Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2050/18.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRINCÍPIO DA BOA-FÉ;
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO;
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES;
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
Sumário:I. Os princípios da boa-fé e da colaboração devem nortear a relação entre administração e administrados.
II. Havendo um despacho prévio no sentido da admissibilidade de hipoteca voluntária, como condição prévia para apreciação de pedido de dispensa de prestação de garantia, não pode o órgão de execução fiscal em momento ulterior vir decidir no sentido da não admissibilidade de tal hipoteca e não apreciar o referido pedido de dispensa de prestação de garantia, sob pena de estarmos perante um venire contra factum proprium.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 08.01.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal, apresentada por A...e M... (doravante Recorridos), que teve por objeto o despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 7, de 12.10.2018, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 32392018....

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação, em que é Reclamante A...(e Outros), deduzida do acto de não aceitação da hipoteca voluntária constituída pelo Reclamante como garantia idónea, consubstanciado no despacho do Chefe do Serviço de Finanças notificado ao aqui Reclamante em 22-10-2010.

B. Considerou o Tribunal a quo que, atento o contexto fáctico em que se produziu o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 19/07/2018, no mesmo se apreciou a idoneidade da garantia relativa aos prédios rústicos, e portanto não se pode manter o despacho reclamado que não aceitou os bens dados em garantia por ter sido tal questão já decidida, impondo-se antes a aceitação da garantia com pronúncia do Serviço de Finanças relativamente ao pedido de dispensa de garantia do valor remanescente.

C. Não se conforma a Fazenda Pública, e com o devido respeito, com tal entendimento vertido na douta sentença, aqui recorrida, porquanto procede a mesma a um errado julgamento de facto da matéria pertinente para decisão da causa, com consequente errado julgamento de direito com violação de lei.

D. Assenta o entendimento do Tribunal a quo na presunção de que do despacho do Serviço de Finanças de 19/07/2018 resultou a aceitação da garantia reconduzida à hipoteca voluntária constituída pelo Reclamante sobre os quatro prédios rústicos identificados nos autos, contudo, não resulta tal conclusão dos factos provados nas alíneas C) a H) elencados na douta sentença.

E. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 32392018... requereu o Reclamante a 27-06-2018 o pagamento da dívida em 36 prestações mensais e sucessivas, sendo que, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, se propôs constituir hipoteca voluntária (alíneas A) e B) do probatório) e veio tal pedido a ser deferido (alíneas C) e D) do probatório) por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7.

F. Notificado o executado do valor da garantia a prestar, no montante de € 96.744,35, solicitou por requerimento com registo postal de 13-07-2018 isenção da prestação de caução com base em manifesta falta de meios económicos e no facto de não ser proprietário de nenhum imóvel ou usufruir de rendimentos financeiros, bancários ou outros (alínea E) do probatório), tendo sobre tal pedido recaído despacho de 19-07-2018 no sentido de não poder ser a isenção de garantia ser deferida em virtude de ser o requerente proprietário de imóveis, sobre os quais deveria ser constituída hipoteca voluntária com subsequente pedido de dispensa de garantia do valor remanescente caso aceite a constituição de hipoteca voluntária (factos F) e G) do probatório).

G. Pelo que, contrariamente ao afirmado na douta sentença, existiu pronúncia do Serviço de Finanças no sentido de não poder o pedido de isenção da garantia ser deferido, considerando o facto de ser o Reclamante proprietário de bens imóveis, imóveis esses sobre os quais deveria constituir hipoteca voluntária com concomitante pedido de dispensa de prestação de garantia do valor remanescente.

H. Vindo o executado por requerimento com registo postal de 08-10-2018 a apresentar hipoteca voluntária de quatro imóveis rústicos com valor patrimonial tributário no valor de € 242,48, na sequência do requerimento apresentado junto do órgão de execução fiscal para pagamento da dívida em prestações, mais solicitando dispensa de prestação de garantia do valor remanescente (facto da alínea H) do probatório, conjugado com os factos constantes das alíneas C) e D) do probatório), por despacho do senhor Chefe de Serviço de Finanças de 12-10-2018 foi indeferida a suspensão do processo de execução fiscal, por não reunidos os requisitos da idoneidade e suficiência da garantia apresentada (alínea J) do probatório).

I. E, assim, de acordo com os factos expostos, não nos é permitido transformar o despacho de 19/07/2018 num despacho de aceitação da garantia, por um lado, pois que nem havia à data sequer sido a mesma constituída; e por outro lado, com o despacho de indeferimento da garantia constituída, por não idónea e suficiente, fica precludida a apreciação da questão referente ao pedido de dispensa de prestação de garantia do valor remanescente, pelo que, não estamos perante qualquer omissão de pronúncia do órgão de execução fiscal a que apela a douta sentença.

J. Tendo sido tal questão da garantia apreciada e decidida por despacho de 12/10/2018, com o indeferimento da garantia apresentada, por não terem valor suficiente os bens apresentados para o efeito, assim se cumprindo com tal despacho os normativos legais aplicáveis na matéria.

K. Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 196.º do CPPT pode o requerimento do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda e acrescido ser autorizado desde que se verifique que o executado não pode solver a dívida, não podendo o número de prestações exceder o número de 36; por outro lado, aquando do pedido de pagamento em prestações, não estando constituída garantia, deverá o executado oferecer garantia idónea enquanto meio susceptível de assegurar os créditos do exequente, a qual deverá ser prestada nos termos do n.º 6 do artigo 199.º do CPPT.

L. E se o executado “considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prova-los na petição.” (sublinhado nosso), conforme decorre do n.º 4 do artigo 199.º do CPPT, mais se considerando os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.

M. Ora, no caso sub judice verificamos que, tendo o Reclamante requerido o pagamento da dívida em prestações, mais declarou à data de tal pedido pretender constituir hipoteca voluntária no sentido de suspender os efeitos do processo de execução fiscal, e, efectivamente, notificou o órgão de execução fiscal o Reclamante no sentido de constituir garantia idónea com o fim de suspensão dos autos de execução fiscal ou, em alternativa, obter autorização para a sua dispensa se reunidos os requisitos para tal efeito.

N. Na sequência de tal comunicação, veio o Reclamante a requerer a isenção da prestação de caução com base em manifesta falta de meios económicos, alegando o facto de não ser proprietário de nenhum imóvel, facto não coincidente com a realidade por ser proprietário o Reclamante de quatro prédios rústicos detidos em compropriedade, conforme assumido por si em subsequente requerimento.

O. Assim, considerando o disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e no n.º 3 do artigo 199.º do CPPT, de acordo com os quais o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser efectuado por meio de pedido fundamentado de facto e de direito, somos forçados a concluir que não podia (como não foi) tal pedido ser deferido em função da falta de aderência dos factos invocados à realidade.

P. Veio o Reclamante a entregar novo requerimento junto do órgão de execução fiscal, solicitando a aceitação como garantia da hipoteca voluntária constituída sobre os quatro prédios rústicos identificados, mais solicitando a dispensa de prestação de garantia quando ao remanescente, vejamos, contudo, que não só as normas invocadas prevêem em alternativa a constituição de garantia ou a isenção da mesma se preenchidas as condições para tal, como também o Reclamante não fundamenta de qualquer forma o pedido de dispensa de garantia do remanescente, o que sempre o votaria ao insucesso por falta de alegação de fundamentos de facto e de direito.

Q. Nesta senda, e atentando no facto de aquando do pedido de pagamento da dívida em prestações a que se encontra incindivelmente ligado o acto nos presentes autos sindicado ter o Reclamante declarado pretender constituir hipoteca voluntária para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, terá o requerimento de constituição de garantia com o fim de suspender o processo de execução fiscal de ser analisado do ponto de vista do preenchimento dos requisitos necessários à sua aceitação como garantia idónea e suficiente.

R. O valor da dívida exequenda nos autos de execução fiscal subjacentes aos presentes autos ascende ao montante de € 74.496,55, sendo que o valor da garantia a prestar no âmbito do plano de pagamento em prestações da dívida corresponde ao montante de € 96.744,35; por outro lado, a soma do valor patrimonial dos imóveis detidos em compropriedade com três irmãos – quatro prédios rústicos – ascende ao valor de € 242,48, e, nos termos do prescrito na alínea b) do n.º 1 do artigo 250.º do CPPT, o valor base para venda em sede de execução fiscal corresponde ao valor patrimonial tributário.

S. Atento o exposto, ajuizou, pois, o órgão de execução fiscal de forma adequada e objectiva, tendo em consideração os valores dos imóveis sob os quais foi constituída a hipoteca voluntária, o valor da dívida exequenda e o valor da garantia a constituir nos termos legais, valores esses que, em confronto, determinaram a inelutável conclusão de insuficiência da garantia prestada para garantir a totalidade do crédito exequendo e acrescido, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do 199º do CPPT, configurando-se assim a garantia oferecida, por meio de hipoteca, como garantia não susceptível de assegurar os créditos exequendos, com o necessário e consequente juízo de afirmação da sua falta de idoneidade.

T. Nestes termos, concluímos que não procedeu o Reclamante, de acordo com os normativos contidos no artigo 52º da LGT e artigos 195º e 199º do CPPT, à prestação de garantia capaz de suster a execução fiscal face à sua inidoneidade, e o despacho do órgão de execução fiscal encontra-se devidamente fundamentado de facto e de direito.

U. E o anterior despacho do Chefe de Serviço de Finanças, de 19/07/2018, não se mostra de molde a inviabilizar o supra juízo de legalidade explanado, porquanto do mesmo resulta que, contrariamente ao indicado pelo Reclamante, era o mesmo proprietário de vários imóveis rústicos no distrito de Coimbra, em relação aos quais deveria constituir hipoteca voluntária, sendo que, analisada a adequação em concreto da garantia prestada, concluiu o órgão de execução fiscal, à luz dos normativos legais aplicáveis, pela inidoneidade da mesma para garantir o crédito exequendo e suspender os termos do processo de execução fiscal.

V. Nestes termos, não se pode configurar o despacho de 18/07/2018 como despacho de aceitação da garantia, devendo manter-se, por legal, o despacho subsequente de não aceitação da garantia apresentada pelo Reclamante com vista a suster os termos da execução fiscal em questão, pelo que, a douta sentença ao julgar procedente os presentes autos fê-lo incorrendo em errado julgamento de facto, por errónea apreciação dos factos pertinentes, com errado julgamento de direito patente na violação das normas contidas do n.º 1 do artigo 196.º do CPPT, no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e no artigo 199.º do CPPT”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento em virtude de a situação fática implicar que não pudesse ser aceite a garantia prestada, o que implica que fique prejudicada a apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente, que sempre estaria votado ao insucesso?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 13/01/2018 foi instaurado contra os Reclamantes o processo de execução fiscal n.º 32392018... com vista à cobrança coerciva de dívida relativa a IRS do ano de 2013 e respectivos juros compensatórios no montante de € 74 496,55 – cf. fls. 2 e sgs do PEF;

B) Após citação no processo identificado em A), em 27/06/2018 o Reclamante requereu autorização para efectuar o pagamento da dívida exequenda em 36 prestações mensais e sucessivas propondo-se, para efeitos de suspensão do referido PEF e regularização da sua situação tributária, constituir hipoteca voluntária, no prazo de 15 dias – cf. fls. 8 do PEF;

C) Sobre o pedido identificado em B) foi prestada informação no sentido de que o montante da dívida exequenda permite efectuar o pagamento da dívida em 36 prestações, nos termos do artigo 196.º do CPPT e que o valor da garantia a prestar, de acordo com o plano em prestações elaborado é de € 96 744,35 podendo ser deferido o pagamento em 36 prestações – cf. fls. 11 do PEF;

D) Em 18/07/2018 foi proferido despacho concordando com a informação referida em C) deferindo o pedido de pagamento em 36 prestações, nos termos do artigo 196.º n.º 3 alínea b) do CPPT, devendo o primeiro pagamento ser efectuado no mês seguinte ao da notificação do despacho, determinando a notificação dos executados para prestar garantia idónea e suficiente com vista à suspensão dos autos ou em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa, caso reúna os requisitos para tal – cf. fls. 10 do PEF;

E) Em 13/7/2018 o Reclamante remeteu via postal um pedido de isenção de prestação de caução invocando manifesta falta de meios económicos para o efeito, alegando que o facto de não ter apresentado declaração de IRC por só ter obtido como rendimento o subsídio de desemprego e não ser proprietário de nenhum bem imóvel nem usufrui de rendimentos financeiros, bancários ou outros constitui prova da insuficiência efectuada de forma negativa concluindo que, se tal não lhe for deferido, não tem possibilidade de liquidar a dívida em causa – cf. fls. 12 do PEF;

F) Foi prestada informação de que o Reclamante é comproprietário, na proporção de ¼ de 4 prédios e que o valor patrimonial tributário fixado em 1989 é insuficiente para servir como garantia e que não foram detectadas viaturas, em nome do executado nem valores mobiliários, não existindo liquidação oficiosa por falta de entrega da declaração de IRS relativamente ao período e de 2017 – cf. fls. 15 e 16 dos autos;

G) Em 19/07/2018 foi proferido despacho referindo que analisada a informação prestada, sendo o Reclamante «proprietário de vários imóveis rústicos (…) terá de efectuar hipoteca voluntária sobre a totalidade dos imóveis rústicos de que é proprietário, à ordem do processo de execução fiscal n.º 32392018.... Após a hipoteca voluntária poderá obter a dispensa de prestação de garantia do valor remanescente» - cf. fls. 17 dos autos;

H) Em 09/10/2018 o Reclamante apresentou um requerimento informando que constituíra hipoteca voluntária sobre a totalidade dos prédios rústicos de que é proprietário com os seus irmãos, por acordo destes, solicitando a dispensa de garantia do valor remanescente – cf. fls. 13 do PEF;

I) Sobre tal pedido foi prestada informação datada de 11/10/2018, nos termos da qual, se propõe que seja indeferido o pedido por não ser possível aceitar a hipoteca voluntária para efeitos de garantia no processo identificado em A), por não estarem cumpridos os requisitos da idoneidade e suficiência já que a hipoteca voluntária incidiu sobre os imóveis inscritos na matriz pelos artigos 642, 701, 726 e 1987, todos prédios rústicos, pertencentes à freguesia de Pereira, concelho de Montemor-o-Velho, pertença do executado e também dos seus três irmãos estando a hipoteca voluntária registada pelos quatro proprietários, sendo a dívida exequenda de € 74 496,55, que está a ser regularizada através do plano prestacional n.º 3239… e o valor calculado para efeitos de garantia é de € 96.744,35 o valor dos bens apresentados é ínfimo em relação ao valor da garantia pois a soma do valor patrimonial dos imóveis é de € 242,48, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 250.º do CPPT – cf. fls. 27 do PEF;

J) Em 12/10/2018 foi proferido despacho de concordância com a informação referida na alínea anterior – cf. fls. 26 do PEF;

K) O Reclamante foi notificado do referido despacho contra o qual deduziu a presente acção – cf. fls. 28 a 29 verso do PEF e 2 a 25 dos autos”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam e do processo de execução fiscal, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

L. Na informação mencionada em F) foram elencados seguintes prédios rústicos, dos quais o executado é proprietário de ¼, com indicação do respetivo valor patrimonial tributário:


Freguesia
Artigo
Valor patrimonial
Ano do valor patrimonial
061008
642
61,09
1989
061008
701
40,73
1989
061008
726
51,16
1989
061008
1987
89,50
1989

(cfr. fls. 15 e 16 dos autos – numeração em suporte de papel).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

A Recorrente, em síntese, discorda da decisão do Tribunal a quo, em virtude de, em seu entender:

a) O despacho de 19.07.2018, proferido pela Chefe do SF de Lisboa 7, no âmbito do PEF n.º 32392018..., não ter sido de aceitação de garantia, dado que a mesma não havia sido sequer constituída; como tal

b) O despacho reclamado poder indeferir a garantia constituída, ficando precludida a apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia do valor remanescente.

Vejamos.

O Tribunal a quo considerou, em síntese, que, no tocante à aceitação da garantia, o despacho reclamado se pronuncia em sentido diverso do já decidido a 19.07.2018, momento em que a idoneidade da garantia já fora apreciada, sendo que os elementos apreciados num e noutro momento foram os mesmos. Assim, impunha-se coerência entre ambas as decisões e, em consequência, a apreciação do pedido de dispensa quanto ao valor não abrangido pela garantia prestada.

Apreciando.

Em sede de processo executivo fiscal, a dívida exequenda pode ser paga em prestações mensais iguais, reunidos que estejam os pressupostos para o efeito.

Tal possibilidade encontra desde logo assento no art.º 42.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

Por seu turno, nos termos do art.º 196.º do CPPT:

“1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal.

(…) 4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.

5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta”.

A este respeito, refere Jorge Lopes de Sousa (1):

“[E]stabelece-se como requisito geral da autorização geral de autorização do pagamento em prestações a inviabilidade de o executado, pela sua situação económica, poder solver a dívida de uma só vez. (…)

O interessado deve demonstrar a existência de uma situação económica que lhe não permite solver a dívida de uma só vez, o que é condição da concessão da autorização do pagamento em prestações…”.

Os termos em que deve ser formulado o pedido de pagamento em prestações encontram-se previstos no art.º 198.º do CPPT. A este propósito, é pertinente, in casu, chamar à colação o disposto no seu n.º 3, o qual prevê que, no caso de o executado pretender a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deverá constituir ou prestar garantia idónea ou, em alternativa, obter autorização para a sua dispensa (exceto nos casos previstos no n.º 5 do mesmo art.º 198.º).

Nesse seguimento, é de considerar, desde logo, as normas de enquadramento, constantes do art.º 52.º da LGT, sendo de atentar concretamente no n.º 4 desta disposição legal, nos termos do qual “[a] administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”, sendo ainda de atentar no seu n.º 5, relativo à validade temporal da mencionada isenção.

É ainda de ter em conta o regime constante do art.º 199.º do CPPT, relativo aos termos que regem a constituição de garantia em sede de execução fiscal, bem como aos termos atinentes ao pedido de isenção da prestação da garantia (cfr. art.º 199.º, n.º 3, do CPPT).

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, antes de mais, cumpre atender à sucessão de despachos proferidos no âmbito do PEF 32392018..., dada a sua pertinência na apreciação do presente recurso.

Assim, atenta a factualidade assente, não impugnada, temos que:

a) Num primeiro momento, na sequência de requerimento de 27.06.2018 do Recorrido, foi proferido despacho, no sentido de ser admissível o pagamento da dívida exequenda em 36 prestações, definindo-se o valor da garantia a prestar [cfr. factos B), C) e D)];

b) Paralelamente, a 13.07.2018, o Recorrido apresenta pedido de isenção de prestação de garantia, na sequência do que foi elaborada informação pelo órgão de execução fiscal (OEF), no sentido de ter sido identificado o Recorrido como comproprietário de ¼ de 4 prédios de valor patrimonial tributário fixado em 1989 [factos E) e F)], informação essa que contém a identificação dos mencionados prédios e o respetivo valor patrimonial [concretamente, no total de 242,28 Eur. – cfr. facto L)]. Nesta sequência, é proferido despacho, a 19.07.2018, onde se refere que o Recorrido terá de efetuar hipoteca voluntária, após o que poderá obter a dispensa de prestação de garantia pelo remanescente [facto G)];

c) Num terceiro momento, que dá origem ao despacho reclamado, o Recorrido informa o OEF que constituiu hipoteca voluntária sobre os prédios identificados e pede a dispensa de prestação de garantia quanto ao valor remanescente, o que origina informação no sentido de a garantia não ser idónea. Sobre esta informação, é proferido o despacho reclamado.

Da análise desta linha cronológica, desde já se refira que se acompanha o raciocínio expendido pelo Tribunal a quo.

Com efeito, neste processo, o OEF foi definindo os termos dos diversos passos a seguir, na sequência dos sucessivos requerimentos apresentados pelo ora Recorrido.

Assim, e atendo-nos no despacho mencionado em G) do probatório e na informação que lhe esteve na origem [facto F)], decorre que:

a) É elencado pelo OEF o património do Recorrido (concretamente ¼ de 4 prédios rústicos), logo aí se computando o valor desse património e se concluindo que o mesmo é insuficiente para servir como garantia;

b) É proferido despacho do qual resulta que o Recorrido tem de efetuar hipoteca voluntária dos referidos imóveis, após o que poderá ser dispensada a prestação de garantia pelo valor remanescente.

Ora, resulta, pois, que foi a própria administração tributária (AT) que indicou ao Recorrido o caminho a percorrer, o que este fez nos precisos termos indicados. É, pois, aqui irrelevante apreciar se o quadro legal está desenhado no sentido de prever, em alternativa, a constituição de garantia ou a sua dispensa, como resulta da conclusão P) das alegações da FP, porquanto foi o próprio OEF quem definiu os termos do procedimento e não pode, naturalmente, imputar aos Recorridos uma errada interpretação do quadro legislativo que foi, em primeira linha, por si, OEF, definida como correta.

Assim, a admissibilidade da hipoteca voluntária já decorria do referido despacho de 19.07.2018, não podendo, como referido pelo Tribunal a quo, vir o OEF em momento ulterior não só não aceitar a garantia, como não se pronunciar sequer sobre o pedido de dispensa de garantia relativamente ao remanescente.

Refira-se a este propósito que, ao contrário do que parece resultar das alegações de recurso, não está aqui em causa a suficiência da garantia prestada. Não só os Recorridos nunca consideram que a hipoteca voluntária constituída é suficiente por si só para servir de garantia pela totalidade da dívida, como o OEF, desde a informação mencionada em F) do probatório (na sequência da qual foi proferido o despacho no qual é referida a necessidade de constituição da hipoteca voluntária), sempre faz referência à insuficiência do valor dos bens. Logo, o constante das conclusões Q), R) e S) parte do pressuposto errado de que os Recorridos pretendiam a suspensão do PEF apenas pela constituição da hipoteca voluntária, o que não é o caso. Reitera-se: o que consta do último requerimento apresentado pelo Recorrido é a indicação de ter sido constituída hipoteca voluntária e a reiteração do pedido de dispensa da prestação de garantia, nos exatos termos constantes do despacho de 19.07.2018.

Em situações como a dos autos é impreterível, desde logo em obediência aos princípios da boa-fé e da colaboração (cfr. o art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como o art.º 59.º da LGT), que devem nortear a relação entre administração e administrados, que seja considerado o procedimento como um todo, designadamente em situações, como a em apreciação, na qual um pedido de pagamento em prestações com dispensa de prestação de garantia surge repartido em mais do que um requerimento e, em consequência, a sua apreciação em mais do que um despacho.

Não tendo sido revogado o despacho de 19.07.2018 (2), o OEF não poderia deixar de considerar, na apreciação do requerimento que veio a dar origem ao ato em causa nos presentes autos, que foi ele próprio quem determinou que o Recorrido deveria constituir a hipoteca voluntária e que, após essa constituição, podia ser obtida a dispensa de prestação de garantia do valor remanescente, caso contrário estaríamos perante uma situação de venire contra factum proprium. Aliás, refira-se que o mencionado na conclusão F (“tendo sobre tal pedido recaído despacho de 19-07-2018 no sentido de não poder ser a isenção de garantia ser deferida em virtude de ser o requerente proprietário de imóveis, sobre os quais deveria ser constituída hipoteca voluntária com subsequente pedido de dispensa de garantia do valor remanescente caso aceite a constituição de hipoteca voluntária” – sublinhado nosso) carece de adesão ao que decorre da factualidade. No despacho de 19.07.2018 refere-se que o Recorrido “… terá de efectuar hipoteca voluntária sobre a totalidade dos imóveis rústicos de que é proprietário, à ordem do processo de execução fiscal n.º 32392018.... Após a hipoteca voluntária poderá obter a dispensa de prestação de garantia do valor remanescente”, de onde resulta que o próprio OEF nesse momento, já na posse de todos os elementos factuais atinentes aos bens em causa, designadamente os relativos ao seu valor, não salvaguarda a situação de não aceitação da hipoteca voluntária, exigindo-a, sim, como condição prévia da apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente.

Como bem refere o Tribunal a quo, os elementos factuais referidos num e noutro momento são exatamente os mesmos, a saber o valor dos prédios, claramente inferior ao do valor da garantia a prestar.

Aliás, sublinhe-se que nem outra interpretação seria admissível, sob pena de se colocarem os executados que fossem proprietários de bens de valor reduzidíssimo na posição de nem lhes ser deferido um pedido de dispensa de prestação de garantia pelo valor total, nem lhes ser admitido um pedido de dispensa de prestação de garantia pelo valor remanescente, colocando-os, no fundo, numa posição de impossibilidade de obter dispensa de prestação de garantia, o que não decorre do quadro legal a que já se fez referência. Aliás, o art.º 52.º, n.º 4, da LGT fala expressamente em situações de insuficiência do património como justificadoras de pedidos de dispensa de prestação de garantia.

Como tal, não só se acompanha o referido pelo Tribunal a quo, no sentido de que a admissibilidade da hipoteca voluntária já decorria do despacho de 19.07.2018, mas também se acompanha, quando aí se refere que não foi apreciado o pedido de dispensa de prestação de garantia pelo valor remanescente. Aliás, ainda que se considerasse que o despacho de indeferimento da garantia constituída reclamado não padecia de vício nessa parte, ainda assim o OEF teria de se pronunciar sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado, não resultando de modo algum prejudicada a sua apreciação, ao contrário do que a Recorrente refere na sua conclusão I).

Com efeito, como já se deixou expresso supra, o Recorrido formulou um pedido de dispensa de prestação de garantia, em 13.07.2018, que foi, na sequência do despacho de 19.07.2018, reformulado em 09.10.2018, na medida em que o Recorrido informa o OEF da constituição da hipoteca voluntária e reitera o pedido de dispensa da garantia quanto ao remanescente.

Ora, ainda que se admitisse que o OEF pudesse não aceitar a hipoteca voluntária, sempre este teria de se pronunciar sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia (sendo que o remanescente seria na verdade a totalidade, dada a tal não aceitação), considerando toda a tramitação existente. A este respeito carece de razão a Recorrente, quando refere, na conclusão G), que houve pronúncia no sentido de o pedido de isenção não poder ser deferido; a única referência ao mesmo consta do despacho de 19.07.2018, do qual decorre que o conhecimento dessa dispensa será feito após a constituição da hipoteca voluntária, conhecimento esse que nunca veio a ocorrer.

Quanto ao alegado nas conclusões M) a Q), concretamente quanto ao juízo de prognose aí feito, no sentido de a decisão que fosse proferida no seguimento do pedido de dispensa de garantia ser necessariamente de indeferimento, por falta de fundamentos de facto e de direito [cfr. conclusão P)], tal não tem a virtualidade de alterar o sentido da decisão. Com efeito, para além de se estar perante um mero juízo de prognose conclusivo, não se pode suprir uma omissão total de conhecimento de um requerimento apresentado, com as caraterísticas do requerimento em análise e considerando, como já se referiu, toda a tramitação, interligada entre si, com uma mera afirmação de que o pedido está votado ao insucesso. Caberá ao OEF apreciar, de forma fundamentada, o requerido e sempre, aliás, tendo em atenção o princípio do inquisitório que enforma a atividade da AT (3).

Assim, improcedem, in totum, os argumentos esgrimidos pela Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de março de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

-------------------------------------------------

(1) Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 400.

(2) Sobre os termos e prazos de revogação de atos proferidos em sede de execução fiscal, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.07.2015 (Processo: 0781/15).

(3) V., a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.09.2014 (Processo: 0718/14), bem como o Acórdão deste TCAS, de 13.07.2016 (Processo: 09699/16).