Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12314/15
Secção:
Data do Acordão:07/31/2015
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores: DIREITO À INFORMAÇÃO
ORDEM DOS ADVOGADOS
PROCESSO DE INQUÉRITO
Sumário:
Deve ser emitida certidão de pronúncia de Advogado, efectuada em sede de processo de inquérito instaurado pela Ordem dos Advogados, quando tal inquérito foi objecto de despacho de arquivamento, dado tal pronúncia não revestir natureza secreta, não se mostrando a emissão da aludida certidão violadora do artigo 120º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência no Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Alfredo ………………………….., requereu processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra a Ordem dos Advogados, tendo formulado pedido de intimação da entidade requerida na emissão de certidão “do acto em que a Advogada Participada se pronuncia em sede de apreciação liminar”, no âmbito da participação disciplinar nº1102/2014-L/AL.

Por sentença proferida pelo T.A.C. de Lisboa, foi deferida a pretensão formulada, tendo a entidade requerida sido intimada a fornecer, no prazo de 10 dias, a certidão solicitada pelo ora recorrido.

Inconformado com a referida decisão a Ordem dos Advogados recorreu para este Tribunal Central, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. Deve ser rejeitada a Intimação apresentada pelo ora Recorrido, uma vez que tem de se considerar para todos os efeitos que este não apresentou o comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça ou do documento que atesta a concessão de apoio judiciário, nos termos do nº 1, al. d), do art.º 80º da C.P.T.A., uma vez que o apoio judiciário foi requerido antes de qualquer facto relacionado com a presente intimação;
B. A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, é um meio processual inidóneo, por falta de pressuposto essencial, caso o requerente, não tenha identificado o fim (artº 120º/4 do E.O.A.) a que a certidão se destinava, para que a ora Recorrente pudesse analisar e decidir em conformidade;
C. As respostas dos Advogados à sua ordem profissional, o pedido de escusa de patrocínio oficioso formulado por Advogado e respetiva decisão do órgão competente da Ordem dos Advogados, não são atos administrativos nem relevam desse tipo de função, e não são equiparáveis aos restantes atos do processo de apoio judiciário, na modalidade de pedido de nomeação de patrono;
D. Os esclarecimentos prestados pelo Advogado à sua ordem profissional, bem como a consciente decisão, por parte de um causídico, de não querer patrocinar determinada causa, permanece e deverá permanecer no plano da consciência, e, portanto, SECRETA, extrapolando apenas da consciência do Advogado visado para a consciente apreciação feita a tal consciência por parte dos seus colegas do respetivo Conselho Distrital, a quem compete decidir a escusa, por razões de proteção de princípios deontológicos privativos da Ordem dos Advogados enquanto Associação Pública, como, designadamente, o consagrado na alínea b), do nº 2 do artigo 85º do E.O.A;
E. Os esclarecimentos e um acto de escusa de patrocínio oficioso, elaborado por Advogado, de acordo, em última instância, com a sua própria consciência ético-moral, decorrente do estatuto profissional e do exercício da profissão, ou a própria decisão do competente órgão da Ordem dos Advogados, que recaia sobre tal pedido de escusa, não são “documentos” sob a alçada de aplicação da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos.
F. Pelo que, as comunicações dos Advogados como o sejam pedidos de escusa, ou respostas efectuadas pelos Advogados à sua Ordem, têm de ser considerados como limites ao exercício do direito à informação administrativa procedimental.
G. O patrocínio forense oficioso desenvolvido pelos Advogados, os esclarecimentos prestados pelo Advogado à sua ordem profissional e a possibilidade de se escusarem ao patrocínio e as respectivas decisões proferidas pelo órgão da Ordem dos Advogados, não são funções administrativas nem relevam da actividade administrativa, mas sim questões no âmbito de uma relação entre o profissional forense e a respectiva Ordem Profissional e o exercício da liberdade de consciência do Advogado e da Classe Profissional, não dizendo respeito a dados do Cliente/Patrocinado, pois que a consciência do Advogado só a ele diz respeito, inexistindo interesse direito, pessoal ou legítimo do Cliente no acesso a tal “consciência”;
H. A decisão recorrida, ao interpretar a Lei de forma desconforme ao sentido indicado nas conclusões supra, violou os seguintes dispositivos legais: nº 1, al. d), do artº 80 da CPTA, artº 120º, nº 4 do E.O.A.; artigo 208º da Constituição da República Portuguesa, alínea b), do nº 2, do artigo 85º e artigo 87º do E.O.A., artigo 104º, nº 1 do CPTA; artigo 3º, nº 2, alínea b), da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.

Contra-alegou o recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. O Autor litiga com benefício de apoio judiciário, validamente concedido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., sendo que só a este Instituto cabe apreciar a validade da sua concessão e atribuição;
B. Sendo que o ora Autor indicou atempada e validamente o motivo justificativo que o levou a pedir a certidão que a Requerente se nega a passar, com o propósito de - obtido parecer jurídico confirmativo da validade dos indícios - instaurar queixa-crime contra a Advogada visada, sendo certo que estando assente que a denúncia foi arquivada não pode operar o vertido no artigo 120º, n.º4. do Estatuto da Ordem dos Advogados, uma vez que a tal norma pressupõe que esteja em curso um processo disciplinar, circunstância que não ocorre.
C. Estando em curso um pedido de intimação para a obtenção de certidão sobre o pedido de escusa de advogada oficiosa e respectiva decisão do Conselho Distrital de Lisboa, em procedimento que é administrativo por decorrer junto da associação pública, não se compreende a invocação genérica do segredo profissional previsto nos artigos 35º nº 2 alínea b) e 37º do Estatuto da Ordem dos Advogados, quando o Autor não é um advogado, visando tal segredo profissional proteger os c1ientes das inconfidências a terceiros pelos advogados, o que não é manifestamente o caso
D. A Recorrida encontra-se vinculada e adstrita ao princípio da legal idade e ao princípio da administração aberta, seu corolário, de acordo com o disposto no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e 61º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, pelo que a certidão pretendida pelo Autor não se encontra sujeita a qualquer sigilo profissional e terá que lhe ser concedida.


O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


II) Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

1. O Requerente apresentou queixa contra a Ilustre Advogada CP ………….. junto do Conselho de Deontologia de Lisboa da OA, em 23 de Setembro de 2014, queixa que deu origem à participação disciplinar nº 1102/2014-L/AL.

2. Tal participação disciplinar foi liminarmente arquivada pelo Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da OA (cfr. ofício que antecede).

3. Na sequência de recurso do Requerente, o Plenário do Conselho, por deliberação unânime, confirmou esse arquivamento em 24.03.14 (cfr. ofício que antecede).

4. O Requerente dirigiu à Entidade Requerida o requerimento do seguinte teor, o qual deu entrada nos serviços desta em 17.12.2014:
“ Alfredo …………………………, participante e melhor identificado nos autos à margem referenciados em que é visada a Senhora Dra Isabel ……….. (CP…………) por entender – mormente pela análise da transcrição constante do despacho de arquivamento proferido em 20.11.2014 e anexo ao ofício nº D/009647, de 20.11.2014, desse Conselho de Deontologia, que existem indícios substantivos da eventual prática de ilícito penal, vem requerer a V. Exª acesso a certidão do acto em que a advogada participada se pronuncia, em sede de apreciação liminar, de fls. 11 (onze) a 47 (quarenta e sete).”

5. Este requerimento mereceu o seguinte despacho:

“Atento o requerimento, junto a fls. 65 dos autos acima identificados, entregue pelo participante, Senhor Alfredo……………………………, deverá a secretaria esclarecer o mesmo de que, nos termos do artigo 120º, nº 4 do Estatuto da ordem dos Advogados só é possível a este órgão emitir certidões, indicando-se o fim para que as mesmas se destinam, ficando o seu uso condicionado.”

6. No impresso que consubstancia o requerimento de protecção jurídica de pessoa singular o Requerente assinalou no ponto 4.2.1. a opção “propor acção judicial” e quanto ao tipo de acção mencionou “administrativa” (cfr. impresso junto ao r.i.)

7. E no ponto 4.3 acrescentou “intimação para prestação de informações e passagem de certidão”.

8. O apoio judiciário foi concedido ao Requerente (cfr. ofício junto ao r.i.).

III) Fundamentação jurídica

Importa apreciar o presente recurso, balizado pelas respectivas alegações, sintetizadas nas conclusões, que se alicerça na posição, sustentada pelo recorrente, em suma, segundo a qual a pretensão do recorrido deveria ter sido indeferida pelo T.A.C. de Lisboa dada a certidão pretendida não dizer respeito a documento submetido à aplicação da L.A.D.A., bem como a natureza secreta ou reservada das respostas dadas pelos Advogados à Ordem.

Vejamos:

O nº 1 do art. 268º da C.R.P. preceitua que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas” – direito à informação procedimental
Por outro lado, de acordo com o estabelecido no art. 268 nº 2 da C.R.P., “os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” – o que se entende ser a afirmação do direito de acesso a documentos e registos administrativos, através da consagração do princípio da administração aberta – direito de informação não procedimental.

Estamos assim perante duas figuras distintas, que têm tratamento jurídico diverso, sendo o direito à informação procedimental regulado nos arts. 61º a 64º do C.P.A. e o direito à informação não procedimental regulado no art. 65º do C.P.A. e na Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto

A distinção entre as duas figuras em que se decompõe o direito dos particulares à informação prende-se com o seguinte critério: o direito à informação procedimental pressupõe a existência de um processo pendente e, por banda do particular, um interesse directo ou legítimo na obtenção da informação, sendo que o direito à informação não procedimental é conferido a todas as pessoas.
Assim, “…a distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e o distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela.”

O critério de distinção reside na seguinte linha divisória: “ o direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso; tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento, o direito à informação tem natureza não procedimental.
As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa.”

No caso em apreço, está em causa a emissão de certidão “do acto em que uma advogada (de quem fez participação à Ordem dos Advogados) se pronuncia em sede de apreciação liminar”, pretensão deferida pelo T.A.C. de Lisboa, decisão da qual discorda a recorrente.

Como primeiro fundamento de recurso aduziu a recorrente que a intimação deveria ter sido rejeitada dado se dever considerar que o ora recorrido não apresentou o comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça ou do documento que atesta a concessão do apoio judiciário dado o apoio judiciário ter sido requerido antes de qualquer facto relacionado com a presente intimação, argumento que o Tribunal não acolhe dado que, conforme se refere na decisão recorrida “…nada impedia o Requerente de, à cautela, fazer o pedido de apoio judiciário, para estar preparado para agir em tribunal caso a resposta obtida não fosse favorável”, o que veio a suceder, não impedindo a lei que o requerente de protecção jurídica formule o respectivo requerimento previamente à efectiva necessidade de tutela judiciária, pelo que improcede o primeiro segmento de recurso.

Aduziu a recorrente, como segundo fundamento de ataque à decisão recorrida, que o ora recorrido não indicou o fim a que se destinava a certidão pretendida e que “os esclarecimentos prestados pelo Advogado à sua ordem profissional, bem como a consciente decisão, por parte de um causídico, de não querer patrocinar determinada causa, permanece e deverá permanecer no plano da sua consciência, e, portanto, secreta….”, “pelo que as comunicações dos Advogados como o sejam, pedidos de escusa, ou respostas efectuadas pelos Advogados à sua Ordem, têm de ser considerados como limites ao exercício do direito à informação administrativa procedimental”, não sendo “os esclarecimentos e um acto de escusa de patrocínio oficioso….”documentos” sob a alçada da aplicação da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos”, sendo que a possibilidade de os Advogados se escusarem ao patrocínio e as respectivas decisões proferidas pelo órgão competente da Ordem dos Advogados não são funções administrativas nem revelam da actividade administrativa, mas sim questões no âmbito de uma relação entre o profissional forense e a respectiva Ordem Profissional e o exercício da liberdade de consciência do Advogado e da Classe Profissional, não dizendo respeito a dados do Cliente/Patrocinado, pois que a consciência do Advogado só a ele diz respeito…” – cfr. conclusões B) a G).

Apreciando:

Dispõe o artigo 120º do Estatuto da Ordem dos Advogados:


“Artigo 120.º
Natureza secreta do processo disciplinar
1 - O processo é de natureza secreta até ao despacho de acusação.
2 - O relator pode, contudo, autorizar a consulta do processo pelo interessado ou pelo arguido, quando não haja inconveniente para a instrução.
3 - O relator pode ainda, no interesse da instrução, dar a conhecer ao interessado ou ao arguido cópia de peças do processo, a fim de sobre elas se pronunciarem.
4 - Mediante requerimento em que se indique o fim a que se destinam, pode o conselho competente, ou algum dos seus membros, autorizar a passagem de certidões em qualquer fase do processo, para defesa de interesses legítimos dos requerentes, podendo condicionar a sua utilização, sob pena de o infractor incorrer no crime de desobediência, e sem prejuízo do dever de guardar segredo profissional. (….)”

Ao contrário do referido pela recorrida o ora recorrido fez menção, no requerimento que dirigiu ao Presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, ao fim a que se destinava a certidão requerida, que era indagar a prática de ilícito penal, pelo que improcede este ponto de ataque à decisão recorrida, a que acresce ainda a circunstância de a participação disciplinar ter sido liminarmente arquivada pelo Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da OA, pelo que o processo disciplinar estava findo não se vislumbrando motivos para que a exigência prevista no nº 4 do artigo 120º se mantenha após o terminus do mesmo, entendimento corroborado pela expressão, do mesmo constante “… em qualquer fase do processo”.

Argumentou ainda a recorrente que as comunicações dos Advogados como os pedidos de escusa ou respostas efectuadas pelos Advogados à sua Ordem têm de ser considerados como limites ao exercício do direito à informação procedimental, sendo que os esclarecimentos e um acto de escusa de patrocínio oficioso não são “documentos” sob a alçada de aplicação da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, invocando a violação, por parte da sentença recorrida dos artigos 85º e 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Começando pela invocada violação dos referidos preceitos do Estatuto da Ordem dos Advogados, importa referir, sinteticamente, que a emissão da referida certidão não acarretará qualquer violação dos deveres do advogado para a comunidade – deveres esses que a recorrente não especifica – nem do dever de segredo profissional – plasmado no artigo 87º - sendo inquestionável que a pronúncia emitida pela Sra Advogada, em sede de processo disciplinar no seguimento de queixa apresentada pelo recorrido, deve ser considerado como documento que releva da actividade administrativa, do exercício do poder disciplinar por parte de uma associação pública, pelo que improcede este segmento de argumentação de recurso.
Importa recordar que o direito à informação vem sendo considerado como um direito fundamental, que apenas deve ser sacrificado em confronto com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia – cfr. Acórdão proferido pelo S.T.A em 30 de Setembro de 2009, no âmbito do Processo nº 0493/09 – não sendo os motivos pelos quais um Advogado não quer patrocinar determinada causa de natureza secreta, nem o sendo, igualmente, as pronúncias emitidas pelos Advogados em sede disciplinar, não estando aqui em causa qualquer documento classificado ou de documento nominativo relativo a terceiro, pois mesmo que exista, na pronúncia emitida pela Senhora Advogada alvo da queixa do recorrido, o que não foi invocado, qualquer juízo de valor sobre o mesmo, este não é um terceiro mas sim o destinatário de tal hipotético juízo de valor, pelo que o presente recurso está votado ao insucesso, não violando a sentença recorrida as normas que constituíram fundamento do presente recurso.

IV – Decisão
Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes do TCA Sul em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente

Lisboa, 31 de Julho de 2015

Nuno Coutinho

Catarina Jarmela

Jorge Cortês