Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1336/17.7BELSB
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÕES
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
MATÉRIA URBANÍSTICA
LICENÇA DE RECINTO
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Sumário:i) Nos termos do previsto na alínea l) do nº 1 do art. 4º, do ETAF é atribuída competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

ii) Estando a contra-ordenação em causa tipificada em diploma que regulamenta a instalação e funcionamento de recintos de espectáculos (no âmbito das competências das câmaras municipais, em desenvolvimento do regime previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), não é a mesma uma contra-ordenação urbanística – no sentido estrito do conceito (art. 4.º, nº 1, al. l), do ETAF) – e como tal encontra-se subtraída ao âmbito da jurisdição administrativa.

iii) A violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção que determina a remessa do processo ao tribunal declarado competente, a menos que este se tenha também já declarado incompetente por decisão transitada em julgado, caso em que se verificará um conflito negativo de competência (cfr. arts. 33.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi do art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Café ....., Lda impugnou judicialmente a decisão proferida pela Câmara Municipal de Lisboa, de 17.01.2017, proferida no âmbito do Processo de Contra-ordenação n.º 3-637-2015, que a condenou no pagamento de uma coima no valor de EUR 600,00 (mais EUR 51,00 a título de custas), pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 309/2002, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de Setembro.

Dessa impugnação judicial resultou a decisão ora em recurso e cujo dispositivo se transcreve: “Termos pelos quais, decido conceder provimento ao presente recurso de impugnação e, em consequência, revogo a decisão impugnada e absolvo a arguida da contra-ordenação que lhe vinha imputada”.

O Ministério Público (ora Recorrente), inconformado, veio interpor recurso da referida sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo as alegações de recurso apresentadas culminado com as seguintes conclusões:

I. O Despacho que revogou a medida cautelar aplicada em sede de processo de contraordenação, por infracção ao art.º 13.º, n.º1, al. b), do Regulamento Geral do Ruído, em 09 de Abril de 2014, e que foi aplicada a todos os estabelecimentos da mesma actividade da Recorrida, não autorizou a mesma a exercer a actividade sem licença de recinto, antes pelo contrário, impôs que, a ora Recorrida obtivesse aquela licença, devendo iniciar o respectivo procedimento, junto do serviço competente, no prazo de 30 dias, conforme se pode extrair do respectivo conteúdo;

II. Tal Despacho foi proferido no âmbito do processo de contraordenação n.º2-82-2014, instaurado na sequência de reclamação relativa a ruído, como resulta dos documentos n.º1, n.º2, nº6 e n.º8, que acompanharam a contestação do Município de Lisboa, apresentada no Proc. 504/17.6BELSB, neste Tribunal, em que a ora R. veio impugnar o despacho do Senhor Vereador ..... de 24/01/2017, que indeferiu o novo pedido de licença de recinto para o mesmo estabelecimento;

III. Na Informação em que se propôs a abertura do referido processo de Contraordenação referiu-se que o estabelecimento em causa não possuía licenciamento camarário que lhe permitisse a realização de espectáculos com música ao vivo, situação que consubstanciaria ilegalidade, devendo dar-se conhecimento desse facto à Unidade de Intervenção Territorial do Centro Histórico/Bairro Alto;

IV. Foi, nesse âmbito, levantado auto de notícia por infracção ao art.º 13.º, n.º1, al. b), do Regulamento Geral do Ruído, por não conformidade legal das mediações acústicas realizadas – Doc. n.º10, apresentado com a contestação referida;

V. O Despacho de Aplicação de Medidas Cautelares proferido no mesmo processo de contraordenação, em 20 de Janeiro de 2014, veio a ser revogado pelo Despacho de 09 de Abril de 2014, em face do cumprimento das condições impostas com carácter preventivo, por forma a evitar a continuação da violação do Regulamento Geral do Ruído, cujo conteúdo foi, na parte decisória, aditado à matéria de facto da sentença ora recorrida;

VI. Ora, na alínea d) do despacho da Senhora Vereadora ..... para além de se chamar a atenção para a necessidade de obtenção da licença de recinto para a prática de música ao vivo, faz-se depender a autorização para o estabelecimento laborar nas condições normais de funcionamento licenciado pela CML, da obtenção da licença de recinto a obter junto do serviço competente;

VII. Sendo que, o licenciamento de recinto só pode ser obtido após o decurso da tramitação de procedimento autónomo e cumpridos os requisitos previstos no D.L. n.º 309/2002, de 16.12, na versão dada pelo D.L. n.º 204/2012, de 29/08;

VIII. Logo, se o legal representada da R., titular de alvará de autorização de utilização de bebidas, desconhecesse a necessidade de obter licença de recinto para prática de música ao vivo no seu estabelecimento de restauração e bebidas, a partir da notificação do despacho que revogou a aplicação de medidas cautelares no âmbito de processo de contraordenação por infracção do RGR, condicionando o funcionamento do estabelecimento à obtenção da necessária licença de recinto para música ao vivo, através de procedimento a iniciar no serviço competente, ficou bem ciente de que não poderia continuar a laborar com actuações de música ao vivo, como vinha fazendo até à instauração do processo de contra ordenação instaurado pelo Departamento do Ambiente da CML;

IX. Da prova testemunhal produzida resultou que o legal representante da R. estava ciente da falta de licença de recinto emitida pela CML;

X. Nessa medida, deve alterar-se o probatório fixado na douta Sentença, dando-se como provado que o legal representante da R. agiu com a falta de cuidado necessário a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz;

XI. E, consequentemente, deve considerar-se que não agiu em erro, mas, sim, com consciência da ilicitude da sua conduta, devendo ter procedido de acordo com as regras estabelecidas para a exploração da actividade que exercia;

XII. Razão, por que, tendo-se entendido na douta Sentença recorrida que os factos provados não permitem afastar a prática objectiva da infracção prevista no art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 309/2002, na versão dada pelo D.L. n.º 204/2012, de 29/ 08, não permitindo afastar a ilicitude da conduta da arguida, deve a decisão que absolveu a R. ser revogada, julgando-se improcedente o recurso de impugnação;

XIII. Pelo que, tendo violado o disposto nos artigos 17.º e 21.º, n.º1, al.a), do Decreto-Lei n.º 309/2002, na versão dada pelo D.L. n.º 204/ 2012, de 29/08, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o recurso de impugnação.

Admitido o recurso, a sociedade Café ....., Lda (ora Recorrida), apresentou contra-alegações onde pugnou pela improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto acompanhou a posição do Ministério Público em 1.ª instância.



Por despacho de 20.04.2018 foi oficiosamente suscitada pelo relator a excepção de incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos para julgar a causa, nos seguintes termos:

“(…)

1. Café ....., Lda impugnou judicialmente a decisão proferida pela Câmara Municipal de Lisboa, de 17.01.2017, proferida no âmbito do Processo de Contra-ordenação n.º .....-2015, que a condenou no pagamento de uma coima no valor de EUR 600,00 (mais EUR 51,00 a título de custas), pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 309/2002, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de Setembro.

2. Nos termos do disposto no art. 4.º, nº 1, al. l), do ETAF, cabe à jurisdição administrativa conhecer das: “Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”;

3. Em causa está uma contra-ordenação cujo ilícito está tipificado em diploma que regulamenta a instalação e funcionamento de recintos de espectáculos (no âmbito das competências das câmaras municipais, em desenvolvimento do regime previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro).

4. E mesmo se se considerar a vertente relativa ao ruído vertida no ponto 5. dos factos provados da decisão que aplicou a coima, apesar da sua irrelevância material para a determinação da infracção em causa, determinação da medida da coima e decisão punitiva impugnada, tal tem conexão com matéria de “ambiente” (com eventual afectação de direitos de personalidade) – cfr. Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril que define as bases da política de ambiente - e não de “urbanismo”.

5. Compete aos tribunais judiciais julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (n.º 1 do artigo 211.° da CRP; idem, o n.º 1 do artigo 40.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário).

6. E nos termos do disposto no art. 61.º, nº 1, do RGCO: “É competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção”.

7. Nos termos do disposto no art. 96.º, al. a), do CPC, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.

8. Por força dos normativos supra referidos, para a impugnação judicial que aplicou a coima são competentes os tribunais judiciais e não os tribunais administrativos.

O que obstará ao conhecimento do mérito do recurso interposto, não vinculando o despacho que o admitiu este Tribunal Superior.

9. Questão de conhecimento oficioso (art. 89.º, n.º 4, al. a), do CPTA) e que assim se suscita, nos termos do disposto no artigo 655.º CPC.”

As partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a aludida excepção, nada tendo dito ou requerido.


Colhidos os vistos legais (o do 2.º Adjunto, em substituição), vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

Considerando que a matéria de excepção suscitada, determinativa da incompetência absoluta deste tribunal, precede o conhecimento do demais [apreciar se o Tribunal a quo errou ao considerar que a arguida havia actuado sem consciência da ilicitude, por erro que não lhe era censurável, pelo teria agido sem culpa, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do RGCO e assim absolveu a arguida da contra-ordenação que lhe fora imputada], impõe-se a sua imediata apreciação.

Importa, assim e prioritariamente, apurar se os tribunais administrativos são competentes para conhecer da causa, sendo o seu objecto a decisão proferida no âmbito do Processo de Contra-ordenação n.º .....-2015, que condenou a ora Recorrente no pagamento de uma coima no valor de EUR 600,00 (mais EUR 51,00 a título de custas), pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 309/2002, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de Setembro.



II. Fundamentação

Consta da sentença recorrida:

II. A Autoridade Administrativa, depois de afirmar que se baseou, como meio de prova documental, em “Toda a constante dos autos, designadamente: o auto de notícia da Polícia Municipal de Lisboa, n.º .....-2015; a informação n.º ..... (EX:2995-2015 da Polícia Municipal de Lisboa; o processo n.º ...../POL/2014, por consulta ao sistema informático GESLIS”, não tendo sido produzida prova testemunhal, deu como assente a seguinte factualidade:

“FACTOS PROVADOS

Atenta a prova junta aos autos e a produzida em sede de instrução, com relevância e pertinência para a boa decisão da causa, tem-se por assente os seguintes factos:

1. No dia 31 de Janeiro de 2015, pelas 02:20 horas, a sociedade arguida, enquanto exploradora do estabelecimento de bebidas com espaço de dança, denominado "K.....", sito na Rua ....., n.º …, freguesia da ….., em Lisboa, mantinha o estabelecimento em funcionamento, com a porta aberta, as luzes e a música ligadas;

2. O estabelecimento possui capacidade para 12 (doze) clientes;

3. No seu interior permaneciam 8 (oito) clientes que consumiam bebidas diversas ali disponibilizadas, dançavam e assistiam a um concerto de música ao vivo;

4. No interior do estabelecimento identificado em 1. decorria um espectáculo de música ao vivo com a actuação do músico J.....;

5. O som da música era audível no exterior do estabelecimento, dada a sua intensidade, provocando incomodidade a residentes e a terceiros;

6. No local identificado em 1. é frequente a realização de espectáculos de música, a presença de DJs, e outros publicitados nas redes sociais e sites da especialidade pela arguida;

7. A arguida tem por actividade com o CAE 56302, a actividade de exploração de bares e similares;

8. No local, actuando em representação, por conta e no interesse da sociedade arguida, encontrava-se o sócio gerente José .....;

9. A arguida possui autorização de utilização para o local identificado em 1. para bebidas com o n.º …/AE-UT/2012, emitida em 08/08/2012 no âmbito do processo n.º …/AE-POL/2011;

10. A Arguida requereu em 29/04/2014, a licença de recinto para o local identificado em 1., através do processo n.º ...../POL/2014;

11. O processo n.º ...../POL/2014, não se encontrava correctamente instruído aquando da sua entrega na Câmara Municipal de Lisboa, pelo que a ora arguida foi notificada para apresentar o projecto de Segurança Contra Riscos de Incêndio visado pela ANPC;

12. A arguida solicitou através do processo n.º …../OTR/2014, uma prorrogação de prazo no âmbito da apreciação do processo n.º ...../POL/2014 para apresentação dos elementos em falta;

13. O processo n.º ...../POL/2014, foi objecto de indeferimento, o qual não se deveu a razões da exclusiva competência da Câmara Municipal de Lisboa;

14. A arguida solicitou em 25/07/2016, novo pedido de licença de recinto para o local identificado em 1., através do processo n.º …../POL/2016;

15. Em 23/1212016, o processo n.º …../POL/2016, foi objecto de parecer de indeferimento;

16. O estabelecimento explorado pela arguida foi objecto de aplicação de uma medida cautelar, em 20 de Janeiro de 2014, a fim de conformar o seu funcionamento com o Regulamento Geral do Ruído, actualmente revogada;

17. O estabelecimento não possui esplanada no exterior;

18. O local possui antecâmara para o exterior, certificada por entidade;

19. As instalações possuem segurança à porta;

20. No entanto, a arguida não era detentora de licença de utilização para recintos de espectáculos e divertimentos públicos, e respectivo alvará a emitir pela Câmara Municipal de Lisboa para o estabelecimento identificado em 1.;

21. A arguida, enquanto entidade exploradora de um estabelecimento comercial, onde frequentemente decorrem eventos musicais, com espaço de dança, não se encontrando munida da correspondente licença de utilização de recinto agiu com omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência, ou seja, quando requereu outras licenças/autorizações ou efectuou as necessárias comunicações ao exercício da actividade, podia e devia ter-se informado acerca de quais os requisitos e alvarás necessários ao funcionamento do estabelecimento do qual é exploradora;

22. Agiu assim, nas circunstâncias descritas com a falta de cuidado necessário a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, pois se não previu devia ter previsto, ou se previu nada fez, pois podia e devia ter actuado de outro modo, procedendo de acordo com as regras estabelecidas.

23. A arguida obteve um benefício económico não concretamente apurado, ao utilizar o estabelecimento como recinto de espectáculos (música ao vivo) não sendo titular da respectiva licença de recinto;

24. A arguida possui antecedentes contra-ordenacionais registados nesta Câmara Municipal, nomeadamente:

- Processo n.º .....-2012 (infracção praticada no dia 18/02/2012), condenada por decisão definitiva pela prática de uma infracção por violação do Regulamento Geral de Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública, e por violação do Regime de horário de funcionamento de Estabelecimentos Comerciais.

FACTOS NÃO PROVADOS

De relevo para a decisão do processo ficou por provar:

A) A situação económica da arguida.

B) O concreto benefício económico auferido pela arguida com a prática da infracção.

Nada mais ficou provado, não provado ou por provar com relevo para a boa decisão dos presentes autos.”

Como fundamentação para a matéria de facto, a Autoridade Administrativa disse o seguinte:

“A convicção da Autoridade Administrativa fundamentou-se na análise crítica do conjunto dos elementos de prova constantes do auto de notícia da Polícia Municipal de Lisboa, n.º .....-2015, informação n.º ..... e da defesa apresentada pela arguida, bem como dos demais documentos constantes dos autos.

Os factos internos ou subjectivos resultaram provados a partir da análise conjugada de todos os factos objectivos assentes, apreciados segundo as regras da experiência comum e da normalidade social e à luz do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.° do Código de Processo Penal (CPP), ex vi, artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra- ordenações.

Por sua vez, os factos não provados resultaram de nenhuma prova ter sido produzida quanto aos mesmos, ou de encerrarem em si matéria conclusiva, juízos de valor ou conceitos de direito.

Acresce que, após consulta à base de dados da Câmara Municipal de Lisboa, Geslis, foi possível verificar ainda não foi emita a licença de recinto pela Câmara Municipal.

Da defesa apresentada.

A arguida em sede de defesa defende-se do libelo acusatório com argumentos próprios e referentes ao processo da aplicação da medida cautelar que lhe foi aplicada, seus trâmites, vicissitudes e respectiva revogação, em sede do Regulamento Geral do Ruído e do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos estabelecimentos de Venda ao Público e de prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, que em nada se repercutem no ilícito dos autos. Por outro lado, alega ter solicitado em 29/04/2014 a necessária Licença de Recinto através do processo n.º ...../POL/2014, pelo que não tem culpa da inércia da Administração Pública em dar os despachos a tempo e horas, não podendo por tal ser prejudicada por não ter a licença aquando da realização da fiscalização.

Mais alega ter a licença da Sociedade Portuguesa de Autores devidamente válida e paga para audições musicais.

Termos em que requer, a revogação do despacho contra a arguida e da medida da aplicação da coima com o consequente arquivamento.

Analisando,

Tais argumentos não procedem,

Porquanto, a arguida vem acusada da prática de uma ilícito contra-ordenacional pela utilização de recinto sem licença de utilização para os efeitos de realização de espectáculos e de divertimentos públicos, e não por violação do Regulamento Geral do Ruído, ou aplicação de uma medida cautelar.

Por outro lado, corresponde à verdade que a arguida solicitou através do processo n.º ...../POL/2014, a licença de recinto para o estabelecimento de qual é exploradora. Todavia, a arguida omite o facto de que não procedeu à entrega de todos os elementos necessários à correcta instrução do processo, e que foi notificada nos termos do art.º 89 do C.P.A. para proceder à entrega do Projecto de Segurança Contra Riscos de Incêndio visado pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, bem como ao parecer desta entidade. E, que em 24/06/2014 através do processo n.º …../OTR/2014, a arguida solicitou uma prorrogação de prazo para a entrega dos elementos solicitados. Em 23/01/2015, a arguida ainda não tinha procedido à entrega dos elementos solicitados conforme consta da inf. n.º 3642/INF/UITCentroHístorico/GESTURBE 2015.

A arguida não se conformando com o indeferimento do processo n.º ...../POL/2014, solicitou em 25/07/2016, novo pedido de licença de recinto para o local identificado em 1., através do processo n.º ...../POL/2016, omitindo os instrumentos de gestão territorial existentes para o local e em vigor. Termos em que o novo processo foi objecto de parecer de indeferimento, o qual não se deve a razões da exclusiva competência da Câmara Municipal de Lisboa.

Pelo que, não se considera que a ausência da licença de Recinto pela arguida aquando da fiscalização possa ser imputada à Administração Pública como a arguida quer fazer parecer.

Acresce ainda que, o facto da arguida possuir Licença da SPA não a desonera da necessidade de possuir a licença de utilização para os efeitos de realização de espectáculos e de divertimentos públicos de natureza não artística, desde que proceda à realização destes no seu estabelecimento conforme ficou provado - "4. No interior do estabelecimento identificado em 1. decorria um espectáculo de música ao vivo com a actuação do músico J…..;", já que cada uma delas visa objectivos e protegem interesses distintos.

A arguida, enquanto entidade exploradora de um estabelecimento comercial de bebidas com música ao vivo, não se pode desvincular da adequação do recinto ao uso previsto, sob pena de constituir uma ameaça e perigo para as pessoas e para os diversos bens jurídicos em causa.

Assim sendo,

Da prova produzida e da defesa apresentada não resultou qualquer alteração à factualidade constante dos presentes autos, nem consequentemente se alterou a convicção que se formou através do auto de notícia elaborado pelos agentes autuantes, os quais descrevem de forma sintética, clara e objectiva a situação presenciada, afastando assim qualquer indício que tal não tivesse ocorrido daquela forma.

Pelo que, a defesa apresentada pela arguida não merece acolhimento.”

III. No que respeita à fundamentação de direito, e no que neste recurso releva, disse a Autoridade Administrativa na decisão recorrida:

“[…]

Assim, pelos factos descritos no auto de notícia e informações anexas, resulta que a arguida explora um estabelecimento comercial de bebidas, denominado de "K.....", onde frequentemente são realizados espectáculos de natureza não artística (música ao vivo, djs e outros), encontra-se abrangido pelo diploma legal acima mencionado, logo encontra-se sujeito à emissão de licença de utilização de recinto.

Ora, conforme decorre dos factos dados como provados, a arguida mantinha o seu estabelecimento comercial de bebidas aberto ao público e em funcionamento "No seu interior permaneciam 8 (oito) clientes que consumiam bebidas diversas ali disponibilizadas, dançavam e assistiam a um concerto de música ao vivo.".

Mais decorre dos factos dados como provados que a falta da necessária licença de Recinto não decorre de quaisquer razões imputáveis à Câmara Municipal, mas tão só de razões imputáveis à arguida, que não providenciou pela entrega dos elementos necessários e atempadamente na Câmara Municipal de Lisboa, conforme informação constante da plataforma de gestão de processos urbanísticos "Gesturbe".

Estão assim preenchidos todos os elementos objectivos constitutivos do tipo legal de contra-ordenação em causa.

Por sua vez, é elemento subjectivo da contra-ordenação em análise, a actuação psicológica dolosa.

Com efeito, em termos gerais, na definição legal de contra-ordenação cabe tanto o facto ilícito praticado com dolo, como com negligência nos casos especialmente previstos, art.º 8º, n.º 1 do RGCO.

A negligência, em qualquer das suas modalidades, consciente e inconsciente, consiste na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz cada um, para evitar a realização de um fac to típico, compreendendo o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar.

Decorre da análise dos autos que a arguida não podia deixar de reunir, à data da prática do ilícito descrito nos autos, o conhecimento razoavelmente indispensável para tomar consciência da ilicitude do facto ou do desvalor jurídico das acções praticadas, pois que tinha conhecimento de que esta conduta lhe estava interdita [sublinhado nosso].

Ora, impedia sobre a arguida o especial dever de se informar perante as autoridades públicas de todos os requisitos e licenciamentos que era obrigada a requerer para poder laborar em conformidade com as disposições legais que regem a sua actividade. A arguida requereu a emissão da licença de recinto, pelo que ao ver o seu pedido não ser deferido, deveria actuar de forma conforme à lei, ou seja, não permitindo a realização de espectáculos de natureza não artística (música ao vivo e dança) no estabelecimento por si explorado, podendo aquele funcionar somente como estabelecimento de bebidas.

A arguida, agiu assim nas circunstâncias descritas com a falta de cuidado necessário a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, pois se não previu devia ter previsto, ou se previu nada fez, pois podia e devia ter atuado de outro modo, procedendo de acordo com as regras estabelecidas, assegurando-se que cumpria todos os deveres e obrigações decorrentes da exploração de um estabelecimento comercial.”

Depois, em sede de determinação da medida da coima, no que em especial concerne à culpa, fundamenta da seguinte forma:

“DA CULPA

Conforme exposto em sede de fundamentação, a culpa da arguida é mediana por negligente, não se esboçando qualquer justificação razoável para os factos praticados.

A atitude da arguida é censurável pois, podendo ter agido em conformidade com o Direito, o que estava perfeitamente ao seu alcance, teve uma conduta antijurídica.

O grau de censurabilidade é mediano, atendendo a que assumem já alguma relevância as exigências de prevenção geral que no domínio deste tipo de contra-ordenações se faz sentir, dado o alto índice de infracções praticadas, com o consequente aumento do desrespeito pela vida em comunidade, ficando desta forma posta em causa a salvaguarda da segurança, do ambiente e do equilíbrio urbano.

Face ao exposto, não pode deixar de se imputar à ora arguida a prática da contra- ordenação em apreço e de lhe assacar a responsabilidade dela emergente, aplicando-se uma coima que tem como principal finalidade a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuras infracções.”



III. O direito

Apreciando, seguindo a ordem de conhecimento supra estabelecida, comece por se deixar claro que na sequência da reforma do contencioso administrativo operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, nos termos do previsto na alínea l) do nº 1 do art. 4º, do ETAF é atribuída competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

No caso dos autos, está em causa a impugnação da decisão proferida no processo de contra-ordenação n.º .....-2015, que condenou a ora Recorrente no pagamento de uma coima no valor de EUR 600,00 (mais EUR 51,00 a título de custas), pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 309/2002, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de Setembro.

Trata-se assim de um ilícito contra-ordenacional por violação de disposição contida no Decreto-Lei n.º 309/2002, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de Setembro, o qual regula a instalação e o financiamento de recintos de espectáculos, no âmbito das competências das câmaras municipais, em desenvolvimento do regime previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro. Mais concretamente, a arguida foi acusada da prática de um ilícito contra-ordenacional pela utilização de recinto sem licença de utilização para os efeitos de realização de espectáculos e de divertimentos públicos.

Afigura-se-nos que a impugnação da referida contra-ordenação não integra a previsão normativa constante do referido art. 4.º, nº 1, al. l) do ETAF, não respeitando a “violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”. Vejamos porquê, para o que se alinham alguns argumentos.

Em primeiro lugar, necessário é ter presente que no anteprojeto submetido pelo Governo para discussão pública estava contemplada a possibilidade de alargar o âmbito da jurisdição a outros domínios - o art. 3.º, n.º 3, al. m), previa a inclusão de outras matérias -, sendo que o legislador veio apenas a admitir o alargamento da competência ao ilícito de mera ordenação social em matéria urbanística (cfr. a exposição de motivos in https://www.portugal.gov.pt/media/1352316/20140225%20mj%20prop%20lei%20cpta%20etaf.pdf). Ou seja, apenas foram abrangidas, por opção do legislador, as violações de normas urbanísticas, deixando fora, designadamente, as contra-ordenações em matérias de ambiente e do ordenamento do território.

Donde, na interpretação do conceito “matéria de urbanismo” usado no art. 4.º, nº 1, al. l) do ETAF, e respectivo alcance, sempre terá que levar-se tal circunstancialismo em devida consideração. Podendo afirmar-se, com relativa segurança, que o legislador não pretendeu atribuir aos tribunais administrativos uma competência genérica nesta matéria.

Em segundo lugar, por recurso agora à interpretação sistemática, não poderá deixar de assinalar-se que o legislador ao traçar o âmbito da jurisdição administrativa expressamente consignou na alínea k) do mesmo nº 1, do art. 4.º do ETAF a competência dos tribunais administrativos para apreciar litígios relativos à “[p]revenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas. E na alínea imediatamente seguinte delimitou – atribuiu – essa competência no âmbito das impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas apenas no que respeitasse a “matéria de urbanismo”, deixando, assim, de fora a impugnação de decisões semelhantes, respeitantes aos ilícitos contra-ordenacionais nessas matérias.

Em terceiro lugar, o conceito de “direito do urbanismo”, embora não conheça fronteiras perfeitamente definidas, designadamente considerando o chamado “direito do ordenamento do território” ou o “direito do ambiente”, refere-se no seu núcleo essencial ao conjunto de normas e de institutos respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, designadamente para fins de urbanização e de construção, fins agrícolas e florestais, de valorização e protecção da natureza, de recuperação e preservação dos centros históricos (cfr. Fernando Alves Correia, Estudos de Direito do Urbanismo, 1997, p. 97; sobre as dificuldades de delimitação do direito do urbanismo, v. do mesmo Autor, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1989, p. 64 e s., também Fernanda Paula Oliveira, Direito do Ordenamento do Território, do CEDOUA, 2002, p. 17 e s.). Neste âmbito, relevam aqui dois diplomas: o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2017, de 18 de Agosto), que aprova o regime jurídico da urbanização e edificação, e o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 88/2017, de 27 de Julho) que aprova o regime jurídico da reabilitação urbana e diplomas conexos. Diplomas esses que prevêem contra-ordenações próprias, como resultante dos artigos 98.º e 77.º-C, respectivamente.

É com este sentido que Fernanda Paula Oliveira só admite como contra-ordenações urbanísticas as do RJUE, da Reabilitação e de Regulamentos Municipais em matéria urbanística. Afirma a Autora a propósito da questão que formula sobre quais são as contra-ordenações urbanísticas transferidas para a jurisdição administrativa (in https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=453):

Sem dúvidas as matérias reguladas pelo RJUE – artigo 98.º e 99.º // Sem dúvida as do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (em grande parte coincidentes com as do RJUE – artigos 77.º -C a 77.º -F)

Muitas deste regime coincidem com a do RJUE: concurso de normas incriminadoras, ou concurso legal - tem por assente a qualificação de uma dada concreta situação de facto por uma pluralidade de normas em concurso e que se resolve com base nos princípios consagrados no Direito Penal subsistindo no final uma única qualificação jurídica da concreta situação de facto (na verdade a aplicação das contraordenações do RJRU, porque especial, afasta a do RJUE, embora exista uma coincidência total entre elas)

(…)

O que são regulamentos municipais em matéria urbanística? // Os regulamentos elaborados ao abrigo do artigo 3.º do RJUE são regulamentos em matéria urbanística.

Por vezes estes regulamentos regulam matérias híbridas: ocupação do espaço público só releva para efeitos urbanísticos se for ocupação para a realização de operações urbanísticas.”

Por fim, em quarto lugar, como oportunamente referido no despacho do relator que suscitou a excepção de incompetência absoluta, mesmo se se considerar a vertente relativa ao ruído vertida no ponto 5. dos factos provados da decisão que aplicou a coima, apesar da sua efectiva irrelevância material para a determinação da infracção em causa, na determinação da medida da coima e na decisão punitiva impugnada, essa matéria atinente ao “ruído” tem conexão com a matéria de “ambiente” (com eventual afectação de direitos de personalidade) e não de “urbanismo”, como se extrai da Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril, em particular do seu art. 11.º que define as bases da política de ambiente

Ainda neste ponto terá que se evidenciar que o regime aplicável às contra-ordenações ambientais e do ordenamento do território encontra-se previsto na Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de Agosto, que precisamente aprova a lei -quadro das contra-ordenações ambientais. No art. 1.º da citada Lei estabelece-se que:

1- (…)

2- Constitui contraordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.

3- Para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas, tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente.

Assim, considerando o que se vem de dizer terá que concluir-se estando a contra-ordenação em causa tipificada em diploma que regulamenta a instalação e funcionamento de recintos de espectáculos (no âmbito das competências das câmaras municipais, em desenvolvimento do regime previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), não é a mesma uma contra-ordenação urbanística – no sentido estrito do conceito (art. 4.º, nº 1, al. l), do ETAF – e como tal encontra-se subtraída ao âmbito da jurisdição administrativa.

Compete aos tribunais judiciais julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (n.º 1 do artigo 211.° da CRP; idem, o n.º 1 do artigo 40.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário). Sendo que nos termos do disposto no art. 61.º, nº 1, do RGCO: “É competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção”. Pelo que, por força dos normativos referidos, para a impugnação judicial que aplicou a coima são competentes os tribunais judiciais e não os tribunais administrativos.

Nos termos do disposto no art. 96.º, al. a), do CPC, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, o que obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto, não vinculando o despacho que o admitiu este Tribunal Superior.

Declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa (art. 33.º, nº 1, do CPP aplicável ex vi do art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).

Segundo o artigo 130.º, n.º 4, alínea b), da LOSJ (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), com a redacção actualizada, a competência para apreciar recurso de contra-ordenação até EUR 15.000,00 está deferida ao Juízo de Pequena Criminalidade que, por sua vez, integra a Secção de Instância Local de Lisboa.



III. Conclusões

Sumariando:

1) Nos termos do previsto na alínea l) do nº 1 do art. 4º, do ETAF é atribuída competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

2) Estando a contra-ordenação em causa tipificada em diploma que regulamenta a instalação e funcionamento de recintos de espectáculos (no âmbito das competências das câmaras municipais, em desenvolvimento do regime previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), não é a mesma uma contra-ordenação urbanística – no sentido estrito do conceito (art. 4.º, nº 1, al. l), do ETAF) – e como tal encontra-se subtraída ao âmbito da jurisdição administrativa.

3) A violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção que determina a remessa do processo ao tribunal declarado competente, a menos que este se tenha também já declarado incompetente por decisão transitada em julgado, caso em que se verificará um conflito negativo de competência (cfr. arts. 33.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi do art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Não conhecer do objecto do recurso;

- Declarar a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para conhecer da presente impugnação judicial da coima aplicada pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do Processo de Contra-ordenação n.º .....-2015; e

- Declarar, para o efeito, competentes os tribunais judiciais (Secção de Instância Local de Lisboa, Juízo de Pequena Criminalidade).

Sem custas.

Após trânsito, remeta como determinado.

Lisboa, 24 de Maio de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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António Vasconcelos (em substituição)