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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02771/08
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:06/09/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
REGIME ESPECIAL DA MARGEM.
FUNDAMENTAÇÃO.
INQUISITÓRIO.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. Não padece do vício formal de falta de fundamentação a sentença recorrida que constituiu um ampla base legal, doutrinária e jurisprudencial, que, num encadeado lógico e congruente, constitui o esteio da decisão que veio a alcançar;
2. Para o contribuinte poder beneficiar do regime especial de tributação da margem de não sujeição a imposto nas aquisições efectuadas de veículos em segunda mão a um sujeito passivo de outro Estado membro, tem de preencher diversos requisitos como seja o de que os vendedores dos veículos, nos seus Estados membros, já se encontrarem sujeitos a um regime especial da margem ou semelhante;
3. Não obstante vigorar no direito tributário o princípio do inquisitório, este não é absoluto, pois a lei também acomete ao impugnante o ónus de instruir a sua petição com «os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas...» (art.º 108.º n.º3 do CPPT);
4. Pretendendo o contribuinte beneficiar do regime especial de tributação da margem nas aquisições dos bens em segunda mão aos vendedores de outros Estados membros, cabia ao mesmo o ónus da prova de reunir todos os requisitos de que a lei faz depender para beneficiar de tal regime de não sujeição ao IVA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C....... – Comércio ................, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) A Sentença recorrida, relativamente à aí decidida aplicação do art.º 342°, do Código Civil, não aduz no respectivo texto, qualquer razão de facto ou de direito que permita à Recorrente compreender a razão pela qual se decide desta (ou de outra) maneira, consubstancia de que decorre a respectiva nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art.º 668°, nº1, al. d) do CPC, ex vi artº 2° do CPPT.
b) Nem a Recorrente deixou de agir com a diligência que lhe era devida, nem a falta dessa diligência torna a Recorrente sujeito passivo de IVA.
c) A actuação da Impugnante não é censurável porquanto não podia ter acautelado o conhecimento da situação fiscal dos vendedores alemães, pois não sendo autoridade administrativa não dispõe dos necessários meios para o efeito. Pelo contrário, a conduta da A.T., ao demonstrar desconhecer, sem ter efectuado qualquer esforço nesse sentido, é claramente obstaculizado do direito à prova e das fundamentais garantias do contribuinte.
d) Tendo o regime especial de tributação da margem como finalidade, atenuar um fenómeno de dupla tributação económica, ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados, não tem o Estado o direito de, sem mais, tributar tais operações económicas.
e) A ora Recorrente exerceu esse direito a ser tributada pelo regime supra referido, razão pela qual nunca poderá afirmar-se que renunciou a esse princípio.
f) Se o fornecedor alemão, por omissão só a si imputável, não referiu nas facturas que emitiu, tal como lhe competia, que transaccionou as viaturas ao abrigo de um regime legal existente na Alemanha, análogo ao regime da tributação pela margem, tal facto só poderá ser demonstrado através de requisição de informação, através dos Serviços do Núcleo para a Cooperação Administrativa - Intracomunitária, de que nas operações de venda, à ora Recorrente, pelos revendedores Alemães, o IVA foi estes liquidado.
g) Assim, exigir-se à Impugnante, que demonstre que o IVA foi liquidado no país de origem dos bens, consubstanciando uma prova impossível, de que decorre manifesta violação do princípio da proporcionalidade.
h) Sendo IVA é um Imposto harmonizado comunitariamente,
relativamente ao qual se encontra estabelecido, ademais, um sistema denominado - VAT Information Exchange System, bastaria à Administração fiscal, com recurso aos Serviços do Núcleo para a Cooperação Administrativa Intracomunitária, requerer a prestação da Informação necessária ao apuramento da verdade material.
I) É objectivamente injusto e violador do princípio da unidade do sistema Jurídico, que a ora Recorrente seja prejudicada, pelo cumprimento integral das respectivas obrigações declarativas.
j) O adquirente não pode, só por isso, ficar impossibilitado de demonstrar a verdade de um facto, apenas porque o documento emitido normalmente para esse efeito, porque uma terceira entidade não residente incorreu em erro ou lapso ao emiti-lo.
k) A conduta da A.T., de recusa de apresentação de documentos e indagação de tais factos, consubstancia obstaculização da prova, pela Recorrente, da ilegalidade da actuação da A. T..
l) Tal conduta ou posição da A.T., pressupõe a manifesta violação do princípio da colaboração recíproca, entre os órgãos da A. T. e os contribuintes, plasmado no art.º 59° da LGT.
m) A conduta da A. T., de recusa de apresentação de documentos e indagação dos factos de que resulta a liquidação de imposto, é igualmente violadora do princípio do inquisitório, porquanto a A.T. jamais se preocupou em saber se o IVA foi efectivamente foi liquidado, na Alemanha, e suportado pela ora Recorrente, conjuntamente com o preço dos veículos.
n) O que conflui na situação prevista no art.º 100º, nº1, do CPPT, resultando da inércia probatória da administração, tendente à demonstração do facto pressuposto da liquidação - a inaplicabilidade, em derrogação da declaração do Contribuinte que cumpriu integralmente as respectivas obrigações declarativas - uma clara e fundada dúvida relativamente à existência do facto tributário.
o) Foi ainda violado o direito a um processo justo e equitativo, pois a limitação do direito à prova gera um desequilíbrio e desigualdade entre as partes, ao arrepio do princípio da igualdade, que deve entre elas valer e vigorar.
p) A sentença Recorrida erra, salvo melhor opinião, ao aplicar «aqui o princípio estatuído no art.º 342°, nº1, do C. Civil, não só porque o C.P.P.T. dispõe de norma expressa sobre esse tema decidendum, no respectivo art.º 76°, da LGT.
q) Mas também porque, se a conduta da administração consubstancia, relativamente ao Contribuinte um acto de natureza agressiva ­porquanto lhe impõe uma obrigação contributiva até então inexistente - não se compreende porque razão se considera que é o contribuinte quem alega um facto constitutivo de um direito.
r) Acresce que, encontrando-se consagrado, no nosso ordenamento jurídico-tributário, o princípio do sistema declarativo, todas as restantes vias da respectiva determinação, da iniciativa da Administração, surgem como meios subsidiários ou residuais.
s) Pelas razões expostas, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a "...prova da verificaçao dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)... ".
t) Cabendo à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IVA por falta de reconhecimento de deduções declaradas pelo contribuinte, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 82° n° 1 do CIVA, demonstrando, quer a existência de declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas, quer a pertinência desse juízo, que tem de se mostrar objectiva e materialmente fundamentado, através de elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação e prova de indícios sérios que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.
u) Se não conseguir fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, não por força do disposto no art. 121º do CPTT que não logra aplicação ao caso dado que não é a AT que está a afirmar a existência de factos tributários, mas porque tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus de prova que sobre si impendia, de não ter convencido o tribunal quanto à verificação dos pressupostos legais que lhe permitiam agir.

Termos em que deverá a Sentença recorrida ser anulada, por falta de fundamentação;
Ou, assim não se entendendo, deverá ainda assim conceder-se procedência ao presente recurso e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, declarando a procedência da impugnação deduzida pela ora Recorrente, assim se fazendo Sã e Serena
Justiça!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por além do mais a mesma não ter feito a prova relativos ao IVA pago na Alemanha como se propunha fazer no art.º 60.º da sua petição inicial de impugnação judicial.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de falta de fundamentação conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se houve violação do princípio do inquisitório por parte da AT ao não ter apurado junto das entidades emitentes das facturas se as mesmas também se encontravam sujeitas a um regime especial de tributação ou equivalente; Se no caso cabia à ora recorrida que não à recorrente o ónus da prova de que os vendedores dos veículos na Alemanha também se encontravam sujeitos a um regime especial de tributação de IVA.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A Impugnante exerce a actividade de comercialização, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos e importação de veículos usados, CAE 050100. (Fls. 110 a 126 do p.a. em apenso).
B) A Impugnante encontra-se enquadra em IRC no Regime Geral e em sede de IVA no Regime Normal de periodicidade trimestral desde 15.11.2001. (Fls. 110 a 126 do p.a. em apenso).
C) Na sequência da Ordem de Serviço n.º ............, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa relativamente aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no âmbito dos impostos sobre os rendimentos e do IVA. (Fls. 110 a 126 do p.a. em apenso).
D) Nas Declarações Modelo 22, dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 a Impugnante declarou os seguintes valores:
RUBRICA 2002 2003 2004
Vendas de Produtos 1.324.10518 1.625.15482 1.614.916,37
Prestações de Serviços -------- 30.007,49 63.962,51
Proveitos Suplementares 16.69695 31.94226 ---------­
Proveitos Ganhos Financeiros 3.078,26 0,01 55,44
Total dos. Proveitos 1.343.880,39 1.687.104,58 1.678.934,32
Custo das Mercadorias vendidas 1.269.545,06 1.582.931,23 1.524.845,49
Fornecimentos Serviços Externos 50.483,86 66.837,39 84.963,39
Impostos Indirectos 837,25 2.043,88 1.585,60
Custos com Pessoal 53.143,71 43.259,33 34.013,07
Outros Custos e Perdas
Operacionais ---------- 129,60 -----------
Amortizações do Exercício 120,97 147,22 495,97
Provisões do Exercício -------- 4.000,00 --------­
Custos e Perdas Financeiras 11.699,22 13.367,20 11.790,85
Custos e Perdas Extraordinárias 501,02 2.060,27 772,22
Total dos Custos 1.386.331,09 1.714.776,12 1.658.466,59
Imposto sobre Rendimento
Exercício ------------ 91,70 -------------
Resultado Líquido (42.450,70) (27.763,24) 20.341,94
Acréscimos(Q17) 501,02 6.035,72 602,01
Lucro/Prejuízo para Efeitos
Fiscais (41.949,68) 121.727,52) 20.943,95
(Fls. 110 a 126 do p.a. em apenso)
E) No âmbito da acção de fiscalização referida na al. C) do probatório foi elaborado o Relatório da Inspecção, vindo a Impugnante a exercer o direito de audição, nos termos consignados no requerimento entrado na Direcção de Finanças de Lisboa em 31.03.2006. (Fls. 431 a 432 do p.a. em apenso)
F) A Impugnante nas aquisições intracomunitárias, (viaturas usadas) optou pela aplicação do Regime Especial dos Bens em Segunda Mão, que mencionou em todas as facturas emitidas, com excepção para a factura n.º 80 de 22/03/03 em que liquidou IVA pelo regime Geral. (Fls. 110 a 126 do p.a. em apenso)
G) A Impugnante adquiriu as viaturas aos revendedores Bekmezci Cevdet DE: 120 163291 e Autohaus TOFF TOFF GmbH, DE: 228591 608, sediadas na Alemanha e as facturas não fazem qualquer referência ao IVA.
H) Em resultado de fiscalização referida na al. C) do probatório, foi elaborado o relatório de fls. 110 a 126 do p.a. em apenso do qual destacamos:
«Do exposto a empresa “C... – Comércio ........., Lda”, não poderia ter aplicado o regime especial de tributação da margem, às vendas de viaturas usadas adquiridas na União Europeia, deveria ter aplicado o regime geral do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Aplicando o regime geral do Imposto sobre o Valor Acrescentado (art. 16° do CIVA), o valor tributável das transmissões de bens é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, o valor a pagar pelo comprador.
Dado que o sujeito passivo liquidou IVA (taxa de 17% ou 19%) pelo método da margem, tendo incidido o IVA sobre a diferença entre o valor da venda e o somatório do preço de compra e do imposto automóvel e todos os serviços acessórios, ao valor de venda das viaturas constantes das facturas emitidas pela C... - COMÉRCIO .........., LDA., vai retirar-se o IVA que liquidou, à diferença vai aplicar-­se o IVA à taxa normal (17% ou 19%), apurando-se deste modo o IVA Devido (que deveria ter sido liquidado) e ao valor apurado vai retirar-se o IVA que a empresa já liquidou, obtendo-se o IVA em falta.»
I) Com base nos fundamentos apostos no Relatório de Inspecção os Serviços de Inspecção Tributária efectuaram as seguintes correcções aritméticas:
Ano de 2002 Ano de 2003 Ano de 2004
Trimestre Base IVA em falta Base IVA em falta Base IVA em falta
Tributável Tributável Tributável
1º Trim. 122.111.19- 20.758,90- 67.371,23- 12.800,54- 122.991,39-23.368,33
2º Trim. 208.604,77- 35.864,68- 84.178,26- 15.993,87- 124.680,95-23.689,38
3° Trim. 108.859,22- 20.683,25- 51.342,71- 9.755,12 304.940,24-57.938,65
4°Trim. 227.71,25- 43.219,51- 400.281,84- 76.053,57- 320.234,70-60.844,60
TOTAL 667.046,43- 120.526,35- 603.174,04-114.603,10-872.847,28-165.840,96
J) Em consequência das correcções supra identificadas, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.ºs 060...., 060......, 060...., 060...., 060....., 060....., 060...., 060...,060....., 060....., 060...., 060...., 060..., 060...., 060....., 060....., 060...., 060....., 060...., 060..., 060...., 060...., 060....., 060..... referentes aos períodos de 2002, 2003 e 2004 perfazendo o montante de € 439.460,93,06. (Doc. n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,10,11,12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 junto à p.i.)
L) Em 31.10.2006, conforme carimbo aposto a fls. 1, a impugnante deduziu a presente impugnação.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.


4. Tendo sido imputada à sentença recorrida o vício de falta de fundamentação (formal), a existir, conducente à declaração da sua nulidade - cfr. matéria da sua conclusão a), e respectivo pedido formulado a final de ...deverá a Sentença recorrida ser anulada por falta de fundamentação (quereria dizer, declarada nula, que é esse o efeito a que tal vício formal conduz) - porque a mesma a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alíneas b), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal falta de fundamentação, por a sentença recorrida, quanto à aplicação do art.º 342.º do Código Civil, não aduzir as razões, de facto ou de direito, que permitam compreender a razão pela qual assim se decidiu, desta maneira, pelo que bem a decisão poderia ter sido outra, já que não se expõem os fundamentos por que assim se concluiu, faltando, em tal peça processual, externar as razões de facto e de direito que a ancora e a sustêm.

Lendo e analisando a sentença recorrida, dela se vê, contudo, que a M. Juiz do Tribunal “a quo”, também nesta parte, não deixou de fundamentar a decisão quanto à aplicação da norma do art.º 342.º do Código Civil (CC), ao fazer mencionar, “Ora, a impugnante não logrou provar, tal como lhe competia que relativamente às viaturas em causa, o fornecedor alemão as transaccionou ao abrigo de regulamentação existente no seu país idêntica ao regime especial de tributação pela margem, vigente em Portugal, pressupostos estes que afastariam a sujeição a IVA, nos termos do citado n.º1 do art. 14.º do DL n.º 199/86.
Sempre se diga, que não colhe o argumento produzido pela impugnante, no sentido que competia à Administração Fiscal apurar junto dos revendedores, se existiu ou não a liquidação de IVA na origem, pois que como ficou escrito, tal tarefa probatória recaía sobre si.
É, que o ónus de prova incumbe, por via de regra, à parte que toma a iniciativa de peticionar a concessão da providência jurisdicional no caso concreto que submete a juízo.
Rege aqui o princípio geral estatuído no art.º 342,.º, n.º1, do C. Civil – a parte que invoca o direito é onerada com a prova dos respectivos factos constitutivos...” fundamentação que assim até apresenta alguma desenvoltura no sentido em que funda o juízo desse ónus da prova impender sobre a ora recorrente, pelo que nunca poderia ocorrer o invocado vício formal, mesmo que tal fundamentação fosse insuficiente, obscura ou contraditória, o que, manifestamente, não é o caso, não acarretaria a sua nulidade, porque tal vício formal apenas a lei o comina para a falta absoluta de motivação, que não para a sua falta parcial, insuficiente ou medíocre(1).

Como sobre tal matéria também se pronunciava o Professor Alberto dos Reis(2), há que distinguir cuidadosamente, a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por tal falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total dos fundamentos de direito e de facto, não podendo ocorrer assim a invocada nulidade.


Improcede assim, a conclusão do recurso supra referenciada, relativa a tal vício formal.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não ocorrera a caducidade do direito à liquidação do imposto quanto aos três primeiros trimestres de 2002 e que a ora recorrente não logrou provar que as aquisições das viaturas em causa, na Alemanha, já o haviam sido ao abrigo de regulamentação existente neste País, idêntica ao regime especial da tributação pela margem, existente em Portugal, que assim afastariam tais operações da sujeição a IVA, prova que lhe cabia efectuar nos termos gerais do disposto no art.º 342.º do C.Civil.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além do invocado vício formal imputado à sentença recorrida de falta de fundamentação, já conhecido supra, vem ainda invocar a violação do princípio do inquisitório por a AT não diligenciado saber se tais transacções na Alemanha já o haviam sido pelo método da margem ou equivalente – sua alínea m) – que a prova dessa factualidade tendente à liquidação cabia à ora recorrida – suas alíneas p) e t) – e, como questão nova, a violação de diversos princípios (entre eles o da proporcionalidade, da colaboração recíproca e da igualdade) – suas alíneas g), l) e o) – tendo “deixado cair” o fundamento de caducidade do direito à liquidação quanto aos três primeiros trimestres do ano de 2002, que invocara na sua petição inicial (art.ºs 28.º e segs), já que quanto a este nenhuns argumentos, razões ou raciocínios, vem expender no sentido de errado julgamento efectuado na sentença recorrida, ao julgá-lo inverificado, conducente a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre a mesma que levasse à sua alteração ou anulação (art.º 690.º n.º1 do CPC).


4.1.1. Quanto à violação do princípio do inquisitório pela AT, como invoca a ora recorrente [cfr. alínea m) das suas conclusões do recurso], por a AT não ter averiguado se o IVA havia sido liquidado na Alemanha e suportado pela mesma, conjuntamente com o preço dos veículos, diremos que, tal como o tribunal (art.º 99.º da LGT e 13.º do CPPT), também a AT, no âmbito do procedimento tributário, se encontra vinculada a tal princípio, por força do disposto no art.º 58.º da LGT, segundo o qual a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

Princípio, contudo, que não pode ser encarado em termos absolutos, como parece pretender a ora recorrente, antes tem de ser concatenado com outras normas e princípios jurídicos, como com a norma do art.º 74.º n.º1 da mesma LGT, que dispõe que, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, regime que de resto, já era entendido vigorar antes da entrada em vigor da LGT, com a aplicação da norma do art.º 342.º n.º1 do C. Civil que, em termos gerais, dispõe no mesmo sentido(3).

Como corolário desta regra da repartição do ónus da prova, a norma do art.º 108.º n.º3 do CPPT, dispõe que o impugnante na sua petição inicial, oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes, ou seja procurará instruir os autos com as provas já constituídas e em seu poder e requererá a produção das provas constituendas, o que nada disto seria necessário se tal princípio do inquisitório pudesse ter o alcance que a ora recorrente lhe pretende atribuir, porque seria à AT que caberia provar toda a factualidade atinente.

No caso, pretendia a ora recorrente ser abrangida pelo regime especial de tributação conhecido como da margem previsto no Dec-Lei n.º 199/96, de 18.10, diploma este que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 94/5/CE, do Conselho, de 14.2.1994, pelo que só poderia exercer o direito a tal tributação se as facturas de aquisição dos veículos automóveis na Alemanha também fossem emitidas por sujeitos passivos do IVA, agindo como tal, também sujeitos a este regime especial de tributação, o que as ditas facturas omitem, como não se encontra em causa, pelo que não poderia a mesma beneficiar de tal regime especial de tributação, e cabia-lhe a si, nos termos da citada norma do art.º 74.º nº1 da LGT, vir agora provar tais requisitos de abrangência dos vendedores por tal regime especial de tributação em IVA, sob pena de ficar sujeito às regras gerais de aplicação do IVA.

Por outro lado, foi a própria ora recorrente que na matéria dos seu art.ºs 60.º e 68.º da sua petição inicial de impugnação veio articular que iria diligenciar junto dos vendedores dos veículos para efectuar a prova sobre tal factualidade de os mesmo se encontrarem, também, no regime especial de tributação do IVA, que assim à ora recorrente beneficiaria, mal se quadrando pois, que agora venha esgrimir em contrário, que tal prova antes cabia à AT efectuar, improcedendo assim, também, a matéria destas conclusões do recurso.


4.1.2. Na matéria das alíneas p) e t) das suas conclusões do recurso, vem a recorrente esgrimir que a sentença recorrida errou, ao lhe atribuir a si o ónus da prova sobre a factualidade donde derivaria a tributação especial pelo pretendido método da margem, que antes caberia à Fazenda Pública, fazendo apelo à norma do art.º 76.º da LGT.

Cabe referir que no direito adjectivo fiscal, art.º 99.º da LGT e 13.º do CPPT, e no direito adjectivo civil, art.º 265.º n.º3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.º 264.º n.ºs 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.

A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a...suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto...cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário. Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, anotação 8. ao art.º 121.º, págs. 267 e 268.

No caso, o que acontece é que a AT logrou provar e nem se coloca em causa, os pressupostos legitimadores da sua actuação de tributar a ora recorrente pelo regime geral do IVA, conforme se pode ver do relatório do exame à escrita constante do PAT apenso e não contrariada por qualquer outra, por a contribuinte, onde se pode ler «O sujeito passivo adquiriu as viaturas usadas na União Europeia a um sujeito passivo revendedor, e segundo a alínea d) do n.º1 do art.º 3.º do referido Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades, aprovado pelo Dec-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro (em vigor a partir de 23 de Outubro de 1996), só poderia aplicar o regime especial da tributação da margem, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tivesse sido efectuada pelo regime especial de tributação da margem.
Ora, no caso vertente, o sujeito passivo, ao adquirir as viaturas aos revendedores Bekmezci Cevdet DE: 120 163 291 e Autohaus Toff GMBH, DE: 228591 608, sediadas na Alemanha, as facturas não fazem qualquer referência ao IVA.
Do exposto a empresa ... não poderia ter aplicado o regime especial de tributação da margem, às vendas de viaturas usadas adquiridas na União Europeia...», por esta, nas facturas passadas pelo revendedores e em seu poder, não reunir os requisitos para a sua tributação pelo método da margem, como a mesma pretende, pelo que cabe a esta que não à Fazenda Pública, provar que reúne todos os requisitos para beneficiar de tal regime especial de tributação e, que, uma vez não provados, quer por instrução oferecida pelas partes, quer pela conseguida pelo tribunal, a causa tem de ser decidida contra parte onerada com o ónus dessa prova, no caso a ora recorrente, nos termos do disposto nos art.ºs 74.º n.º1 da LGT e 342.º do Código Civil, entendimento que já era o vigente antes da entrada em vigor da mesma LGT, não se vendo que tal matéria tenha que ver com a norma do art.º 76.º da mesma LGT, invocada pela ora recorrente, relativa ao valor probatório das informações oficiais.

O Dec-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, veio proceder, em matéria de harmonização comunitária, à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 94/5/CE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, tendo pela norma do seu art.º 4.º vindo aprovar o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades, dispondo no seu art.º 3.º:
1 – As transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou de antiguidades, efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:
a) a uma pessoa que não seja sujeito passivo;
b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;
c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objecto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;
d) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada.
2 - ...
3 – O direito de opção será exercido relativamente ao conjunto das operações referidas no número anterior, mediante comunicação prévia à Direcção-Geral dos Impostos, produzindo efeitos imediatos.
...
E a do art.º 14.º:
1 – Não obstante o disposto nas alíneas a) e d) do artigo 1.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, aprovado e publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro, não são sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as aquisições intracomunitárias de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou de antiguidades, se o vendedor for um sujeito passivo revendedor ou um organizador de vendas em leilão e os bens tiverem sido sujeitos a imposto sobre o valor acrescentado no Estado membro de expedição ou transporte, de acordo com um regime especial idêntico ao previsto nestes diploma.
2 - ...
3 - ...

Pelas normas citadas verificamos que para a ora recorrente beneficiar do regime especial de tributação da margem, sem sujeição a imposto na aquisição desses veículos automóveis adquiridos na Alemanha, teria de ter dado cumprimento a diversos requisitos legais como bem se fundamentou na sentença recorrida, pelo que é a mesma que se arroga ao exercício de um direito que a lei lhe concede, de forma condicionada, pelo que lhe cabia a ela preencher todos esses requisitos e demonstrar que os preenchera, para obter a almejada tributação por esse regime especial, sob pena de, a sua situação se enquadrar no regime geral de sujeição do IVA, não sendo desta forma a sentença recorrida, que também assim entendeu e decidiu, merecedora da crítica que a recorrente lhe assaca, devendo ser confirmada na ordem jurídica.


4.1.3. Veio ainda a recorrente a invocar, pela primeira vez, a violação pela sentença recorrida, de diversos princípios, entre eles o da proporcionalidade, da colaboração recíproca, da dúvida fundada e da igualdade e de um processo justo, matéria que não articulara na sua petição inicial de impugnação e também não foi conhecida na sentença recorrida, tratando-se assim de questões novas, insusceptíveis pois, de serem conhecidas por este Tribunal em sede de recurso, por também não serem de conhecimento oficioso.

Como é sabido, face à nossa lei, os recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento. O recurso opera através de um novo exame da causa, por parte de ordem jurisdicional hierarquicamente superior – cfr. CPC Anotado, do Professor Alberto dos Reis, Volume V (Reimpressão), pág. 211 e segs.
Em sede do recurso apenas podem ser considerados como factos novos, aqueles que dispensam a alegação das partes. É o caso dos factos de conhecimento oficioso e funcional (art.º 514.º n.º2) e dos factos notórios (art.º 514.º n.º1), ambos do CPC(4).
É da essência dos recursos modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matérias novas ou seja, invocar-se fundamentos que não tenham sido abordados na decisão recorrida, cfr. Acórdão do STA de 20.1.1988,recurso n.º 4.706, entre muitos outros.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,9 de Junho de 2009

EUGÉNIO SEQUEIRA
MAGADA GERALDES
JOSÉ CORREIA

(1) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 25.3.2009, recurso m.º 923/08-30. .
(2) In Código de Processo Civil, anotado vol. V, Reimpressão, pág. 140.
(3) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 14.1.2004, recurso n.º 1480/03.
(4) Cfr. neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Edição, LEX 1997, pág. 454.