Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10986/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/02/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: INTIMAÇÃO PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, REAGRUPAMENTO FAMILIAR, VISTO DE RESIDÊNCIA
Sumário:I. Confrontada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, com a decisão que foi proferida, objecto de recurso, não existe a invocada contradição, pois que não é possível extrair o juízo que o juiz tenha fundamentado a decisão num determinado sentido e haja concluído noutro sentido, oposto ou divergente.

II. Seguindo a jurisprudência uniforme do STA, no âmbito do instituto do reagrupamento familiar, o visto de residência existe em função do reagrupamento e não tem existência separada dele, pelo que, na relação material controvertida que é a da emissão do visto de residência, o titular do reagrupamento familiar é parte, embora não seja ele que se vá constituir como titular do visto de residência e, sendo parte, tem legitimidade activa na intimação para emissão de visto de residência para o seu filho.

III. A emissão do visto permite efectivar o direito ao reagrupamento familiar, direito este que se pode considerar como integrando o núcleo do direito fundamental à família, vertido no artº 36º da Constituição, na vertente de que os “Os filhos não podem ser separados dos pais (…)”, na locução do nº 6 do artº 36º da Constituição, consubstanciando uma situação de urgência, a que não é possível conferir tutela mediante simples decretamento de uma providência cautelar ou sequer, no âmbito de um processo principal sem natureza urgente.

IV. Não pode um exame destinado a aferir a idade óssea, abalar a força probatória de dois documentos emitidos por entidades oficiais, que referem de forma coincidente a idade do filho do Requerente.

V. Tendo a Secção Consular comunicado ao SEF a existência de dois registos de nascimento - sem que resulte demonstrado que os dois registos de nascimento do filho do Requerente refiram datas de nascimento divergentes - e não tendo o SEF reapreciado o pedido, nem tão pouco revogado a decisão anteriormente emitida, mantendo-se na ordem jurídica o acto administrativo que deferiu o pedido de reagrupamento familiar apresentado pelo Requerente em relação ao seu filho, estão infirmados os pressupostos de facto e de Direito que possibilitem a recusa do pedido de visto de residência por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

VI. O julgador decide com base nos factos carreados para os autos e sobre os quais logrou ser produzida prova, pelo que, resultando demonstrado em juízo a realidade que se encontra vertida nos Factos Assentes, que não se mostra infirmada por qualquer outra prova, é essa que tem de ser tida em consideração no âmbito da função de julgar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Ministério …………., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 03/01/2014 que, no âmbito do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, instaurado por Dev …………….., julgou a intimação procedente, intimando a entidade requerida a dar cumprimento ao disposto no artº 64º da Lei nº 23/2007, de 04/07, emitindo a Secção Consular competente, o Visto de Residência do pedido de reagrupamento familiar formulado pelo Requerente para o seu filho, Subas ……………, cidadão nepalês a residir no Nepal, no prazo de 15 dias.

Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 189 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“i) O procedimento apreciação de pedido de visto de residência inicia-se após o reconhecimento do direito ao reagrupamento familiar, constituindo a decisão do SEF um mero parecer instrutório do procedimento em causa nos autos, um procedimento autónomo, gerador de uma nova relação jurídica administrativa, com sujeitos distintos e com poder de instrução e de decisão próprios das diferentes entidades públicas envolvidas: são assim dois procedimentos juridicamente autónomos, com finalidades distintas, sujeitos e pedidos distintos, com reflexos diretos e imediatos em esferas jurídicas distintas;

ii) In casu, é manifesta a ilegitimidade do ora Recorrido por não se imaginar nem se retractar na presente lide como sendo parte na relação material controvertida - não é a favor do requerido que será emitido o visto nem se reflecte direta ou imediatamente na sua esfera o direito de entrada em território nacional - o que o Requerente confessa;

iii) Consequentemente, a douta Sentença enferma de erro no enquadramento jurídico da factualidade dada como provada, de erro na aplicação do Direito relevante para a atuação administrativa do caso concreto, de violação do nº 1 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto à verificação do pressuposto processual da (i)legitimidade ativa do Requerente da intimação, ilegitimidade que impedia o conhecimento do mérito da causa, já que o alegado filho do Recorrido, porque o ato apenas se repercute na esfera jurídica dele - é a única pessoa jurídica que poderá vir beneficiar do direito de entrada em território nacional e única pessoa de cuja vontade depende o exercício do direito (é o requerente de visto que pede directamente no posto consular o visto e que o usa exclusiva e pessoalmente);

iv) Existe manifesta inadequação do meio processual por não ter o ora Recorrido comprovado os factos dos quais resulte a urgência na necessidade da tutela - já conhecia a decisão ou pelo menos desde o pedido de reapreciação desta da Entidade Recorrente desde novembro de 2011;

v) Assim, conclui-se que a douta Sentença enferma de erro no enquadramento jurídico da factualidade dada como provada, de erros na aplicação do Direito relevante para a atuação administrativa do caso concreto, de violação do n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto à possibilidade de uso da intimação, já que manifestamente não estamos perante uma situação de necessidade de tutela urgente de DLG - porque o Requerente sabia que era intenção da Entidade Administrativa Recorrente indeferir e esperou praticamente dois anos para reagir contenciosamente:

vi) Acresce que a douta Sentença enferma ainda de erro no enquadramento jurídico da factualidade dada como provada, de erros na aplicação do Direito relevante para a atuação administrativa do caso concreto, de violação do n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto à possibilidade de uso da intimação, porque manifestamente o ato em causa, porque praticado há mais de um ano, já não era contenciosamente impugnável, pelo decurso do prazo de 3 meses: o Recorrido bem sabe que sempre existiu uma decisão final de indeferimento - de outro modo, não seria possível a reapreciação dessa decisão, que evidentemente tem por objeto decisões finais e não projetos de decisão;

vii) Sucede que, perante a existência de dois (!) documentos alegadamente comprovativos da idade e identidade do Requerente do visto e da comprovação de idade diferente da invocada no âmbito do processo de reagrupamento familiar, junto do SEF, sendo o requerente de visto maior de idade e excluído, por esse facto , do direito ao mesmo, não podia a Seção Consular, ao apreciar o pedido de visto e deparando-se justamente com tal facto, ficar vinculada ao deferimento do pedido;

viii)A Seção Consular agiu bem, porquanto só podia recusar o visto, pois, em obediência ao dever de instrução do pedido de visto como previsto pelo artigo 13.º do Regulamento LE) constatou que o requerente de visto se encontrava fora do âmbito previsto pelos artigos 98.º e 99.º da LE, no que respeita ao direito ao reagrupamento familiar, pelo que atuou no âmbito do n.º 1 do artigo 68.º do Regulamento da LE in fine, factos provados e normas jurídicas que não foram tidas em conta na douta Sentença ora posta em crise, os quais determinaram necessariamente decisão diversa da proferida;

ix) Consequentemente, a douta Sentença enferma de erro no enquadramento jurídico da factualidade dada como provada, de erros na aplicação do Direito relevante para a atuação administrativa do caso concreto, de violação do n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto à possibilidade de uso da intimação e de erro no preenchimento dos pressupostos que determinam a procedência da intimação requerida, já que manifestamente não estamos perante uma situação em que a Entidade Administrativa Recorrente seja, nos termos do artigo 64.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, vinculada a emitir o visto requerido.

x) Na verdade, as disposições legais mencionada reforçam que se encontrava a Entidade A. Recorrente legalmente vinculada a realizar a instrução, a fim de verificar se o preenchimento dos requisitos legais dos quais depende a emissão do visto - competência legalmente atribuída aos serviços periféricos externos da Entidade Administrativa Recorrente MNE e não do SEF, serviço do MAI;

xi) Mais: Ao admitir que a Secção Consular proceda à instrução de um pedido de visto sobre o qual tem de decidir, mas, simultaneamente, negar que de tal instrução possa resultar o indeferimento do pedido, a douta Sentença em questão incorre em contradição, dando lugar ao disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º CPC;

xii) Atentos os elementos alegados e as provas facultadas aos autos, só se poderá concluir que a Seção Consular perante o conhecimento de factos que a serem do conhecimento do SEF, obstariam ao deferimento do reagrupamento familiar em causa, bem andou ao recusar a emissão de tal visto;”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida e seja a intimação julgada improcedente.


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O ora Recorrido, notificado, apresentou as seguintes contra-alegações (cfr. fls. 223 e segs.):

“65º) A presente sentença do tribunal de primeira instância está correctíssima.

66º) Ambas as certidões de nascimento atestam que Subas …………… é filho do Autor e nasce em 06 de Setembro de 1993.

67º) A recusa do posto consular de Deli traduz -se numa negação ao direito ao reagrupamento familiar.

68º) A Única tarefa do posto consular em Nova Deli, é tão-só, a emissão do Visto de residência.

69º) Existe Jurisprudência pacífica, unânime, no STA sobre esta temática.

70º) Estão cm causa valores e direitos constitucionais.

71º) Não se aplica a Lei 29/2012 de 9 de Agosto.

72º) Somente em casos flagrantes de terrorismo internacional pode o Consulado intervir, recusando a emissão de vistos.

73º) Os testes de idade são inadmissíveis do ponto de vista legal.

74º) Nunca poderia o posto consular ter rejeitado a emissão do visto.

75º) O visto de residência a emitir, tão-só, existe em função do reagrupamento familiar, constituindo uma figura menor.

76º) O Autor é parte legítima na presente acção.

77º) O presente instrumento legal é o único que protege eficazmente o direito à família e ao reagrupamento familiar.

78º) Os quais têm cobertura constitucional.

79º) Para defesa dos direitos, liberdades, garantias pessoais a lei assegura aos cidadãos procedimentos caracterizados pela sua celeridade.

80º) Esta protecção acrescida justifica-se pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana, e do risco acrescido da respetiva lesão.

81º) Não é demais frisar que o Subas ………….. está actualmente acampado à porta da Embaixada de Nova Deli, à espera que esta se digne a cumprir a Lei.

82º) O Mesmo tem toda a sua família legal a residir em Portugal, Pai, Mãe, irmão.

83º) Estamos a aguardar à três anos.

84º) A estabilidade familiar está totalmente destruída.

85º) A Ré tem consciência do que está em jogo, e não se importa, sendo absolutamente chocante o que se está a passar do ponto de vista dos direitos e valores humanos.

86º) Uma providência cautelar é precária.

87º) Uma acção principal demorará anos.

88º) Requer-se a emissão de uma ordem junto ao Tribunal com vista a ser cumprida, garantida a Lei, a Constituição, o direito à família, precisamente porque os direitos constitucionais requerem-se céleres no seu cumprimento, sob pena de violação, precisamente o que se verifica à mais de três anos.

89º) Não há tempo a perder para salvar a tempo esta família.

90º) Existe jurisprudência feita por nós junto ao STA, precisamente feita com vista a acabar definitivamente com os abusos da Ré ao longo de anos, e serem definitivamente por esta acatados o valor família.

91º) Impõe-se uma célere emissão de uma decisão de mérito.

92º) A demora na emissão do visto destrói por completo o conceito família.

93º) Uma Mãe destroçada, um Pai impotente e com um sentimento enorme de injustiça e frustração, um irmão sem o seu maior amigo.

94º) A Ré despreza toda esta infelicidade, enorme sofrimento familiar.”.

Pede que se mantenha a sentença recorrida e que o recurso seja julgado totalmente improcedente.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1 – Nulidade da sentença, nos termos da alínea c), do nº 1 do artº 615º do CPC, por contradição;

2 – Erro de julgamento, por ilegitimidade activa do Requerente, em violação do artº 9º, nº 1 do CPTA e inadequação do meio processual, em violação do artº 109º, nº 1 do CPTA;

3 – Erro de julgamento, de facto e de Direito quanto à procedência da intimação para a emissão de visto de residência.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu por provados os seguintes factos:

“a) O Requerente/Autor Dev ……………… é cidadão de origem nepalesa, residindo em território nacional e sendo portador de autorização de residência temporária, emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e válida até 27/5/2015 - cfr. Doc. junto com o requerimento inicial - r.i. - por acordo das partes, na falta de impugnação especificada (art.º 574.º/l e 2/CPC);

b) Apresentou pedido de Reagrupamento Familiar ao abrigo do art.º 98.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, para o seu filho, Subas ………….., cidadão do Nepal, nascido a 06/09/1993, a residir no Nepal, como sendo seu filho menor, o qual lhe veio a ser deferido por despacho de 30/12/2010, notificado ao ora Requerente através de oficio datado de 30/12/2010, do SEF/MAI, mais se informando de que tal decisão seria comunicada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) por via electrónica, e que o pedido de Visto de Residência deveria ser apresentado no prazo de 90 dias junto da Secção Consular da área de residência (cfr. Doc. 1 junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido na integra, e por acordo das partes);

c) No início de Fevereiro de 2011, o pedido de Visto de Residência foi formalizado pelo interessado junto do Posto Consular Português em Nova Deli, na Índia, munido de passaporte (cfr. Docs. 2 e 3 juntos com o r.i por acordo das partes);

d) No âmbito da instrução do pedido de visto por parte do referido Posto Consular, tem sido requerida ao interessado diversa documentação, e por várias vezes o filho do Autor percorreu, desde a Republica do Nepal, milhares de quilómetros para Nova Deli a pedido da Embaixada Portuguesa (por acordo das partes, na falta de impugnação especificada - art.º 574.º/1 e 2/CPC);

e) No âmbito da instrução do processo de Visto, a Seção Consular verificou a existência de dois certificados de nascimento, pelo que realizou um teste de confirmação de idade, tendo concluído que o filho do Requerente é mais velho do que o alegado no processo de reagrupamento familiar, tendo mesmo concluído que era já maior de idade, pelo que ficava fora do âmbito do direito previsto pelo artigo n.º 99.º da LE (por confissão - cfr. art.ºs 49.º a 51.º e 60.º da resposta à presente intimação);

f) A Secção Consular deu conhecimento ao SEF da sua verificação da existência de dois registos de nascimento (cfr. Docs. 5, 6, 7 e 8 juntos com a resposta do MNE, alguns em língua inglesa e com tradução junta a fls. 109 e segs. dos autos em suporte de papel);

g) Mediante ofício datado de 29/11/2011 (em língua inglesa), foi o filho do ora Requerente notificado, ao abrigo dos art.ºs 100.º e 101.º do CPA, da intenção da Embaixada de Portugal de recusar a emissão do Visto de Residência, com base em que, O teste de idade realizado no dia 09.02.2011 revelou que o senhor é mais velho do que declarou no seu pedido de visto tendo duas certidões de nascimento diferentes sido apresentadas durante o seu processo de visto de reagrupamento familiar. (cfr. Doc. 3 junto com a resposta do MNE e traduzido a fls. 117);

h) Em 02/03/2012, pelo ora requerente foi solicitada, junto da Encarregada da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Nova Deli, e com conhecimento à Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, informação sobre o pedido de reapreciação apresentado a 27 de Dezembro de 2011. Não tendo ainda uma decisão, venho solicitar e agradecer a V Exa. informações sobre o processo e brevidade possível na decisão e deferimento do pedido. (cfr. Doc. 2 junto com a resposta do MNE);

i) Mediante fax (n.º 35) datado de 05/03/2012 e dirigido à Coordenadora do Gabinete de Apoio ao Reagrupamento Familiar - CNAI, pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Nova Deli, foi referido o seguinte: Com referência à vossa comunicação fax datada de 2 de março de 2012, sobre os pedidos de visto em referência, serve o presente para transmitir que o processo de pedido de visto foi concluído a 2911112011, data em que foi o requerente notificado por escrito da decisão que recaiu sobre o seu pedido de visto para efeitos de reagrupamento familiar (cfr. Doc. 1 junto com a resposta do MNE);

j) A presente intimação deu entrada em juízo em 22/09/2013, via correio electrónico (com registo no SITAF a 23/9/2013);

k) As duas certidões de nascimento relativas ao filho do requerente e postas em causa pela Secção Consular em Nova Deli, na Índia (Docs. 6 e 7 juntos com a resposta do MNE e traduzidas do inglês - cfr. fls. 111 e 113 dos autos - cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido), foram emitidas em 15/06/2010 e em 25/01/2011, ambas atestando o facto - nascimento de Subas ……………….. - ocorrido em 6 de Setembro de 1993, e evidenciando mais de uma apostilha.”.

DE DIREITO

Nos presentes autos, veio o Requerente, cidadão de nacionalidade nepalesa, requerer a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros, pedindo a sua intimação à emissão do visto de residência para o seu filho, Subas ………………., nacional do Nepal, afim de permitir assegurar o direito ao reagrupamento familiar.

Alega, em súmula, que viu deferido, em 30/12/2010, pelo SEF, o pedido de reagrupamento familiar a favor do seu filho, tendo depois disso, formalizado o pedido para visto de residência, o qual ainda não foi emitido.

A sentença recorrida, após conhecer da matéria de excepção suscitada pela Entidade Requerida, julgando-a improcedente, passou a conhecer da pretensão requerida, julgando-a procedente e intimando o ora Recorrente à emissão do visto de residência requerido.

É contra esta decisão que o Ministério dos Negócios Estrangeiros agora se insurge, assacando, além da nulidade, o erro de julgamento.

1. Nulidade da sentença, nos termos da alínea c), do nº 1 do artº 615º do CPC

Nos termos invocados no presente recurso, a sentença recorrida enferma de nulidade, por contradição, nos termos da alínea c), do nº 1 do artº 615º do CPC, pois admite que a Secção Consular proceda à instrução do pedido de visto e, simultaneamente, nega que de tal instrução possa resultar o indeferimento do pedido.

Vejamos.

A nulidade aludida na alínea c), do nº 1, do artº 615º do CPC ocorrerá sempre que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

Tal acontecerá se o juiz adoptar determinada linha de raciocínio e depois ao invés de a prosseguir, extraindo dela a devida consequência jurídica, assumida no segmento decisório, vir a decidir em sentido divergente ou oposto, que a fundamentação aduzida não permitiria adivinhar.

Confrontada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, com a decisão que foi proferida pelo tribunal a quo, objecto de recurso, não existe a invocada contradição, pois que não é possível extrair o juízo que o juiz tenha fundamentado a decisão num determinado sentido e haja concluído noutro sentido, oposto ou divergente.

O que existe é a valoração dos factos dados por assentes para deles se extrair a conclusão jurídica, com a qual o Recorrente não concorda, mas que em si mesma não enferma da nulidade invocada.

De resto e ao contrário do aduzido pelo Recorrente no presente recurso, recusa-se na fundamentação da sentença recorrida que caiba ainda à Administração a tarefa da instrução do pedido pedido de visto, pelo que, não existe tal assinalada contradição.

Remetendo para a seguinte passagem da sentença: “(…) ultrapassada que está a fase da instrução no âmbito do procedimento de Visto de Residência, resta a este Tribunal, com base nos elementos disponíveis (…) intimar o Requerido a promover junto da Secção Consular a emissão do necessário visto de residência, para efectivação do reagrupamento familiar do ora requerente e filho (…)”.

Pelo que, não procede a nulidade assacada à sentença recorrida, a que se refere a conclusão xi) do recurso.

2 – Erro de julgamento, por ilegitimidade activa do Requerente, em violação do artº 9º, nº 1 do CPTA e inadequação do meio processual, em violação do artº 109º, nº 1 do CPTA

Sustenta ainda o Recorrente nas conclusões do recurso que o Requerente carece de legitimidade activa, por não ser parte na relação material controvertida, não sendo a favor do Requerido que será emitido o visto de residência, nem tal visto se reflectir directa ou indirectamente na sua esfera jurídica, a respeito do direito de entrada em território nacional.

Por isso, a sentença incorre em erro de julgamento, por violação do disposto no nº 1 do artº 9º do CPTA, por ilegitimidade activa do Requerente e por o visto apenas se repercutir na esfera jurídica do filho do Requerente.

No demais, invoca a inadequação da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, por não resultar a urgência na necessidade da tutela.

Vejamos.

O Recorrente veio impugnar as decisões proferidas sobre a matéria de excepção suscitada, a ilegitimidade activa do Requerente e a idoneidade ou adequação do meio processual.

No que respeita à primeira questão, não tem o Recorrente qualquer razão, nos termos que decorrem da fundamentação de Direito da sentença, acolhendo a jurisprudência do STA sobre a matéria.

Assim, nos termos decididos pelo STA:

I - No âmbito do instituto do reagrupamento familiar, o visto de residência existe em função do reagrupamento, não tem existência separada dele;

II - Por isso, na relação material controvertida que é a da emissão/não emissão do visto de residência o titular do reagrupamento familiar é parte, embora não seja ele, naturalmente, que se vá constituir como titular do visto de residência;

III - Ele é parte, pois é a parte, a parte principal na relação que permite, justifica e alicerça a emissão desse visto;

IV - Assim, assiste-lhe legitimidade em intimação para emissão de visto de residência para o cônjuge e filhos.” - sobre esta questão, cfr. os Acórdãos do STA, datados de 03/05/2011, proc. nº 0113/11; de 27/07/2011, proc. nº 0442/11 e de 24/01/2012, proc. nº 0783/11, todos no mesmo sentido.

Seguindo a jurisprudência uniforme do STA, no âmbito do instituto do reagrupamento familiar, o visto de residência existe em função do reagrupamento e não tem existência separada dele, pelo que, na relação material controvertida que é a da emissão do visto de residência, o titular do reagrupamento familiar é parte, embora não seja ele que se vá constituir como titular do visto de residência e, sendo parte, tem legitimidade activa na intimação para emissão de visto de residência para o seu filho.

Pelo que, acolhendo a doutrina firmada nos citados arestos do STA, para que se remete, não tem o Recorrente razão quanto ao invocado erro de julgamento da sentença, a que se reportam as conclusões i), ii) e iii) do recurso.

No que concerne à inadequação do presente meio processual, por falta do pressuposto da urgência, ao contrário do suscitado pelo Recorrente, mostra-se correcta a fundamentação vertida na sentença.

Acolhendo essa fundamentação, na presente intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pretende o Requerente obter a intimação do Requerido à emissão do visto de residência, tendente à efectivação do direito ao reagrupamento familiar requerido e que foi deferido pelo SEF, em relação ao seu filho, Subas ………………..

A emissão do visto permite efectivar o direito ao reagrupamento familiar, direito este que se pode considerar como integrando o núcleo do direito fundamental à família, vertido no artº 36º da Constituição, na vertente de que os “Os filhos não podem ser separados dos pais (…)”, na locução do nº 6 do artº 36º da Constituição.

No demais, remetendo para a fundamentação da sentença recorrida:

(…) estando em causa um direito fundamental, ou mesmo, um direito constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, e configurando-se a situação de especial urgência (o requerente está afastado do filho desde há vários anos, era aquele ainda menor de idade, no que é possível apurar, não se vislumbrando razão para protelar tal situação para além do manifestamente razoável, a contrario do que arguiu o Requerido) e/ou a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito fundamental invocado, carece o Requerente de uma decisão que ponha termo ao processo, conhecendo do mérito da sua pretensão, com carácter de urgência, situação apenas compaginável, portanto, com este meio processual (até porque o eventual decretamento de uma providência cautelar, de natureza antecipatória, como se prefigura, esgotaria o objecto da acção principal de condenação na prática do acto devido, que o ora Recorrente viesse a intentar).

Em suma, consideram-se verificados os pressupostos de aplicação ao caso vertente do meio processual previsto no artº 109º e segs. do CPTA, o qual constitui o “último reduto” para assegurara o sistema de garantias contenciosas nestas situações, é certo, evidenciando-se todavia que, no caso concreto, a tutela judicial efectiva não poderá ser assegurada através da competente acção administrativa especial (seja de impugnação do acto administrativo de recusa de Visto e/ou de condenação à prática do acto devido), associada, porventura, a um processo cautelar onde se formule pedido de adopção de providência cautelar que se revele adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na lide principal (v.g. do tipo antecipatória - cfr. artºs 112º/2/f) e 131º, ambos do CPTA), ao invés, revelando-se a presente intimação indispensável para assegurar o exercício em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no caso concreto (artº 109º/1/CPTA (…)”.

Sustenta ainda o Recorrente que o presente meio processual também não podia ser utilizado pelo Requerente, porque sempre existiu uma decisão final de indeferimento, praticada há mais de um ano, que já não é contenciosamente impugnável, pelo decurso do prazo de três meses, pelo que, não é mais possível a reapreciação dessa decisão, mas igualmente sem razão.

Decorre dos fundamentos do recurso, que nele não consta a impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que, mantém-se integralmente o julgamento da matéria de facto, tal como constante da sentença recorrida.

Compulsando a factualidade apurada pelo Tribunal a quo, resulta do teor da alínea g) que, em 29/11/2011, foi o filho do Requerente notificado, ao abrigo dos artºs 100º e 101º do CPA, da intenção da Embaixada de Portugal de recusar a emissão do visto de residência.

Da factualidade apurada nos autos, não resulta demonstrada a prática de qualquer decisão administrativa de indeferimento do pedido de atribuição de visto de residência, nem o Recorrente vem proceder à sua demonstração.

Não releva para o caso o modo como a Administração valora ou não a notificação que se dá como provada na alínea g) dos Factos Assentes, se como projecto de decisão de indeferimento, se como acto final de indeferimento do pedido de visto, se a realidade demonstra que se tratou apenas da notificação do projecto de decisão, ao abrigo das disposições dos artºs 100º e 101º do CPA, expressamente invocadas.

Não pode pois, a Administração, pretender extrair efeitos da notificação assente na alínea g) do probatório que a realidade fáctico-jurídica não consente, designadamente, que foi proferida decisão que recusou o pedido de visto de residência do filho do Requerente ou que essa decisão se consolidou na ordem jurídica, se não logrou sequer ser praticado acto administrativo, na acepção do disposto no artº 120º do CPA, sobre o pedido de visto.

A isso não se opõe um pedido de reapreciação da pretensão, pois perante a notificação da intenção de indeferimento do pedido, nada obsta que o interessado apresente à Administração pedido de reapreciação do pedido.

O julgador decide com base nos factos carreados para os autos e sobre os quais logrou ser produzida prova, pelo que, resultando demonstrado em juízo a realidade que se encontra vertida nos Factos Assentes, que não se mostra infirmada por qualquer outra prova, é essa que tem de ser tida em consideração no âmbito da função de julgar.

Nestes termos, alicerça o Recorrente o fundamento do recurso em análise, em circunstâncias de facto e de Direito que se mostram infirmadas perante o probatório apurado, o qual não logrou ser impugnado no âmbito do presente recurso jurisdicional.

Por isso, acolhendo a fundamentação antecedente, falece totalmente razão ao Recorrente quanto invoca tal erro de julgamento contra a sentença, nas conclusões iv) a vi) do recurso.

Em face de todo o exposto, improcedem as conclusões do recurso em análise, sob as alíneas i) a vi).

3 – Erro de julgamento, de facto e de Direito quanto à procedência da intimação para a emissão de visto de residência

Por último, invoca o Recorrente o erro de julgamento, de facto e de Direito, contra a sentença recorrida, invocando que a mesma incorreu em erro no enquadramento jurídico da factualidade dada como provada e em erros de aplicação do Direito.

Alega que perante a existência de documentos alegadamente comprovativos da idade e identidade do Requerente do pedido de visto e da comprovação de idade diferente da invocada no âmbito do processo de reagrupamento familiar, junto do SEF, sendo o Requerente de visto maior de idade, fica excluído do direito, não podendo a Secção Consular, ao apreciar o pedido de visto de residência, ficar vinculada ao deferimento do pedido.

Invoca que a Secção Consular só podia recusar o visto, pois em obediência ao dever de instrução do pedido de visto, constatou que o requerente do visto se encontra fora do âmbito previsto nos artºs 98º e 99º, no que respeita ao direito ao reagrupamento familiar, actuando ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 68º da LE.

Sustenta que não estamos perante situação em que a Administração se encontre vinculada a emitir o visto do Requerido, nos termos do artº 64º da Lei nº 23/2007, de 04/07.

Vejamos.

As questões suscitadas pelo Recorrente têm de ser apreciadas e decididas com base na concreta factualidade que foi dada por demonstrada em juízo, resultante da selecção dos factos provados e na subsunção desses factos ao Direito, mediante aplicação dos normativos de Direito convocados a regular a situação jurídica material controvertida.

Conforme se extrai da selecção dos factos assentes em juízo, o Requerente apresentou pedido de reagrupamento familiar, ao abrigo do artº 98º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 04/07, para o seu filho, nascido a 06/09/1993, menor de idade, o qual foi deferido por despacho de 30/12/2010 [cfr. alínea b) do probatório].

Na notificação desse acto consta que tal decisão seria comunicada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, por via electrónica, e que o pedido de visto de residência deveria ser apresentado no prazo de 90 dias junto da Secção Consular da área de residência.

No início de Fevereiro de 2011 o pedido de visto de residência foi formalizado pelo interessado no Posto Consular português em Nova Deli, na Índia.

No âmbito da instrução do pedido de visto, a Secção Consular verificou a existência de dois certificados de nascimento, pelo que, realizou um teste de confirmação de idade, tendo concluído que o filho do Requerente é mais velho do que o alegado no processo de reagrupamento familiar, tendo concluído que já era maior de idade, pelo que ficava fora do âmbito do direito previsto no artº 99º da Lei dos Estrangeiros.

A Secção Consular deu conhecimento da existência de dois certificados de nascimento ao SEF [cfr. alínea f) do probatório].

Porém, mais se dá como provado na alínea k) dos Factos Assentes que as duas certidões de nascimento relativas ao filho do Requerente e postas em causa pela Secção Consular em Nova Deli, na Índia, emitidas em 15/06/2010 e em 25/01/2011, atestam ambas o facto de o nascimento do filho do Requerente, Subas ………………., ter ocorrido em 06/09/1993.

Com base na factualidade provada em juízo e não impugnada pelo Recorrente, que, ora, em súmula, se refere, mostra-se correcto o julgamento constante da sentença recorrida, não podendo proceder a censura que lhe é dirigida.

Tal como entendeu a sentença recorrida, não invoca a Secção Consular “(…) quaisquer factos (apenas um teste de idade, com base na estrutura óssea, ignorando totalmente que o nascimento se encontrava previamente comprovado por documento idóneo) que, a serem conhecidos do SEF, determinassem o indeferimento do reagrupamento familiar em causa”.

Além disso, o facto de à data da instrução do pedido de visto de residência o filho do Requerente já ser maior de idade, não significa que à data da apresentação do pedido de reagrupamento familiar e do deferimento do pedido pelo SEF, não fosse menor de idade e não se encontrassem reunidos os requisitos para o deferimento da pretensão material requerida.

O Requerido e ora Recorrente em momento algum põe em crise que o filho do Requerente não fosse menor de idade à data do pedido de reagrupamento familiar, pois o que afirma é que, na data em que procede à instrução do pedido de visto, ele já é maior de idade.

Por outro lado, mostra-se infirmada no plano dos factos a alegação fáctica do Requerido, quanto o de existirem dois documentos referindo datas diferentes de nascimento do filho do Requerente, pois da prova produzida em juízo, as duas certidões de nascimento apresentadas, emitidas em datas diferentes, referem a mesma data de nascimento, de 06/09/1993, data que terá sido considerada pelo SEF, no âmbito do pedido de reagrupamento familiar.

Acresce que não pode um exame destinado a aferir a idade óssea, abalar a força probatória de dois documentos emitidos por entidades oficiais, que referem de forma coincidente a idade do filho do Requerente.

Por outro lado, mesmo tendo a Secção Consular comunicado ao SEF a existência de dois registos de nascimento - sem que resulte demonstrado nas alíneas e) e f) do probatório que os dois registos de nascimento do filho do Requerente refiram datas de nascimento divergentes - o SEF não reapreciou o pedido, nem tão pouco revogou a decisão anteriormente emitida, mantendo-se na ordem jurídica o acto administrativo que deferiu o pedido de reagrupamento familiar apresentado pelo Requerente, em relação ao seu filho.

Em face do exposto estão totalmente infirmados os pressupostos de facto e de Direito em que o Recorrente estriba os fundamentos do recurso, não lhe assistindo razão quanto ao alegado.

Acolhendo-se a fundamentação acolhida na sentença recorrida:

(…) Com efeito, como vimos, o visto de residência a emitir, in casu, pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Nova Deli, Índia (cfr. art.º 48.º/1/b) da Lei n.º 23/2007), existe em função do reagrupamento familiar, constituindo uma figura menor, ou seja, um procedimento de natureza essencialmente formal, como resulta da redacção dos art.ºs 64.º e 65.º da Lei n.º 23/2007 (antes das alterações nela introduzidas pela Lei n.º 29/2012, de 09/08, aqui inaplicáveis face à factualidade apurada - remontando a antes da entrada em vigor de tal Lei - e ao princípio tempus regit actum), valendo a comunicação do SEF como parecer prévio obrigatório a que alude o art.º 53.º da dita Lei e não se verificando (pelo menos nada resulta dos autos, na falta de processo instrutor, nem nada foi alegado nesse sentido pelo MNE) qualquer dos motivos de recusa de visto, desde logo, os enunciados no art.º 52.º da Lei n.º 23/2007.

Ademais, não se afigura curial admitir que o legislador, ao regulamentar a Lei n.º 23/2007, de 417, através do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05/11, viesse colocar obstáculos que, na prática, impedissem os efeitos decorrentes do deferimento de um pedido de reagrupamento familiar (por referência ao seu artigo 68.º/1/in fine, no cotejo com o art.º 64.º da Lei n.º 23/2007, que visa regulamentar), havendo que interpretar os preceitos aplicáveis, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9./1 e 3/C.Civil), atento o grau de hierarquia das normas e considerando, desde logo, que como resulta do respectivo preâmbulo, o presente decreto regulamentar circunscreve-se ao necessário à boa execução dos preceitos que carecem de normas complementares, designadamente em matéria de concessão de vistos no estrangeiro e nos postos de fronteira para entrada de cidadãos estrangeiros no território nacional, (...), direito ao reagrupamento familiar, (...) - aqui autonomizado, note-se -, Por isso, reduziram­se ao mínimo indispensável os requisitos de prova documental e outros que devem ser apresentados e criaram-se canais céleres que facilitam os fluxos de informação interserviços. Deixam assim de ser necessárias inúmeras deslocações a diferentes serviços dependentes de outros tantos ministérios, circulando a informação entre estes, sem mais encargos e transtornos para os interessados. (N/Negrito), o que não se verificou no caso dos autos, como resulta à saciedade do probatório.

Em última análise, a recusa de visto em análise consubstancia uma revogação implícita da decisão do SEF que reconheceu ao ora requerente o direito ao reagrupamento familiar (com o filho Subas ……………..), o que é absolutamente insustentável à luz do quadro legal aplicável, pensado, nestes casos, para se traduzir num procedimento célere e desburocratizado, tanto mais que, a comunicação (sempre que possível, por via electrónica) do deferimento do SEF ao MNE, a que alude o art.º 68.º/1 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, é acompanhada de cópia digitalizada das peças processuais relevantes (cfr. normativo referido), precisamente para permitir, a emissão. imediata, do visto de residência (idem) e permitir a concretização do reagrupamento familiar, referindo-se a última parte do preceito à verificação de factos (e não a alegadas irregularidades formais, como sejam a existência de duas certidões de nascimento distintas que atestam o mesmo facto - o nascimento - em documentos já entregues e apreciados pelo SEF em sede do procedimento de reagrupamento familiar), que teriam obstado ao deferimento do reagrupamento familiar pelo SEF (como seja, a falsidade dos documentos apresentados para instruir o pedido de reagrupamento familiar), caso dele fossem conhecidos.

Tal não é caso vertente, quod erat demonstratum, não invocando a Secção Consular quaisquer factos (apenas um teste de idade com base na estrutura óssea, ignorando totalmente que o nascimento se encontrava previamente comprovado por documento idóneo) que, a serem conhecidos pelo SEF, determinassem o indeferimento do reagrupamento familiar em causa.

Em suma, não se indiciando, sequer, quaisquer factos que, a serem do conhecimento do SEF, obstariam ao deferimento do reagrupamento familiar em causa nestes autos - tanto mais que a autorização de residência a ser concedida na sequência do visto de residência pode ser cancelada, mormente, se se vier a verificar ter sido concedida com base em declarações falsas ou enganosas, documentos falsos ou falsificados, ou através da utilização de meios fraudulentos, art.ºs 85.º/1/b) e 108.0/1, da Lei n.º 23/2007, de 4/7 -, ultrapassada que está a fase da instrução no âmbito do procedimento de Visto de Residência, resta a este Tribunal, com base nos elementos disponíveis (e dando como facto assente que a instrução do procedimento de reagrupamento familiar efectuada pelo SEF foi criteriosa e conclusiva, no sentido da bondade dos laços familiares que suportam a decisão ali proferida e demais requisitos exigíveis), intimar o Requerido a promover junto da Secção Consular a emissão do necessário visto de residência, para efectivação do reagrupamento familiar do ora requerente e filho - agora maior de idade, é certo -, que se impõe.”.

Pelo exposto, carece de fundamento o alegado nas conclusões viii) a x) e xii) do recurso.


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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Confrontada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, com a decisão que foi proferida, objecto de recurso, não existe a invocada contradição, pois que não é possível extrair o juízo que o juiz tenha fundamentado a decisão num determinado sentido e haja concluído noutro sentido, oposto ou divergente.

II. Seguindo a jurisprudência uniforme do STA, no âmbito do instituto do reagrupamento familiar, o visto de residência existe em função do reagrupamento e não tem existência separada dele, pelo que, na relação material controvertida que é a da emissão do visto de residência, o titular do reagrupamento familiar é parte, embora não seja ele que se vá constituir como titular do visto de residência e, sendo parte, tem legitimidade activa na intimação para emissão de visto de residência para o seu filho.

III. A emissão do visto permite efectivar o direito ao reagrupamento familiar, direito este que se pode considerar como integrando o núcleo do direito fundamental à família, vertido no artº 36º da Constituição, na vertente de que os “Os filhos não podem ser separados dos pais (…)”, na locução do nº 6 do artº 36º da Constituição, consubstanciando uma situação de urgência, a que não é possível conferir tutela mediante simples decretamento de uma providência cautelar ou sequer, no âmbito de um processo principal sem natureza urgente.

IV. Não pode um exame destinado a aferir a idade óssea, abalar a força probatória de dois documentos emitidos por entidades oficiais, que referem de forma coincidente a idade do filho do Requerente.

V. Tendo a Secção Consular comunicado ao SEF a existência de dois registos de nascimento - sem que resulte demonstrado que os dois registos de nascimento do filho do Requerente refiram datas de nascimento divergentes - e não tendo o SEF reapreciado o pedido, nem tão pouco revogado a decisão anteriormente emitida, mantendo-se na ordem jurídica o acto administrativo que deferiu o pedido de reagrupamento familiar apresentado pelo Requerente em relação ao seu filho, estão infirmados os pressupostos de facto e de Direito que possibilitem a recusa do pedido de visto de residência por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

VI. O julgador decide com base nos factos carreados para os autos e sobre os quais logrou ser produzida prova, pelo que, resultando demonstrado em juízo a realidade que se encontra vertida nos Factos Assentes, que não se mostra infirmada por qualquer outra prova, é essa que tem de ser tida em consideração no âmbito da função de julgar.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Carlos Araújo)

(António Paulo Vasconcelos)