Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04565/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/09/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC/IVA.
CUSTOS.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. Cumpre a AT o ónus probatório que sobre si impende, em ordem a desconsiderar certo montante declarado pelo contribuinte na respectiva declaração de rendimentos como custo fiscal, quando invoca concretos indícios, fundados à luz da experiência comum, que os respectivos suportes contabilísticos (facturas) não têm aderência com a realidade que visam justificar;

2. Cabendo, a partir daqui ao contribuinte infirmar esses indícios apurados e demonstrar que tais facturas correspondem aos exactos montantes suportados e que os serviços nelas descritos tiveram lugar na realidade, como tal devendo ser qualificados de custos fiscais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. S………………..– Tecidos …………., Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1° Discorda-se do teor da douta sentença recorrida, na parte em que não aceitou como custo da recorrente, para efeitos de IRC e de IVA, as facturas emitidas pela H…….., SA, no valor de 3.150.000$;
2° A recorrente e a H………. são sociedades do mesmo grupo, pertencentes ao mesmo universo empresarial, não fazendo qualquer sentido que um mesmo acto, resultante de uma prestação de serviços entre si, possa ser classificado nas duas sociedades comerciais do mesmo universo, como proventos, ao mesmo tempo;
3° A dita sociedade H..... prestou serviços de assessoria técnica, administrativa e de consultoria contabilística, à recorrente, serviços indispensáveis a esta, pela forma e pelas razões enunciadas nos artigos 7° a 53° da petição inicial da impugnação, e que aqui se dão por reproduzidos;
4° O custo teve lugar na recorrente e preencheu os requisitos materiais enunciados no artigo 23° do CIRC;
5° A douta sentença recorrida e a FP consideraram que as facturas em causa não preenchiam os requisitos formais e legais aplicáveis, mas olvidaram as razões expostas pela recorrente, as quais se mantêm actuais, pertinentes e válidas;
6° No caso, não bastam as razões formais, mas principalmente as razões materiais, ou seja, se os documentos probatórios juntos pela recorrente indiciaram ou não, com segurança, se os actos foram realizados e se o respectivo custo foi necessário e indispensável para a recorrente;
7° A douta sentença não fundamentou nesta parte a decisão recorrida;
8° Vigora na actividade tributária o respeito pela legalidade e pela verdade material, princípios que no caso não foram acolhidos, devendo sê-lo;
9º FP tinha o ónus da prova de que a recorrente não tinha beneficiado da prestação de serviços efectiva por parte da H....., SA, não tendo feito prova que lhe competia;
10° A douta sentença recorrida violou assim os artigos 8°, 55° e 74° da LGT, o artigo 23° do CIRC, bem como o artigo 125° do CPPT, na parte em que não especificou os fundamentos da decisão, sendo os mesmos insuficientes, a oposição dos fundamentos com a decisão, bem como a falta de pronúncia sobre matéria importante alegada nos autos pela recorrente, sendo a mesma relevante, pelo que deve ser revogada, o que É de Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a recorrente não ter logrado fazer a prova da parte que a si lhe cabia, que permitisse concluir que a mesma tinha incorrido, efectivamente, no invocado custo, citando jurisprudência deste Tribunal que no mesmo sentido terão decidido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece dos vícios formais de falta de fundamentação, de oposição dos fundamentos com a decisão e de omissão de pronúncia, conducentes à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a AT logrou provar o ónus probatório que sobre impendia em ordem a desconsiderar os custos contabilizados e declarados pela ora recorrente na respectiva declaração de rendimentos do exercício de 1992.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 56972, foi a escrita da impugnante objecto de fiscalização pela Equipa XX da 3.ª Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária (Oriental) da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, relativamente ao exercício do ano de 1992; Cfr. doc. de fls. 21. e SS. dos autos (pg. 1 do Relatório de Inspecção).
2. Em resultado da qual foi elaborado relatório em que se propunha «a dedução aos custos do valor de 4.228.800$00, relativos a valor contabilizados que não cumprem os requisitos do artº 23.º do IRC, e foi sujeitos a liquidação adicional de IVA o valor de 504.000$00, por ter sido deduzido tendo como documento justificativo facturas que não cumprem a totalidade dos requisitos exigidos pelo artº 35 do CIVA», e que mereceu a concordância do Sr. Director Distrital de Finanças, por despacho de 02/06/1997; Cfr. doc. de fls. 21. e SS. dos autos (Capa e pgs 4 e 5 do Relatório de Inspecção).
3. Sendo que em tal relatório consta, além do mais, o seguinte
"III.2. Fornecimentos e Serviços Externos. Nesta rubrica de valor total de 14.028.898$ insere-se o montante de 7.216.700$ na subconta TRABALHOS ESPECIALIZADOS, referentes a prestações de serviços de um gabinete de contabilidade e a prestações de serviços debitados por uma empresa com relações especiais com a analisada - H..... Gestão ……….., SA. São três os lançamentos tendo como suporte facturas da H..... Gestão Patrimonial, SA, conforme o quadro seguinte:
Factura Data Valor IVA
1 93.7.1 1.575.000$ €7.856.070 252000$ €1.256,97
11 92-11-30 1.575000$ €7.856,07 252000$ €1.256,97
13 92-12-30 3.500000$ €17.457,93 560000$ € 2.793,27
Observando as três facturas concluí-se que para cada lançamento existem duas facturas, como no de Julho, em que existe a factura n.º 1 de 93-7-1 e anexa a factura n.º 6 de 1-7-92 e, notamos também, que a numeração utilizada não é impressa tipograficamente - letra diferente e desalinhada.
As duas primeiras facturas - Julho e Novembro não descriminam as prestações de serviço debitadas ao sujeito passivo analisado, pelo que não cumpre os requisitos da alínea b) do n.º5 do artº 35.º do CIVA, pelo que estes custos não se encontram comprovados por documento em forma legal, não se enquadrando no artº 23.º do IRC. As facturas aludidas não apresentam a totalidade dos requisitos legais e por outro lado, não se comprovam quais os serviços prestados, debitados nestas facturas, até porque existe uma terceira factura da H..... Gestão …………., SA, em que as prestações de serviços são descritas em pormenor. E, existem nesta mesma rubrica serviços prestados por um gabinete de contabilidade CAF, Contabilidade e Assuntos Fiscais, Lda. ­500050031.
Face ao exposto deduzimos ao valor dos custos o montante destas facturas de 3.150.000$, por não se enquadrarem no artº 23.º do IRC e o valor de 504.000$ de IVA será sujeito a liquidação adicional, por ter sido deduzido, tendo por suporte facturas que não cumprem as normas do artº 35.º do CIVA.
A conta DESLOCAÇÃES E ESTADAS regista o valor de 1 540 000$ sendo o montante de 1.078.800$ justificado como deslocações, do único gerente remunerado, em viatura própria - ver Anexo V -. Tendo em consideração a existência de viaturas no imobilizado da sociedade e que o suporte documental não comprova a necessidade do custo contabilizado para a formação dos proveitos, este valor não se enquadra no artº 23.º do IRC, pelo que deduzimos aos custos a quantia de 1078800$.»; cf. doc. de fls. 21. e 88. dos autos (pg. 3 e 4 do Relatório de Inspecção)­
4) Em 17/04/97, a Técnica Economista que havia elaborado o relatório de inspecção descrito em 2., procedeu ao preenchimento do Mapa de Apuramento de IRC - Mod. DC-22, relativo ao exercício de 1992, aí inscrevendo nos campos 201 (Resultados Líquidos), 240 e 261 (Total das Correcções) o valor positivo de 4.228.800$00; €21.093,17 no campo 262 (Lucro Tributável Declarado), o valor positivo de 3.000.360$00, €14.965,73 e no campo 263 (Lucro Tributável Corrigido) o valor de 7.229.160$00; €36.058,90 cf. doc. de fls. 19 e 20 dos autos (Mapa de Apuramento de IRC –Mod. DC-22).
5) No mesmo modelo referido em 4. foi aposto no campo 22 - "Fundamentação das correcções efectuadas", o seguinte texto:
6) «Contabilizam na rubrica Trabalhos Especializados o valor de 3.150.00$ tendo como documentos justificativos facturas que não cumprem os requisitos legais, pois não são numeradas tipograficamente nem descrevem as prestações de serviço efectuadas pelo emitente pelo que não é aceite como custo nos termos do artº 23 do IRC e o respectivo IVA no valor de 540 000$ é corrigido por ter sido deduzido sem justificativo em forma legal; não é aceite como custo nos termos do artº 23 IRC, o valor de 1.078.800$ registado na rubrica Deslocações e Estadas, referente a deslocações de um gerente em viatura própria, custo que não se comprova indispensável para a formação de proveitos dado existirem viaturas no imobilizado da sociedade.»; cf. doc. de fls. 19 e 20 dos autos (Mapa de Apuramento de IRC - Mod. DC-22).
7) Na factura da H....., S.A. n.º 6, com data de 01/07/1992, passada em nome da Impugnante, consta na descrição dos serviços/bens prestados: «Prestação de Serviços durante os meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho», com o preço unitário de 225.000$00 €1.122,30 e o total da factura de 1.827.000$00, €9.113,04 (c/IVA); cf. doc. de fls. 34 dos autos, não impugnado pela F.P.
8) Na factura da H....., S.A. n.º 19, com data de 92/11/30, passada em nome da Impugnante, consta na descrição dos serviços/bens prestados: «Prestação de Serviços durante os meses de Agosto, subs. Férias Setembro, Outubro, Novembro, Su. Natal e Dezembro», com o preço unitário de 225.000$00, €1.122,30 e o total da factura de 1.827.000$00 (c/IVA); cf. doc. de fls. 36 dos autos, não impugnado pela F. P..
9) Na factura da H.....-Gestão ………….., S.A. n.º 001/92, com data de 20/12/1992, passada em nome da Impugnante, consta na descrição dos serviços/bens prestados: «Prestação serviços relativos ao ano em epígrafe, incluindo serviços de contabilidade, escrituração, gerência, consultoria, guarda de valores e mercadorias», com o total da factura de 4.060.000$00, €20.251,19 (c/IVA); cf. doc. de fls. 38, não impugnado pela F.P..
10) Esaltino Tomás Fernandes, gerente da Impugnante, deslocava-se várias vezes por mês em carro próprio, às fábricas de produção de lãs e telas, sitas em Seia, Covilhã, Minde, para verificação da qualidade das lãs, cores e discussão de preçários, adquiridas pela Impugnante; cf. doc. de fls. 40 e 41 dos autos, confirmado pelo depoimento das duas testemunhas.
11) Esaltino ………………… apresentava em caixa declarações dos km percorridos nas deslocações descritas em 9; cf. doc. de fls. 41, confirmado pelo depoimento da segunda testemunha.
12) Em 18/12/1992 a Impugnante adquiriu por compra a G……….. - Concessionário FIAT, …………….., Lda., um veículo automóvel com a matrícula 20.16.SX, pelo preço global de 1.701.601$00; cf. doc. de fls. 43 e 44 e não impugnado pela F.P..
13) Em 18/08/1991 foi realizada a liquidação adicional de IRC n.º 8310017423, em referência ao exercício de 1992, no valor de 2.980.866$00, €14.868,50 com a data limite de pagamento em 22/10/1997; cf. "prints" de aplicações informáticas da DGCI presentes a fls. 46 a 48. A liquidação de IRC referida em 12. foi paga em processo de execução fiscal; Expressamente reconhecido pela F.P. em informação constante de fls. 51 a 54 dos autos e atento o "print" de aplicação informática da DGCI presente a fls. 48.
14) Em 23/09/1997 foi realizada a liquidação adicional de IVA n.º 97264013, em referência ao exercício de 1992, no valor de 504.000$00, €2.513,94, coma data limite de pagamento em 30/11/1997; cf. "prints" de aplicações informáticas da DGCI presentes a fls. 49 e 50.
15) Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ……………. na Repartição de Finanças do 2.º Bairro Fiscal de Lisboa para cobrança coerciva do valor de IVA liquidado, referido em 14.; Conforme o declarado pela F.P. em informação constante de fls. 51 a 54 dos autos.
16) Em 16/01/1998 apresentou a Impugnante a presente Impugnação Judicial na Repartição de Finanças do 2.º Bairro Fiscal de Lisboa; cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.
17) Em 22/02/2001 foi proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Contenciosa da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, despacho de manutenção do acto impugnando; cf. documento da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa presente a fls. 58 e SS. dos autos.
18) Os autos foram remetidos ao presente Tribunal em 23/02/2001; cf. termo de remessa constante de fls. 61 dos autos.

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dá-se como não provado, com interesse para a decisão, o seguinte facto: A Impugnante possuía em 31/12/1992 dois veículos automóveis. Surge no relatório da inspecção a existência de viaturas no imobilizado da Impugnante. Atento o facto provado em 11. e o depoimento das testemunhas, não ficou provado que um outro veículo automóvel, designadamente uma carrinha Renault ……………, referida no artº 70.º da p.i., constasse do imobilizado da Impugnante ou que, de facto, tivesse sido cedido pela H....., SA. àquela.
O probatório acima enunciado foi dado como assente atenta toda a prova produzida, designadamente os documentos constantes dos autos e não impugnados pelas partes, bem como os depoimentos das testemunhas Fernando …………………… e Maria del ………………………………., as quais se apresentaram em inquirição de modo claro, objectivo e isento, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
Releva em particular o depoimento da segunda testemunha que trabalhava ao tempo dos factos como caixa da sociedade H.....-Gestão …………………, S.A., tendo visto os documentos que o gerente da Impugnante apresentava como justificativos dos km percorridos, tendo ainda conhecimento directo dos serviços prestados por aquela sociedade à Impugnante. No que diz respeito à primeira testemunha, o Sr. Fernando ……………………., releva o seu depoimento quanto à indispensabilidade das viagens do gerente da Impugnante às fábricas de lã e telas, para garantia da qualidade e escolha dos materiais a utilizar/vender pela Impugnante, uma vez que trabalhava ao balcão da Impugnante ao tempo dos factos, tendo conhecimento directo da actividade diária do gerente em causa.


4. Na matéria das suas conclusões 6ª, 7ª e 10ª das alegações do recurso, vem a recorrente assacar à sentença recorrido os vícios formais da sua falta de fundamentação, que a M. Juiz do Tribunal “a quo” não teria fundamentado, como devia, face aos documentos juntos, para além da oposição dos fundamentos com a decisão alcançada e a falta de pronúncia sobre matéria importante alegada, o que encontra eco na enumeração das disposições jurídicas violadas, onde invoca, (pelo menos, com pertinência) as relativas ao art.º 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que se reportam aos vícios formais da sentença como causa que, a proceder, conduz à declaração da sua nulidade, como resulta, desde logo, da epígrafe do respectivo normativo, desta forma se interpretando as citadas conclusões do recurso como uma censura à sentença recorrida neste âmbito formal [ainda que, em relação aos dois últimos vícios invocados – fundamentos em oposição com a decisão alcançada e falta de pronúncia sobre matéria importante alegada – nenhuma factualidade tenha sido articulada no sentido de substanciar estas invocadas nulidades, que assim desde logo, se encontram condenadas ao seu fracasso].

A apontada falta de fundamentação da sentença recorrida – cfr. matéria das suas conclusões 6ª e 7ª das suas alegações do recurso – cinge-a a ora recorrente em esta não ter fundamentado se os documentos juntos pela mesma indiciavam ou não, com segurança, se os actos foram realizados e se o respectivo custo foi necessário e indispensável para a mesma, matéria que a sentença recorrida não deixou de, com significativa desenvoltura aliás, explanar ao longo da sua fundamentação, começando por referir (fls 168 dos autos) ...”desconsidera as facturas em causa ...por não consubstanciarem documento em forma legal e por não descreverem os serviços prestados ... (fls 171) ...Infere-se pois, que a AT entendeu que tais custos não poderiam ser aceites, uma vez que constavam de documentos que não cumpriam os legais requisitos de forma, não sendo devidamente descritos e, recorrendo às regras de experiência comum, retirou a ilação de que existindo na mesma rubrica serviços prestados por um gabinete de contabilidade não poderiam tais serviços ser prestados cumulativamente pela “H....., SA” ... (fls 172) ...Ora, decorre dos factos dados como provados sob os pontos 6 e 7 que, de facto, nas visadas facturas, não se descrevem os serviços prestados pela sociedade emitente das mesmas ...(fls 173) ...Quanto à factura em causa, quer em sede de IRC e em sede de IVA, não se verifica os pressupostos legais que nos permitam concluir, inequivocamente, pela existência do custo, (indispensabilidade do mesmo) e pelo respectivo direito à dedução em sede de IVA...Pelo que ...improcede o pedido quanto a esta matéria não é anulada liquidação de IRC do ano de 1992, quanto à correcção no valor de 3.150.000$, €15.712,13 ...bem como a consequente liquidação adicional de IVA de 504.000$, €2.513,94 ...”, para além de não deixar, também, de explanar o respectivo legal aplicável, pelo que esta crítica nem sequer é verdadeira na sua essencialidade, já que a sentença recorrida não deixou de, em sede de análise crítica, analisar a prova oferecida, designadamente a testemunhal produzida, pelo que a sentença com a decisão que encerra, se encontra perfeitamente ancorada, quer na factualidade relevante que deu por provada, quer no direito que entendeu aplicável, como o esteio donde emerge, não podendo padecer do invocado vício formal.

A falta de fundamentação da sentença, causa da sua nulidade, constante nas normas dos art.ºs 668.º n.º1 b) do CPC e 125.º n.º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apenas tem lugar quando lhe faltem os seus fundamentos de facto e de direito da concreta solução alcançada, não quando a mesma não fundamente aspectos, razões ou raciocínios expendidos pela recorrente que, no seu contexto, se apresentem irrelevantes para essa mesma solução, ou que não se mostram provados, como constituíam vários desses argumentos ou razões trazidos à liça pela ora recorrente.

Por outro lado, tal falta de fundamentação da sentença conducente à declaração da sua nulidade só pode ocorrer quando a mesma seja total ou absoluta; não quando a mesma seja deficiente, errada ou obscura, que pode afectar o seu valor doutrinal mas não produz nulidade, como já ensinava o Prof. José Alberto dos Reis (1)... Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto...

E no mesmo caminho trilha a jurisprudência dos nossos tribunais superiores como se pode ver em, entre muitos outros, pelo acórdão do STJ de 22.4.2204, Proc. 04B1072 e acórdão do STA de 29.6.2005, recurso n.º 117/05.

Aliás, se a ora recorrente, entendia que dos autos existiam documentos que eram aptos a infirmar a matéria de facto constante no citado ponto 6.º do probatório firmado na mesma sentença quanto aos tais trabalhos especializados cujos montantes não foram aceites como custos do exercício e sobre que versa o presente recurso, então o que deveria ter vindo fazer, em sede deste recurso, era vir invocar tal errado julgamento de tal matéria ao abrigo do disposto no art.º 690.º-A do Código de Processo Civil (CPC), para desta forma permitir este Tribunal reapreciar tal matéria no presente recurso jurisdicional.


Improcedem assim, os invocados vícios assacados à sentença recorrida, de falta de fundamentação, de contradição entre os fundamentos e a decisão e de omissão de pronúncia.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida nesta parte ora sob recurso em que não aceitou o custo de 3.150.000$ em sede de IRC, bem como não aceitou a correspondente dedução para efeitos de IVA, considerou o M. Juiz do Tribunal em síntese, que da prova produzida não resultava que o mesmo pudesse ser qualificado como de um custo fiscal e em sede de IVA pudesse conferir o direito à dedução, pelo que nesta parte a impugnação judicial não poderia deixar de ser julgada improcedente com a manutenção das liquidações respectivas.

Para a recorrente, de acordo com a restante matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra a falta do cumprimento do ónus da prova por parte da AT que vem esgrimir o único argumento que esta o não cumpriu, como lhe competia, pelo que a sentença recorrida que em contrário decidiu não pode deixar de ser revogada.

Vejamos então.
Convém frisar desde logo, que a presente impugnação judicial foi deduzida em tempo em que ainda não se encontrava em vigor o actual CPPT, que prevê no seu art.º 104.º a não possibilidade de cumulação, na mesma impugnação, entre tributos de diferente natureza, como é o caso do IRC e do IVA, o primeiro um imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e o segundo, um imposto sobre o consumo de bens e prestação de serviços, já que aquele Código só se aplica aos processos iniciados depois da data da sua entrada em vigor – cfr. art.º 4.º do Dec-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro – e o anterior Código de Processo Tributário não impedia tal cumulação, pelo que nada obsta que a mesma seja validamente feita valer na presente impugnação.

Quanto ao IVA resultante da não consideração do direito à dedução do imposto suportado pela ora recorrente, tendo em conta que a mesma nem sequer questiona que tais facturas reunam os requisitos legais previstos no art.º 35.º, n.º5 do CIVA, para que a mesma possa exercer tal direito – cfr. matéria das suas conclusões 5º e 6º - que não reúnem como das mesmas se pode colher, aliás descritas na matéria das alíneas 7ª, 8ª e 9ª da matéria fixada no probatório da mesma sentença, e que tais requisitos são considerados requisitos substancias em ordem ao exercício desse direito à dedução nos termos do disposto no n.º2 do art.º 19.º, do mesmo Código, não pode desde logo, o recurso deixar de improceder nesta parte, já que desta forma, como requisitos substanciais que são, não podem eles ser substituídos por outro meio de prova nos termos do disposto nos art.ºs 364.º, n.º1 do Código Civil e 655.º, n.º2 do CPC e constitui jurisprudência corrente (2), pelo que ao seu abrigo não poderia tal direito ser exercido.

Quanto ao IRC, não obstante a falta ou insuficiência das referidas facturas nos seus descritivos, já a ora recorrente poderia vir fazer a prova que, não obstante tais dizeres vagos e genéricos dessas facturas, as mesmas correspondiam a efectivas e reais prestações de serviços, consubstanciadas no caso, nos invocados serviços de assessoria técnica, administrativa e de consultoria contabilística, como continua a invocar na matéria das suas conclusões 3º e 4.º das alegações do presente recurso, e se o conseguisse, não obstante as razões apuradas e invocadas pela AT para as desconsiderar como custos, tal matéria redundaria infirmada e a consequente liquidação de IRC, correspondente, teria de ser anulada, face à prova de que o declarado em tais facturas tinha aderência com a realidade, e logo era essa a realidade a tributar, em ordem a uma tributação fundada no lucro real, nos termos do disposto nos art.ºs 74.º, n.º1 da LGT, 1.º, 17.º e 23.º do CIRC, como de resto constitui jurisprudência corrente (3).

Porém, como da matéria de facto fixada no probatório da sentença flui e nem a ora recorrente a veio validamente colocar em causa, nenhuma prova veio a mesma a fazer relativamente a estas invocadas prestações de serviços, desta forma não tendo cumprido o ónus probatório que sobre impendia em ordem a infirmar a factualidade carreada para o procedimento de liquidação pela AT e onde fez assentar a consequente liquidação adicional, nesta parte, pelo que improcede a respectiva argumentação esgrimida contra a fundamentação da mesma sentença.

Por outro lado, tal como se fundamentou na sentença recorrida, a AT não deixou de cumprir a parte do ónus probatório que sobre impedia em ordem à desconsideração de tal montante como de um custo, já que para além de tais facturas não descreverem quais os concretos trabalhos especializados que foram prestados pela citada H..... à ora recorrente, também foi passada uma terceira factura pela mesma H....., onde tais trabalhos são descritos em pormenor, (desta forma, parecendo haver uma sua duplicação), para além de existirem os mesmos serviços como tendo sido prestados por uma outra entidade - como da matéria fixada no ponto 3. do probatório se pode colher – pelo que os indícios recolhidos pela AT e não infirmados por qualquer outra prova, designadamente pela ora recorrente, são fundados, em ordem à sua não efectiva aderência com a realidade, levando à desconsideração dos montantes inscritos em tais facturas como de verdadeiros custos fiscais, pela mesma declarados nas suas declarações de rendimentos, nos termos do disposto nos art.ºs 76.º do CPT (então vigente), 74.º, n.º1 da LGT (norma esta posterior mas cujo princípio em termos de prova era entendido já vigorar anteriormente (4)) e 342.º, n.º1 do Código Civil, pelo que também improcede este invocado fundamento do recurso.


Improcede assim, toda a matéria da conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis UCs.


Lisboa,9 de Novembro de 2011
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pereira Gameiro


(1) Código de Processo Civil, anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra 1981, pág. 140, ao cimo.
(2) Cfr. neste sentido entre muitos outros, os acórdãos do STA de 15-4-2009 e de 12-1-2011, recursos n.ºs 951/08-30 e 533/10, respectivamente.
(3) Cfr. entre muitos outros, os acórdãos do STA de 21-4-2010 e de 21-9-2011, recursos n.ºs 774/09 e 537/11, respectivamente.
(4) Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 30-3-2003 e de 28-5-2003, recursos n.ºs 241/03-30 e 1966/02, respectivamente.