Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1099/12.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
ACTO OFENSIVO
ACTO DE PENHORA
EFECTIVA APREENSÃO DO BEM
CANCELAMENTO DO REGISTO
PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Sumário:I – O acto ofensivo que constitui o objecto do processo de embargos de terceiro é o acto de penhora do imóvel e não o seu registo predial, já que este não tem efeito constitutivo.

II – O acto de penhora de imóveis implica uma efectiva apreensão do bem que se tira da posse do executado.

III - A caducidade do registo não levanta automaticamente a penhora, mantendo-se essa efectiva apreensão ainda que sem registo válido que a suporte.

IV – No processo tributário, o levantamento da penhora e o cancelamento do registo apenas resultam do pagamento voluntário, do pagamento coercivo ou da anulação da dívida de que resultará a extinção da execução, nos termos dos artigos 235.º, n.º 1, 260.º e 271.º do C.P.P.T. como corolário do princípio da indisponibilidade do crédito tributário consagrado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 36.º da LGT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

M….., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a acção de embargos de terceiro que deduzira contra o acto de penhora do imóvel sito em ….. , concelho de Caldas da Rainha, praticado no processo de execução fiscal n.º ….., que corre termos no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, dele veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«42 - 0 Serviço de Finanças de Caldas da Rainha instaurou contra A….. e M….. o processo de Execução fiscal n° …..por dívida de IRS dos anos de 1993 e 1994, na quantia de €112.422.41 - (cfr. Fls. 1 a 2 - V do processo de execução fiscal apenso a estes autos).

43 - Em 31/01/1997 A….. requereu junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha a regularização de dívidas ao abrigo do Decreto-Lei n° 124/96 de 10-08 - (cfr. Fls. 31 a 33 do processo de execução fiscal apenso).

44 - Em 24-08-1998 o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, no processo de execução fiscal identificado em a), lavrou auto de penhora do prédio misto sito em ….., composto por terra de semeadura, vinha, pinhal e mato, eucaliptal, laranjeiras, macieiras, pereiras, oliveiras, sobreiros e castanheiros, denominado “…..", a confrontar de oeste com Herdeiros de A….. e outros, a sul com J….. e caminho público, nascente com A….. e a poente com Herdeiros de J….., inscrito na respetiva matriz rústica da referida freguesia sob o artigo ….., com a área de 89.550 m2 (...); uma casa de rés do chão para habitação,1º andar e sotão com a área coberta de 63 m2 e logradouro com 200 m2, a confrontar de todos os lados com o proprietário, inscrita na respetiva matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ….. (...); uma casa de rés do chão para habitação, dependência anexa que serve de adega e arrecadação com sotão amplo, barracão e cómodos, a confrontar de todos os lados com o proprietário, inscrito na respetiva matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ….., com a área coberta de 305m2 (...)- (cfr. Fls. 16 do processo de execução fiscal apenso a estes autos).

45 - Em 26-08-1998 o Serviço de Finanças de Santarém, através da Ap. 02/980826.inscrição F2. registou na Conservatória do Registo Predial de Santarém a penhora referida na alínea anterior, prédio a que corresponde a descrição …..- (cfr. Doc. De fls. 40 o processo de execução fiscal apenso a estes autos).

46 - Em 02-02-1999 o Serviço de Finanças de Santarém, através da Ap.03/990202. inscrição F3, registou na Conservatória do Registo Predial de Santarém, penhora efetuada em 29-01-1999, para garantia do pagamento da quantia de €12.789,93 - (cfr. Fls. 125-V do processo de execução fiscal em apenso a estes autos).

47 - Em 21-06-2010 na descrição do registo predial n° …..foi averbada quanto à inscrição F-2 a anotação "Caducou” - (cfr. Fls. 24 dos autos).

48 - Através da Ap. 12219 de 30-11-2010, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, quanto ao prédio descrito sob o n° ….., ação em que é sujeito ativo M….. e sujeitos passivos A….. e M….., cujo pedido é que seja proferida sentença que substitua a vontade dos réus, sujeitos passivos, decretando judicialmente a transferência da titularidade do prédio a favor da Autora, sujeito ativo. - (cfr. Fls. 325 e 326 do processo de execução fiscal apenso).

49 - Por sentença proferida em 26-01-2012 no processo n° 2442/10.4 TBACB do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, foi declarado vendido a M….. o prédio misto denominado ….., ….., concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o n° …... - (cfr. Fls. 12 a 17 dos autos e fls. 318 a 322 do processo de execução fiscal em apenso).

50 - Como se refere em 7, em 30-11-2010 a aqui Embargante registou a ação através da Ap. 12219.

51 - À data do registo da ação não existia qualquer registo que onerasse o prédio - veja-se certidão predial junta com a petição inicial referida como documento 4.

52 - O mesmo sucedendo em 26-01-2012, data da sentença que atribui a propriedade à Embargante.

53 - Entende o Meritíssimo Juiz que os Embargos deveriam ser considerados improcedentes, uma vez que o direito do Embargado é posterior ao direito da Autora.

54 - Não nos parece que assim seja, pois à data do registo de aquisição já o registo da penhora a favor do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha se encontrava caducado, com a anotação de caducidade há mais de dois anos.

55 - Vindo a Senhora Conservadora em 22/03/2012 reproduzir para extração a penhora sem que o Serviço de Finanças tivesse feito nova apresentação para registo da penhora.

56 - Ficando a Embargante com uma penhora de …..no prédio que adquiriu sendo completamente alheia ao processo de execução, não tendo qualquer relação com a dívida viu o seu prédio colocado em hasta pública.

57 - Na nossa modesta opinião cabe-nos dizer que o registo de penhora não podia incidir sobe o prédio da aqui Embargante, ao fazê-lo a Senhora Conservadora violou entre outros o artigo 92° do Código de Registo Predial. Nem tão pouco o processo de execução e respetiva venda podiam prosseguir.

Vejamos:

59 - Quanto ao processo de execução, existindo da nossa parte o entendimento de que não podia prosseguir, uma vez que o registo da penhora se encontrava caduco e ao avaliarmos o registo por extração levado a cabo em 22/03/2012 verificamos que é nulo.

60 - A Lei impõe que o processo de execução não possa prosseguir sem o registo da penhora. Admitindo a provisioridade do registo impedindo a venda sem que a questão da provisioridade esteja resolvida. Mas é exigido o registo da penhora.

61 - Ora, a anotação da caducidade do registo da penhora determina o artigo 10° do Código de Registo Penal que o registo se extingue, ora, encontrando-se o registo extinto

62 - Caso a Administração Fiscal se sentisse lesada no seu direito teria de proceder a novo registo, o que não fez, não há qualquer apresentação da parte da Administração Fiscal para que se proceda ao registo de nova penhora, que inevitavelmente ficaria provisório por natureza, uma vez que o prédio pertencia a terceira pessoa alheia ao título executivo.

63 - E só por mera hipótese se fizesse o registo da penhora este perdia a prioridade em relação ao registo de aquisição da Embargante. Pelo que não podemos deixar de concluir que o direito da Embargante é anterior ao do Serviço de Finanças

64 - Analisado o registo da penhora na qual é anotada a caducidade após dois anos vem a Senhora Conservadora represtinar o registo por extração, é um atropelo a toda a legalidade exigida, para lavrar o registo conduzindo à nulidade previsto no artigo 16° do código do registo predial, em nosso entender é nulo e desta nulidade deve o Tribunal conhecer.

65 - Como se referiu após a anotação da caducidade de penhora, a Administração Fiscal estava obrigada a fazer nova apresentação junto da Conservatória do Registo Predial das Caldas da Rainha para que obtivesse novamente o registo da penhora.

66 - Não foi o que sucedeu, não existe qualquer apresentação após a caducidade e sabendo-se lá a razão a Senhora Conservadora decide registar (represtinar) novamente a penhora por extração em 22/03/2012.

67 - Os factos sujeitos a registo nomeadamente a penhora encontra-se defendidos no artigo 48° do Código de Registo Predial, obedecendo a uma apresentação. O registo levado a cabo pela Senhora Conservadora é nulo nos termos do artigo 16.º alínea c) e e) do Código de Registo Predial.

68 - Desta nulidade deve o Tribunal conhecer e concluir que o registo da penhora é nulo. Concluir-se-á que o processo de execução fiscal não pode prosseguir no que respeita à venda do prédio em causa nos autos por falta de registo da penhora.

69 - Pelo que devem os presentes embargos serem julgados procedentes sem mais prejuízos para a Embargante.

70 - Concluindo-se que o registo da penhora é nulo sobe o prédio da Embargante ser levantada ou o processo de execução suspenso até que a Administração Fiscal proceda a novo registo da penhora.

71 - Pelo que deverá a douta sentença ser substituída, declarando-se a procedência dos embargos.

Justiça!»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a Fazenda Pública, ora Recorrida, optou por não contra-alegar.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, por considerar que «no caso dos autos, o que caducou não foi a penhora mas o registo efecuado na Conservatória do Registo Predial respetiva (cfr. artigos 11.º, n.ºs 1 e 2, e 12.º, n.º 1 do Código do Registo Predial).


Na verdade, a penhora extingue-se apenas pelo seu levantamento, conforme previsto no 763.º CPC ou pela extinção da execução (artigos 846.º e 849.º do CPC), e nos termos dos artigos 235.º, n.º 2, 260.º e 271.º do CPPT, o que não ocorreu no caso dos autos, pelo que a penhora efetuada não se extinguiu

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento na valoração da prova ao considerar que acto de penhora é anterior ao direito que a Embargante invoca como tendo sido ofendido – a aquisição do imóvel e se ao considerar a existência da penhora efectuada no âmbito do processo de execução fiscal incorreu em erro de julgamento de direito por violação do artigo 755.º do CPC ao desconsiderar a caducidade do registo e a nulidade da reposição da inscrição da penhora.


*



III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1 Factos Provados

Com interesse para a decisão dos presentes embargos consideram-se provados, pelos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso os seguintes factos:

A) O Serviço de Finanças de Caldas da Rainha instaurou contra A….. e M….. o processo de execução fiscal n.º …..por divida de IRS dos anos de 1993 e 1994, na quantia de € 112.422,41. – (cfr. fls. 1 a 2-V do processo de execução fiscal apenso a estes autos).

B) Em 31-01-1997 A….. requereu junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha a regularização de dívidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96 de 10-08. – (cfr. fls. 31 a 33 do processo de execução fiscal apenso).

C) Em 24-08-1998 o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, no processo de execução fiscal identificado em A), lavrou auto de penhora do prédio misto sito em ….., composto por terra de semeadura, vinha, pinhal e mato, eucaliptal, laranjeiras, macieiras, pereiras, oliveiras, sobreiros e castanheiros, denominado “…..”, a confrontar de oeste com Herdeiros de A….. e outros, a sul com J….. e caminho público, nascente com A….. e a poente com Herdeiros de J….., inscrito na respectiva matriz rústica da referida freguesia sob o artigo ….., com a área de 89.550 m2 (…); uma casa de rés do chão para habitação, 1.º andar e sótão com a área coberta de 63 m2 e logradouro com 200 m2, a confrontar de todos os lados com o proprietário, inscrita na respectiva matriz urbana da referida freguesia sob o art.º ….. (…); uma casa de rés do chão para habitação, dependência anexa que serve de adega e arrecadação com sótão amplo, barracão e cómodos, a confrontar de todos os lados com o proprietário, inscrito na: respectiva matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ….., com a área coberta de 305 m2 (…).”. – (cfr. fls. 16 do processo de execução fiscal apenso a estes autos).

D) Em 26-08-1998 o Serviço de Finanças de Santarém, através da ap. 02/980826, inscrição F2, registou na Conservatória do Registo Predial de Santarém a penhora referida na alínea anterior, prédio a que corresponde a descrição …... - (cfr. doc. de fls. 40 do processo de execução fiscal apenso a estes autos).

E) Em 02-02-1999 o Serviço de Finanças de Santarém, através da ap.03/990202, inscrição F3, registou na Conservatória do Registo Predial de Santarém, penhora efectuada em 29-01-1999, para garantia do pagamento da quantia de € 12.789,93. – (cfr. fls. 125-V do processo de execução fiscal em apenso a estes autos).

F) Em 21-06-2010 na descrição do registo predial n.º ….. foi averbada quanto à inscrição F-2 a anotação “Caducou”. – (cfr. fls. 24 dos autos).

G) Através da ap. 12219 de 30-11-2010, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, quanto ao prédio descrito sob o n.º ….., ação em que é sujeito ativo M….. e sujeitos passivos A….. e M….., cujo pedido é que seja proferida sentença que substitua a vontade dos réus, sujeitos passivos, decretando judicialmente a transferência da titularidade do prédio a favor da autora, sujeito ativo. – (cfr. fls. 325 e 326 do processo de execução fiscal apenso).

H) Por sentença proferida em 26-01-2012 no processo n.º 2442/10.4TBACB do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, foi declarado vendido a M….. o prédio misto denominado ….., sito em ….., concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o n.º …... – (cfr. fls. 12 a 17 dos autos e fls. 318 a 322 do processo de execução fiscal em apenso).

I) Em 22-03-2012, na descrição do registo n.º …..foi reposta a inscrição F-2, por extratação – (cfr. fls. 22-V dos autos).

J) Com data de 23-04-2012, o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha endereçou à ora embargante oficio de notificação, referente ao processo de execução fiscal identificado em A), com o seguinte teor: “Fica por este meio V. Exa. Notificada, na qualidade de proprietária, que por despacho de 13 -04-2012, exarado no processo acima identificado, instaurado por dividas de IRS, dos anos de 1993 e 1994 no valor de € 112.422,41 (cento e doze mil, quatrocentos e vinte e dois euros e quarenta e um cêntimos) acrescido de juros e custas que forem devidos, foi determinada a execução da venda por leilão electrónico, a decorrer das 10.00h de 05-06-2012 às 10.00 de 20-06-2012, do bem penhorado no referido processo, a seguir identificado:

K) . Prédio rústico composto por terra de semeadura, vinha, pinhal e mato, eucaliptal, com 950 laranjeiras, com 600 ainda em produção, 80 macieiras, 40 pereiras, 7 oliveiras, 10 sobreiros e 25 castanheiros, sito em ….., com a área de 85.018m2, que confronta do norte com Herdeiros de A….. e outros, a sul com J….. e caminho público, nascente com A….. e a poente com Herdeiros de J….., inscrito na matriz rústica sob o artigo ….., da ….., concelho de Caldas da Rainha, com o valor patrimonial tributário de 1.118,70, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, de € 23.360,56.

L) . Prédio urbano, destinado a armazém e actividade industrial, sito em ….., com a área de 1.150m2, inscrito na matriz urbana sob o art.º n.º ….., da ….., concelho de Caldas da Rainha, com o valor patrimonial tributário de € 154.490,00.

M) . Prédio urbano destinado a habitação, sito na ….., com um piso, tipo T4, com a área total do terreno de 3.950m2, sendo 260,26 de área bruta privativa e 89,54 m2 de área bruta dependente, inscrito na matriz urbana sob o art.º n.º ….., da freguesia de Santa Catarina, concelho de Caldas da Rainha, com o valor patrimonial tributário de € 114.850,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob o n.º …... O Prédio acima identificado, do qual é proprietária, adquirido em processo judicial de acção declarativa de condenação (Proc.º n.º 2442/10.4TBCLD) com sentença de 26-01-20012, já transitada em julgado, encontra-se onerado com penhora correspondente à ap. 2 de 1998/08/26. (…).”. – (cfr. doc. de fls. 10 e 11 dos autos).

N) Em 01-06-2012 deram entrada no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha os presentes embargos de terceiro. - (cfr. carimbo de entrada aposto no doc. de fls. 2 dos autos).


***


Consta ainda da mesma sentença o seguinte:

«Factos não provados

Todos os restantes. Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


***


Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório.»


*



III. 2 – Fundamentação de direito


Insurge-se a Recorrente contra a decisão recorrida alegando que a caducidade do registo da penhora efectuada no âmbito do processo de execução fiscal impunha que a Administração Tributária procedesse a nova apresentação de registo, que não contaria com a data e inerente prioridade resultante do primeiro registo de penhora que deixou caducar.
Alega que os acto de reactivação do registo dessa penhora, praticados pela Conservadora, por extração, constituem actos de registo ilegais, cuja nulidade o Tribunal deve conhecer.
Mais alega que o registo não podia incidir sobre o prédio, nem a execução fiscal e venda podiam prosseguir por nulidade do registo e por implicar para a Embargante uma penhora incidente sobre o seu imóvel, sendo ela alheia ao processo de execução fiscal.
Do que se deixou dito resulta que a argumentação da recorrente se dirige contra a legalidade do acto de registo da penhora.
Relativamente à questão do conhecimento da validade dos actos de registo, não lhe assiste razão, já que, como bem se refere na decisão recorrida, a resposta a essa questão não poderá ser dada por este Tribunal.
Com efeito, a legalidade dos actos de registo predial é apreciada em primeira linha pelo Conservador ou pelo Conselho Directivo do Instituto de Registos e Notariado, caso haja reclamação ou recurso hierárquico do acto (cf. artigos 27.º e do CRP), ou por decisão judicial da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo, no caso de impugnação judicial (cf. artigo 140.º e sgs. do CRP). Esta questão, da legalidade dos registos, constitui questão que integra o âmbito da competência e jurisdição dos Tribunais comuns, donde decorre a incompetência em razão da matéria dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, da jurisdição administrativa e fiscal, para conhecer da legalidade dos actos de registo predial.
Mais resulta das conclusões do recurso que nos vem dirigida, que a recorrente considera que o direito do embargado é posterior ao da recorrente sustentando-se na caducidade do registo, retirando-se da introdução às alegações quando identifica a questão suscitada no recurso que a recorrente imputa à decisão erro de julgamento de direito, por violação ou interpretação diversa do artigo 755.º do CPC.
A propósito da violação do artigo 755.º do CPC alega a recorrente que «a lei refere a penhora como sendo esta que realiza a ofensa do direito do terceiro, sabendo-se que a penhora de imóveis se realiza no processo de execução, que é o processo principal, através da comunicação electrónica à conservatória do registo predial», que só após a emissão da certidão do registo é que o agente de execução lavra o auto de penhora e no caso dos autos, não tendo havido registo, não se pode falar em penhora.
Conclui que a anotação da caducidade do registo da penhora importa a extinção do registo e assim sendo, impunha-se à Administração Tributária a apresentação de novo acto de registo da penhora, devendo a sentença ser substituída por outra que declare a procedência dos embargos.
Sobre a questão considerou o Juiz a quo o seguinte: «importa ter presente que, no caso dos autos, o que caducou não foi a penhora mas o registo efecuado na Conservatória do Registo Predial respetiva (cfr. artigos 11.º, n.ºs 1 e 2, e 12.º, n.º 1 do Código do Registo Predial).
Na verdade, a penhora extingue-se apenas pelo seu levantamento, conforme previsto no 763.º CPC ou pela extinção da execução (artigos 846.º e 849.º do CPC), e nos termos dos artigos 235.º, n.º 2, 260.º e 271.º do CPPT, o que não ocorreu no caso dos autos, pelo que a penhora efetuada não se extinguiu.
O que quer dizer que apesar de o direito inscrito em primeiro lugar prevalecer sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes, como previsto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do Registo Predial, a penhora existe independentemente de ter sido levada, ou não, ao registo predial.
No caso dos autos não vem questionada a validade da penhora efectuada e registada em 1998 sobre o imóvel aqui em causa, adquirido pela embargante em 2012. Ora, a finalidade dos embargos de terceiro é a eliminação jurídica do ato lesivo do direito do embargante, seja um arresto, uma penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, como se refere no art.º 237.º do CPPT, e não apurar direitos ou responsabilidades conexos com tais actos.
Daí que seja fundamental, para a procedência dos embargos que o direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência seja anterior a essa diligência, que in casu, é a mencionada penhora, pois só nessa situação podemos afirmar existir uma ofensa de um direito com ela incompatível, sendo pois um requisito de procedibilidade dos embargos de terceiro que deriva da sua própria natureza enquanto meio de defesa da posse ou outro direito contra uma diligência que a vem ofender.
Portanto, resultando da matéria de facto provada que o ato de penhora, alegadamente ofensivo da propriedade da embargante é anterior à aquisição do imóvel e não tendo sido extinto ou ordenado o seu levantamento, mantendo-se, por isso válido, falta um dos requisitos de viabilidade dos presentes embargos de terceiro.»
Não se vê razão para dissentir do assim decidido.
Na decisão recorrida considerou-se como questão a decidir a de saber se a penhora em causa ofendeu um direito de terceiro, alheio à execução, tendo o Juiz a quo enfrentado a questão da relação entre a penhora de um imóvel e o seu registo, e bem assim, da penhora com registo que, entretanto, tenha caducado e do seu valor no processo de execução fiscal. Na verdade, como bem se decidiu na sentença recorrida, a caducidade do registo de penhora não determina só por si o levantamento do acto de penhora, como parece pretender a recorrente. Ainda que eventualmente se tenha verificado a caducidade do registo, o que resulta da matéria de facto, bem como do processo de execução fiscal, é que o órgão da execução nada decidiu que permita concluir que o acto de penhora foi cancelado ou levantado, antes resultando que o mesmo se mantém.
Mantendo-se a penhora, a correção de eventuais lapsos ou irregularidades das inscrições efectuada pela Conservatória do Registo Predial não se repercutem na validade do acto de penhora, cujo auto data de 24/08/1998, já que, como se referiu o registo não é constitutivo do direito objecto de registo. E, assim sendo, como é, não se impunha novo registo de inscrição da penhora, não lhe sendo aplicável o regime do artigo 755.º do CPC, importando do que se deixou que não assiste razão à recorrente quanto ao erro de julgamento de direito.
Tendo presente o que se dispõe no artigo 237.º do C.P.P.T., sob o título «Função do incidente dos embargos de terceiro. Disposições aplicáveis» (que corresponde essencialmente ao regime previsto no artigo 351.º, n.º 1 do C.P.C): «1 - Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro», percebe-se que a ofensa da posse ou de qualquer direito incompatível advém de um acto de apreensão ou entrega como sucede no caso da penhora ou do arresto, independentemente da validade do registo, na medida em que o registo constitui um meio de conferir publicidade aos actos não tendo eficácia constitutiva.
Embora relativos à questão de saber qual o efeito da caducidade do registo na utilidade da instância de embargos de terceiro, a jurisprudência que dimana do Acórdão proferido pelo S.T.A. no processo n.º 0973/09 de 18-05-2011, citada na decisão recorrida em nota de rodapé, é aplicável ao caso dos autos: «I – O acto ofensivo que constitui o objecto do processo de embargos de terceiro é a penhora do imóvel e não o seu registo predial, já que este não tem efeito constitutivo, pelo que se mantém a utilidade da lide enquanto subsistir o acto da penhora, independentemente de ter caducado o seu registo
Também o Tribunal da Relação de Coimbra se pronunciou em decisão sumária no processo 401/06.0TBAGN-B.C1 datada de 15-05-2012 «nos embargos de terceiro o que importa é a relação entre a penhora e o direito invocado pelo embargante como tendo sido ofendido por aquele acto e nesta perspectiva a penhora mesmo depois do registo ter caducado mantém-se e não apenas como um nomen.
Como sublinhámos anteriormente, citando Fernando Amâncio Ferreira, a actual redacção do art. 840º nº 1, implica para a penhora de imóveis uma efectiva apreensão do bem que se tira da posse do executado. E sendo assim, obviamente que a caducidade do registo não levanta automaticamente a penhora, mantendo-se essa efectiva apreensão ainda que sem registo válido que a suporte, até que o tribunal determine a extinção e o levantamento da penhora, ou seja, levante a apreensão.»
No processo de execução fiscal, conforme resulta do disposto nos artigos 235.º, n.º 1, 260.º e 271.º do C.P.P.T. o levantamento da penhora e cancelamento do registo apenas resultam do pagamento voluntário, do pagamento coercivo ou da anulação da dívida de que resultará a extinção da execução, regime que se encontra em linha com o princípio da indisponibilidade do crédito tributário que decorre dos n.ºs 2 e 3 do artigo 36.º da LGT.
Assim se conclui pela improcedência do recurso.


IV – CONCLUSÕES

I – O acto ofensivo que constitui o objecto do processo de embargos de terceiro é o acto de penhora do imóvel e não o seu registo predial, já que este não tem efeito constitutivo.

II – O acto de penhora de imóveis implica uma efectiva apreensão do bem que se tira da posse do executado.

III - A caducidade do registo não levanta automaticamente a penhora, mantendo-se essa efectiva apreensão ainda que sem registo válido que a suporte.

IV – No processo tributário, o levantamento da penhora e o cancelamento do registo apenas resultam do pagamento voluntário, do pagamento coercivo ou da anulação da dívida de que resultará a extinção da execução, nos termos dos artigos 235.º, n.º 1, 260.º e 271.º do C.P.P.T. como corolário do princípio da indisponibilidade do crédito tributário consagrado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 36.º da LGT.


V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.


Custas pela Recorrente.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021.


A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes.