Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/19.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
COIMA,
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:I. Se for manifesto que na petição inicial não foi alegado qualquer fundamento admitido nos termos do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, verifica-se motivo para a rejeição liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT;

II. Não integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, a alegação que apenas contende com a legalidade da coima que está na origem da dívida exequenda e relativamente à qual já ocorreu caso decidido.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

E…. – E..... P....... A....., LDA, veio deduzir OPOSIÇÃO à execução fiscal n.º 345020…….., para cobrança coerciva de dívida proveniente de coimas de 2015 e 2016, bem como das respetivas custas, no montante global de € 27.314,17.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 24 de janeiro de 2019, rejeitou liminarmente a oposição, nos termos do art. 209.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.

A EPA – E..... P....... A....., LDA, veio recorrer contra a referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«1. O tribunal a quo assume ter feito fé nos documentos apresentados pela Recorrente e afirma que toda a argumentação que consta da oposição devia ter sido feita nos respectivos processos contra- ordenacionais.

2. Estranha-se no entanto que a douta sentença, validando por um lado todos os documentos apresentados pela Recorrente, ao mesmo tempo os ignore nos aspectos de maior relevância e no exame crítico que tal prova impõe, nos termos do art. 374º do CPP.

3. A Recorrente, sociedade comercial EPA Lda, não foi notificada da decisão final, na pessoa do seu gerente, conforme o exige a lei (art. 32º da CRP, art. 2.º alíneas d) e nº1 do art.41º do CPPT, quanto ao respectivo formalismo – citação pessoal do gerente.

4. O art. 20º da CRP, torna particularmente relevante a notificação da decisão final de aplicação de qualquer coima ou outras medidas no âmbito do processo de contraordenação na exacta medida em que é assegurada a impugnação judicial que a aplique.

5. No que se refere à notificação do Arguido, o art. 70 º do RGIT, remete para as regras do Código de Procedimento e Processo Tributário as notificações de actos no âmbito de tais processos- art. 41º, nº1 segundo o qual; “As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes, ou em qualquer lugar onde se encontrem. “

6. As regras contidas no CPPT (art. 41º) relativamente à notificação de pessoas colectivas, não deixaram de ter presente a especificidade da notificação ao gerente, atentas as consequências que algumas das notificações, devido á sua natureza podem implicar para a sociedade.

7. A aplicação de uma coima e de outras medidas sancionatórias, podem trazer graves consequências, designadamente económicas às sociedades que sejam objecto de tais notificações, como é o caso.

8. Está assim em causa, para efeitos de regularidade do processo de contraordenação e notificação dos seus actos mais relevantes, como seja a decisão final de aplicação da coima, a representação passiva da sociedade.

9. A não notificação da decisão administrativa proferida no processo contra-ordenacional, na pessoa do gerente da sociedade Recorrente, violou, simultaneamente as garantias de defesa asseguradas pelo art. 32º da CRP, e o acesso ao direito e à justiça, previstos no art. 20º da Constituição, como direitos fundamentais.

10. A circunstância de se ter consumado uma notificação de decisão de aplicação de coima nos autos de contraordenação em causa, gera nulidade insanável, de conhecimento oficioso que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final. – art. 165º nº1e nº4 do CPPT.

11. Com a consequente nulidade de todo o presente processo executivo por violação do disposto nos arts. 20.º da CRP (acesso à justiça), 32.º (princípio do “in dúbio pro reu.”), 43.º do RGCO e 266.º, nº 2 da CRP. (princípio da legalidade).

12. E, no entendimento e interpretação de que admitir-se que a notificação da decisão de aplicação de uma coima pudesse ser recebida por pessoa diferente do notificando, conduz a uma inconstitucionalidade por violação dos arts. 20.º e 32.º da CRP) e 41.º do CPPPT (notificação ou citação das pessoas colectivas ou sociedades) e 408.º n.º 3 do CSC.

13. A decisão em causa rejeitou a oposição apresentada pela Recorrente por, alegadamente, não conter nenhum fundamento enquadrável no art. 204º do CPPT, o que é falso.

14. Na oposição à execução fiscal pode ser formulado pedido de suspensão da execução fiscal, em face de uma causa que afecte temporariamente a exigibilidade da dívida, constituindo fundamento subsumível à alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.

15. A Recorrente termina a oposição solicitando, entre outras, que fosse diferida a isenção de garantia bancária para suspensão da execução junto da Autoridade Tributária atendendo a que as dívidas exequendas se encontram pagas, nos termos do art, 204º nº1 do CPPT).

16. Trata-se de erro de julgamento com manifesta influência na decisão da causa.

17. O Tribunal não verificou, como lhe competia, as certidões de dívida emitidas pela AT que consubstanciam os títulos executivos nem verificou se os mesmos continham os requisitos previstos no art. 163º do CPPT.

18. A ora Recorrente não pôde produzir o contraditório, já que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 163º, al. c) e al. e), do CPPT.

19. Não resulta dos factos provados que tenham os Autos de Notícia sido notificados em momento algum à Recorrente.

20. Resulta sim da douta sentença que foram notificados os elementos apurados constantes do auto de notícia, através da notificação para defesa.

21. Mas uma coisa é a notificação dos elementos apurados constantes do auto de notícia, outra é a notificação do auto de notícia, de forma, a que possa a Recorrente aferir da regularidade do processo de autuação.

22. A ausência de notificação do Auto de Notícia à Recorrente, gera nulidade insuprível no processo de contraordenação, que tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo.

23. Nesse sentido, deve a douta decisão do Tribunal ad quem, reconhecer a nulidade insuprível praticada no processo de contraordenação, determinando a anulação dos termos subsequentes do processo.

24. Quanto ao pedido de redução de coima, com o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com a perspectiva vertida na douta decisão, desde logo porque não decorre da lei que o pedido tenha de ser expresso.

25. Não é aceitável que o Tribunal não tenha em conta o excessivo valor das coimas aplicadas, revelando uma inadequada apreciação dos elementos factuais que constam dos autos.

26. A circunstância de se encontrar pago a totalidade do imposto, a exigência de coima constitui atitude que contraria e vai contra toda a actuação da administração tributária, que, por aceitar e deferir os planos prestacionais, actua contra factum próprio e portanto constitui um abuso de direito que é de conhecimento oficioso e que o Tribunal devia ter conhecido no âmbito da oposição à execução.

27. Nos termos do art. 379º, nº 1, alínea c), do CPP, aplicável por via do art- 3º, alínea b) do RGIT, e art. 41º do RGCO, é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, o que foi o caso.

28. A Recorrente, na oposição à execução chamou a atenção que não foi aplicado, como era de lei, a redução das coimas em causa, e que só após o incumprimento da executada, a AT instauraria o processo contra-ordenacional. Art. 29º do RGIT.

29. Na situação em análise, o tributo apurado foi integralmente pago, muito antes da instauração do processo contra-ordenacional, sendo o último pagamento pela Recorrente foi efectuado a 13 de Junho de 2016, e a citação da coima em execução fiscal só ocorreu, a 8 de Novembro de 2018 (documento 1 junto aos autos).

30. Considerado o montante mínimo 20% da prestação tributária, por se tratar de pessoa colectiva, nos termos do n.°1 do artigo 31.° do RGIT, que reduzida para 25%, nos termos do que dispõe a alínea b) do n.°1 do artigo 29.° do RGIT, resulta uma coima diferente, inferior à constante na sentença (27.314,17€).

31. Nos termos do art.º 30.º n.º 4 do RGIT, o legislador dispensa o pedido expresso do infractor do pagamento da coima com redução, ficcionando-o, desde que a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, valendo, neste caso, como pedido de redução, a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta.

32. Por tudo o que se motiva e não existindo dolo, deve a douta decisão decidir pelas invocadas nulidades insupríveis do processo contra- ordenacional, e que o Tribunal não teve em conta, cujo efeito é a anulação dos actos subsequentes do processo.

33. Como não atendeu ao pedido da Recorrente para em alternativa e sem conceder se decidisse a douta decisão do Tribunal a quo, pela aplicação da coima correspondente ao mínimo legal com redução a metade.

34. A Recorrente não pode ser obrigada a um pagamento de coima ilegal, sob pena de violação do princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade.

35. Incorreu assim a douta sentença em omissão de pronúncia, o que deverá conduzir à sua nulidade, nos termos do art. 379º, nº1 alínea c) do CPP.

Termos em que requer a V. Ex.a seja o recurso admitido, por estar em tempo, concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao mesmo por provado, reconhecendo as nulidades insupríveis praticadas no processo de contra ordenação, e revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.

Mais requer a V.Ex.a, sem conceder, e como última medida, decida pela aplicação da coima reduzida conforme o motivado em alternativa pela aplicação do mínimo legal com redução a metade, uma vez que se encontra o tributo apurado em sede de IRS integralmente pago.»
***
A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
****

Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Aferir da violação do art. 374.º do CPP e omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP);

_ Aferir do erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto no art. 20.º, 32.º e 266.º, n.º 2 da CRP, bem como do art. 43.º do RGCO, art. 41.º do CPPT, e art. 408.º, n.º 3 do CSC, considerando o invocado de que o gerente da sociedade executada não foi notificado da decisão de aplicação da coima, e nessa medida a dívida é inexigível;

_ Erro de julgamento de direito, porquanto o pedido de suspensão da execução constitui fundamento de oposição subsível à alínea i), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.263,80, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 3450201……, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/06 no prazo legal (até 20 de julho de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 5 junto com a petição inicial.

2. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 6.610,82, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020……, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/07 no prazo legal (até 20 de agosto de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 2 junto com a petição inicial.

3. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.284,91, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020….., por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/08 no prazo legal (até 21 de setembro de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

4. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.033,99, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020……., por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/11 no prazo legal (até 21 de dezembro de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 6 junto com a petição inicial.

5. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 5.138,66, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020……., por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/12 no prazo legal (até 20 de janeiro de 2016) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

6. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 2.737,78, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020……., por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2016/02 no prazo legal (até 21 de março de 2016) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 7 junto com a petição inicial.

7. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 2.708,71, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de Setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020….., por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2016/03 no prazo legal (até 20 de abril de 2016) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 8 junto com a petição inicial.

8. No dia 07 de novembro de 2018, foram emitidas as certidões de dívida n.ºs 223……, 223…., 223….., 223….., 223…., 223….. e 223…., provenientes, respetivamente e por esta ordem, das coimas referenciadas nos pontos 1. a 7. que antecedem, e respetivas custas (€ 76,50, por processo de contraordenação), que serviram de base à instauração, na mesma data, do processo de execução fiscal n.º 345020……., para cobrança do montante global de € 27.314,17 – cfr. fls. 01 a 15 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso.

9. A Oponente foi citada para o processo de execução fiscal n.º 345020….., por ofício datado de 08 de novembro de 2018, expedido para a respetiva caixa postal eletrónica – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

10. A presente oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças do Funchal – 2, no dia 14 de dezembro de 2018 – cfr. fls. 03 dos autos (suporte digital).
*
Factos não provados:
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da questão em apreciação.
*

Motivação da decisão de facto:
A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Por outro lado, cumpre salientar que a matéria de facto fixada não se encontra controvertida.»

*

Conforme resulta dos autos, o Meritíssimo juiz do TAF do Funchal indeferiu liminarmente a petição de Oposição apresentada pelo Recorrente, com fundamento na alínea b), do n.º 1, art. 209.º do CPPT, ou seja, por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. Entendeu, em síntese, que a Recorrente pretende discutir a medida das coimas concretamente aplicadas e, por conseguinte, não poderia recorrer à oposição à execução fiscal prevista nos artigos 203.º e seguintes do CPPT, pois o meio processual adequado para esse efeito é o recurso da decisão de aplicação de coimas (art. 80.º do RGIT), sendo certo que na p.i. a Recorrente não colocou em causa a eficácia das decisões de aplicação de coima, juntando os ofícios que a notificam daquela decisão.

Com efeito, é a seguinte a fundamentação do despacho recorrido:

“(…) No caso em apreço constata-se da petição inicial que a Oponente insurge-se contra as coimas aplicadas no âmbito dos processos de contraordenação n.ºs 345020……, 345020……, 345020……., 345020……, 345020…….., 345020
….. e 345020………, que se encontram em cobrança no processo de execução fiscal n.º 345020……, invocando, como causa de pedir, o preenchimento das condições estabelecidas no art. 32.º, n.º 1 do RGIT para poder beneficiar da dispensa de coima, ou, subsidiariamente, da aplicação de admoestação ou, como última medida, da atenuação especial da coima.
Ou seja, a Oponente pretende com a presente oposição atacar, tão só, a proporcionalidade (medida) das coimas concretamente aplicadas – reconhecendo a prática das infrações, mas justificando-as com “gravíssimas dificuldades de tesouraria” em virtude de ter ficado privada do recebimento pontual de verbas do Fundo Social Europeu, por motivo que lhe não é imputável, e não com “incumprimento, desleixo, ou negligência”, mais asseverando que “tratou imediatamente regularizar a situação através de planos prestacionais que foram devidamente autorizados pela AT” – com o fito de beneficiar, em primeira linha, da sua dispensa.
Sucede, porém, que o meio processual em que deve ser discutida a legalidade e a proporcionalidade das decisões administrativas de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria tributária – como sejam as decisões que aplicaram à Oponente as coimas em cobrança por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) – é o recurso judicial de atos de aplicação de coimas e sanções acessórias, que, não estando expressamente previsto no elenco do n.º 1 do art. 97.º do CPPT como um dos tipos de processo judicial tributário, deve, todavia, considerar-se abrangido pela alínea q) do mesmo preceito, pois encontra-se previsto em diploma próprio, do qual consta toda a regulamentação referente a estes procedimentos contraordenacionais: o RGIT.
Destarte, para discutir a medida das coimas concretamente aplicadas aqui em cobrança, nunca a ora Oponente poderia recorrer à oposição à execução fiscal prevista nos artigos 203.º e seguintes do CPPT, sendo que o meio processual adequado para esse efeito é o recurso da decisão de aplicação de coimas, tal como está previsto no art. 80.º do RGIT.
E isto porque, “[não] ocorrem dúvidas de que a impugnação da decisão que aplicou a coima com fundamento nos vícios que afectam a sua validade deve ser formulada em sede de recurso daquela decisão nos termos do disposto no artº 80º do RGIT, não se constituindo como fundamento de oposição à execução atento a que a instauração da execução por coimas tem por base a decisão exequível proferida em processo de contra-ordenação pelo que pode ser apreciada nesta sede. Assim sendo a reacção através de oposição pode determinar a verificação de uma excepção dilatória insuprível de erro na forma de processo, podendo até ser rejeitada liminarmente, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 209 do CPPT. Só assim não será se porventura a arguida não tiver sido notificada da decisão que aplicou a coima vendo por via dessa falta coartado o seu direito de recurso (assim se decidiu no ac. deste STA de 17/02/2016 tirado no rec. 0899/15, no qual o ora relator interveio como Adjunto)” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de maio de 2016, proc. n.º 1395/13, disponível em www.dgsi.pt.
No caso dos autos a Oponente não questiona a eficácia das decisões que aplicaram as coimas em execução (saliente-se que os ofícios de notificação das referidas decisões administrativas foram juntos com a petição inicial), apenas se insurgindo contra a medida das coimas concretamente aplicadas, pretendendo a sua dispensa ou, subsidiariamente, a admoestação pelas infrações cometidas ou a atenuação especial das coimas.
Isto é, na forma como a Oponente configurou a oposição não vem invocado qualquer fundamento próprio desta forma processual.
Reafirma-se que a argumentação que a Oponente utiliza em sede da presente oposição judicial, deveria ter sido usada nos respetivos processos de contraordenação, designadamente recorrendo das decisões de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT, das quais foi oportunamente notificada [vide pontos 1. a 7. dos factos provados].
Por outro lado, é manifesto que não existe qualquer possibilidade de convolação dos autos em recurso de contraordenação, porquanto: (i) a isso sempre obstaria a intempestividade da petição inicial, depreendendo-se do conjunto da prova que a Oponente foi notificada das decisões de aplicação da coima por ofícios assinados digitalmente a 01 de outubro de 2018, as quais transitaram em julgado em momento prévio à instauração da presente oposição - o que se comprova da emissão das várias certidões de dívida que constituem e integram o valor global da dívida exequenda, em 07 de novembro de 2018 (neste mesmo sentido argumentativo, vide o já citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de maio de 2016); (ii) não estando os processos contraordenacionais em causa apensados, a Oponente teria sempre de lançar mão de um recurso por cada coima aplicada.
Atento o exposto, por a petição inicial de oposição à execução fiscal não conter - manifestamente - nenhum dos fundamentos enquadráveis na norma contida no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, impõe-se a sua rejeição liminar nos termos do art. 209.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma legal, o que se determinará na parte dispositiva da presente decisão.”

A Recorrente não se conforma com o decido, invocando, desde logo, violação das regras formais de fundamentação da decisão (art. 374.º do CPP) e omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP).

Contudo, tais vícios formais não se verificam. Por um lado, efetivamente, o despacho recorrido apreciou e valorou os elementos probatórios relevantes para a prolação do despacho, enunciando em cada ponto da matéria de facto, o documento com base no qual formou a sua convicção e, portanto, verifica-se um exame crítico da prova não havendo violação do art. 374.º do CPP como invoca a Recorrente. Por outro lado, o Meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre o mérito da oposição porque a tal obstou o ter entendido que tais fundamentos não poderiam ser conhecidos em sede de oposição, verificando-se o erro na forma do processo. Finalmente, apenas em sede do presente recurso a Recorrente vem invocar falta de requisitos do título executivo, a falta de notificação do auto de notícia, e o abuso de direito (conclusões 17 a 23), e que, por outro lado, também não constituem fundamento de oposição à execução. Pelo exposto, improcede o recurso nesta parte.


Prosseguindo.

A Recorrente não se conforma com o despacho recorrido, invocando erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto no art. 20.º, 32.º e 266.º, n.º 2 da CRP, bem como do art. 43.º do RGCO, art. 41.º do CPPT, e art. 408.º, n.º 3 do CSC, porquanto o gerente da sociedade executada não foi notificado da decisão de aplicação da coima, e nessa medida a dívida é inexigível. Invoca ainda erro de julgamento de direito, porquanto o pedido de suspensão da execução constitui fundamento de oposição subsumível à alínea i), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

Adiante-se, desde já, que não lhe assiste razão.

Efetivamente, o despacho recorrido não enferma de qualquer erro de julgamento de facto, porque apreciou e valorou acertadamente os elementos probatórios relevantes para a prolação do despacho, bem como aplicou o direito de acordo com a lei, nomeadamente em conformidade com artigos 204.º, n.º 1, e 209.º, n.º 1, alínea b), e art. 80.º do RGIT, e consonância com a jurisprudência do STA (acórdão do STA de 17/02/2016, proc. n.º 0899/15, e acórdão do STA de 11/05/2016, proc. n.º 1395/13).

Aquela jurisprudência do STA, que serve de sustentação ao despacho recorrido, e que aqui também sufragamos, é no sentido de que os vícios que afectam a validade da decisão de aplicação de coima, devem ser conhecidos em sede do meio processual previsto no art. 80.º do RGIT, não constituindo fundamento de oposição à execução subsumível às alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Nesse sentido, mais recentemente, se decidiu no acórdão do STA de 19/09/2018, proc. n.º 0350/18: “I - Se for manifesto que na petição inicial não foi alegada fundamento algum dos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, verifica-se motivo para a rejeição liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT II - Não integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, a alegação que apenas contende com a legalidade da coima que está na origem da dívida exequenda e relativamente à qual já ocorreu caso decidido.”

Assim sendo, nenhum erro de julgamento é de imputar à sentença recorrida porque as causas de pedir vertidas na p.i. são as seguintes: i) encontram-se reunidos os pressupostos para a dispensa da aplicação da coima previstos no art. 32.º, n.º 1 do RGIT; ii) não aplicação no procedimento do disposto no art. 29.º do RGIT; iii) atenuação especial da coima (art. 32.º, n.º 2, do RGIT). Ou seja, nenhuma destas causas de pedir se enquadram nos fundamentos taxativos de oposição à execução previstos nas diversas alíneas do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

Por outras palavras, em momento algum se invocou na p.i. a falta de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima que constituiria fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (cf. acórdão do STA de 06/05/2015, de 0228/15: “A falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. i) do art. 204º, nº 1, do CPPT.”)

Sublinhe-se que apenas em sede do presente recurso é que a Recorrente vem invocar a irregularidade da notificação pelo facto de o gerente da sociedade executada não ter sido notificado da decisão de aplicação da coima, alegadamente, pelo facto de uma funcionária da Recorrente não lhe dado conhecimento. Ou seja, em momento algum na p.i. invocou qualquer irregularidade na notificação, muito pelo contrário, até juntou cópia dos ofícios que a notificam da decisão, aceitando-se pacificamente a regularidade da notificação, nunca invocando qualquer vício que, a existir, até constituiria fundamento de oposição nos termos da alínea i) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

Repare-se que a Recorrente não nega a efetivação da notificação eletrónica, aliás, ela própria juntou com a p.i. tais documentos e, portanto, não colhe a argumentação agora aventada em sede de recurso de que existe irregularidade na notificação porque a sua funcionária não deu o encaminhamento devido ao documento e que aquele só chegou ao conhecimento da gerência com a citação para a execução fiscal. Independentemente da credibilidade do ora alegado, o que é incontornável é que não é oponível à AT as questões de tratamento interno das notificações que são efetuadas para o correio eletrónico indicado pela Recorrente (em momento algum foi sequer alegado erro no endereço de correio eletrónico para onde seguiu a notificação).

Ora, se assim é, não se verifica qualquer violação do disposto no art. 20.º, 32.º e 266.º, n.º 2 da CRP, nem do art. 43.º do RGCO, art. 41.º do CPPT, e art. 408.º, n.º 3 do CSC, pois poderia ter exercido em sede própria o seu direito de ação que se encontra previsto no art. 80.º do RGIT (Recurso das decisões de aplicação das coimas).

Por outro lado, face aos pedidos formulados na p.i. é acertada a apreciação que é efetuada no despacho recorrido quanto ao erro na forma do processo, nomeadamente o pedido principal de “dispensa de aplicação de coima” e o subsidiário de “aplicação de medida de admoestação”.

De igual modo, e considerando o supra exposto sobre a regularidade da notificação eletrónica, não se verifica qualquer erro quanto à impossibilidade de convolação, pois o despacho recorrido segue, e bem, a jurisprudência do STA, concluindo que à convolação obstaria a intempestividade da petição inicial, que resulta “do conjunto da prova que a Oponente foi notificada das decisões de aplicação da coima por ofícios assinados digitalmente a 01 de outubro de 2018, as quais transitaram em julgado em momento prévio à instauração da presente oposição - o que se comprova da emissão das várias certidões de dívida que constituem e integram o valor global da dívida exequenda, em 07 de novembro de 2018”, ou seja, em plena consonância com a jurisprudência do STA (acórdão do acórdão do STA de 11/05/2016, proc. n.º 01395/13).

Na verdade, a cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a ação adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cfr. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a ação. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14).

Se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A., então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da ação (Nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13).

Saliente-se que o Juiz está vinculado pelo pedido, uma vez este delimita as questões que o tribunal deve apreciar nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não obstante, pode interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do A..

Portanto, face aos pedidos formulados na p.i. de “dispensa de aplicação de coima” e subsidiariamente de “aplicação de medida de admoestação”, é manifesto que estes não são adequados à forma processual de Oposição, pois a extinção do processo de execução fiscal é em regra o pedido admissível.

Ainda a respeito dos pedidos formulados refira-se que não colhe o entendimento da Recorrente de que o pedido de isenção de garantia bancária para suspensão do PEF constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Efetivamente, apesar da cumulação de pedidos não obstar a que se conclua pela propriedade do meio processual utilizado com base num dos pedidos, devendo ser considerado sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao pedido adequado à forma de processo escolhida pelo A. (solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC – nesse sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 92, e Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 01086/13), a verdade é que o pedido de isenção de garantia bancária para suspensão do PEF não constitui pedido de oposição à execução fiscal, porque o efeito jurídico pretendido a que conduz é a suspensão do processo de execução fiscal, mas nunca a sua extinção, que é a finalidade abstratamente figurada pela lei para a forma processual Oposição. E, ao contrário do que invoca a Recorrente, aquele pedido, também não constituiu fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, porque o invocado nada tem a ver com questões de exigibilidade da dívida exequenda, mas tão somente, com a questão da suspensão do processo de execução fiscal. Aliás, o pedido de dispensa de prestação de garantia e suspensão do PEF é da competência do órgão de execução fiscal, e não do Tribunal como sucede com a Oposição à execução (cf. acórdão do STA de 16/05/2012, proc. n.º 064/12: “ I. A competência para a decisão do pedido de prestação de garantia ou de dispensa dessa prestação, quando formulado no âmbito de oposição à execução fiscal e visando a suspensão desta, cabe ao órgão da execução fiscal e não ao tribunal. (…)”).

Portanto, em suma, os pedidos formulados não são adequados à finalidade abstratamente figurada pela lei para a oposição à execução fiscal, ocorrendo erro na forma de processo, não sendo possível a convolação por não se encontrar reunido o requisito da tempestividade (cf. art. 80.º, n.º 1, do RGIT), face à regularidade da notificação, conforme supra exposto, e nessa medida, improcedem todos os fundamentos do recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

****
´


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Se for manifesto que na petição inicial não foi alegado qualquer fundamento admitido nos termos do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, verifica-se motivo para a rejeição liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT;

II. Não integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, a alegação que apenas contende com a legalidade da coima que está na origem da dívida exequenda e relativamente à qual já ocorreu caso decidido.


III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

****
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de setembro de 2020.



____________________________

Cristina Flora

____________________________

Tânia Meireles da Cunha

____________________________

Susana Barreto