Quanto à realização desta entrevista pessoal deve-se ter também em atenção as seguintes exigências previstas na Directiva n.º 2013/32/UE17:
- na entrevista pessoal o órgão de decisão deve assegurar que o requerente disponha da possibilidade de apresentar os elementos necessários da forma mais completa possível (cfr. o respectivo art. 16.º);
- os Estados-Membros devem assegurar que, antes de o órgão de decisão tomar uma decisão, o requerente tem a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório (ou do formulário-tipo), no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado; para esse efeito, os Estados-Membros devem assegurar que o requerente seja plenamente informado do conteúdo do relatório (ou do formulário--tipo), se necessário com a assistência de um intérprete; os Estados-Membros solicitam ao requerente que confirme que o conteúdo do relatório (ou do formulário-tipo) reflecte correctamente a entrevista (cfr. o respectivo art. 17.º n.º 3).
Assim sendo, e tendo ainda em conta nomeadamente o estatuído nos arts. 3,º n.º 2, primeiro18 e segundo parágrafos, e 8.º a 17,º, todos do Regulamento (UE) n,º 604/2013, nessa entrevista pessoal deve ser dada a possibilidade ao requerente de protecção internacional de, da forma mais completa possível:
- se pronunciar sobre a sua identificação- maxime nome próprio e apelido, nacionalidade, actual e anterior, e data e local de nascimento-, membros da sua família, familiares e outos parentes, documentos de identidade e de viagem, títulos de residência ou vistos emitidos por um Estado-Membro, data de saída do país de origem, percurso efectuado desde o país de origem até Portugal, data de chegada a Portugal, se regressou ao seu país de origem, onde permaneceu nos últimos cinco meses anteriores ao pedido de protecção, data de apresentação de eventual(ais) pedido(s) de protecção internacional anterior(es), situação do processo e, eventualmente, teor da decisão, tomada, se facultou as impressões digitais para registo e, em caso afirmativo, onde e seu estado de saúde;
- esclarecer as razões que militam contra a adopção de uma decisão de transferência para um determinado país, o qual deverá ser identificado pelo entrevistador, pois o requerente só pode dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a factualidade que justifica a eventual apIicação da excepção prevista no art. 3.º n.º 2, segundo parágrafo, ou das cláusulas discricionárias, previstas no art, 17.º, ambos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, caso lhe seja dado a conhecer o concreto país para onde eventualmente pode ser transferido.
(…)
Por conseguinte, defende a articulista que “a audição do requerente de protecção internacional neste procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional é assegurada pela realização de uma entrevista pessoal, nos termos acima explicitados, complementada pelo acesso do requerente ao relatório ou ao formulário-tipo que contenha as principais informações que facultou durante a entrevista, a fim de o mesmo poder fazer observações, prestar esclarecimentos e/ou confirmar o conteúdo desse relatório ou formulário-tipo, não se encontrando prevista nesses diplomas a exigência de, neste procedimento especial, ser elaborado um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e da sua notificação ao requerente de protecção internacional, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão, sendo certo que a Directiva n.º 2013/32/UE permitia a adopção de disposição mais favorável (cfr. o seu considerando 14 e o respectivo art. 5.º), isto é, permitia que a Lei 27/2008 previsse, neste procedimento especial, a obrigação de o SEF, antes da adopção da decisão de transferência, informar o requerente de protecção internacional do projecto de decisão, para efeitos de pronúncia, tendo o legislador nacional optado por não prever tal exigência.
Cumpre a este propósito salientar que este entendimento mostra-se conforme com o direito da União Europeia e harmoniza-se com o disposto no art. 267.º n.º 5, da CRP, pelos motivos supra explanados no ponto 2 deste artigo, para onde se remete.”
Sendo assim, “para se determinar se o direito de audição do requerente de protecção internacional foi assegurado neste procedimento especial é essencial analisar, por um lado, a decisão tomada e os respectivos fundamentos, e, por outro lado, as concretas perguntas que foram feitas ao requerente aquando da realização da entrevista pessoal, se o mesmo foi convidado, durante essa entrevista, a acrescentar quaisquer outros comentários que considerasse pertinentes e ainda as eventuais observações e/ou esclarecimentos que tenha apresentado na sequência do acesso ao relatório ou formulário-tipo da entrevista.
Caso se venha a apurar que nessas declarações, observações e/ou esclarecimentos o requerente de protecção internacional não teve a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre algum(uns) dos eIementos com base nos quais a Administração tomou a decisão, ter-se-á de concluir no sentido da violação do direito de audição.”
Acrescente-se que esta visão e interpretação do art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento Dublin foi já acolhida por este Tribunal de Apelação, designadamente, nos Acórdãos proferidos em 30/01/2020 nos processos n.º 1322/19.2BELSB, 1419/19.9BELSB e 1088/19.6BELSB, em 27/02/2020 no processo n.º 1300/19.1BELSB e em 16/04/2020 no processo 1932/19.8BELSB.
Sendo assim, em face do que vem de se expor, assoma como imperiosa a conclusão de que o Recorrente labora em manifesto equívoco no que concerne à alusão à desnecessidade de realização de audiência prévia no que se refere ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de asilo.
Também em face do que se expendeu, não se descortina a necessidade imperativa de procedimentalizar, em fase individualizada e própria, o direito de audiência prévia no caso do procedimento para determinação do Estado responsável e nos termos em que está conformado tal direito no Regulamento Dublin, art.º 5.º, n.º 6.
Evidentemente que, com esta afirmação, não se pretende retirar o carácter de fundamentalidade ao exercício do direito de audiência prévia, diminuindo, porventura, a tónica garantística que deve ser concedida ao procedimento administrativo em causa.
O que antes- e apenas- pretende afirmar-se é que o exercício do direito de audiência prévia por banda do requerente de asilo pode suceder, no caso do disposto no art.º 5.º, n.º 6 do dito Regulamento, em sede da entrevista pessoal no caso desta preceder a prolação da decisão de inadmissibilidade e de transferência.
No entanto, o facto de ocorrer um “aligeiramento” do rigor da forma como pode ser realizado o direito de audiência não pode, de modo algum, acarretar um “aligeiramento” da substância do exercício daquele direito, ou seja, não pode ser afetado ou atingido o núcleo daquela garantia procedimental.
Sendo assim, entendendo-se que o direito de audiência prévia pode ser exercitado em sede da entrevista pessoal descrita no art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento, deve igualmente entender-se que o direito de audiência prévia queda aniquilado no caso de o seu exercício por banda do requerente de proteção internacional ser, algum modo, desadequado, incompleto ou insuficiente. Na verdade, e em bom rigor, o que acontece é que o aludido “aligeiramento” da forma através da qual é exercido o direito de audiência reclama, por contraposição, um maior grau de exigência no controlo concreto do conteúdo do exercício de tal direito, bem como uma elevação da exigência do controlo jurisdicional exercido. Principalmente, no caso de o requerente não estar acompanhado de advogado, ou jurista que o aconselhe, como sucedeu no caso versado.
Como explicitou o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão proferido pela Grande Secção em 07/06/2016, caso C-63/15, “o artigo 5.°, n.os 1, 3 e 6, deste regulamento [Regulamento n.º 604/2013] prevê que o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável realiza, em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência, uma entrevista individual com o requerente de asilo, devendo ser assegurado o acesso ao resumo dessa entrevista ao requerente ou ao conselheiro que o represente. Em aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do referido regulamento, esta entrevista pode ser dispensada quando o requerente já tiver prestado as informações necessárias para a determinação do Estado‑Membro responsável e, nesse caso, o Estado‑Membro em causa deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado‑Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência”.
A propósito também do exercício do direito de audiência no âmbito dos procedimentos atinentes ao asilo é também de convocar o Acórdão prolatado pela mesma Alta Instância Europeia em 05/11/2014, caso C-166/13, em que o Tribunal afirma:
“(…) Em contrapartida, esse direito [o direito de audiência prévia] é parte integrante do respeito dos direitos de defesa, princípio geral do direito da União.
O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de maneira útil e efetiva, no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v., nomeadamente, acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 87 e jurisprudência referida).
Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de apresentar as suas observações antes de a mesma ser tomada destina‑se a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos pertinentes. A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa em causa, essa regra tem, designadamente, por objetivo permitir que esta pessoa possa corrigir um erro ou invoque determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de a decisão ser tomada, não ser tomada ou ter determinado conteúdo (v., neste sentido, acórdão Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 49).
O referido direito implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada (v. acórdãos Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.° 14, e Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 50), constituindo, assim, o dever de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta para permitir que o interessado possa compreender as razões da recusa oposta ao seu pedido o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa (acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 88).
Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do referido direito impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (v. acórdãos Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 38; M., EU:C:2012:744, n.° 86; e G. e R., EU:C:2013:533, n.° 32).
A obrigação de respeitar os direitos de defesa dos destinatários de decisões que afetam sensivelmente os seus interesses incumbe, assim, em princípio, às Administrações dos Estados‑Membros, sempre que estas tomem medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (acórdão G. e R., EU:C:2013:533, n.° 35).”

Explanados estes considerandos, importa reverter ao caso sob escrutínio, por forma a indagar se o Recorrido exerceu, ou não, o respetivo direito à audiência prévia no decurso, ou no final, da entrevista pessoal realizada em 23/11/2018.
Compulsado o documento atinente à transcrição da entrevista, e que se encontra vertido nos pontos 9, 10, 11, 12 e 13 da factualidade provada, verifica-se que, aparentemente, foi dado nota ao Recorrido da possibilidade de aplicação do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, bem como de que tal Estado seria, possivelmente, a Itália. Na verdade, esta conclusão fundamenta-se no teor das declarações finais do Recorrido na entrevista, que disse que “Eu não quero regressar a Itália.”
Todavia, mesmo que ao Recorrido tenha sido, aparentemente, fornecida a informação de que o Estado responsável pela apreciação do seu pedido de asilo seja a Itália, a verdade é que não lhe foi dada oportunidade de indicar de modo completo, cabal, circunstanciado e suficiente todas as razões e motivos relevantes que pudessem obstaculizar a uma possível ou provável transferência para aquele país.
É que, examinado integralmente o teor da entrevista realizada ao Recorrido, verifica-se que, apesar deste ter afirmado não querer regressar a Itália, nada mais lhe foi perguntado no que concerne às razões para não querer regressar ao referido país. Aliás, é o próprio Recorrente que, perante a afirmação do Recorrido de que não quer regressar a Itália, consigna que “nada mais lhe foi perguntado”.
E, no caso versado, importa esclarecer que se impunha um acréscimo de diligência ao Recorrente, tendo em atenção que o Recorrido enunciou padecer de problemas de saúde, com internamento na Alemanha, bem como forneceu informação de cariz pessoal, indiciadora de mais uma condição de vulnerabilidade (a circunstância de ser homossexual, de ter sido severamente espancado por esse motivo e de ter sido alvo de abuso sexual em criança no seu país de origem).
Em concomitância, importa salientar que o direito europeu consagra, em matéria de asilo, a garantia a um procedimento justo, que inclui o direito a uma análise individualizada e atualizada do pedido de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013. Aliás, tal direito a um procedimento justo constitui uma garantia de efetivação do direito de asilo, encarado este como um direito fundamental internacional ao acolhimento, titulado por todos os que reúnam determinadas condições (neste sentido, ANDREIA SOFIA PINTO OLIVEIRA, A Recusa de Pedidos de Asilo por “Inadmissibilidade”; in Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, janeiro, 2004. Almedina, p.83;  ANA RITA GIL, A crise migratória de 2015 e os direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional: o direito europeu posto à prova, In Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos (1 ed., Vol. I, pp. 955-983). Coimbra, 2016, Almedina; A Garantia de um Procedimento Justo no Direito Europeu de Asilo, In O Contencioso do Direito de Asilo e Proteção Subsidiária (pp. 165-197). (Coleção Formação Inicial). Lisboa, 2016, Centro de Estudos Judiciários).
            Ora, a ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode constituir infração ao art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência de um requerente de asilo no domínio do Regulamento Dublin, como aliás foi já firmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09.
Por seu turno, o Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, trilhou o mesmo percurso no Acórdão proferido pela Grande Secção em 21/12/2011, nos processos apensos C-411/10 e C-493/10, N.S. vs Secretary of State for the Home Department, interpretando os normativos referentes ao sistema Dublin (no caso, Dublin II) do seguinte modo:
“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
1) A decisão adoptada por um Estado‑Membro, com fundamento no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro, de examinar ou não um pedido de asilo pelo qual não é responsável, à luz dos critérios previstos no capítulo III deste regulamento, desencadeia a aplicação do direito da União para efeitos do artigo 6.° TUE e/ou do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
2) O direito da União opõe‑se à aplicação de uma presunção inilidível segundo a qual o Estado‑Membro designado como responsável pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 343/2003 respeita os direitos fundamentais da União Europeia.
O artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que incumbe aos Estados‑Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o «Estado‑Membro responsável», na acepção do Regulamento n.° 343/2003, quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado‑Membro constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção desta disposição.
Sem prejuízo da faculdade de examinar ele próprio o pedido referido no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, a impossibilidade de transferência de um requerente para outro Estado‑Membro da União Europeia, quando esse Estado é identificado como Estado‑Membro responsável em conformidade com os critérios do capítulo III deste regulamento, exige que o Estado‑Membro que deveria efectuar esta transferência prossiga o exame dos critérios do referido capítulo, para verificar se um dos restantes critérios permite identificar outro Estado‑Membro como responsável pelo exame do pedido de asilo.
Contudo, o Estado‑Membro em que se encontra o requerente de asilo deve assegurar que a situação de violação dos direitos fundamentais deste requerente não seja agravada por um procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável excessivamente longo. Se necessário, deve examinar ele próprio o pedido, em conformidade com as modalidades previstas no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.
3) Os artigos 1.°, 18.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não conduzem a uma resposta diferente.
(…)”.
           
Acresce que, subsiste no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante.
Este princípio tem sido afirmado desde há muito, tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia reiterado o sobredito valor principiológico no Acórdão proferido em 16/02/2017 no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija, e explicitado que deve admitir-se outras circunstâncias fundamentadoras de uma proibição de transferência de um requerente de asilo para o Estado responsável para além das falhas sistémicas que neste Estado possam existir:
“(…)
Neste contexto, carece de fundamento o argumento da Comissão segundo o qual decorre do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III que apenas a existência de falhas sistémicas no Estado‑Membro responsável seria suscetível de afetar a obrigação de transferência de um requerente de asilo para esse Estado‑Membro.
Com efeito, nada na redação desta disposição indica que a intenção do legislador da União tenha sido a de regular outra circunstância que não seja a das falhas sistémicas que impedem a transferência do requerente de asilo para um Estado‑Membro determinado. Por conseguinte, a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que exclui que considerações associadas aos riscos reais e comprovados de tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta, possam, em situações excecionais como as descritas no presente acórdão, ter consequências na transferência de um requerente de asilo em especial.
Além disso, tal leitura do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III seria, por um lado, incompatível com o caráter geral do artigo 4.o da Carta, que proíbe os tratos desumanos ou degradantes sob todas as suas formas. Por outro lado, seria manifestamente incompatível com o caráter absoluto dessa proibição que os Estados‑Membros pudessem ignorar um risco real e comprovado de tratos desumanos ou degradantes que afetem um requerente de asilo sob pretexto de que esse risco não resulta de uma falha sistémica no Estado‑Membro responsável.
Do mesmo modo, a interpretação do artigo 4.o da Carta constante do presente acórdão não é infirmada pelo acórdão de 10 de dezembro de 2013, Abdullahi (C‑394/12, EU:C:2013:813, n.o 60), no qual o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no que se refere ao Regulamento Dublim II, que, em circunstâncias como as do processo que deu origem a esse acórdão, um requerente de asilo só pode pôr em causa a sua transferência se invocar a existência de falhas sistémicas no Estado‑Membro responsável. Com efeito, para além do Tribunal de Justiça ter declarado, como recordado no n.o 62 do presente acórdão, que, no que se refere aos direitos conferidos aos requerentes de asilo, o Regulamento Dublim III difere, em aspetos essenciais, do Regulamento Dublim II, há que recordar que o referido acórdão foi proferido num processo que envolvia um nacional que não invocou no Tribunal de Justiça nenhuma circunstância especial suscetível de indicar que a sua transferência seria, em si, contrária ao artigo 4.o da Carta. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça mais não fez do que recordar o seu anterior acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865), relativo à impossibilidade de proceder a qualquer transferência de requerentes de asilo para um Estado‑Membro cujo processo de asilo ou condições de acolhimento conhecem falhas sistémicas.
Por último, a referida interpretação respeita plenamente o princípio da confiança mútua uma vez que, longe de afetar a existência de uma presunção de respeito dos direitos fundamentais em cada Estado‑Membro, garante que as situações excecionais descritas no presente acórdão são devidamente tidas em conta pelos Estados‑Membros. De resto, se um Estado‑Membro procedesse à transferência de um requerente de asilo em tais situações, o trato desumano e degradante que daí resultaria não seria imputável, direta ou indiretamente, às autoridades do Estado-Membro responsável, mas unicamente ao primeiro Estado-Membro. (…).”
 Nesta senda, o risco de violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual, abarcando não só o risco de devolução direta ou de devolução em cadeia (ou indireta), como o próprio risco da transferência em si mesma, em concordância com a Jurisprudência cristalizada no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09, bem como no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia promanado em 16/02/2017 e citado imediatamente supra.    
Esta visão é partilhada, entre nós, por A. SOFIA PINTO OLIVEIRA (Direito de Asilo, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume VII, coord. Paulo Otero e Pedro Gonçalves, abril, 2017, Almedina, pp. 5 a 131), que salienta, neste ensejo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 07/03/2000, TI vs Reino Unido, como tendo sido o primeiro em que aquela Instância afirmou que “a aplicação dos critérios de Dublin não dispensa os Estados de verificarem se a transferência dos requerentes pode ou não iniciar uma cadeia de transferências dos requerentes que venha no final a resultar numa violação dos direitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que os Estados tinham o dever de  proteger.”
Numa nota publicada mais recentemente, em 30 de novembro de 2018, o European Council on Refugees and Exiles[1] (doravante, ECRE), após relatar o aparecimento, desde 2017, de casos de deportação indevida sequentes à adoção de procedimentos de transferência[2], findava a sua avaliação com recomendações dirigidas aos Estados-Membros, concretamente: que as respetivas autoridades, com base em indícios objetivos, deveriam adotar instruções claras no sentido de impedir a transferência de requerentes de asilo para outros Estados-Membros nos quais enfrentariam o risco de devolução direta ou indireta; que os Estados-Membros deveriam elaborar instruções respeitantes à avaliação do contexto sociopolítico dos requerentes de asilo e refugiados no Estado para o qual serão transferidos, na medida da relevância para efeitos de aplicação do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; nas situações em que o Estado-Membro considera ocorrer o risco de devolução em cadeia, em violação do citado art.º 3.º da Convenção, deve cessar ou não iniciar o procedimento de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin e socorrer-se da cláusula de soberania inscrita no art.º 17.º do Regulamento Dublin.
 Ressalte-se, a este propósito, que o sistema Dublin tem sido alvo de ferozes ataques, quer de índole política, quer de natureza jurídica, quer por introduzir desequilíbrios óbvios entre os Estados-Membros no que se refere à organização e gestão do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), quer por dar azo a procedimentos muitas vezes mais complexos e morosos do que aqueles que se destinam a indagar dos requisitos para a concessão de asilo, para além das constatadas divergências de interpretação e aplicação do sistema Dublin por banda dos Estados-Membros[3].
Seja como for, a consideração do princípio de non refoulement e a respetiva importância para o sistema Dublin está já estabelecida pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, especificamente, nos Acórdãos promanados em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e em 04/11/2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12.
Referindo- se aos mencionados Acórdãos, PATRÍCIA CABRAL (Construção de uma Responsabilidade Europeia Além-Fronteiras, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, julho de 2015, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt., pp. 36 e 37) explica: “(…) No primeiro, o TEDH construiu o princípio segundo o qual perante a existência de falhas sistémicas que apresentem um risco de violação do artigo 3.º no Estado que seria responsável pela análise de um pedido de asilo, o Estado-Membro onde o requerente se encontra fica impedido de o transferir para esse país. (…) Por fim no julgamento Tarakhel o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem veio reforçar que esta proteção não se limita a situações de falhas sistémicas, sendo refutada a presunção de cumprimento do artigo 3.º da CEDH sempre que existam razões sérias para crer que a pessoa enfrentaria um risco de tratamento contrário a esta mesma norma.
Os Estados-Membros encontram-se efetivamente adstritos ao nível de proteção mais elevado concedido por decisões como Tarakhel e M.S.S., incorrendo em responsabilidade internacional sempre que tomarem uma posição restritiva que reduza os direitos fundamentais do requerente. Por parte dos tribunais nacionais, estes deverão sempre optar pela mais ampla proteção conferida pelos instrumentos supranacionais, como principais responsáveis pela aplicação do direito da União e sob pena de violar as suas obrigações internacionais, sujeitando-se aos mecanismos de responsabilidade implementados.
Ora da perspetiva do Tribunal de Justiça, o artigo 3.º da CEDH e o artigo 4.º da CDFUE são correspondentes, de tal forma que contêm um texto idêntico. Seguindo a interpretação exigida pelo artigo 6.º do TUE e pelos artigos 52.º e 53.º da CDFUE, o tribunal do Luxemburgo não pode descurar a interpretação que tem sido tomada e crescentemente consolidada por Estrasburgo e encontra-se igualmente obrigado a conferir a mais ampla das proteções concedidas pelo direito da União ou pela CEDH. A posição defendida em Tarakhel permite a extensão da suspensão de transferências a mais situações além daquelas em que sejas provadas falhas sistémicas, bastando a existência de um risco real para o requerente no caso concreto. Abre ainda caminho para que seja dada relevância a outros direitos fundamentais além da proibição de pena ou tratamentos desumanos ou degradantes, não sendo o artigo 3.º da CEDH o único invocável para efeitos de suspensão de transferência. (…)”
 Destarte, sopesando os subsídios doutrinais e jurisprudenciais espraiados, e examinando uma vez mais as declarações do Recorrido emitidas na entrevista pessoal, resulta forçosa a conclusão de que as declarações prestadas pelo Recorrido apresentam-se como insatisfatórias, na medida em que não permitem percecionar os motivos pelos quais o Recorrido declarou não querer regressar a Itália.
Em boa verdade, o que sucedeu é que o Recorrente não possibilitou ao Recorrido, sequer, a apresentação do acervo de razões e factos potencialmente obstaculizantes à emissão da decisão de transferência, demitindo-se também da realização de qualquer diligência instrutória apta a confirmar ou infirmar o teor do declarado pelo Recorrido no que concerne às demais alegações que se referem a indicadores de potencial situação de vulnerabilidade do Recorrido.
 Neste contexto, valorizando a insuficiência e incompletude do exercício do direito de audiência prévia do Recorrido, impera concluir que tal direito foi, afinal, coartado pelo Recorrente, atendendo ao modo como auscultou o Recorrido e à absoluta passividade e indiferença com que encarou e tratou as breves declarações daquele.
O que quer dizer que, por ter sido exercido de modo deficiente em virtude da concreta atuação do Recorrente, deve concluir-se pela violação do direito de audiência prévia do Recorrido, violação esta que inquina as decisões de inadmissibilidade e transferência de ilegalidade.

 Em concomitância, e num outro prisma, ressalte-se que também não assiste razão ao Recorrente na assunção de que a decisão de transferência assume natureza absolutamente vinculada, não restando outra alternativa, perante a verificação de uma situação de “retoma a cargo”, que não a de ordenar a transferência do Recorrido para Itália.         É que este entendimento espraiado pelo Recorrente denuncia uma visão restritiva, absolutamente formalista e leviana no que concerne ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, revelando, do mesmo passo, um entendimento distorcido relativamente à tramitação de tal procedimento e, especialmente, dos objetivos e finalidades perseguidos pelo Regulamento de Dublin, corporizado pelo Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013- doravante, apenas Regulamento de Dublin.
  Em primeiro lugar, esclareça-se que a atuação do Estado não é estritamente vinculada, no sentido em que ocorre impedimento absoluto de análise de um pedido de proteção internacional se o requerente já tiver formulado pedido similar noutro Estado-Membro. Com efeito, basta atentar no disposto no art.º 17.º do Regulamento de Dublin para, sem qualquer dificuldade, percecionar que, independentemente das regras e dos critérios que dimanam dos art.ºs 3.º e 7.º do citado Regulamento, o Estado-Membro pode sempre “decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiros ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento”.
Sendo assim, a interpretação do Recorrente, de que a existência de um procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela decisão do pedido de proteção internacional é conducente obrigatoriamente a uma decisão de inadmissibilidade do pedido e consequente transferência do requerente, não merece acoito.
É que, para além das situações de existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e do risco de tratamento desumano, descritas no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, o mesmo instrumento jurídico estipula claramente, em jeito até de “válvula de segurança” e de favorecimento da posição do requerente de asilo, a possibilidade de um Estado-Membro assumir, no âmbito do exercício de um poder discricionário, a responsabilidade pela decisão do pedido de proteção internacional, independentemente dos critérios e regras estabelecidas.
De resto, o próprio Regulamento de Dublin assume esse intento, exprimindo-o no considerando preambular n.º 17, em que exara que “os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes tenha sido apresentado, ou a outro Estado-Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento.
Em segundo lugar, importa realçar o facto da existência de um prévio pedido de proteção internacional formulado perante outro Estado-Membro não dispensar o exame cuidadoso da situação apresentada pelo requerente de asilo. Na verdade, tal laxismo não só contraria todo o espírito que preside à existência do Regulamento de Dublin- e veja-se a este propósito os considerandos 9, 11, 15, 17, 18, 19, 21, 22 e 39-, como pode conduzir ao desrespeito da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, especialmente dos art.ºs 19.º, 41.º e 47.º.
E estas asserções são reforçadas pelas especiais características da situação pessoal do Recorrido, a que o Recorrente não atendeu ou, sequer, sopesou, dado que, não poderia o Recorrente ignorar, na situação presente, a existência de determinadas características de vulnerabilidade, a que já se aludiu supra.

Dissolvidas as questões arguidas pelo Recorrente, relativamente à necessidade de audiência prévia no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de asilo, e relativamente à natureza não vinculativa das decisões de inadmissibilidade do pedido e de transferência para o Estado responsável, cumpre, agora, indagar se ocorrem, na República de Itália, deficiências sistémicas no procedimento de asilo ou no sistema de acolhimento dos requerentes de asilo.
Ora, contrariamente ao que é pressuposto no iter do raciocínio exposto na impetração que agora se decide, é nosso entendimento que subsistem claros, evidentes e demonstrados indícios da existência de falhas sistémicas no sistema de receção e acolhimento de refugiados do Estado Italiano, como, de resto, foi patenteado no Acórdão prolatado por este Tribunal de Apelação em 30/01/2020, no processo n.º 1322/19.2BELSB, e que subscrevemos na qualidade de Adjunto.
A grave deficiência do sistema de acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo, conducente à constatação de um mau funcionamento endémico e deliberado de todo aquele sistema de receção e acolhimento, ancora-se, aliás, quer na atual modelação do sistema legal italiano, quer na insuficiência manifesta de condições materiais, ditada pelo enorme subfinanciamento das instalações e programas destinados à receção e acolhimento dos requerentes e beneficiários de asilo, bem como dos requerentes de proteção internacional.
Estas asserções decorrem dos relatos, descrições, informações, conclusões e notícias veiculadas e difundidas por múltiplas ONG’s, bem como por instituições internacionais dedicadas ao acompanhamento, tratamento e análise dos aspetos legais e da implementação prática de todo o sistema internacional de asilo, das quais salientamos o European Council on Refugees and Exiles (doravante, ECRE), a Asylum Information Database (em diante, apenas AIDA), o Conselho da Europa- Comité Europeu para a Prevenção de Tortura e das Penas ou Tratamento Desumano ou Degradante, o Danish Refugee Council, o Swiss Refugee Council, a European Database of Asylum Law (EDAL, em diante), a European Legal Network on Asylum (doravante, ELENA), a European Asylum Support Office (EASO, em diante) e a Associazione per gli Studi Guiridici Sull’ Immigrazione (somente ASGI, daqui em diante).
Efetivamente, todo o manancial informativo disponibilizado pelas sobreditas instituições internacionais, especialmente as elencadas expressamente, é claramente evidenciador de uma significativa degradação, desde 2018, das condições de recebimento e acolhimento dos requerentes de asilo, motivadas pela vigência do Decreto Lei n.º 113/2018, implementado pela Lei n.º 132/2018.
No relatório elaborado pela ASGI, intitulado Country Report: Italy e editado pela ECRE (consultável no sítio www.asylumineurope.org), atualizado em abril de 2019, é descrito todo o sistema legal italiano de asilo, incluindo procedimentos legais de acolhimento, receção, tratamento e decisão dos pedidos de asilo, a impugnação das decisões quanto a tais pedidos e as características dos mecanismos judiciais disponíveis para tanto, as condições de deportação e expulsão dos requerentes e beneficiários de asilo, bem como as condições materiais de todo o sistema, mormente, caracterização e descrição das instalações físicas de acolhimento e alojamento, satisfação de necessidades alimentares e de vestuário, cuidados médicos e apoio psicológico, assistência e aconselhamento legal, programas de integração, etc..
No que concerne às transferências para a República Italiana ao abrigo do Regulamento Dublin (Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 013), o citado Relatório faz notar o desaparecimento de um sistema de acolhimento dedicado aos requerentes de asilo, e a adoção de um regime que quase parifica tais requerentes com os demais imigrantes, mormente no que concerne aos obstáculos legais e burocráticos colocados para atribuição de alojamento, possibilidade de formalizar o pedido de asilo, realização da entrevista, notificação das decisões, deportação e repatriamento, e mecanismos de tutela judicial. A descrição constata a existência de dificuldades na receção de muitos dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin, relatando a espera de dias, sem qualquer tipo de suporte, para serem recebidos pela polícia nos aeroportos de Roma e de Milão- para onde é enviada a grande maioria destes transferidos, especialmente nos casos de aceitação tácita de toma ou retoma a cargo. Relata também a existência de um número crescente de transferidos que se tornam sem-abrigo em Roma, em virtude de, por razões legais e burocráticas, não terem acesso imediato e automático ao sistema de receção e acolhimento. O Relatório referencia, também, que as condições das instalações de receção situam-se abaixo dos standards mínimos, especialmente para transferidos com determinadas características de vulnerabilidade, pessoas para as quais estas instalações não providenciam qualquer apoio. Finalmente, é anotado o risco acrescido de deportação, para o país de origem, que existe para os transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin, especialmente atentando nos efeitos não suspensivos da impugnação judicial das decisões de deportação[4].
O mesmo Relatório enuncia a circunstância de que, até fevereiro de 2018, pelo menos 10.000 pessoas foram excluídas do sistema de receção italiano, incluindo os requerentes de asilo e os beneficiários de proteção internacional, registando ainda o facto da apresentação formal do pedido de asilo ter lugar vários meses após a identificação e registo do requerente de asilo, o que implica que a pessoa em causa se depare com reais dificuldades de alojamento, o que acaba por levar à condição de sem-abrigo[5].
O aludido Relatório expressa claramente a redução do montante per capita do financiamento atribuído pelas entidades públicas às empresas ou entidades que realizam a gestão das instalações de acolhimento de estrangeiros, incluindo requerentes e beneficiários de asilo. Tal redução resultou do Decreto Lei 113/2018, e implicou uma descida do montante máximo do financiamento por pessoa de 35,00 Euros para 21,00 Euros. Aliás, nos termos deste Decreto, apenas estão garantidas necessidades básicas, como higiene pessoal, mensalidade para gastos e 5,00 euros em cartão telefónico, sendo que estas, de qualquer forma, não abrangem os requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional que não se encontram ainda alocados a nenhuma instalação de acolhimento. Como resultado do novo quadro legal e da significativa diminuição de financiamento, foram abolidos os serviços e projetos de integração e inclusão (v.g. treino de língua italiana, orientação para serviços locais, formação profissional, atividades de lazer), cessou o apoio psicológico e os serviços de apoio e aconselhamento jurídico foram substituídos por um serviço de informação, reduzido a 3 horas por semana para 50 pessoas (pp. 84 a 86 do Relatório).
É igualmente relatado que a cessação do acolhimento dos requerentes e beneficiários de asilo pode suceder por uma variedade de situações, nomeadamente, protestos contra a qualidade da comida servida nos centros de acolhimento, contra a falta e ausência de condições mínimas de higiene, para obtenção dos respetivos documentos de identificação, por sair do centro à noite ou até por se entender que o requerente possui “recursos suficientes” (o que já sucedeu por as entidades italianas entenderem que a viagem realizada por avião era indicativa de que o requerente teria meios de subsistência…). O Relatório assinala, portanto, a ampla utilização de causas de cessação do sistema de acolhimento, indicando que pelo menos 39.963 requerentes de asilo perderam o acesso às instalações e ao sistema de acolhimento nos anos de 2016 e 2017, e isto apenas contabilizando os casos em 58 das 100 Prefeituras (cfr. pp. 86 a 90 do Relatório).
No que toca aos tipos de instalações que integram o sistema de receção e acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo e de proteção internacional, o Relatório enumera 4 tipos: os centros de receção e primeiros socorros (CPSA), também conhecidos como Hotspots; os centros governamentais de primeira receção (CPR), os centros de acolhimento temporário (CAS) e o acolhimento privado de famílias e instituições religiosas (cfr. pp. 93 a 101 do Relatório).
Relativamente aos Hotspots, o Relatório indica a existência de 4 a operar no final de 2018, maioritariamente em locais de desembarque de estrangeiros e destinados a acomodação de curtíssima duração, muito embora na prática acomode as pessoas durante dias e até semanas. No final de 2018, tais centros albergavam 453 pessoas.
Relativamente aos centros de primeira receção (CPR), em finais de 2018, registavam-se 14 em funcionamento em sete regiões italianas, albergando 8.990 pessoas, das quais uma parte é constituída por transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin. Quanto a este tipo de instalação, pensada primitivamente para requerentes de asilo, é relatada a grave falha de condições de higiene- verdadeiramente ausentes em vários casos-, bem como a falta de privacidade, quer entre sexos, quer entre adultos e menores, quer entre famílias e outros adultos. É assinalado, também, a falta de prestação de cuidados médicos, mais significativa nuns centros do que outros, bem como a ausência de apoio psicológico e de qualquer tipo de serviços e atividades de integração e inclusão social.
Vários destes CPR localizam-se em sítios remotos e/ou isolados de centros urbanos, impossibilitando, de facto, quaisquer contactos sociais dos acolhidos com a população italiana residente e, bem assim, a implementação de qualquer projeto profissional ou de vida dos requerentes de asilo.
O Relatório realça a gravidade do nível de degradação geral destas instalações, registando mesmo observações de inadequação total ao alojamento e acolhimento, seja por estarem em causa tendas e barracões, sem eletricidade e aquecimento, praticamente sem instalações sanitárias, ou então, muitíssimo degradadas, e por vezes, sem condições de habitabilidade, por falta de colchões, de vestuário apropriado às condições climatéricas, praticamente sem espaços de refeição ou com condições sanitárias impróprias, e sempre com constatada sobrelotação.
O Relatório faz referências, ainda, à existência de prostituição, exploração, mercado negro, tráfico de droga, tudo com a complacência das forças de autoridade e segurança, que não tomam medidas. No caso do CPR Mineo, Catania, Sicília, é também assinalada a suspeita de ligação a rede mafiosa, em investigação.
Os centros de acolhimento temporário- CAS- destinam-se, em termos legais, a colmatar a falta ocasional de lugares nos CPR, oferecendo, somente, as condições mínimas de acolhimento. Não obstante o carácter subsidiário e de emergência deste tipo de instalação, a verdade é que, no final de 2018, contavam-se mais de 9.000 instalações deste tipo, acomodando 138.503 pessoas, em óbvio clima de sobrelotação. Este status quo é claramente demonstrativo de que a política de asilo italiana implica que os requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional sejam acolhidos durante todo o procedimento, e após, em alojamentos destinados a serem temporários e de emergência.
O Relatório menciona a circunstância de muitos dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin se encontrarem alojados neste tipo de instalação, enumerando, a propósito das condições materiais das instalações e dos serviços fornecidos, observações de cariz idêntico às fornecidas para os CPR, especialmente, no tocante à falta de condições de higiene e de instalações sanitárias, à pobreza e degradação das condições de alojamento, incluindo falta de eletricidade, aquecimento, vestuário, etc., bem como de assistência médica adequada, e de um staff devidamente preparado. O exercício de excessiva violência é igualmente notado neste Relatório, em que é relatado um episódio em que o gestor do CAS de Caserta, Campania, atingiu a tiro um requerente de asilo de 19 anos, proveniente da República da Gâmbia.
Ainda no que tange ao acolhimento e alojamento dos requerentes e beneficiários de asilo, o Relatório- relembrando que em fevereiro de 2018, cerca de 10.000 pessoas tinham sido excluídas do sistema de receção e acolhimento- descreve a existência de aglomerados de estrangeiros, dentre os quais, requerentes de asilo, estabelecidos em edifícios abandonados nos arredores das cidades, ou em campo aberto, sem quaisquer condições mínimas de sobrevivência, ou seja, sem água, gás ou eletricidade, rodeados de lixeiras e com infestações de ratos. A indigência é outra das situações indicadas no Relatório, como abrangendo muitos requerentes de asilo de transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin.
O Relatório dedica alguma atenção às situações de detenção dos requerentes de asilo (cfr. pp. 115 a 133 do Relatório), especialmente após a entrada em vigor do Decreto Lei 113/2018, implementado pela Lei 132/2018, que possibilita a detenção dos requerentes de asilo com o propósito de examinar o respetivo pedido de asilo, uma vez que prevê a detenção com vista ao estabelecimento da identidade ou da nacionalidade do estrangeiro, requerente ou não de asilo. O Relatório anota que, em 2018, foram detidas 13.777 pessoas nos Hotspots e 4.092 pessoas nos CPR.
Durante o período de detenção e mesmo após expressar a vontade de requerer asilo, é possível o repatriamento da pessoa, uma vez que, atentos os obstáculos legais e burocráticos, a apresentação e formalização do pedido de asilo está dependente da atuação de terceiros. Tal circunstancialismo é também agravado pela generalizada ausência de informação e aconselhamento jurídico[6]. De todo o modo, atualmente, o período de detenção máximo para os requerentes de asilo está fixado em 12 meses, o que tem levantado grandes objeções, dado que tem sido considerado, para além de violador do art.º 3.º da CEDH e do art.º 4.º da CDFUE, discriminatório em face de outras situações[7].
As observações registadas no Relatório referentemente às condições materiais dos Hotspots e CPR onde ocorrem as detenções de requerentes de asilo são similares às outras já enumeradas, ressaltando-se, em especial, a menção à insuficiência de colchões e à ocasional necessidade das pessoas dormirem ao relento por as instalações não acomodarem tal número de pessoas, à falta grave de condições de higiene e de limpeza, à presença de significativo número de segurança armada e, em geral, a existência de condições degradantes, muito abaixo dos standards mínimos exigíveis, condições essas, em diversos casos, críticas.
Ainda a propósito das condições materiais em que vivem os detidos, incluindo muitos requerentes de asilo, o Relatório narra os relatos provenientes do CPR de Bari, de violência excessiva exercida pelas forças de segurança sobre os detidos, v.g. espancamentos antes da expulsão, bem como do uso de sedativos nos detidos, colocados na comida, tendo sido constatado em 05/08/2018 que muitas das pessoas detidas apresentavam olhos brilhantes, lábios inchados e dificuldade em expressarem-se.
A ocorrência de protestos, entre os detidos, motivados pela falta de condições de higiene, de condições sanitárias e de qualidade da comida são frequentes.
Em momento pouco anterior ao Relatório que vem de se escrutinar e citar, concretamente, em 10 de abril de 2018, foi publicado o Relatório elaborado pelo Conselho da Europa- Comité Europeu para a Prevenção de Tortura e das Penas ou Tratamento Desumano ou Degradante- na sequência de uma visita realizada a Itália em junho de 2017, com o intuito de examinar a situação dos estrangeiros privados de liberdade, incluindo requerentes de asilo, mormente nos Hotspots e CPR(consultável no sítio www.ecre.org). Este Relatório regista já algumas observações quanto às condições de detenção dos requerentes de asilo que, posteriormente, foram acolhidas no Relatório elaborado pela ASGI para o ECRE. Referimo-nos à deficiência ou falta de condições sanitárias, de higiene e de acomodação, à duração das detenções, à falta de refeições e ao clima de violência verificado em algumas instalações.
No Relatório elaborado pela AIDA e publicado pelo ECRE sobre a condições de alojamento dos países europeus recebedores de requerentes de asilo e refugiados, atualizado até 30 de abril de 2019[8], é descrito o novo paradigma legal italiano que regula a situação dos requerentes de asilo e o tipo de instalações de receção e acolhimento de que Itália dispõe, sendo assinalado, entre outros aspetos, a crónica falta de capacidade do sistema de acolhimento italiano para receber os requerentes de asilo[9].
Adicionalmente, no Relatório elaborado pelos Danish Refugee Council e Swiss Refugee Council e publicado em 12 de dezembro de 2018 (consultável no sítio www.refugeecouncil.ch), intitulado Mutual Trust is Still Not Enough- The situation of persons with special reception needs transferred to Italy under de Dublin III Regulation, aquelas instituições concluem claramente pela inadequação do sistema italiano de receção de requerentes de asilo, anotando a existência de falhas graves no sistema de receção e acolhimento de requerentes de asilo transferidos aos abrigo do Regulamento Dublin, gravidade essa que assume maior significância no caso de pessoas com determinadas vulnerabilidades. Ademais, este Relatório clarifica o tipo de cuidados médicos disponíveis para os requerentes de asilo no sistema italiano, concluindo que os requerentes de asilo, por diversas razões, incluindo as legais e burocráticas, não têm, na prática, acesso a cuidados de saúde. Ou seja, este Relatório finda com a assunção da ausência ou, no mínimo, da insuficiência e inadequação dos cuidados de saúde propiciados aos requerentes de asilo em geral[10].
No seguimento da divulgação contínua de notícias e informações dando conta da enorme debilidade do sistema de receção e acolhimento de requerentes de asilo em Itália, a Holanda decidiu, em dezembro de 2018, suspender as ordens de transferência de famílias para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin (notícia publicada em 09/12/2018, no sítio www.nos.nl/artikel/2262783).
Em 28/09/2018, no sítio www.ecre.org, foi veiculada notícia (Italy: Latest immigration decree drops protection standards”) alertando para a diminuição substancial dos standards de proteção dos requerentes de asilo na República da Itália, em virtude das alterações legais em curso.
E em 14/12/2018, foi publicada também no sítio www.ecre.org, uma notícia com o título Italy: Vulnerable Dublin Returnees at Risk of destitution, em que se dava conta do que se segue:
“Os requerentes de asilo transferidos para Itália sob o Regulamento de Dublin enfrentam acesso arbitrário a acomodações, riscos de miséria e condições de receção abaixo do padrão, apesar da obrigação da Itália de fornecer garantias de tratamento adequado, de acordo com um relatório publicado esta semana.
O relatório, preparado pelos Conselhos Dinamarquês e Suíço para Refugiados, contém 13 estudos de caso sobre o retorno de Dublin de requerentes de asilo com diferentes vulnerabilidades, variando de famílias monoparentais a pessoas que sofrem de transtornos mentais e vítimas de violência. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos esclareceu em Tarakhel v. Suíça que os Estados-Membros deveriam obter garantias das autoridades italianas de que os requerentes de asilo com necessidades especiais seriam acomodados adequadamente antes de realizar uma transferência.
O relatório ilustra a arbitrariedade subjacente à receção dos retornados de Dublin pelas autoridades, o acesso oportuno ao alojamento e ao procedimento de asilo e a qualidade das condições de receção. Muitos requerentes de asilo tiveram que esperar várias horas ou até dias sem qualquer apoio em aeroportos como Roma Fuimicino e Milão Malpensa antes de serem recebidos pela polícia italiana. Alguns retornados de Dublin vêem negado o acesso ao sistema de receção italiano na chegada ou precisam esperar muito tempo antes de serem acomodados em instalações de receção de segunda linha (SPRAR). As condições precárias nos primeiros centros de receção e nos centros de receção temporária (CAS) são amplamente divulgadas, ficando muito abaixo dos padrões para pessoas com necessidades especiais.
O acesso ao procedimento de asilo é igualmente problemático. Os solicitantes de asilo retornados de acordo com o Regulamento de Dublin precisam entrar em contato com o Serviço de Imigração da Polícia (Questura) para obter uma nomeação para apresentar sua queixa. No entanto, o atraso para esse compromisso chega a vários meses na maioria dos casos.
Os riscos de destituição e exposição a condições inaceitáveis ​​de acolhimento após o retorno de outros países foram exacerbados pela entrada em vigor do Decreto-Lei 113/2018 , recentemente confirmado pela Lei 132/2018 , após o qual apenas os beneficiários de proteção internacional e crianças desacompanhadas são elegíveis para receção no SPRAR. Por conseguinte, a grande maioria dos requerentes de asilo só terá acesso aos primeiros centros de acolhimento e CAS, que oferecem apoio muito limitado.
A reforma levou alguns Estados-Membros a reexaminar a legalidade dos procedimentos de Dublin em relação à Itália, com alguns tribunais nacionais suspendendo as transferências individuais devido a um ambiente cada vez mais hostil da migração. O Serviço Holandês de Imigração e Naturalização (IND) está a rever a sua política de transferências de famílias com filhos para Dublin à Itália, à luz da reforma. As transferências de famílias foram suspensas, aguardando novas investigações sobre a situação dos requerentes de asilo no país.”
Já em janeiro de 2020, o mesmo sítio publicou nova notícia sobre Itália- Italy: Report on Effects of the “Security Decrees” on Migrants and Refugees in Sicily-, realçando a massiva redução de financiamento das instalações temporárias (CAS), o que agrava, ainda mais, as condições de receção e acolhimento de requerentes de asilo, conduzindo à sua exclusão deste sistema, mormente aos cuidados de saúde básicos e aos apoios sociais. Neste seguimento, em 16/01/2020, também no mesmo sítio, foi noticiada a morte de um cidadão tunisino de 34 anos, detido no centro de detenção de Caltanisetta, Sicília, alegadamente por falta de cuidados médicos. No mesmo ensejo, é narrado que a situação no interior do aludido centro de detenção tem sido caracterizada por uma ONG como deplorável, por não ter aquecimento, não possuir janelas, nem serem proporcionados serviços básicos, como cuidados médicos ou aconselhamento legal.
Em 23/01/2020- também no sítio www.ecre.org- foi divulgado que o Conselho Suíço de Refugiados publicou um relatório atualizado sobre a situação dos requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional na Itália, com foco especial nas dificuldades enfrentadas pelas pessoas transferidas sob o Regulamento Dublin III, uma vez que dada a sua posição geográfica, a Itália é o principal destino das transferências da Suíça nos termos do regulamento de Dublin, recebendo 35% de todas as transferências (o comunicado intitula-se Italy: Updated Report on the Reception System with a Focus on the Situation for Dublin Returnees).
Nesse comunicado, anunciava-se que “o chamado decreto Salvini restringiu o acesso aos centros de receção de segunda linha (SIPROIMI) na Itália a pessoas com proteção internacional e menores desacompanhados, deixando os retornados de Dublin incluindo pessoas vulneráveis ​​nos centros de receção de primeira linha. A maioria desses centros foi originalmente estabelecida como centros de emergência (CAS) e a qualidade dos serviços, de acordo com o relatório: "deterioraram-se significativamente". E que “não existe um procedimento padronizado em nível nacional para que os retornados de Dublin retornem ao sistema de receção, as pessoas frequentemente enfrentam dificuldades burocráticas para aceder aos procedimentos legais e de receção, muitas vezes se encontrando irregulares e sem-teto. Além disso, o enfraquecimento de apoio social, de alojamento, emprego e integração contribui para condições geralmente desafiadoras para refugiados e requerentes de asilo na Itália.
Finalmente, é dada especial atenção às condições das pessoas vulneráveis. O relatório denuncia as deficiências sistêmicas no reconhecimento das vítimas do tráfico de pessoas e o impacto da recente reforma nos requerentes de asilo vulneráveis ​​(incluindo famílias), que não têm mais direito a acomodações de segunda linha.”
Por estas razões, o Conselho Suíço de Refugiados recomenda aos Estados que não transfiram pessoas vulneráveis ​​para a Itália ao abrigo do Regulamento Dublin. Em qualquer outro caso- segere-se-, as autoridades responsáveis ​​devem realizar uma avaliação individual detalhada, inclusivé solicitando às autoridades italianas informações precisas sobre a instalação de receção alocada à pessoa.
No que concerne à atuação das instâncias judiciais europeias e dos Estados-Membros- e não exaurindo a enumeração- é relevante assinalar que, após a Jurisprudência estabelecida no Acórdão Tarakhel pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Acórdão de 04/11/2014, Tarakhel v. Suíça), diversos Estados-Membros passaram a solicitar garantias pessoais e individuais à República italiana em momento prévio à emissão de decisões de transferência de requerentes de asilo para aquele país ao abrigo do Regulamento Dublin. Tal solicitação foi cessando, no caso de alguns Estados, em 2015, 2016 e 2017, após a prestação de uma garantia genérica, em 2015, por banda das autoridades italianas.
Recorde-se que, no Acórdão Tarakhel, o TEDH estabeleceu claramente que as falhas ou deficiências sistémicas de um sistema de receção e acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo (no caso versado no Acórdão estavam em causa transferências para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin)  constitui somente uma das vias para a demonstração do risco de tratamento desumano ou degradante após a transferência para o Estado-Membro responsável, isto à luz das circunstâncias individuais do requerente. Na senda desta Jurisprudência- que, entre o mais, entendeu ocorrer risco de violação do art.º 3.º da CEDH caso os recorrentes fossem transferidos para Itália sem quaisquer garantias específicas de proteção-, diversos países passaram a exigir garantias à República Italiana para efeitos de transferência de requerentes de asilo ao abrigo do Regulamento Dublin, sendo certo que enquanto alguns Estados apenas exigiam garantia genérica, outros exigiam garantias particulares e, enquanto uns Estados apenas exigiam tais garantias para pessoas com vulnerabilidades, outros estendiam a exigência dessas garantias praticamente a todos os casos de transsferência[11]. Efetivamente, a Alemanha, Bélgica, França, Finlândia, Países-Baixos, Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido registam múltiplos casos em que, ou foi obstada a transferência para a Itália, ou foram solicitadas garantias de que o requerente de asilo não correria risco de sofrer tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do art.º 3.º da CEDH e do art.º 4.º da CDFUE, em virtude da sua transferência para Itália ao abrigo do Regulamento de Dublin. É de assinalar, contudo, que boa parte dos países mencionados recorria a tal exigência apenas nos casos de requerentes de asilo com vulnerabilidades específicas.
Seja como for, a situação quanto à solicitação de garantias alterou-se após o envio a todas as Unidades Dublin dos diversos países, em junho de 2015, de uma Circular do Ministro do Interior Italiano, sobre a capacidade das instalações integradoras do sistema italiano de receção e acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo, bem como sobre as condições e melhoramentos neste sistema. Ainda assim, o Tribunal Administrativo de Haia, em sentença proferida em 27/07/2015, entendeu não existirem razões para crer na existência de melhorias significativas no sistema italiano, o que conduziu à anulação de uma ordem de transferência para Itália emitida pelos Países-Baixos.
Já mais recentemente, e acompanhando a degradação das condições de receção e acolhimento dos requerentes e beneficiários de asilo em Itália, diversos Tribunais de diversos Estados têm obstado à transferência de requerentes de asilo para aquele país ao abrigo do Regulamento Dublin. Contam-se, entre outras, as decisões do Tribunal Administrativo de Toulouse (França) em 09/11/2018, do Tribunal Administrativo do Luxemburgo em 10/07/2018, do Tribunal Administrativo de Rennes (França) em 09/01/2018, da Câmara de Recurso para os Refugiados (Dinamarca) em 30/11/2017, so Tribunal Administrativo de Braunschweig (Alemanha) em 12/10/2016, do Tribunal Administrativo de Haia (Países-Baixos) em 18/07/2016, e do Tribunal Administrativo de Nantes (França) em 24/07/2015.
Com a alteração do quadro legal respeitante aos pedidos e procedimentos, motivada pelo Decreto Lei 113/2018 e pela Lei 132/2018, as deficientes e insuficientes condições de receção e acolhimento dos requerentes de asilo recrudesceram, atingindo um status quo descrito como “crítico”, “deplorável” e “inadequado” por diversas instituições e organizações internacionais durantes os anos de 2018, 2019 e 2020.
Ora, convocando a Jurisprudência firmada pelo TJUE no Acórdão prolatado em 19/03/2019, no processo C-163/17, concretamente, os considerandos elencados nos parágrafos 91, 92 e 93, é nosso entendimento que as deficiências e falhas relatadas e narradas pelas diversas instituições e organizações internacionais quanto à receção e acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo os transferidos à luz do Regulamento Dublin, não são pontuais ou ocasionais, mas sim reiteradas e contínuas. Por conseguinte, tais deficiências e falhas devem ser qualificadas como sistemáticas.
Adicionalmente, e tendo em conta as descrições contidas nos relatórios identificados supra quanto à realidade do sistema de receção e acolhimento dos requerentes de asilo em Itália, é nossa convicção de que as aludidas falhas sistémicas assumem um limiar de gravidade particularmente elevado, nos termos exigidos pela citada jurisprudência do TJUE. Com efeito, e como é consabido, os requerentes de asilo encontram-se, na sua maioria, completamente dependentes do apoio público. Sendo assim, assoma como evidente que as deficiências e falhas sistémicas identificadas acarretam o risco real e sério dos requerentes de asilo, incluindo os transferidos ao abrigo do Regulamento de Dublin, de se verem “numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana”. Na verdade, o regime legal italiano para a concessão de asilo, bem como as condições materiais das instalações que integram o sistema italiano de receção e acolhimento dos requerentes de asilo, acrescido dos indicadores numéricos respeitantes aos requerentes de asilo desalojados e deportados, conduzem à convicção de que os transferidos à luz do Regulamento Dublin correm real risco de sofrer tratamento desumano e degradante, nos termos previstos e descritos no art.º 3.º da CEDH e no art.º 4.º da CDFUE.
Destarte, ponderando todo o exposto, entendemos que o caso agora em discussão subsume-se, claramente, na previsão do art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, devendo, por isso, ser mantida a anulação da decisão proferida pelo Recorrente, que ordenou a transferência do Recorrido para Itália.
Refira-se, também que a existência de sinais ou indícios de falhas sistémicas no sistema de acolhimento de refugiados por banda de um Estado-membro não carece, em nosso entendimento, de ser alegada pelo requerente de asilo, até porque não é de supor- e muito menos assumir- que o requerente tenha conhecimento das notícias veiculadas pelos órgãos de informação internacionais, ou das informações constantes dos relatórios das organizações e instituições internacionais. A nosso ver, a exigência de alegação prende-se, somente, com as circunstâncias pessoais do requerente de asilo, mormente através da invocação das suas vivências pessoais ou de circunstâncias relevantes que tenha presenciado ou de que tenha conhecimento, e que possam ser valorizadas em sede de escrutínio da previsão normativa inserta no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26/06/2013, do Parlamento e do Conselho Europeu. Assinale-se que, em acolhimento desta visão, foram já proferidos por este mesmo Tribunal os Acórdãos nos processos n.º 1705/19.8BELSB, em 13/02/2020, n.º 1119/19.0BELSB, em 19/12/2019, n.º 1157/19.2BELSB e 1059/19.2BELSB, ambos de 21/11/2019.

            Aos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros compete, por um lado, indagar, mesmo oficiosamente, da observância e adequada aplicação do direito da União Europeia, em concretização do princípio da efetividade do direito europeu- e seus corolários, incluindo as inerentes consequências processuais-, e, por outro lado, assegurar a concretização do preceituado no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

           
Sendo assim, ante todo exposto, somos forçados a concluir que, perante a existência das falhas sistémicas no sistema italiano de receção e acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo os transferidos à luz do Regulamento Dublin, subsiste um risco sério e real do Recorrente sofrer tratamento desumano e degradante na aceção do consagrado no art.º 3.º da CEDH e no art.º 4.º da CDFUE. Pelo que, de acordo com o disposto no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, não deve ser ordenada a transferência do Recorrente para Itália.

Desta feita, ponderando todo o espraiado até ao momento, resulta cristalino que o ato prolatado pelo Recorrente em 27/011/2018- de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e sequente transferência do Recorrido para Itália- padece de ilegalidade numa dupla vertente: por um lado, por violar o direito de audiência prévia do Recorrido, e, por outro lado, por violar o disposto no art.º 3.º da CEDH, no art.º 4.º da CDFUE e no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013.
 Quer isto significar que a impetração dirigida pelo Recorrente contra a decisão recorrida falece em toda a argumentação apresentada, devendo manter-se a sentença a quo por a mesma não merecer censura.
Por conseguinte, verificando-se, além do mais, que subsiste causa obstaculizante à transferência do Recorrido para Itália, atentas as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo que se vivenciam hodiernamente em Itália, resta concluir que o Recorrente deve admitir o pedido de asilo formulado pelo Recorrido e proceder à devida tramitação subsequente, por forma a apurar se o mesmo reúne as condições descritas no art.º 3.º ou, subsidiariamente, do art.º 7.º da Lei do asilo.

Deste modo, e em suma, o vertente recurso jurisdicional terá de improceder e, em consequência, impõe-se confirmar o a sentença recorrida com a presente fundamentação.



            IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.


Sem custas, atenta a gratuitidade prevista no art.º 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio.

Remeta cópia do presente acórdão ao Conselho Português para os Refugiados.

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Lisboa, 14 de maio de 2020,

____________________________

Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

(com declaração de voto em anexo)

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Celestina Castanheira

(com declaração de voto anexa)



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Declaração de voto: não acompanho a fundamentação do acórdão na parte em que conclui pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo em Itália, ou nas condições de acolhimento aí dispensadas aos requerentes de protecção internacional, pelos motivos que constam do acórdão proferido no âmbito do procº nº 2329/19.5BELSB, de 30 de Abril de 2020, acessível em www.dgsi.pt, por mim relatado.


Jorge Pelicano


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DECLARAÇÃO DE VOTO


Acompanhamos o sentido da decisão final contida no dispositivo do acórdão, mas não a totalidade da sua fundamentação. Entendemos que, atenta a situação concreta, a Entidade demandada deve indagar e instruir o procedimento com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, recorrendo a fontes credíveis e consolidadas.

Todavia, não acompanhamos as considerações no que respeita à existência de falhas sistémicas tecidas no acórdão.


Celestina Caeiro Castanheira


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[1] “To Dublin or not to Dublin?”, publicada no site www.ecre.org, consultado em 14/04/2020.
[2] “(…)
One area where policy choices on the application of Dublin come into tension with human rights law  relates to onward deportation. Since 2017, a fresh body of case law has emerged on the suspension of Dublin transfers to Member States where an asylum seeker would unfairly be denied international protection and would face removal to his or her country of origin. Such suspensions on account of indirect refoulement have been most prominent vis-à-vis applicants from Afghanistan: domestic courts have ruled against transfers of individuals to Germany, Austria, Belgium, Sweden, Finland and Norway, due to human rights risks stemming from their unduly strict policy on granting protection to Afghan claims. Some courts have taken a similar line towards asylum seekers at risk of onward return to Sudan upon transfer to Italy.
Here, the deficiencies identified by courts in the receiving Member States are not capacity-related: these countries have generally well-resourced asylum systems and reception arrangements to cater for applicants’ subsistence needs. The suspension of Dublin transfers results rather from the persisting discrepancies in national decision-making outcomes, due to which Afghan asylum seekers – like many others – continue to face an “asylum lottery” in Europe.
As of October 2018, first-instance protection rates for nationals of Afghanistan ranged from 98% in Italy and 71% in Greece, to 51% in Germany, 32% in Sweden and 7% in Bulgaria according to latest statistics. Similarly, Iraqi nationals have a 95% chance of getting protection at first instance in Italy but no more than 26% in Sweden and 8% in Bulgaria. As there is no evidence to indicate variations in the profiles of applicants from these countries, the conclusion has to be that the extreme disparities in recognition rates are to a large extent a product of conscious policy choices. For example, in some countries authorities are instructed to refuse protection based on the “internal protection alternative” or even on a presumption of “manifest unfoundedness” for claims lodged by applicants from countries such as Afghanistan or Iraq, while others do not systematically apply such concepts.
Successful appeals against Dublin transfers therefore shatter the illusion that asylum claims are treated alike across the continent. Over a decade into the implementation of Asylum Directives and multiple forms of practical cooperation and knowledge exchange, persons who clearly qualify for international protection by one Member State’s standards may face the prospect of unfair rejection in the “responsible Member State” and subsequent removal to a place where they risk persecution or serious harm.”
[3] Nesta matéria, e para maior desenvolvimento, veja-se SARA RIBEIRO MENDES, A Cláusula de Soberania do Regulamento Dublin III à Luz do Princípio da Confiança Mútua entre os Estados-Membros da União Europeia, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, dezembro de 2016, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt..
[4] Concretamente, sobre estes aspetos, o Relatório consagra, a páginas 55 a 58, e além do mais, o seguinte:

Following the Tarakhel v. Switzerland ruling,207 in practice the guarantees requested were ensured mainly to families and vulnerable cases through a list of dedicated places in the SPRAR system (see Types of Accommodation), communicated since June 2015 to other countries’ Dublin Units.208 However, following the 2018 reform of the reception system, Dublin returnees who are asylum seekers no longer have access to second-line reception; SPRAR now renamed SIPROIMI. Accordingly, places in second-line reception for vulnerable Dublin returnees are no longer reserved as asylum seekers do not have access to this type of accommodation.

In a Circular sent to other countries’ Dublin Units in the form of an email on 8 January 2019, the Italian Dublin Unit expressly confirmed this new regime and stated the following:

“Consequently, all applicants under the Dublin procedure will be accommodated in other Centres referred to in Legislative Decree No. 142/2015.

In consideration of the efforts made by the Italian Government in order to strongly reduce the migration flows, these Centres are adequate to host all possible beneficiaries, so as to guarantee the protection of the fundamental rights, particularly the family unity and the protection of minors.”209

(…)

The letter seems to imply that places are no longer reserved in second-line reception even for vulnerable Dublin returnees who are beneficiaries of international protection.

As regards the implementation of incoming transfers, only in cases where it expressly recognises its responsibility under the Dublin Regulation does Italy indicate the most convenient airport where Dublin returnees should be sent in order to easily reach the competent Questura, meaning the Questura of the area where the asylum procedure had been started or assigned. In other cases, where Italy becomes responsible by tacit acceptance of incoming requests, persons transferred to Italy from another Member State usually arrive at the main Italian airports such as Rome Fiumicino Airport and Milan Malpensa Airport. At the airport, the Border Police provides to the person returned under the Dublin Regulation an invitation letter (verbale di invito) indicating the competent Questura where he or she has to go.
On 12 December 2018 the Danish Refugee Council and Swiss Refugee Council published a report with their monitoring of the situation of 13 vulnerable Dublin returnees in Italy in 2017-2018.211 The report illustrates the arbitrariness underlying Dublin returnees’ reception by the authorities, timely access to accommodation and to the asylum procedure, and quality of reception conditions. Many asylum seekers have had to wait for several hours or even days without any support at airports such as Rome Fuimicino Airport and Milan Malpensa Airport before being received by the police. 
Some Dublin returnees were denied access to the Italian reception system upon arrival altogether or had to wait a long time before they were accommodated in SPRAR facilities.212 In its latest report of February 2018, MSF documented an increase of Dublin returnees among the homeless persons in Rome, Lazio who have no immediate and automatic access to the reception system.
It should be noted that if returnees had been placed in reception facilities and they had moved away, they could encounter problems on their return to Italy for their new accommodation request. Due to their first departure, in fact, and according to the rules provided for the Withdrawal of Reception Conditions, the Prefecture could deny them access to the reception system.
Substandard conditions in first reception centres and CAS were widely reported, falling far below standards for persons with special needs. The two organisations also found that oftentimes the receiving authorities were unaware of the specific vulnerability of the Dublin returnees. In one incident at Caserma Caraverzani, Udine, Friuli-Venezia Giulia, an Afghan asylum seeker returned from Austria to Italy committed suicide in August 2018. The person was under treatment by the local mental health service in Austria. It seems that no information was provided about his health status before or after the Dublin transfer.
Re-accessing the asylum procedure
Access to the asylum procedure is equally problematic. Asylum seekers returned under the Dublin Regulation have to approach the Questura to obtain an appointment to lodge their claim. However, the delay for such an appointment reaches several months in most cases. The competent Questura is often located very far from the airport and asylum seekers only have a few days to appear there; reported cases refer to persons arriving in Milan, Lombardy and invited to appear before the Questura of Catania, Sicily. In addition, people are neither accompanied to the competent Questura nor informed of the most suitable means of transport thereto, thereby adding further obstacles to reaching the Questura within the required time. In some cases, however, people are provided with tickets from the Prefecture desk at Milan Malpensa Airport.
Dublin returnees face different situations depending on whether or not they had applied for asylum in Italy before moving on to another European country, and whether or not the Territorial Commission had taken a decision on the application.
v In “take charge” cases where the person had not applied for asylum during his or her initial transit or stay in Italy before moving on to another country, he or she should be allowed to lodge an application under the regular procedure. However, the person could be considered an irregular migrant and be notified an expulsion order. In September 2018 a Libyan national arriving from Germany at Milan Malpensa Airport after Italy had accepted its responsibility was not allowed to seek asylum and received an expulsion order. An ASGI lawyer is representing the individual before the Magistrates’ Court (giudice di pace) of Varese that has not yet decided whether the removal order should be suspended or not. As reported to ASGI, other Dublin returnees were also denied the possibility to apply for asylum in at Milan Malpensa Airport in 2018.
v In “take back” cases where the person had already lodged an asylum application and had not appeared for the personal interview, the Territorial Commission may have suspended the procedure on the basis that the person is unreachable (irreperibile). He or she may request a new interview with the Territorial Commission if a termination decision has not already been taken after the expiry of 12 months from the suspension of the procedure. If the procedure has been terminated, however, the new application will be considered a Subsequent Application and will be subject to the stringent regulations set out by the Procedure Decree following the 2018 reform.
v In “take back” cases where the person’s asylum application in Italy has already been rejected by the Territorial Commission, if the applicant has been notified of the decision and lodged no appeal, he or she may be issued an expulsion order and be placed in a CPR. According to the new notification procedure applied since the end of October 2018 (see Regular Procedure: General), the same could happen even in case the applicant had been not been directly notified of the decision, since in case the applicant is deemed unreachable (irreperibile), the Territorial Commission notifies the decision by sending it to the competent Questura and notification is deemed to be complete within 20 days of the transmission of the decision to the Questura.
Courts from other countries have not taken a uniform approach to the compliance of transfers to Italy with fundamental rights, including following the amendments to the reception system by Decree Law 113/2018. Inconsistent court decisions have been noted in Germany and the Netherlands. In Switzerland, courts have not changed their previous position on the legality of transfers to Italy. In the United Kingdom, however, the Upper Tribunal annulled a transfer to Italy on 4 December 2018 concerning one asylum seeker and one beneficiary of international protection finding that the threshold for ill-treatment prohibited by Article 3 ECHR may be met in cases involving demonstrably vulnerable asylum seekers and beneficiaries of international protection.”

[5] Pode ler-se no dito Relatório, pp. 82 a 84:

            “1.1. Reception and obstacles to access to the procedure

According to the practice recorded in 2016, 2017 and 2018, even though by law asylum seekers are entitled to material reception conditions immediately after claiming asylum and undergoing initial registration (fotosegnalamento), they may access accommodation centres only after their claim has been lodged (verbalizzazione). This implies that, since the verbalizzazione can take place even months after the presentation of the asylum application, asylum seekers can face obstacles in finding alternative temporary accommodation solutions. Due to this issue, some asylum seekers lacking economic resources are obliged to either resort to friends or to emergency facilities, or to sleeping rough.

As reported by MSF in February 2018, at least 10,000 persons were excluded from the reception system, among whom asylum seekers and beneficiaries of international protection. Informal settlements with limited or no access to essential services are spread across the entire national territory, namely Ventimiglia, Turin, Como, Bolzano, Udine, Gorizia, Pordenone, Rome, Bari and Sicily.

Recent examples of asylum seekers facing obstacles to accessing accommodation include the following:

Friuli-Venezia Giulia: Asylum seekers in Pordenone faced severe obstacles to access asylum procedure and accommodation system in 2018. From November 2017, four asylum seekers, one Afghan citizen and three Pakistanis, had to wait 10 months to access the asylum procedure being refused and bounced from Venice Questura to the Pordenone Questura and back, with neither Questura undertaking responsibility. In September 2018, after several legal warnings the asylum seekers got access to the procedure and lodged their applications at Questura of Venice, but they are still waiting to get a place in the reception system. Three of them lodged an appeal to the Administrative Tribunal of Court against the “administrative silence” of the Prefecture of Venice after they had been convicted for unlawful occupation of the abandoned building they were living in. At the end of February 2019, the Administrative Court of Veneto accepted the appeal and ordered the Prefecture of Venice to activate the requested accommodation within 30 days. They are still waiting for a placement at the time of writing. Still in 2018, in Trieste, people waiting to lodge their asylum application and to be accommodated were fined by the police for squatting.

Lazio: On the occasion of the eviction of the building occupied by Eritrean refugees, which took place in Rome on 19 August 2017, UNHCR denounced the fact that hundreds of people fleeing war and persecution in transit in the city of Rome were forced to sleep on the streets in the absence of adequate reception. Due to the chronic lack of places in reception, makeshift settlements are increasingly set up in abandoned buildings far from the city centre, where hundreds of people live under squalid conditions.
Tuscany: In September 2018, a group of 20 to 30 asylum seekers from Pakistan had to wait for about three months to have access to reception facilities in Florence. After the fotosegnalamento, the Questura deferred all responsibility to the Prefecture which has been slow in arranging reception despite the intervention of Medici per i diritti umani (MEDU) and ASGI. As of 10 January 2019, over 80 people excluded from the reception system, some of them holders of humanitarian protection status and removed from facilities after the entry into force of the legislative decree 113/2018, were sleeping in the Parco delle Cascine in Florence.
Trentino-Alto Adige: In September 2018, almost 80 people were sleeping on the street awaiting to lodge their asylum application and to be accommodated in Trento, as their appointment for verbalizzazione at the Questura was for January 2019.”

[6] Com efeito, a páginas 116 do Relatório consta o seguinte:

“Persons applying for asylum in CPR are subject to the Accelerated Procedure. In practice, however, the possibility of accessing the asylum procedure inside the CPR appears to be difficult due to the lack or appropriate legal information and assistance, and to administrative obstacles. In fact, according to the Reception Decree, people are informed about the possibility to seek international protection by the managing body of the centre.

As reported to the Guarantor for the rights of detained persons during his visit to the CPR of Turin, carried out on 1 March 2018, detainees who intend to apply for asylum must address their request to one of the operators of the managing body. The latter then communicates to the Immigration Office that one of the detainees has requested an appointment, without providing any indication of the intention expressed by the interested party. Detainees wait for the appointment on average between two to three days but, due to the lack of documents certifying the intention to seek asylum, they could also be repatriated during this period.”

E a páginas 119:

            “According to ASGI, the new detention ground represents a violation of the prohibition on detention of asylum seekers for the sole purpose of examining their application under see Article 8(1) of the recast Reception Conditions Directive. People fleeing their countries often do not have identitication documents and cannot contact the authorities of the countries of origin as this could be interpreted as re-availing themselves of the protection of that country.”
[7] Relatório, páginas 124 e 125:

            “The Reception Decree does not provide a legal framework for the operations carried out in the CPSA now converted into hotspots. Both in the past and recently in the CPSA, in the absence of a legislative framework and in the name of unspecified identification needs, asylum seekers have been unlawfully deprived of their liberty and held for weeks in conditions detrimental to their personal dignity. The legalvacuum, the lack of places in the reception system and the bureaucratic chaos have legitimised in these places detention of asylum seekers without adopting any formal decision or judicial validation.

In the case of Khlaifia v. Italy, the European Court of Human Rights (ECtHR) has strongly condemned Italy for the detention of some Tunisians in Lampedusa CPSA in 2011, noting the breach, to them, of various rights protected by ECHR. In particular, the Court found that the detention was unlawful, and that the conditions in which the Tunisians were accommodated – in a situation of overcrowding, poor hygienic conditions, prohibition of contacts with the outside world and continuous surveillance by law enforcement, lack of information on their legal status and the duration and the reasons for detention – constituted a violation of Article 3 ECHR, the prohibition of inhuman and degrading treatment, and of Article 5 ECHR, in addition to the violation of Article 13 ECHR due to the lack of an effective remedy against these violation.593 The Grand Chamber judgment of 15 December 2016 confirmed the violation of such fundamental rights.594 Recently, at its meeting held between 12 and 14 March 2019, the Committee of Ministers of the Council of Europe, rejected the request made by the Italian Government to close the supervision processes initiated following the Khlaifia ruling. The Committee asked Italy to send further information on the measures adopted by 31 May 2019.

Although the new Article 6(3-bis) of the Reception Decree foresees the possibility of detention for identification purposes in specific places, such places are not specified and they will not be identified by law. In a Circular issued on 27 December 2018, the Ministry of Interior specified that it will be the responsibility of the Prefects in whose territories such structures are found to identify special facilities where this form of detention could be performed.

According to ASGI, detention in facilities other than CPR and prisons violates Article 10 of the recast Reception Conditions Directive, which does not allow any detention in other locations and also because in these places, the guarantees provided by this provision are not in place. According to ASGI, the amended Reception Decree also violates Article 13 of the Italian Constitution, since the law does not indicate the exceptional circumstances and the conditions of necessity and urgency allowing, according to constitutional law, for the implementation of detention. Moreover, the law makes only a generic reference to places of detention, which will be not identified by law but by the prefectures, thus violating the “riserva di legge” laid down in the Article 13 of the Constitution, according to which the modalities of personal freedom restrictions can be laid down only in legislation and not in other instruments such as circulars.”
[8] “Housing out of reach? The reception of refugees and asylum seekers in Europe”, ECRE, AIDA, disponível no sítio www.asylumineurope.org.
[9] Páginas 13, 22, 37 e 38 do Relatório citado na nota anterior.
[10] A páginas 12 e 13 do Relatório é dito:
“Since Decree No. 113/2018 on Security and Migration (also called the ‘Salvini Decree’) entered into force on 5 October 201851 asylum seekers, except for unaccompanied minors, no longer have access to SPRAR cen­tres. As a result, the name SPRAR was changed to System of Protection for Holders of International Protec­tion and Unaccompanied Minors.
Asylum seekers are now to be accommodated in the collective centres (CARA, CDA or CAS) until a final de­cision on their asylum application has been made. Except for unaccompanied minors, only those granted international protection54 (and their family members) can be accommodated in SPRAR centres. In its press release, the UNHCR voiced concerns about the negative impact of the measures introduced by the Decree on the Italian reception and asylum system.
On 25 October 2018 the Italian Ministry of Interior confirmed the practical consequences of the Salvini De­cree in a letter addressed to all SPRAR centres. The letter specifies that asylum seekers already offered ac­commodation in a SPRAR centre before 5 October 2018 remain entitled to accommodation in a SPRAR cen­tre, but henceforth no asylum seekers, except for unaccompanied minors, are allowed to enter and stay in a SPRAR centre. The letter from the Ministry of Interior explicitly mentions that also vulnerable asylum seekers are henceforth excluded from SPRAR centres.
Access to the Italian health care system, except for emergency treatment, is conditional on a person first obtaining a residence card in order to be issued a European Health Insurance Card, which will be valid for the same period as the residence card. Asylum seekers are only entitled to emergency treatment until their asylum application has been officially registered by the Questura. As the Salvini Decree determines that asylum seekers will no longer be issued with a residence card, asylum seekers will henceforth only have access to the health care services provided at their accommodation centre. The First-Line collective centres, where all newly registered asylum seeker will be accommodated, offer only limited access to emergency health care, whereby the Salvini Decree further restricts asylum seekers’ access to specialized health care.
Other changes introduced by the Salvini Decree include the abolition of the ‘humanitarian residence permit’, the form of protection that was previously the most used in Italy. To replace the humanitarian residence permit, the Salvini Decree introduced new residence permits for ‘exceptional cases’.”
E a páginas 32 e 33 do mesmo Relatório:
“(…)
Thus, it remains arbitrary how vulnerable Dublin returnees are received by the Italian authorities. Most of the monitored vulnerable Dublin returnees had to sleep on the streets upon arrival in Italy and gained ac­cess to reception centres or other shelters only as a result of their participation in the DRMP, as the DRMP’s interviewers often intervened on their behalf. Upon gaining access to reception conditions, these were often far from adequate to meet their special reception needs, in some cases due to the lack of access to special­ized health care.
As documented by cases 4, 10, and 13, there is a real risk of vulnerable asylum seekers being denied access to reception conditions after arriving in Italy as Dublin returnees. Case 4 described a single mother and her children being informed by the Italian authorities that they had lost the right to accommodation because they had previously left Italy after applying for asylum, whereas case 10 described an 18-year-old victim of human trafficking who had to wait nearly four months before he could access the reception system. Case 13 described a man suffering from HIV and a mental disorder who has been transferred to Italy twice, both times unable to find accommodation and without access to the necessary specialized health care.
The case studies also show that even if Dublin returnees are accommodated after arriving in Italy, they risk losing their right to accommodation later on. Although for different reasons, cases 3, 6, 9, 10 and 12 either lost their right to accommodation, or were able to remain the reception system only because the DRMP’s interviewers intervened, or as in case 10, because a legal practitioner from the transferring Member State had continued to follow the case and successfully argued against the withdrawal of the applicant’s reception conditions.
Legal analysis

That poor or inadequate reception conditions for asylum seekers can constitute inhuman or degrading treat­ment in violation of Article 3 ECHR has been stated by the ECtHR in its M.S.S. judgment68 and its Tarakhel judgment, where the Court made it clear that the assessment of ill-treatment must take into account all circumstances of a case, such as the duration of the treatment, its physical or mental effects and, in some instances, a person’s sex, age and state of health.
To ensure that asylum seekers, in particular those considered vulnerable and with special reception needs, are provided access to adequate reception conditions and health care, the access to and quality of reception conditions are regulated at the European level by the Reception Conditions Directive (recast) in particular. The Italian SPRAR system, prior to the Salvini Decree, was meant to provide adequate reception conditions to asylum seekers considered vulnerable, and following the Tarakhel judgment the Italian authorities have guaranteed that families with minor children will be accommodated in a SPRAR centre after being trans­ferred to Italy under the Dublin III Regulation.
However, by monitoring 13 vulnerable individuals or families transferred to Italy under the Dublin III Regu­lation, the DRC and OSAR have reaffirmed the findings of the first DRMP report from February 2017 which documented six families, none of which were provided with adequate accommodation, assistance and care upon arrival to Italy.
Thus, contrary to relevant international, European or national law, none of the 13 vulnerable individuals or families whose experiences have been described in this report had access to adequate accommodation upon arrival to Italy, which was also the case for the six families mentioned in the first DRMP report. It ap­pears to be a matter of chance whether a vulnerable Dublin returnee even has access to reception condi­tions upon arrival, as the Italian authorities neither meet the reception needs of asylum seekers in general nor the special reception needs of vulnerable asylum seekers despite their legal obligation to do so.
In H. and Others v. Switzerland, the ECtHR noted that although the six documented cases in the first DRMP report were not insignificant, the number of documented cases was not so high as to suggest that the as­surances of the Italian authorities following the Tarakhel judgment are per se unreliable. However, having documented an additional 13 cases of vulnerable Dublin returnees transferred to Italy, the DRC and OSAR find that it is clear, that there is a real risk of vulnerable Dublin returnees not being provided with adequate reception conditions upon arrival in Italy, exposing them to a risk of ill-treatment contrary to Article 3 of the ECHR and Article 4 of the EU Charter of fundamental rights.
Furthermore, as illustrated by the case studies and contrary to Italian law, vulnerable asylum seekers risk being denied or losing access to the Italian reception system without due consideration of their vulnerable situation or the principle of proportionality, which can significantly hinder their effective access to the asy­lum procedure.
Considering the inadequate reception conditions at present provided at Italian First-Line reception centres, where all asylum seekers, except for unaccompanied minors, are accommodated as of 5 October 2018, the DRC and OSAR are concerned that the conditions in the Italian reception system are likely to deteriorate. This implies among other things that asylum seekers, including Dublin returnees, will only have access to emergency health care.
(…)
With the experiences of the monitored Dublin returnees in mind, the DRC and OSAR call for a strengthened cooperation between Member States to protect the fundamental rights of persons transferred under the Dublin III Regulation. To this end, the DRC and OSAR find that clearer guidelines must be made concerning the obligations of the transferring Member State prior to a Dublin transfer, in order to ensure that the spe­cial needs of vulnerable asylum seekers are adequately addressed following the transfer.”
[11] Para melhores desenvolvimentos, veja-se a Nota Informativa elaborada em outubro de 2015 pela ELENA e publicada pela ECRE no sítio www.ecre.org, sobre Transferências Dublin Post-Tarakhel: Atualização sobre case law e prática europeia.