Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08426/12
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/02/2017
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:URBANISMO
APROVAÇÃO DO PROJETO DE ARQUITETURA
ATO CONSTITUTIVO DE DIREITOS
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:I – Sendo o objeto da presente ação respeitante à efetivação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto (ato) ilícito, a apreciação e conhecimento da ilegalidade do ato administrativo em que os autores fundam a indemnização peticionada haverá de ser conhecida a título incidental e no âmbito da aferição do pressuposto da ilicitude gerador do dever de indemnizar.

II – O ato de aprovação do projeto de arquitetura não tem efeitos permissivos, por não ser ele que consente a realização da obra particular, mas é em tal momento, e através dele, que se definem os concretos parâmetros urbanísticos da obra a levar a cabo, e é nessa medida que o ato de aprovação do projeto de arquitetura é constitutivo de direitos para o particular seu destinatário.

III – É por referência a tal momento (aprovação do projeto de arquitetura) que deve aplicar-se o princípio do tempus regit actum no que tange às regras urbanísticas a aplicar, mormente quando tenham ocorrido alterações normativas, designadamente ao nível dos planos urbanísticos, entre o momento em que foi aprovado o projeto de arquitetura e aquele em que foi praticado o ato final do licenciamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


Vicente …………….. e Silvina ………………. (devidamente identificados nos autos), autores na Ação Administrativa Comum que instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (Procº nº 251/11.2BELLE) contra o (1) Município de C........ M........ e o (1) Presidente da respetiva Câmara Municipal, e (2) Dr. José ……….na qual peticionaram a condenação dos réus a pagarem-lhes a quantia de 515.000,00 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 30.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, que fundaram em responsabilidade civil extracontratual – inconformados com o saneador-sentença de 09/09/2011 do Tribunal a quo pelo qual foram os réus absolvidos do pedido, dela interpuseram o presente recurso, pugnando pela sua revogação e sua substituição por outra que julgue a ação procedente.
Formulam os recorrentes as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. A questão colocada nos autos prende-se em saber se a aprovação do projecto de arquitectura é ou não constitutivo de direitos.

2. A sentença em recurso padece de crasso erro de interpretação e de aplicação do direito ao considerar que a aprovação do projecto de arquitectura não é um acto constitutivo de direitos.

3. A aprovação do projecto de arquitectura não poderia ser revogado, uma vez tratando-se de um acto constitutivo de direitos, nos termos do art. 140º do CPA, logo, a sentença, nesta parte, padece de erro de direito.

4. A aprovação do projecto de arquitectura corresponde a um acto que, relativamente à pretensão apresentada pelo particular, aprecia apenas (mas de uma forma completa) parte da pretensão, ou seja, apenas, mas todos os aspectos relativos à arquitectura, e uma vez apreciados, ficam estes aspectos definitivamente decididos, ficando apenas por responder as questões relativas às respectivas especialidades.

5. O legislador entendeu que o momento adequado para a apreciação da conformidade com o plano é o da apreciação do projecto de arquitectura, tendo em consideração que a conformidade do projecto com os instrumentos de planeamento territorial deve ser verificada na fase da apreciação do projecto de arquitectura, qualquer alteração posterior daqueles instrumentos é irrelevante, excepto quando o plano disponha ele próprio noutro sentido.

6. Com efeito, tendo em consideração o princípio do tempus regit actum (que determina que a validade de um acto administrativo depende das normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática) e a natureza de verdadeiro acto administrativo da aprovação do projecto de arquitectura, teremos de concluir que ele será validamente emitido se não contrariar as normas vigentes no momento em que for praticado, sendo indiferente qualquer alteração normativa que se venha a verificar posteriormente, tanto mais que o momento em que se deve verificar a referida conformidade é precisamente o da apreciação do projecto de arquitectura.

7. Se no momento em que for aprovado o projecto de arquitectura forem cumpridas todas as normas que nessa data estão em vigor, (o que foi o caso dos autos), tal significa que aquela aprovação é válida, razão pela qual, tratando-se de um acto constitutivo de direitos (pelo menos do direito a que as questões por ele apreciadas não voltem a ser questionados no decurso do procedimento), não poderá ser posto em causa pelo Plano Director Municipal que vier a entrar em vigor supervenientemente, sob pena de violação, aqui sim, do disposto no artigo 140.º do CPA.

8. A natureza de acto administrativo desta aprovação vem confirmada pelo facto de o RJUE admitir expressamente a possibilidade de emissão de uma licença parcial para a construção da estrutura imediatamente após a aprovação do projecto de arquitectura, o que significa que se admite definir este acto, de uma forma final e definitiva, todas as questões que têm a ver com a estrutura da obra (implantação, cércea, área de construção, número de pisos, volumetria, etc.).

9. Nos termos expostos, a nosso ver a aprovação do projecto de arquitectura só pode «configurar um acto administrativo constitutivo de direitos, na subcategoria dos atos prévios, sem efeitos permissivos, que no tocante à posição pretensiva final inerente ao procedimento de licenciamento aprecia de forma completa todos os aspectos relativos à arquitectura (à estrutura da obra, a respectiva implantação, a sua inserção na envolvente, a respectiva cércea, alinhamento, o respeito das condicionantes dos planos em vigor, etc.) – Ac. do TCAS de 25/03/09, Rec. 0648/08.

10. Além de que, a decisão do Ex.mº Sr. Presidente da Câmara Municipal de C........ M........ de revogar o Despacho que tinha aprovado anteriormente o projecto de arquitectura (independentemente do período de tempo em que o havia feito), estava em manifesta desconformidade com o Plano de Urbanização, legislação e direito vigente à data da decisão e protelava para tempo indefinido, a aprovação dos mesmos (“Dada a incompatibilidade verificada entre o presente pedido de licenciamento e a execução do P.U. de A........ deverá o presente pedido de licenciamento ser enquadrado no âmbito da execução do dito Plano, logo que o mesmo se encontre em condições de execução”). Pelo que, se tratava obviamente de um Despacho nulo, uma vez proferido contra a lei vigente à data.

11. A nossa jurisprudência administrativa tem, no entanto, também adoptado uma posição que, apesar de admitir a indemnizabilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura, recusa a sua configuração como acto administrativo que define estavelmente uma relação jurídico-administrativa. Cfr., neste sentido e por último, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Março de 2008, proferidos no âmbito dos processos 082/07 e 0620/07.


Não foram produzidas contra-alegações.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo (correspondentes aos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelos recorrentes as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à solução jurídica da causa, ao julgar improcedente a ação.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

No saneador-sentença recorrido o Tribunal a quo considerou provados os seguintes fatos, nos seguintes termos:
1. Os Autores são proprietários e Legítimos possuidores de duas parcelas de terreno, sito em ………..— A........ inscritas na matriz predial sob o art. .º da secção BP, descrito na Conservatória de Registo Predial de C........ M........ sob o nº …………….. e art. 19º da secção BP, não descrito na Conservatória de Registo Predial de C........ M........, ambos da freguesia de A........ concelho de C........ M........ – facto admitido

2. Em 2005, os Autores, então Requerentes, solicitaram aos Réus, Informação prévia sobre a possibilidade de viabilidade de construção de moradias unifamiliares, nas parcelas de terreno identificadas em 1, que foi deferida com limitações, nos termos seguintes:

(…) Após análise das plantas de Ordenamento Municipal e Condicionantes do Plano Director Municipal, verifica-se que apenas a parte Norte dos prédios fica situada dentro do aglomerado urbano de A........ em área classificada como Área Urbanizável Nivel III, sendo que a restante parte fica situada em Espaços Agro-Florestais, onde de acordo com o artº 27º do regulamento do P.D.M., não é viável a construção pretendida.

Em Área Urbanizável Nível III, de acordo com o disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 42º do Regulamento do P.D.M, é permitida a realização de operações de loteamento, desde que o prédio tenha no mínimo 5.000m2 de área dentro do perímetro urbanizável definido no P.D.M. o que não se verifica no caso em análise, mesmo que os prédios vejam eventualmente a sofrer um processo de anexação, dado o carácter de contiguidade existente entre os mesmos. Em ambos os prédios do requerente é viável a construção de 2 fogos por parcela de terreno, atendendo ao cumprimento dos parâmetros urbanísticos definidos na alínea b) do mesmo número e artigo supra referidos, a saber:

- Área mínima da parcela (dentro do perímetro urbanizável definido no P. D.M.) — 500 m2 - Superfície máxima de pavimento por fogo— 250m2

- Altura máxima dos edifícios — 2 pisos acima da cota de soleira.

Assim, face ao exposto, sugiro que a Ex.mª Câmara Municipal informe a requerente do conteúdo da presente informação, dando-lhe conta que a pretensão tal como foi apresentada não poderá merecer provimento, uma vez que no prédio rústico nº 18 bem com no prédio rústico nº 19, apenas é viável a construção de 2 moradias unifamiliares com 250m2 de área de construção por moradia e desde que confirmada a área mínima de 500m2 dentro do perimetro urbanizável definido no P D.M., mediante levantamento rigoroso dos prédios, a cargo do requerente (…)‖ – doc. nº 1 junto com a p.i.

3. O Projecto de arquitectura mereceu aprovação dos RR, tendo sido em sessão de Câmara aprovadas as cedências legais em 7/11/2007 – doc. nº 2, Edital de 8/11/2007 e doc. nº 3

4. Os AA foram notificados, pelo ofício nº 011530 de 07/12/10, nos termos seguintes:

(…) Assunto: construção de duas moradias unifamiliares geminadas e muros em A........ ( Proc. de obras nº 183/06)

Em conformidade com o despacho do Senhor Presidente da Câmara de 2007.11.30 serve o presente para informar V.Exª que foi revogado o despacho de 2007.10.22 que aprovou o projecto de arquitectura da obra em referência, substituindo-o pelo despacho que se anexa em fotocópia do presente ofício, para conhecimento de V.Exª e devidos efeitos.

5. O Despacho em anexo era do teor seguinte:

“Despacho:

Considerando que foi elaborado um Plano de Urbanização para a aldeia de …………..; Considerando, por outro lado, que esse Plano de Urbanização está em fase de Discussão Pública, tendo previamente colhido os pareceres favoráveis das entidades com jurisdição sobre a matéria;

Considerando, ainda, que alteração substantiva da proposta que se pretende aprovar teria consequências extremamente gravosas, por força da sucessão de regimes jurídicos relativos ao PROTAlgarve;

Sabendo que o licenciamento do projecto objecto deste processo geraria incompatibilidade com o Plano e dificuldades de execução do mesmo na versão que se pretende aprovar;

Sendo certo, por outro lado, que a pretensão do requerente é sempre alcançável, embora no quadro do Plano em aprovação, sem que advenha qualquer dano. Revogo o meu despacho de 07.10.22, que aprovou a arquitectura, substituindo-o pelo seguinte: “Dada a incompatibilidade verificada entre o presente pedido de licenciamento e a execução do P.U. de A........ deverá o presente pedido de licenciamento ser enquadrado no âmbito da execução do dito Plano, logo que o mesmo se encontre em condições de execução.”

Considerando que deixa de ter justificação a cedência da área de 217.70 m2 para efeito de alargamento de arruamento, cedência já aceite por esta Câmara Municipal no âmbito da Proposta n.° 159/2007/CM.

Mais decido, submeter à Câmara Municipal proposta com vista à anulação da aceitação da referida cedência.

C........ M........, 30 de Novembro de 2007

O Presidente da Câmara (…)‖ – doc. nº 4 junto com a p.i.”



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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Os recorrentes instauraram em 12/04/2011 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a presente Ação Administrativa Comum (Procº nº 251/11.2BELLE) contra o (1) Município de C........ M........, o (2) Presidente da respetiva Câmara Municipal e o (3) Dr. José E........peticionando a condenação destes a pagarem-lhes a quantia de 515.000,00 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 30.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, que fundaram em responsabilidade civil extracontratual.
Apenas o MUNICÍPIO DE C........ M........ contestou, ali tendo desde logo suscitado a exceção de falta de capacidade judiciária do demandado Presidente da Câmara Municipal de C........ M........, pugnando pela sua absolvição da instância. Sendo que notificados daquela contestação os autores não replicaram.
A Mmª Juíza do Tribunal a quo proferiu então o despacho-saneador de 09/09/2011, no qual, absolveu da instância o demandado Câmara Municipal de C........ M........, por falta de capacidade judiciária, prosseguindo a mesma quanto aos demais. E procedeu ainda à seleção da matéria de facto que deu como provada «com base nas alegações das partes e dos documentos juntos nos autos», como referiu, proferindo concomitantemente decisão de mérito quanto ao pedido. O que é admissível à luz das disposições conjugadas dos artigos 508º, nº 1 e 510º, nº 1 do CPC (o à data em vigor, anterior ao CPC novo aprovado pela Lei nº 41/2013), ex vi dos artigos 35º, nº 1 e 42º, nº 1 do CPTA (na versão à data), se o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, ainda que não tenha feito expressamente referência a tais normativos.
Naquele saneador-sentença a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou a ação improcedente, absolvendo os réus MUNICÍPIO DE C........ M........ e Dr. JOSÉ ………….. do pedido, decisão que, tendo por base a matéria de facto dada como provada, assentou no seguinte discurso fundamentador, que se passa a transcrever:
«Em causa está saber se o Município de C........ M........ podia ter revogado o Despacho de 22/10/2007, que tinha aprovado o projecto de arquitectura dos AA, nos termos do Despacho de 30/11/2007 (nº 5 do probatório), Despacho este, cuja nulidade os AA invocam, peticionando indemnizações, como consequência.
Em síntese, a questão de direito a decidir é, afinal, de saber, se a aprovação do projecto de arquitectura é ou não constitutivo de direitos.
Acerca desta questão mostra-se a doutrina dividida, sendo que a Jurisprudência do STA se tem, maioritariamente, inclinado pela negativa.
Conforme se pode ler no “Manual de Direito do Urbanismo” de Alves Correia, vol III, Almedina, Setembro 2010, pg 136 e ss.: “A discussão apresenta os seguintes contornos: o acto de aprovação do projecto de arquitectura é um mero acto preparatório do acto final do procedimento – constituído pela deliberação ou decisão de licenciamento -, sem autonomia funcional e sem imediata eficácia lesiva, sendo, por isso, insusceptível de impugnação contenciosa imediata? Ou é, ao invés, um acto constitutivo de direitos para o requerente, capaz de produzir efeitos externos e de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, podendo assim, por estes ser imediatamente impugnado?
A jurisprudência administrativa vem entendendo, de modo reiterado e constante, ainda que com algumas flutuações argumentativas, que o acto de aprovação do projecto de arquitectura, sendo embora condicionante do prosseguimento da instrução para recolha e elaboração de novos projectos e elementos auxiliares da decisão final, “é um acto preliminar, que tem apenas uma função instrumental e pré – ordenada à produção do acto final – principal, definidor e constitutivo do licenciamento de obra”. Ainda segundo a mesma jurisprudência, aquele acto “está finalisticamente orientado na preparação do acto final de licenciamento, esgotando-se nessa vocação auxiliar, com ausência de autonomia funcional, para, por si próprio e desde logo, ter eficácia lesiva e imediata da esfera jurídica dos contra interessados no licenciamento”, pelo que não pode ser contenciosamente impugnado”.
Estamos com esta orientação jurisprudencial.
In casu, a Entidade Demandada revogou, num espaço de tempo que não chegou a mês e meio, o Despacho que tinha aprovado o projecto de arquitectura dos AA (1), com o fundamento na elaboração de um Plano de Urbanização para o A........ encontrando-se o mesmo na fase de discussão pública. Além disso, tinha sido aprovado o Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 102/2007, publicada no DR 2ª, de 3 de Agosto 2007, que veio estabelecer novas regras em relação aos licenciamentos urbanísticos sitos na área dos terreno dos AA.
O Despacho da Entidade Demandada, posto em crise pelos AA., nada tem que se lhe aponte, pois a revogação do anterior Despacho não lhe estava vedada pelo disposto no artº 140º nº 1 al b) do CPA, na esteira da corrente maioritária jurisprudencial, como se demonstrou (2).
O licenciamento do projecto dos AA não chegou a ser alcançado.
Se os AA fizeram negócios ou procederam a investimentos, antes da finalização do processo, sibi imputet, porém, a sua posição durante o decurso do procedimento, no âmbito de atos administrativos não autónomos, carece de tutela jurídica, com o sentido e o alcance que os AA aqui peticionam.
Improcede, assim, a pretensão dos AA.
Em consequência, improcedem, também, todos os pedidos indemnizatórios, ficando prejudicada a sua apreciação (cf. artº 660º nº 2 CPC, aplicável por força do artº 1º CPTA).»

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2. Da tese dos recorrentes
Pugnam os recorrentes pela revogação da decisão de improcedência da ação proferida no saneador-sentença recorrido, e sua substituição por outra que julgue a ação procedente, sustentando para o efeito, nos termos que expõem nas suas alegações de recurso e reconduzem às respetivas conclusões, que a decisão em recurso padece de crasso erro de interpretação e de aplicação do direito ao considerar que a aprovação do projeto de arquitetura não é um ato constitutivo de direitos; que o mesmo, tratando-se de um ato constitutivo de direitos, não podia ser revogado nos termos do artigo 140º do CPA; que a aprovação do projeto de arquitetura corresponde a um ato que, relativamente à pretensão apresentada pelo particular, aprecia apenas (mas de uma forma completa) parte da pretensão, ou seja, apenas, mas todos os aspetos relativos à arquitetura, e uma vez apreciados, ficam estes aspetos definitivamente decididos, ficando apenas por responder as questões relativas às respetivas especialidades; que o legislador entendeu que o momento adequado para a apreciação da conformidade com o plano é o da apreciação do projeto de arquitetura, tendo em consideração que a conformidade do projeto com os instrumentos de planeamento territorial deve ser verificada na fase da apreciação do projeto de arquitetura, qualquer alteração posterior daqueles instrumentos é irrelevante, exceto quando o plano disponha ele próprio noutro sentido; que tendo em consideração o princípio do tempus regit actum (que determina que a validade de um ato administrativo depende das normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática) e a natureza de verdadeiro ato administrativo da aprovação do projeto de arquitetura, teremos de concluir que ele será validamente emitido se não contrariar as normas vigentes no momento em que for praticado, sendo indiferente qualquer alteração normativa que se venha a verificar posteriormente, tanto mais que o momento em que se deve verificar a referida conformidade é precisamente o da apreciação do projeto de arquitetura; que se no momento em que for aprovado o projeto de arquitetura forem cumpridas todas as normas que nessa data estão em vigor, (o que foi o caso dos autos), tal significa que aquela aprovação é válida, razão pela qual, tratando-se de um ato constitutivo de direitos (pelo menos do direito a que as questões por ele apreciadas não voltem a ser questionados no decurso do procedimento), não poderá ser posto em causa pelo Plano Diretor Municipal que vier a entrar em vigor supervenientemente, sob pena de violação, aqui sim, do disposto no artigo 140.º do CPA; que a natureza de ato administrativo desta aprovação vem confirmada pelo facto de o RJUE admitir expressamente a possibilidade de emissão de uma licença parcial para a construção da estrutura imediatamente após a aprovação do projeto de arquitetura, o que significa que se admite definir este ato, de uma forma final e definitiva, todas as questões que têm a ver com a estrutura da obra (implantação, cércea, área de construção, número de pisos, volumetria, etc.); que a aprovação do projeto de arquitetura só pode «configurar um ato administrativo constitutivo de direitos, na subcategoria dos atos prévios, sem efeitos permissivos, que no tocante à posição pretensiva final inerente ao procedimento de licenciamento aprecia de forma completa todos os aspetos relativos à arquitetura (à estrutura da obra, a respetiva implantação, a sua inserção na envolvente, a respetiva cércea, alinhamento, o respeito das condicionantes dos planos em vigor, etc.); que a decisão do Presidente da Câmara Municipal de C........ M........ de revogar o Despacho que tinha aprovado anteriormente o projeto de arquitetura (independentemente do período de tempo em que o havia feito), estava em manifesta desconformidade com o Plano de Urbanização, legislação e direito vigente à data da decisão e protelava para tempo indefinido, a aprovação dos mesmos (“Dada a incompatibilidade verificada entre o presente pedido de licenciamento e a execução do P.U. de A........ deverá o presente pedido de licenciamento ser enquadrado no âmbito da execução do dito Plano, logo que o mesmo se encontre em condições de execução”) pelo que, se tratava obviamente de um despacho nulo, uma vez proferido contra a lei vigente à data e que a jurisprudência administrativa tem também adotado uma posição que, apesar de admitir a indemnizabilidade do ato de aprovação do projeto de arquitetura, recusa a sua configuração como ato administrativo que define estavelmente uma relação jurídico-administrativa.
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3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Os pedidos de indemnização formulados pelos autores na ação fundam-se em responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos, tendo os autores feito apelo ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
E fizeram decorrer o direito às indemnizações peticionadas da atuação levada a cabo pelo Município de C........ M........, e em concreto àquele que, à data, era o Presidente da respetiva Câmara Municipal, o também demandado Dr. José E........, no âmbito do processo de licenciamento para construção de duas moradias unifamiliares a edificar em terreno de sua propriedade, em concreto da circunstância de o despacho que aprovou o respetivo projeto de arquitetura (que foi apresentado após ter sido deferida a informação prévia quanto à viabilidade de construção), ter sido entretanto revogado por despacho do Presidente da Câmara Municipal, que reputam de ilegal, por violador dos seus legítimos direitos adquiridos.
3.2 O despacho em causa é datado de 30/11/2007 e teve a seguinte fundamentação (vide 5. do probatório):
«Considerando que foi elaborado um Plano de Urbanização para a aldeia de ……………..; Considerando, por outro lado, que esse Plano de Urbanização está em fase de Discussão Pública, tendo previamente colhido os pareceres favoráveis das entidades com jurisdição sobre a matéria;

Considerando, ainda, que alteração substantiva da proposta que se pretende aprovar teria consequências extremamente gravosas, por força da sucessão de regimes jurídicos relativos ao PROTAlgarve;

Sabendo que o licenciamento do projecto objecto deste processo geraria incompatibilidade com o Plano e dificuldades de execução do mesmo na versão que se pretende aprovar;

Sendo certo, por outro lado, que a pretensão do requerente é sempre alcançável, embora no quadro do Plano em aprovação, sem que advenha qualquer dano. Revogo o meu despacho de 07.10.22, que aprovou a arquitectura, substituindo-o pelo seguinte: “Dada a incompatibilidade verificada entre o presente pedido de licenciamento e a execução do P.U. de A........ deverá o presente pedido de licenciamento ser enquadrado no âmbito da execução do dito Plano, logo que o mesmo se encontre em condições de execução.”

Considerando que deixa de ter justificação a cedência da área de 217.70 m2 para efeito de alargamento de arruamento, cedência já aceite por esta Câmara Municipal no âmbito da Proposta n.° 159/2007/CM.

Mais decido, submeter à Câmara Municipal proposta com vista à anulação da aceitação da referida cedência.»


3.3 No despacho-saneador recorrido a Mmª Juíza do Tribunal a quo enfrentou a alegação da ilegalidade daquele despacho de revogação, de 30/11/2007, entendendo que em síntese, a questão de direito a decidir era a de saber «…se a aprovação do projeto de arquitetura é ou não constitutivo de direitos». Após o que, dizendo aderir à jurisprudência que, refere, «…vem entendendo, de modo reiterado e constante, ainda que com algumas flutuações argumentativas, que o acto de aprovação do projecto de arquitectura, sendo embora condicionante do prosseguimento da instrução para recolha e elaboração de novos projectos e elementos auxiliares da decisão final, ¯ é um acto preliminar, que tem apenas uma função instrumental e pré–ordenada à produção do acto final – principal, definidor e constitutivo do licenciamento de obra», estando «…finalisticamente orientado na preparação do acto final de licenciamento, esgotando-se nessa vocação auxiliar, com ausência de autonomia funcional, para, por si próprio e desde logo, ter eficácia lesiva e imediata da esfera jurídica dos contra interessados no licenciamento, pelo que não pode ser contenciosamente impugnado», considerou que aquele despacho nada tem que se lhe aponte, por «…a revogação do anterior Despacho não lhe estava vedada pelo disposto no artº 140º nº 1 al b) do CPA» por não se tratar de um ato constitutivo de direitos, não tendo o licenciamento do projeto chegado a ser alcançado. Acrescentando que «…se os AA fizeram negócios ou procederam a investimentos, antes da finalização do processo, sibi imputet» e que «…a sua posição durante o decurso do procedimento, no âmbito de atos administrativos não autónomos, carece de tutela jurídica, com o sentido e o alcance que os AA aqui peticionam».
3.4 Impõe-se começar por precisar que sendo o objeto da presente ação respeitante à efetivação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto (ato) ilícito, a apreciação e conhecimento da ilegalidade do ato administrativo em que os autores fundam a indemnização peticionada haverá de ser conhecida apenas a título incidental e no âmbito da aferição do pressuposto da ilicitude gerador do dever de indemnizar. O que é admitido pelo disposto no artigo 38º nº 1 do CPTA de acordo com o qual “…nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado” (que se mantém na versão atual, decorrente do DL. nº 214-G/2015, de 2 de Outubro).
A tal propósito referem, aliás, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 188 o seguinte: “O presente artigo permite a apreciação incidental da ilegalidade de um ato administrativo no âmbito de uma providência judiciária que não seja especificamente dirigida à anulação ou declaração de nulidade desse ato, e designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por facto ilícito. A norma vem assim pôr cobro definitivamente à polémica que se instalou por virtude da aparente contraditoriedade entre os dois segmentos normativos do artigo 7º do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1976 que dispõe: «O dever de indemnizar, por parte do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer dos atos causadores do dano; mas o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou à negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto».”
Sendo certo que na situação presente não há notícia de que os autores tenham impugnado contenciosamente o despacho que reputam de ilegal e no qual fundam o pedido de indemnização formulado na ação.
3.5 E a segunda precisão que importa fazer é que o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas temporalmente aplicável à situação dos autos não é o decorrente da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (cuja entrada em vigor haveria de ocorrer 30 dias após a sua publicação, isto é, a 30 de Janeiro de 2008, cfr. artigo 6º), mas o constante DL. nº 48051 de 21 de Novembro de 1967 por ser este o regime em vigor à data da prática do ato administrativo que os autores identificam como gerador do danos cujo ressarcimento peticionam e que reputam de ilegal: o despacho de 30/11/2007.
3.6 Feitas estas precisões vejamos se andou mal, ou bem, a Mmª Juíza do Tribunal a quo ao decidir como decidiu, considerando o objeto do recurso tal como vem delimitado pelas respetivas conclusões.
3.7 Dispõe o artigo 22º da Constituição da República Portuguesa que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
O artigo 2º nº 1 do DL. nº 48051 de 21 de Novembro de 1967, estatuia que o “Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
E por sua vez o artigo 6º daquele mesmo DL. nº 48051, de 21/11/1967 dispunha que “consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em consideração”.
3.8 À luz daquele artigo 6º os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis são ilícitos para efeitos de responsabilidade civil extracontratual.
No entanto, embora exista uma aproximação prática entre as noções de ilegalidade e de ilicitude quando o facto constitutivo da obrigação de indemnizar se funda num ato jurídico, estas não são inteiramente coincidentes, nem se configuram como perfeitamente sinónimos, como tem vindo a ser entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência [vide, a este propósito, Joaquim Gomes Canotilho in, O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Atos Lícitos, Coimbra 1974, pág. 74 ss.. e in, RLJ Ano 125º, págs. 83 ss..; Rui Medeiros in, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos, págs. 165 ss., e ainda, e os Acórdãos do STA de 23/10/2008, Proc. n.º 0264/08, e de 04/11/2008, Proc. n.º 0104/08, in www.dgsi.pt].
É certo que à primeira vista parece que o legislador ali reconduziu a ilicitude à anti-juridicidade objetiva ao considerar ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis. Porém, o artigo 6º deste diploma, aqui em causa, deve ser combinado com o disposto nos seus artigos 2º nº 1 e 3º nº 1, normas que fazem apelo à violação de direitos ou interesses protegidos dos lesados. Do que deriva que a circunstância de um ato jurídico ser ilegal, por incumprimento das normas legais ou regulamentares, ou princípios gerais aplicáveis, a que estava sujeito, não conduz inelutavelmente à sua ilicitude para efeitos de emergência de um direito a indemnização, no sentido de que não basta verificar-se qualquer ilegalidade, substantiva ou formal, na pronúncia administrativa para gerar obrigação de indemnizar.
Cite-se, a este propósito Margarida Cortez, in, Responsabilidade Civil da Administração Pública, Semanário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, Vol I, Associação Jurídica de Braga, Departamento Autónomo de Direito da Universidade do Minho, Novembro, 1999, pág. 72, que quanto a este aspeto diz o seguinte:
Só podem ser qualificados como ilícitos os atos (jurídicos) que violem os direitos subjetivos ou disposições destinadas a proteger interesses de terceiros.
Em face disto, é possível uma conclusão: a de que a ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, uma vez que pressupõe a violação de uma posição jurídica substantiva (direito subjetivo ou interesse legalmente protegido) do particular.
Cumpre, então, determinar qual a relação que existe entre as normas ou princípios violados e a esfera jurídica substantiva dos particulares, sendo certo que da violação dessas normas ou princípios só pode resultar ilicitude quando elas tiverem (também) por fim a proteção dos seus direitos ou interesses. Ora, com vista a identificar as ilegalidades relevantes para efeito de ilicitude, distinguiremos normas instrumentais (ou formais) de normas substantivas (ou materiais). Não se trata, obviamente, de proceder a uma classificação exaustiva das normas administrativas, mas de assinalar dois tipos relevantes.
(…)
Assim, na categoria das normas instrumentais encontramos que regulam os aspetos organizatórios, funcionais e formais do exercício do poder. São fundamentalmente, normas sobre a competência e sobre a forma, se por forma entendermos não apenas o modo de externação dos atos administrativos, mas também o modo da sua formação (procedimento). Apesar da sua heterogeneidade, as normas instrumentais caracterizam-se, pela negativa, pelo facto de não fixarem a disciplina dos interesses (públicos e provados) e por não incidirem diretamente sobre o conteúdo dos atos administrativos. Isto não significa, porém, que se trata de normas com uma eficácia puramente interna ou desprovidas de valor jurídico, cuja observância é indiferente para o particular, como também não impede, especialmente no caso das normas funcionais ou sobre o procedimento, que elas possam influenciar (indiretamente) o conteúdo dos atos. Trata-se, simplesmente, de sublinhar o facto de não serem estas as normas com base nas quais se procede ao acerto de interesses.
Essa é a função das normas substantivas, que conformam, ainda que com intensidade variável, o conteúdo dos atos administrativos. Estas identificam o interesse público que deve presidir à atividade administrativa; concretizam-no ao enunciarem os pressupostos abstratos da ação e prescrevem as providências a adotar perante a verificação, em concreto, da situação de interesse público hipotizada; tudo isto sem esquecer os interesses provados coenvolvidos. Na verdade, são estas as normas que pesam os interesses públicos e privados e definem a medida da satisfação ou do sacrifício consentido destes últimos.
Seguindo o esquema acabado de traçar, cabe, então, determinar a relação que existe (ou pode existir) entre a violação de normas instrumentais e a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Por outras palavras, está em causa saber se a incompetência, o vício de forma ou o vício de procedimento – que sem grande preocupação de rigor poderíamos designar por ilegalidades formais – permitem configurar uma atuação ilícita. Cremos que a melhor forma de abordar o problema consiste em perspetivá-lo pela segunda variante da ilicitude e assim perguntar se a norma violada se destina a proteger os interesses do particular, o que obriga a perguntar pelo fim ou âmbito da proteção dessa norma.
Relativamente às normas que regulam a competência ou a forma dos atos administrativos, é nossa convicção que a sua violação não é geradora da ilicitude, porquanto dificilmente essas normas podem ser configuradas como disposições legais de proteção de interesses individuais, na medida em que não contêm, em regra, uma específica referência aos direitos e interesses dos particulares. Por conseguinte, os atos inválidos por incompetência ou vício de forma não configuram uma atuação ilícita, a menos que se demonstre – o que temos por improvável – que as normas de cuja violação resultaram esses vícios tinham por fim a proteção – não meramente reflexa, mas intencional – dos direitos ou interesses dos particulares. Por isso, não se pode qualificar como ilícito um ato que, apesar de ter criado uma situação de desfavor objetivo para o destinatário (ou para terceiros), não violou nenhuma disposição legal de proteção dos seus interesses. Nestes casos, além de falecer o pressuposto da ilicitude, falece também – como veremos em sede própria – o da causalidade, por quanto a ilegalidade em questão não figura como causa adequada do prejuízo eventualmente sofrido, que se teria verificado independentemente dela.
Este raciocínio, que tem validade geral, repete-se para os atos inválidos por vícios de procedimento. Neste caso, porém, é maior a probabilidade em configurar um ilícito se tivermos presente que as normas e os princípios relativos ao procedimento têm muitas vezes por fim a tutela preventiva de direitos ou de interesses legítimos dos interessados (sublinhado nosso). Isso não significa, contudo, que a relação entre a violação dessas disposições e a ilicitude seja automática: é necessário demonstrar que as diligências procedimentais omitidas ou deficientemente realizadas pelo órgão encarregado da instrução tinham por fim proteger o interessado e podiam interferir no conteúdo da decisão” (sublinhado nosso).
Como igualmente refere Joaquim Gomes Canotilho in, O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Atos Lícitos, Coimbra 1974, pág. 74 ss.. a “(...) violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastantes da responsabilidade. Quer se exija a violação de direitos subjetivos, quer a violação de um dever jurídico ou funcional para com o lesado, quer ainda uma falta da administração faz-se intervir sempre um elemento qualificador e definidor de uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado para com a administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos …”.
3.9 No caso dos autos está em causa um ato jurídico, a saber o ato administrativo consubstanciado no despacho de 30/11/2007 do presidente da Câmara Municipal de C........ M........ que revogou o seu anterior despacho de 22/10/2007 pelo qual havia aprovado o projeto de arquitetura referente à edificação de duas moradias unifamiliares a edificar em terreno da propriedade dos autores.
Despacho que teve como fundamento, nele expresso, a circunstância de o Plano de Urbanização para a aldeia de A........ estar na ocasião em fase de discussão pública, tendo já previamente colhido «…os pareceres favoráveis das entidades com jurisdição sobre a matéria», e que o licenciamento do projeto em causa geraria «…incompatibilidade com o plano e dificuldades de execução do mesmo na versão que se pretende aprovar».
Ali se acrescentando ainda que a pretensão do requerente sempre seria alcançável «…embora no quadro do Plano em aprovação, sem que advenha qualquer dano».
E pelo mesmo despacho de 30/11/2007 o Presidente da Câmara Municipal de C........ M........ além de revogar o anterior despacho de 22/10/2007, que havia aprovado o projeto de arquitetura, substituiu-o pelo seguinte:
«Dada a incompatibilidade verificada entre o presente pedido de licenciamento e a execução do P.U. de A........ deverá o presente pedido de licenciamento ser enquadrado no âmbito da execução do dito Plano, logo que o mesmo se encontre em condições de execução.»

3.10 Os recorrentes começam por invocar que o saneador-sentença recorrido padece de erro de interpretação e de aplicação do direito ao considerar que a aprovação do projeto de arquitetura não é um ato constitutivo de direitos e que por isso aquele despacho revogatório violou o disposto no artigo 140º do CPA – (vide conclusões 1.ª a 9.ª das alegações de recurso)
E invocam também que o mesmo despacho de 30/11/2007 o Presidente da Câmara Municipal de C........ M........ é também inválido, padecendo de nulidade, por fazer apelo a um Plano de Urbanização que ainda não se encontrava vigente – (vide conclusão 10.ª das alegações de recurso)
3.11 Diga-se desde já que o expendido pelo Tribunal a quo no saneador-sentença recorrido em torno do caráter do ato de aprovação do projeto de arquitetura enquanto ato constitutivo ou não de direitos, está situado num plano de discussão próprio e distinto daquele que importa para a situação dos autos, já que respeita à questão da impugnabilidade (direta) por terceiros que por ele seja lesados.
Ora o que aqui está em causa é uma questão diversa, porque se trata de saber o Presidente da Câmara Municipal de C........ M........ ao revogar, nos termos em que o fez, o anterior despacho que havia aprovado o projeto de arquitetura, atuou ilegalmente, violando direitos adquiridos dos autores, com violação do artigo 140º nº 1 do CPA dando origem à obrigação de indemnizar civilmente os autores, como alegaram na Petição Inicial e reiteram no presente recurso.
Sendo certo que, como é sabido, nos termos do disposto no artigo 140º nº 1 alínea b) do CPA (em vigor à data), “os atos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, exceto (…) quando foram constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
E foi este dispositivo que a Mmª Juíza do Tribunal a quo considerou não violado pelo despacho de 30/11/2007 do Presidente da Câmara Municipal por ter entendido que o ato de aprovação do projeto de arquitetura não constituiu um ato constitutivo de direitos. Mas aí fez, como se viu, uma imprópria abordagem da questão.
A respeito do conceito material de ato administrativo o artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo (em vigor à data) diz considerarem-se atos administrativos as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. E a doutrina tem consolidado o conceito de ato administrativo como “ato jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” [Vide Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Vol. III, pág. 66] ou como “medida ou prescrição unilateral da Administração que produz direta, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” [Vide Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição, Almedina, janeiro de 2003, pág. 550].
3.12 O juízo sobre a ilegalidade daquele despacho de 30/11/2007 que revogou o anterior ato de aprovação do projeto de arquitetura (e que simultaneamente relegou para momento posterior a sua apreciação, a fazer, então, ao abrigo do Plano de Urbanização do A........), não pode ser feito em alheamento do quadro normativo à data em vigor decorrente do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro e do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo DL. nº 380/99, de 22 de Setembro, em desenvolvimento da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismos, constante (Lei nº 48/98, de 11 de Agosto).
3.13 À luz do disposto no artigo 20º do RJUE aprovado pelo DL. nº 555/99, na redação à data em vigor, no âmbito do processo de licenciamento, e logo aquando da apreciação do projeto de arquitetura que se haverá de aferir sobre a sua conformidade (ou não) com as normas legais ou regulamentares em vigor, designadamente com os planos de ordenamento do território. Sendo que nos termos do então disposto no artigo 24º nº 1 alínea a) daquele mesmo diploma, o pedido de licenciamento deve ser indeferido se violar quaisquer normas legais ou regulamentares em vigor, incluindo planos de ordenamento do território. Sendo que em sintonia o artigo 67º dispunha que a validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis à data da sua prática.
E por força do então disposto no artigo 103º do RJIGT, aprovado pelo DL. nº 380/99, todos os atos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável estão feridos de nulidade. O que dispunha também, em consonância, o então artigo 68º alínea a) do RJUE aprovado pelo DL. nº 555/99.
Concomitantemente, tendo em atenção as modificações nos instrumentos de gestão territorial, e visando acautelar os interesses envolvidos (de um lado a garantia da liberdade e efetividade do planeamento do território, e do outro a proteção e tutela da confiança dos particulares) o RJIGT constante do DL. nº 380/99 determinava no seu artigo 117º a suspensão dos procedimentos de informação prévia, de licenciamento e de autorização nas áreas a abranger por novas regras urbanísticas constantes de plano municipal ou especial de ordenamento do território ou sua revisão a partir da data fixada para o início do período de discussão pública daqueles instrumentos de planeamento até à data da sua entrada em vigor (cfr. nº 1). Os quais haveriam de ser decididos, cessada aquela suspensão, de acordo com as novas regras urbanísticas em vigor (cfr. nº 2). Admitindo-se, contudo, que quando haja lugar à suspensão do procedimento os interessados possam apresentar novo requerimento com referência às regras do plano colocado à discussão pública, ficando no entanto a respetiva decisão final condicionada à entrada em vigor das novas regras urbanísticas conformadoras da pretensão (cfr. nº 5), ou possibilitando ainda, caso a aprovação do plano seja feita com alterações ao projeto colocado em discussão pública, que o requerente reformule a sua pretensão (cfr. nº 6).
3.14 Na situação presente o Presidente da Câmara Municipal de C........ proferiu aquele seu despacho de 30/11/2007, quando já havia sido aprovado o projeto de arquitetura (aprovação que revogou) para a obra de construção mas antes de ter sido emitido o respetivo ato final de licenciamento. E à data em que proferiu aquele despacho de 30/11/2007 estava entretanto em curso o processo de elaboração do Plano de Urbanização do A........ cujo período de discussão pública se iniciou 5 dias após a publicação do respetivo aviso no Diário da República, isto é, em 13/11/2007, nos termos do respetivo Aviso n.º 21 889-A/2007, DR, 2.ª série, n.º 215, de 8 de Novembro de 2007, disponível in, https://dre.pt/application/file/1146078, potencialmente conflituante com a pretensão de licenciamento dos autores, como considerou.
Sendo que aquele Plano de Urbanização do A........ veio a entrar em vigor em 22/01/2008 (primeiro dia útil seguinte à sua publicação), nos termos do artigo 86º do Regulamento daquele Plano de Urbanização, que foi publicado no DR, 2ª Série, nº 14, de 21 de Janeiro de 2008, consultável in, https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/2468558/details/normal?q=Regulamento+do+Plano+de+Urbaniza%C3%A7%C3%A3o+do+A.........
3.15 É assim a seguinte ordenação temporal das circunstâncias conhecidas relevantes para o caso:
- em 22/10/2007 foi aprovado o projeto de arquitetura (através do despacho do Presidente da Câmara Municipal);

- em 08/11/2007 foi publicado no Diário da República o Aviso n.º 21 889-A/2007 (DR, 2.ª série, n.º 215), dando abertura ao período de discussão pública, que se iniciou em 13/11/2007, do Plano de Urbanização do A........ em elaboração;

- em 30/11/2007 foi proferido o despacho revogatório do ato de aprovação do projeto de arquitetura;

- em 19/12/2007 a Câmara Municipal deliberou em reunião ordinária aprovar o Plano de Urbanização do A........ e remeter o processo à Assembleia Municipal, a qual, em sessão extraordinária de 27/12/2007 aprovou aquele Plano de Urbanização;

- em 21/01/2008 foi publicado no DR, 2ª Série, nº 14, o Plano de Urbanização do A.........


3.16 Como é sabido no âmbito do antigo contencioso, decorrente do regime da LPTA (Lei do Processo nos Tribunais Administrativos), foi sendo consolidada a jurisprudência no sentido de que o ato de aprovação do projeto de arquitetura (em face dos termos em que se encontrava inserido no procedimento de licenciamento no regime do DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro e antes dele no regime do DL. nº 445/91, de 20 de Novembro) não era contenciosamente recorrível.
Assim se entendeu, designadamente, nos seguintes acórdãos do Supremos Tribunal Administrativo, assim sumariados:
- Ac. de 05-05-1998, Proc. 043497: «I - O ato de aprovação de projeto de arquitetura é meramente preparatório da decisão final de licenciamento, sem autonomia funcional para, por si próprio e desde logo, ter eficácia lesiva, imediata e efetiva, da esfera jurídica dos contra-interessados no licenciamento, não tendo, por isso, tais contra-interessados o direito de o impugnar contenciosamente. (…)»
- Ac. de 30-09-1999, Proc. 044672: «I - No precedimento de licenciamento de obras particulares estabelecido pelo DL 445/91, de 20 de Novembro, a decisão de aprovação do projeto de arquitetura é um ato preparatório da decisão final, que não lesa imediata e efetivamente os contra-interessados no licenciamento da construção. Só a decisão de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença de construção e incorpora todos os projetos apresentados. II - Por isso, a aprovação do projeto de arquitetura é irrecorrível contenciosamente (para os contra- -interessados).»;
- Ac. de 08-02-2001, Proc. 045490: «I - No procedimento de licenciamento de obras particulares estabelecido pelo DL 445/91, de 20 de Novembro, com a redação dada pelo DL n.º 250/94, de 15 de Outubro, a decisão de aprovação do projeto de arquitetura é um ato preparatório da decisão final, que não lesa imediata e efetivamente os contra-interessados no licenciamento da construção. Só a decisão de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença de construção e incorpora todos os projetos apresentados. II - Por isso, a aprovação do projeto de arquitetura é um ato contenciosamente irrecorrível pelos contra-interessados»;
- Ac. de 05-04-2001, Proc. 047139: «I - É irrecorrível, por não ser ato administrativo, o parecer técnico produzido em processo de licenciamento. II - A apreciação do projeto de arquitetura, dado a sua natureza de ato preparatório da decisão final de licenciamento não é suscetível de recurso contencioso. III - No recurso contencioso interposto, do ato de licenciamento da construção pode ser suscitada a ilegalidade de qualquer ato preparatório. (…)»;
- Ac. de 19-04-2005, Proc. 01415/04: «I - A aprovação do projeto de arquitetura constitui ato preparatório da decisão final de licenciamento, sem autonomia funcional para, por si só e desde logo, ter eficácia lesiva, imediata e efetiva na esfera jurídica de contra-interessados. II - Assim, em virtude de a aprovação do projeto de arquitetura não constituir ato lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. nº 4 do artigo 268º nº 4 da CRP e nº 1 do art. 25º da LPTA), não é contenciosamente recorrível.»
Muitas, foram, todavia, as críticas que incidiram sobre aquela jurisprudência. Entre elas, as vertidas por João Gomes Alves, in, “Natureza Jurídica do ato de aprovação municipal do projeto de arquitetura”, em anotação ao Acórdão do STA de 5/05/1998, Proc. 43497, in CJA, nº 17, Setembro/Outubro, de 1999 pág. 13; por Fernanda Paula Oliveira, in, “Duas questões no direito do urbanismo: aprovação de projeto de arquitetura (ato administrativo ou ato preparatório?) e eficácia de alvará de loteamento (desuso?)”, em anotação àquele mesmo Acórdão do STA de 05-05-1998, in CJA nº 13, Janeiro/Fevereiro, 1999, pág, 42 ou por Mário Torres, in “Ainda a (in)impugnabilidade da aprovação do projeto de arquitetura”, em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 40/2001, Proc. 405/99, de 31-01-2001, in CJA nº 27, Maio/Junho, 2001, pág. 34.
3.17 Ora, se é certo que, como já se disse supra, a questão da possibilidade ou não da impugnação (direta), por terceiros, do ato de aprovação de projeto de arquitetura se situe num plano de discussão próprio e distinto daquele que importa para a situação dos autos, os argumentos expendendidos por aquelas vozes criticas acaba na realidade por ter utilidade para a questão objeto do presente recurso, que é desde logo a de saber se o ato de aprovação do projeto de arquitetura é (ou não) constitutivo de direitos, designadamente para efeitos da aplicação do disposto no artigo 140º nº 1 alínea b) do CPA/1991, já que a cabal compreensão da sua função e efeitos que o mesmo produz na esfera jurídica dos seus destinatários pressupõe que se compreenda a forma como se processa o procedimento de licenciamento de uma obra particular.
A tal respeito, e com base no regime do licenciamento de obras particulares tal como previsto no DL. nº 555/99, tem-se considerado que tal procedimento se divide em dois momentos essenciais: o primeiro, relativo à aprovação do projeto de arquitetura; o segundo, referente à junção e apreciação dos projetos de especialidades com vista ao licenciamento da obra, momento em que tem como pressuposto necessário uma deliberação favorável no âmbito do primeiro.
Assim o entende Fernanda Paula Oliveira (“Duas questões no direito do urbanismo: aprovação de projeto de arquitetura (ato administrativo ou ato preparatório?) e eficácia de alvará de loteamento (desuso?)”, em anotação ao Acórdão do STA de 05-05-1998, in CJA nº 13, Janeiro/Fevereiro, 1999, pág. 42, e “A discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa”, Almedina, 2011, pág. 555 ss.), dizendo que a parte inicial do procedimento de licenciamento de obras “…incide, exclusivamente, sobre o projeto de arquitetura, visando verificar o cumprimento, por parte deste, das normas, designadamente de planeamento, que estejam em vigor na zona”. De molde que se o projeto de arquitetura não estiver em condições de ser aprovado, nomeadamente por desconformidade com o instrumento de planeamento em vigor, não haverá lugar a uma decisão autónoma sobre a apreciação do projeto de arquitetura, sendo imediatamente proferido ato de indeferimento do podido de licenciamento, e se, pelo contrário, houver lugar a uma decisão positiva de aprovação do projeto de arquitetura, esta não coincidirá com o licenciamento de obra, apenas determinando que o procedimento tendente a tal licenciamento pode prosseguir com a junção e apreciação dos projetos de especialidade. E é então que assume que “existem, pois, nesta segunda situação, duas decisões diferentes: uma, relativa ao projeto de arquitetura, outra, relativa ao licenciamento da obra, funcionando a primeira como pressuposto necessário da segunda e esta como um ato confederador de pronúncias anteriores nas quais se inclui a de aprovação do projeto de arquitetura”, de modo que, nesta lógica, o ato que aprova o projeto de arquitetura “…pronuncia-se sobre os aspetos de conteúdo urbanístico da obra a que dizem respeito de forma definitiva, a ponto de, no prosseguimento do procedimento, tais aspetos não poderem voltar a ser questionados quando sejam válidos” (Fernanda Paula Oliveira, in “A discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa”, Almedina, 2011, pág. 555 ss.).
De facto, após a aprovação do projeto de arquitetura, momento no qual é apreciada a conformidade do projeto com os planos, os aspetos que no âmbito do projeto de licenciamento ficam por resolver serão apenas os referentes aos chamados projetos de especialidades relativamente aos quais as normas de cariz urbanístico, designadamente as constantes dos instrumentos de planeamento nada regulam.
E é por este motivo, que a mais avalisada doutrina em matéria de direito do urbanismo tem vindo a considerar que a aprovação do projeto de arquitetura corresponde a um ato que, no procedimento de licenciamento de obras de construção civil, se pronuncia, de forma definitiva, sobre a conformidade do projeto com as normas legais e regulamentares definidoras das condições urbanísticas da sua realização, designadamente as constantes dos instrumentos de planeamento em vigor, assumindo a natureza de um ato administrativo prévio, na medida em que, através dele, a Administração aprecia uma série de condições exigidas por lei que ficam definitivamente decididas, tornando-se, por isso, aquele ato, relativamente a estas, constitutivo de direitos (pelo menos do direito a que estas questões não voltem a ser postas em causa e discutidas no decurso do procedimento de licenciamento se aquela apreciação for válida) e sendo, também por isso, vinculativo para a câmara municipal na deliberação final (vide, Fernanda Paula Oliveira, in “Duas Questões no Direito do Urbanismo: Aprovação do Projeto de Arquitetura (Ato Administrativo ou Ato Preparatório) e Eficácia de Alvará de Loteamento (Desuso?); Fernando Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, pág. 771 ss, nota 46 e João Miranda, in “A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial”, pág. 329 ss.).
Reforçando que não é pelo facto de a aprovação do projeto de arquitetura ser incorporada na decisão final de licenciamento que este ato perde aquela natureza. Tal significa tão-só que nesta aprovação final são assumidas (incorporadas) as precedentes aprovações parcelares, não sendo consentido à Administração municipal proceder livremente, nesse momento, nesse momento, ao reexame das anteriores aprovações.
A tal propósito diz Fernando Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, que “…a aprovação do projeto de arquitetura de uma obra de edificação é um verdadeiro ato administrativo, embora um ato administrativo prévio, que se pronuncia de modo final e vinculativo para a Administração sobre um conjunto de requisitos constantes da lei (cfr. o artigo 20º nº 1 do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, e anteriormente os artigos 17º nº 1, 36º nº 1, 41º nº 1 e 47º nº 1 do DL. nº 445/91, de 20 de Novembro). A verificação dos requisitos constantes daquelas disposições legais fica definitivamente decidida, tornando-se por isso o ato que aprovou o projeto de arquitetura (cfr. o artigo 4º do DL nº 555/99), em relação a tais aspetos, constitutivos de direitos para o requerente do licenciamento (no sentidos de que ele tem direito a que estes aspetos não voltem a ser postos em causa no decurso desse procedimento) e vinculativo para a câmara municipal no momento da deliberação final sobre o pedido de licenciamento.”
E em idêntico sentido Maria Cristina Gallego dos Santos, in “Apreciação e aprovação do projeto de arquitetura – o esquiço, o projeto e a complexidade da norma – artigo 20º do RJUE”, “O Urbanismo, o Ordenamento do Território e Os Tribunais, Almedina, 2010, pág. 191 ss., dizendo que o conteúdo do ato que aprova o projeto de arquitetura no caso concreto, assume a função concretizadora da medida abstratamente prevista na norma, o artigo 20º nºs 1 e 2, conferindo ao requerente uma posição jurídica, que antes dele não tinha, qual seja a de considerar arrumadas no “seu” procedimento todas aquelas questões que, no tocante à arquitetura da obra, a lei define através dos pressupostos vinculados e discricionários que, em abstrato, balizam o ato de apreciação com referência ao concreto projeto de arquitetura, declarando-o em relação de conformidade com os antecedentes jurídicos aplicáveis (pressupostos vinculados) e emitindo um juízo de avaliação no domínio das valorações próprias e exclusivas da função administrativa em sede de controlo preventivo de operações urbanísticas (pressupostos discricionários). O mesmo é dizer que através do ato de aprovação do projeto de arquitetura o órgão autárquico competente conforma a situação jurídica do caso concreto em função dos parâmetros normativos do artigo 20º nºs 1 e 2 , situação que fica definitivamente concretizada quanto à dimensão jurídica inovatória que introduz na esfera jurídica do particular, configurando-se como constitutivo de direitos – mas não de efeitos permissivos no tocante à atividade edificatória pretendida, que são efeitos próprios da licença – justamente pela criação dos efeitos inovatórios de remoção da parte substancial dos obstáculos de direito público ao direito de construir, sendo indiferente a superveniência de qualquer alteração normativa, na exata medida em que o juízo de conformidade para efeitos de validade se reporta, em conformidade com o princípio tempus regit actum, ao complexo normativo e regulamentar em vigro à data da sua prática.
3.18 Não há dúvida que o ato de aprovação do projeto de arquitetura não tem efeitos permissivos (ainda que após a aprovação do projeto de arquitetura o interessado possa requerer e obter autorização municipal para os trabalhos de escavação e contenção periférica até à profundidade do piso de menor cota ou para a demolição dos edifícios que se pretendem substituir com a obra objeto de aprovação do projeto de arquitetura ou ainda a emissão de licença parcial para a construção da estrutura) por não ser ele que consente a realização da obra particular, tal só ocorrerá com o ato final do licenciamento (e emissão do respetivo alvará, que lhe confere eficácia).
Mas é em tal momento, e através dele, que se definem os concretos parâmetros urbanísticos da obra a levar a cabo. E é nessa medida que o ato de aprovação do projeto de arquitetura é constitutivo de direitos para o particular seu destinatário.
O que, aliás, foi desde logo reconhecido no Acórdão do STA de 16-05-2001, Proc. 046227, em cujo sumário se lê: «A deliberação camarária que nos termos do Dec-Lei nº 445/91 aprova o projeto de arquitetura, não sendo embora o ato final do procedimento de licenciamento, nem possuindo efeitos lesivos sobre terceiros contra-interessados, é no entanto constitutiva de direitos para o próprio particular requerente, criando em favor deste expectativas legítimas no licenciamento, que a partir daí (salvo casos de revogação ou nulidade da deliberação) já não poderá ser recusado com fundamento em qualquer desvalor desse mesmo projeto, ficando apenas dependente do impulso do particular na apresentação dos projetos das especialidades e da conformidade destes, e ulteriormente do requerimento do alvará e do pagamento das taxas devidas», tendo aquele aresto reconhecido o direito a indemnização para ressarcimento dos prejuízos ligados ao interesse negativo devida por afetação de uma posição jurídica de confiança digna de tutela.
3.19 Por outro, em sintonia com a consideração de que a aprovação do projeto de arquitetura se apresenta como um ato administrativo prévio (constitutivo de direitos), ganha também consistência o entendimento de que é por referência a tal momento que deve aplicar-se o princípio do tempus regit actum no que tange às regras urbanísticas a aplicar, mormente quando tenham ocorrido alterações normativas, designadamente ao nível dos planos urbanísticos, entre o momento em que foi aprovado o projeto de arquitetura e aquele em que foi praticado o ato final do licenciamento.
Defendem a este propósito designadamente Fernanda Paula Oliveira e Fernando Alves Correia (in, “A discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa”, Almedina, 2011, pág. 574, e in, “Manual de Direito do Urbanismo”, pág. 771, nota 46 respetivamente) que a entrada em vigor de um plano antes da emissão do ato final de licenciamento não tem como consequência automática a caducidade da aprovação do projeto de arquitetura entretanto ocorrida, por força do princípio tempus regit actum, na medida em que o momento da aprovação do projeto de arquitetura é o adequado para a apreciação, de forma completa da conformidade com as normas que lhe são aplicáveis (apenas as de direito do urbanismo), sendo irrazoável pressupor-se que as mesmas tenham de ser novamente apreciadas (reapreciadas) no momento da emissão da licença de construção. Pelo que devendo a conformidade do projeto com os instrumentos de planeamento territorial ser verificada na fase de apreciação do projeto de arquitetura qualquer alteração posterior daqueles instrumentos terá de se considerar irrelevante, não conduzindo, automática ou forçosamente à sua caducidade ou revogação, mas só quando o plano (novo) disponha ele próprio em sentido diverso.
Este entendimento foi acolhido no Acórdão deste TCA Sul de 28-10-2009, Proc. 04110/08, assim sumariado: «I – Relativamente aos requisitos referidos no art. 20º, nº 1, do RJUE, sobre que incide a apreciação do projeto de arquitetura, a pronúncia da Administração é final e vinculativa. II – Por isso, embora a aprovação do projeto de arquitetura seja um ato prévio do procedimento de licenciamento de obras de edificação, ela define determinados elementos que o ato final do procedimento tem de acolher. III – Assim, porque a questão da conformidade da pretensão com o plano é verificada no momento da apreciação do projeto de arquitetura é irrelevante a alteração posterior do PDM para efeitos de emissão da licença de construção, salvo se este dispuser noutro sentido», no qual se verteu a seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O procedimento de licenciamento de obras particulares está dividido em duas grandes fases: uma referente à apreciação e aprovação do projeto de arquitetura e outra referente à apresentação e apreciação dos projetos de engenharia de especialidade que conduz ao licenciamento da obra.
À apreciação do projeto de arquitetura reporta-se o art. 20º., nº 1, do RJUE, que estabelece que ela “incide sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto”
Relativamente a estes requisitos sobre que incide a apreciação do projeto de arquitetura a pronúncia da Administração é final e vinculativa. Efetivamente, a verificação de tais requisitos “fica definitivamente decidida, tornando-se, por isso, o ato que aprovou o projeto de arquitetura (cfr. o art. 20º., nº 4, do D.L. nº. 555/99), em relação a tais aspetos, constitutivos de direitos para o requerente do licenciamento (no sentido de que ele tem o direito a que esses aspetos não voltem a ser postos em causa no decurso do procedimento) e vinculativo para a Câmara Municipal no momento da deliberação final sobre o pedido de licenciamento” (cfr. Fernando Alves Correia in “Manual de Direito do Urbanismo”, Vol. I, 2ª. ed, pág. 572, nota 36).
Assim, no momento do licenciamento da construção a Administração não pode proceder ao reexame da anterior aprovação do projeto de arquitetura, o que coloca o particular “numa inequívoca posição jurídica de vantagem: ele sabe que se não deixar caducar essa aprovação, a Administração não poderá indeferir o seu pedido de licenciamento de construção por razões atinentes à compatibilidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial (incluindo perímetro de implantação, cérceas, número de pisos, área de construção e volumetria) ou à estética da edificação ou da sua inserção no ambiente urbano e na paisagem” (cfr. Mário Torres in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 27, pág. 43).
Portanto, embora a aprovação do projeto de arquitetura seja um ato prévio do procedimento de licenciamento de obras de edificação define determinados elementos que o ato final do procedimento tem de acolher
E esta conclusão impõe-se ainda que tenha ocorrido uma alteração das regras urbanísticas (como a entrada em vigor de um novo plano) após a aprovação do projeto de arquitetura e antes do ato final de licenciamento, salvo se as novas regras determinarem a caducidade daquela aprovação.
Com efeito como escrevem Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs (in “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado”, 2ª. ed, págs. 241 e 242), “não teria ... lógica, até por uma questão de economia processual, que, estando definitivamente decidida a questão da conformidade da pretensão com o plano, a mesma tivesse de voltar a ser apreciada no momento da emissão da licença de construção. Assim, tendo em consideração que a conformidade do projeto com os instrumentos de planeamento territorial, deve ser verificado na fase da apreciação do projeto de arquitetura, qualquer alteração posterior daqueles instrumentos é irrelevante, exceto quando o plano disponha ele próprio noutro sentido. Com efeito, tendo em consideração o princípio anteriormente referido do “tempus regit actum” (que determina que a validade de um ato administrativo depende das normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática) e a natureza de verdadeiro ato administrativo da aprovação do projeto de arquitetura, teremos de concluir que ele será validamente emitido se não contrariar as normas vigentes no momento em que for praticado, sendo indiferente qualquer alteração normativa que se venha a verificar posteriormente, tanto mais que o momento em que se deve verificar a referida conformidade é precisamente o da apreciação do projeto de arquitetura”
E foi também acolhido no Acórdão deste TCA Sul da mesma data, 28-10-2009, proferido no Proc. 04399/08, assim sumariado: «1.A aprovação do projeto de arquitetura configura um ato administrativo constitutivo de direitos, na subcategoria dos atos prévios, sem efeitos permissivos, que no tocante à posição pretensiva final inerente ao procedimento de licenciamento aprecia de forma completa todos os aspetos relativos à arquitetura (à estrutura da obra, a respetiva implantação, a sua inserção na envolvente, a respetiva cércea, alinhamento, o respeito das condicionantes dos planos em vigor, etc.). 2. Salvaguardada a hipótese de situações jurídicas que se tenham constituído em momento anterior, idóneas a conferir direitos adquiridos na vertente do direito ao licenciamento do concreto projeto, não há fundamento legal para sustentar a validade do ato administrativo que aprecia o projeto de arquitetura fora do quadro normativo em vigor no momento da sua prática, designadamente, o PDM vigente nesse momento. 3. Sendo o PDM um plano com eficácia plurisubjetiva, deriva da sua natureza jurídica normativa a suscetibilidade de aplicação a situações a decidir no futuro, com exceção da garantia do existente nos termos do art° 60° RJUE, de posições subjetivas de direitos adquiridos antes da sua entrada em vigor e de expressa eficácia expropriativa do PDM subsequente, com os consequentes efeitos indemnizatórios, ex vi art° 143° RJIGT (DL 380/99).». E no Acórdão deste TCA Sul de 24-06-2010, Proc. 03250/07, assim sumariado: «1. (…) 2. A aprovação do projeto de arquitetura configura um ato administrativo constitutivo de direitos, na subcategoria dos atos prévios, sem efeitos permissivos, que no tocante à posição pretensiva final inerente ao procedimento de licenciamento aprecia de forma completa todos os aspetos relativos à arquitetura (à estrutura da obra, a respetiva implantação, a sua inserção na envolvente, a respetiva cércea, alinhamento, o respeito das condicionantes dos planos em vigor, etc.). 3. Salvaguardada a hipótese de situações jurídicas que se tenham constituído em momento anterior, idóneas a conferir direitos adquiridos na vertente do direito ao licenciamento do concreto projeto, não há fundamento legal para sustentar a validade do ato administrativo que aprecia o projeto de arquitetura fora do quadro normativo em vigor no momento da sua prática, designadamente, o plano com eficácia plurisubjetiva vigente nesse momento.»
3.20 Em reforço desta tese, que considera o ato de aprovação do projeto de arquitetura como constitutivo de direitos, e por conseguinte merecedor da respetiva tutela, é feito também apelo aos normativos contidos no artigo 143º nºs 2 e 3 do RJIGT (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial) aprovado pelo DL. nº 380/99, de 22 de Setembro, de acordo com os quais “…são indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação” (nº 2), “…as restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido” (nº 3).
Prevendo-se ali que “…nas situações previstas nos números anteriores, o valor da indemnização corresponde à diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições provocadas pelos instrumentos de gestão territorial, sendo calculado nos termos do Código das Expropriações” (nº 4) e que “….nas situações previstas no n.º 3, são igualmente indemnizáveis as despesas efetuadas na concretização de uma modalidade de utilização prevista no instrumento de gestão territorial vinculativo dos particulares se essa utilização for posteriormente alterada ou suprimida por efeitos de revisão ou suspensão daquele instrumento e essas despesas tiverem perdido utilidade” (nº 5). A este respeito, Fernando Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismos”, Vol. I, 2010, pág. 764 ss., diz que os nºs 3 e 5 do artigo 143º do RJIGT aplicam-se às hipóteses de indemnização das restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes da revisão dos planos territoriais direta e imediatamente vinculativos dos particulares. Pelo que respeita o nº 2 do artigo 143º daquele diploma legal, abrange ele as restantes situações de indemnização dos danos emergentes daqueles planos. Mas chama simultaneamente à atenção de que o texto do nº 2 (consistente em que “são indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação”) parece pressupor que “apenas estão incluídas as situações em que o plano põe em causa, revogando ou fazendo caducar, as licenças ou admissões de comunicações prévias de loteamento ou de construção válidas emitidas antes da sua entrada em vigor. Ou, ainda, as situações similares àquelas, nas quais o particular beneficia de um ato administrativo prévio favorável, por exemplo, uma informação prévia favorável sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística, e tendo apresentado, dentro do prazo de um ano a contar da notificação daquela, um pedido de licenciamento ou de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita – lapso de tempo esse durante o qual o conteúdo da informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre aquele pedido -, a licença não puder ser concedida ou a comunicação prévia não puder ser admitida, por ter, entretanto, entrado em vigor um plano cujas disposições são incompatíveis com a realização da operação urbanística objeto de “informação prévia favorável”, ou uma aprovação do projeto de arquitetura de uma obra de edificação”.
Assim como é feito apelo à norma do artigo 116º nº 2 alínea b) do mesmo RJIGT, atinente ao direito de indemnização decorrente da imposição de medidas preventivas previstas nos artigos 107º ss. do mesmo diploma (as destinadas a evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do plano). É que se bem que a imposição de medidas preventivas não confira, em regra, direito a indemnização (cfr. nº 1), tal já sucederá quando a adoção de medidas preventivas “…provoque danos equivalentes, embora transitórios, aos previstos no artigo 143.º, designadamente quando comportem, durante a sua vigência, uma restrição ou supressão substancial de direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados, designadamente mediante licença ou autorização”. Dizendo, a tal respeito, Fernando Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismos”, Vol. I, 2010, pág. 771 ss., que a redação desta alínea b) do nº 2 do artigo 116º do RJIGT é mais feliz do que a do nº 2 do artigo 143º, não deixando quaisquer dúvidas quanto à indemnização dos danos decorrentes das medidas preventivas que ponham em causa informações prévias favoráveis e vinculativas sobre a viabilidade de realização de uma determinada operação urbanística. E reforça Fernanda Paula Oliveira, in “A discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa”, Almedina, 2011, pág. 555 ss. que se compararmos a aprovação de um projeto de arquitetura no âmbito de um procedimento de licenciamento com uma informação prévia favorável não se pode compreender como uma informação prévia favorável, que se limita, no fundo, a antecipar a apreciação que terá de ser feita ao projeto de arquitetura, possa dar mais direitos do que a própria aprovação deste projeto, em termos de poder estar mais garantido o titular de uma informação prévia favorável do que aquele que é já titular da aprovação de um projeto de arquitetura, que tem uma posição mais consolidada, até do ponto de vista lógico e temporal, do que a que decorre da informação prévia favorável, apresentando-se a aprovação de um projeto de arquitetura claramente como um plus comparativamente com uma informação prévia favorável.
Lembre-se que através do procedimento de informação prévia, a que aludem os artigos 14º ss. do RJUE “…qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão” (nº 1), requerendo que a mesma contemple, especificamente, em função da informação pretendida e dos elementos apresentados, a volumetria, o alinhamento, a cércea e a implantação da edificação e dos muros de vedação; o Projeto de arquitetura e memória descritiva; o Programa de utilização das edificações, incluindo a área total de construção a afetar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização, com identificação das áreas acessórias, técnicas e de serviço; as Infraestruturas locais e ligação às infraestruturas gerais; a Estimativa de encargos urbanísticos devidos; as Áreas de cedência destinadas à implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas viárias (cfr. nº 2 do artigo 14º). E que recaindo deliberação favorável sobre o pedido de informação prévia esta (a informação prévia favorável) é vinculativa se o pedido de licenciamento for efetuado no prazo de um ano (cfr. artigo 117º).
Assim, no procedimento de informação prévia a Administração é chamada a pronunciar-se sobre uma pretensão concreta, mediante a apresentação de um conjunto de elementos suficientes para a habilitar a proferir um juízo de viabilidade de tal pretensão. (vide, António Duarte de Almeida, in “Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo”, Lisboa, Lex, 1994, pas. 823 ss.). De modo que a mesma não se reconduz a uma mera atuação de natureza informativa ou declarativa, mas sim, a um verdadeiro ato administrativo que se pronuncia (de forma prévia ou antecipada) sobre uma determinada operação urbanística. Trata-se, pois, de um ato prévio de natureza verificativa e sem caráter permissivo, na medida em que não é com base nele que o particular pode promover e executar a operação urbanística apreciada; para tal, o particular terá de dar início ao procedimento administrativo tendente ao licenciamento no qual haverão de ser praticados com natureza permissiva. (vide, Fernanda Paula Oliveira, in “Medidas Preventivas e Silêncio da Administração”, anotação ao Ac. do STA de 11/1/2001, P. 45861, in CJA, nº 29, Setembro/Outubro 2001, pag. 53).
E também é avocado o dispositivo constante do artigo 70º do RJUE de acordo com o qual o município responde civilmente pelos prejuízos causados em caso de revogação, anulação ou declaração de nulidade de licenças ou autorizações sempre que a causa da revogação, anulação ou declaração de nulidade resulte de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários e agentes (e antes dele o artigo 52º do DL. nº 445/91), precisamente por se tratar aí, em situações em que se licenciou contra as normas urbanísticas, de uma hipótese de responsabilidade da Administração pelo dano de confiança (vide, Fernando Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, Vol. I, Almedina, 2010, pág. 771, nota 46). O que foi entendido no acórdão do STA de 16-05-2001, Proc. 046227, entendendo, que em tal caso, a responsabilidade pelo dano da confiança é assimilável aos casos de responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), permitindo ao particular que demande o município para ressarcimento dos prejuízos ligados ao interesse negativo, isto é, os que se traduzem no reembolso das despesas feita, ocasiões perdidas e compromissos assumidos por ter razoavelmente confiado na aprovação dada (ilegalmente), e em ligação causal com esta confiança, e não no que deixou de ganhar em consequência de não ter podido construir um prédio com as características que pretendia, pelo que serão indemnizáveis as despesas feitas com taxas e licenças pagas e desaproveitadas, com a elaboração dos projetos das especialidades referentes ao prédio anteriormente aprovado ou outras do mesmo tipo, mas não a desvalorização do terreno proveniente da menor área de implantação autorizada, que em tal caso não deriva casualmente do facto da Administração, mas da lei que proíbe a construção contra o plano e das prescrições deste (vide António Duarte de Almeida, in “A Natureza da Aprovação do Projeto de Arquitetura e a Responsabilidade pela Confiança no Direito do Urbanismo”, anotação ao Ac. do STA de 16/05/2001, P. 46227, in CJA nº 45, Maio/Jun, 2004, pág. 20)
3.21 Por outro lado, e com relevância em sede de responsabilidade civil, que é aquela em que se coloca a lide objeto dos presentes autos, o princípio do Estado de direito democrático leva postulada a ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas suas expetativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.
3.22 Descendo à situação dos autos, ter-se-á que concluir, à luz do supra vertido, que o despacho de 30/11/2007 do Presidente da Câmara Municipal de C........ M........, pelo qual foi revogado o seu anterior despacho de 22/10/2007 que havia aprovado o projeto de arquitetura (referente à edificação de duas moradias unifamiliares a edificar em terreno da propriedade dos autores), foi proferido em violação do artigo 140º nº 1 alínea b) do CPA/1991 (em vigor à data). Com efeito, recorde-se que tal despacho que teve como fundamento a circunstância de o Plano de Urbanização para a aldeia de A........ estar na ocasião em fase de discussão pública, tendo já previamente colhido «…os pareceres favoráveis das entidades com jurisdição sobre a matéria», e que o licenciamento do projeto em causa geraria «…incompatibilidade com o plano e dificuldades de execução do mesmo na versão que se pretende aprovar». Ali se acrescentando ainda que a pretensão do requerente sempre seria alcançável «…embora no quadro do Plano em aprovação, sem que advenha qualquer dano». E pelo mesmo despacho de 30/11/2007 o Presidente da Câmara Municipal de C........ M........ além de revogar o anterior despacho de 22/10/2007, que havia aprovado o projeto de arquitetura, substituiu-o pelo seguinte: «Dada a incompatibilidade verificada entre o presente pedido de licenciamento e a execução do P.U. de A........ deverá o presente pedido de licenciamento ser enquadrado no âmbito da execução do dito Plano, logo que o mesmo se encontre em condições de execução.»
Ora, se o ato de aprovação do projeto de arquitetura (proferido em 22/10/2007) aplicou as normas urbanísticas data em vigor à data, a circunstância de entretanto estar em elaboração um Plano de Urbanização abrangendo a área a edificar, não justificava nem permitia a revogação do anterior ato de aprovação do projeto de arquitetura, com a invocação da incompatibilidade com o Plano de Urbanização (futura e eventual, relembre-se, já que o Plano de Urbanização se encontrava ainda em fase de discussão pública).
3.23 Pelo que, tem que considerar-se ilegal aquele despacho de 30/11/2007 do Presidente da Câmara Municipal de C........ M........, ao contrário do entendido pela Mmª Juíza do Tribunal a quo, devendo, assim, ter-se por verificado o pressuposto de ilicitude em que os autores fundaram o pedido indemnizatório.
Merece, pois, provimento o recurso, devendo ser revogado o saneador-sentença recorrido. O que se decide.

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3.24 Tal não significa, porém, a imediata procedência da pretensão indemnizatória formulada na ação, já que a decisão recorrida foi proferida pelo Tribunal a quo logo em sede de despacho-saneador, por conseguinte, antes da instrução e julgamento, sendo certo que o estado do processo não permite tomar posição quanto aos danos alegados e respetivo nexo de causalidade com a ilicitude verificada, já que se mostra controvertida a factualidade essencial alegada a tal respeito.
Pelo que os autos devem baixar à primeira instância, para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada entretanto obstar.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, baixando os autos à primeira instância para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada entretanto obstar.
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Sem custas nesta instância – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 2 de Março de 2017

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela

(1) Em 30/11/2007 revogou o Despacho de 22/10/2007, cf. nº5 do probatório.
(2) Dispõe o artº 140º nº 1 al b) CPA: ¯ Os atos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto nos casos seguintes: a) (…); b) Quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos.