Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05876/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS
- CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
- TERRITÓRIO DE NOVA FREGUESIA
Sumário:i) As normas de incidência fiscal devem ser interpretadas de acordo com os cânones gerais da interpretação das leis (art. 11.º, n.º 1, da LGT).

ii) A Contribuição Especial criada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 Março, tal como resulta do seu preâmbulo e do artigo l.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento da Contribuição Especial, visa tributar a capacidade contributiva que se manifesta com o aumento de valor dos prédios rústicos e terrenos para construção decorrente da sua situação nas áreas de intervenção da CRIL, CREL, CRIP, CREP, respectivos acessos, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares e extensões do metropolitano de Lisboa.

iii) A mesma Contribuição Especial é devida por aqueles em nome de quem seja emitido o respectivo alvará de licença de construção ou de obra, pois foram estes que viram reconhecido na sua esfera jurídica o direito de construção e, por consequência, aquele benefício.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A fazenda Pública (Recorrente) veio recorrer da sentença do TAF de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade C……..– Construção …………….., Lda. (Recorrida), contra a liquidação de contribuição especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, no montante de EUR 2.950,64, formulando as seguintes conclusões:

I) Prevê o n.º 2 do artigo 1.º do Regulamento da Contribuição Especial (RCE), aprovado pelo DL n.º 43/98 de 3 de Março, que: “A contribuição especial incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados nas áreas referidas no número anterior.”

II) Entre as áreas referidas no n.º anterior encontram-se, cf. art.º 1 n.º 1, b), 7) do RCE, as áreas das freguesias de Barcarena, Cruz Quebrada-Dafundo, Paço de Arcos e Queijas, do município de Oeiras.

III) Cumprirá assim interpretar esta norma de incidência, e nos termos do n.º 1 do artigo 9º do Código Civil (CC), o intérprete da lei deverá “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta (…) as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada”.

IV) Ora, ao enunciar as freguesias a que se aplicava o DL, o legislador pretendeu delimitar o âmbito de aplicação territorial do mesmo, por considerar que tais zonas seriam substancialmente valorizadas pelos investimentos efectuados ou a efectuar para a realização das infra estruturas a realizar (vide preâmbulo do DL).

V) Tal valorização, contudo, não depende da freguesia a que o imóvel pertence, mas sim da sua localização geográfica, da qual decorre a proximidade às infra estruturas e investimentos que está na origem da liquidação da Contribuição Especial (CE).

VI) Deste modo, o facto de uma lei posterior cindir o território de uma freguesia em duas, em nada altera a susceptibilidade de valorização do imóvel (cuja localização geográfica, obviamente, não se alterou).

VII) E se, por força da criação da nova freguesia de Caxias, cujo território veio ocupar uma área antes pertencente à freguesia de Paço de Arcos (cfr. Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho, que cria a freguesia de Caxias, fixando os seus limites geográficos, bem como os novos limites da freguesia de Paço de Arcos, resultantes da criação da nova freguesia), o lote dos Impugnantes passou a pertencer àquela freguesia, o seu valor ou o seu potencial de valorização, decorrente do RCE, manteve-se inalterado.

VIII) Dúvidas não restam de que o legislador pretendeu sujeitar a contribuição especial os imóveis, como o da Impugnante, que à data da elaboração do DL, se situavam dentro dos limites geográficos da então freguesia de Paço de Arcos, tendo, nessa data, exprimido o seu pensamento em termos adequados (cfr. artigo 9.º n.º 3 do CC).

IX) A criação da freguesia de Caxias não veio alterar os limites geográficos da área abrangida pela aplicação do RCE, mas, tão somente, alterar a designação de parte dessa área, por força da reorganização territorial operada pela citada Lei n.º 18-A/2000.

X) Acrescente-se que uma vez que os imóveis localizados naquela área geográfica já se encontravam sujeitos a Contribuição Especial, por força da norma supra citada, estes só poderiam ser da mesma excluídos por diploma que expressamente o consagrasse.

XI) O que não decorre da Lei n.º 18º-B/2001, ou de qualquer outro diploma.

XII) E tanto assim é que tal exclusão expressa, que não se verificou quanto aos imóveis em causa nos presentes autos, verificou-se, efectivamente, quanto aos imóveis localizados na zona de intervenção da Expo 98, cfr. artigo 7º do DL .

XIII) Por outro lado, também não assiste razão à Impugnante nas restantes questões que suscita na sua PI, que deixaram de ser apreciadas na sentença (em face da decisão ora recorrida), verificando-se, nos termos do art.º 3º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto–Lei n.º 43/98, de 3 de Março, que a Contribuição Especial é devida por quem tenha requerido a licença de construção ou de obras e não por quem requereu o loteamento, e que

XIV) Como se constata do Alvará de Obras de Construção n.º 76/2005 RJUE, emitido em 2005/05/30, patente a fls 34 do Processo Administrativo Tributário, quem requereu o licenciamento de construção e obras foi a Impugnante,

XV) Terá de se concluir que era à Impugnante que incumbia o pagamento da Contribuição Especial.

XVI) Isto porque o processo de loteamento não tem por fim a emissão do alvará de construção, constituindo Alvará de Loteamento e Alvará de Construção dois actos distintos praticados em resultado de diferentes procedimento administrativos.

XVII) O loteamento poderá constituir um procedimento prévio à obtenção do alvará de construção, mas trata-se de um procedimento que se distingue deste último por ter regras e objectos próprios.

XVIII) Assim, constituindo loteamento e construção operações distintas e que resultam de procedimentos igualmente distintos, tendo o acto impugnado sido praticado em virtude da emissão do alvará de licença para construção, procedimento este iniciado pela Impugnante (após a sua aquisição que cf. consta da PI ocorreu em 2000), num terreno já existente, tal acto encontra acolhimento legal no acima citado artigo 1º n.º 2 do RCE.

XIX) Resultando expressamente da Lei que o sujeito passivo de CE é o titular do direito de construir, em nome de quem tenha sido emitido o respectivo alvará de construção (documento que foi emitido em nome da impugnante), sendo que independentemente do facto que determine a incidência da CE (aumento de valor de prédios rústicos ou de terrenos para construção), o seu apuramento e a determinação do sujeito passivo (o devedor do imposto) estão sempre conexos com o licenciamento da construção (e jamais com o loteamento).

XX) De igual modo, o acto impugnado não viola o princípio da igualdade nos termos e pelas razões que o Impugnante refere na sua PI.

XXI) Por um lado os factos em que a Impugnante alicerça a violação do princípio da igualdade não resultaram provados nos presentes autos.

XXII) E, por outro lado, e ainda que os mesmos devessem ser dados como provados, não se vislumbra que consubstanciem qualquer violação do principio da igualdade, porquanto não só não se verificam situações iguais, que merecessem igual tratamento jurídico, como pelo contrário, descreve situações desiguais que, ao abrigo do mesmo principio, deverão merecer tratamento desigual.

XXIII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.



Não foram apresentadas contra-alegações.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Pelo despacho de fls. 88, ao abrigo do disposto no art. 715.º, n.ºs 2 e 3, do CPC (na redacção aplicável), foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre as questões cujo conhecimento ficou prejudicado na sentença recorrida, bem como sobre o aditamento dos factos revelados pelos documentos de fls. 34 e 39 e s. do PAT ao probatório fixado em 1.ª instância. Pelas mesmas nada foi dito ou requerimento.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegalidade da liquidação, por força da criação da nova freguesia de Caxias, cujo território veio ocupar uma área antes pertencente à freguesia de Paço de Arcos (cfr. Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho, que cria a freguesia de Caxias), sendo que o lote dos Impugnantes passou a pertencer àquela freguesia; e, em caso afirmativo,

- Se a impugnação deve improceder uma vez que de acordo com a Lei n.º 43/98, de 3 de Março, a Contribuição Especial é devida por quem tenha requerido a licença de construção ou de obras e não por quem requereu o loteamento, tendo sido a impugnante e ora Recorrida quem requereu o licenciamento de construção e obras.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base no teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório:

A) Em 18/10/1995, o Presidente da Câmara Municipal de Oeiras emitiu o alvará de loteamento n.º 5/98, aditado em Dezembro de 1998, em nome de …………., «…a quem foi autorizado, por deliberação de 18 de Outubro de 1995, o loteamento do prédio situado no Alto ………, Caxias, freguesia de Paço de Arcos neste Concelho, com a área de 22 545,00 m2.

Prédio loteado:

Prédio situado no Alto ………., Caxias, freguesia de Paço de Arcos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha n.º …………, omisso na matriz, com a área de 22 545,00 m2.

O Loteamento insere-se na área de intervenção da expansão de Caxias/Laveiras.»– cfr. fls. 7 a 16;

B) Em 10/05/2005, foi elaborado Termo de Avaliação, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03, ao “Lote de terreno para construção situado no ……………, lote 13, freguesia de Caxias”– cfr. fls. 20 a 23;

C) Em 14/05/2007, foi emitida nota de liquidação de Contribuição Especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03, relativa ao lote 13, situado no …………., freguesia de Caxias, artigo urbano n.º 4677, da qual destaco o seguinte teor:

«1. Valor reportado à data do pedido de licenciamento: 60 707,00 €

2. Valor reportado a 1994/01/01: 38 045,00 €

2.1 Coeficiente de desvalorização monetária: 1,35 (Portaria n.º 488/2005, de 20/05)

2.2 Valor reportado corrigido: 51 360,75 €

3. Matéria colectável: 9 346,25 €

4. Taxa aplicável: 30%

5. Contribuição Especial: 2 803,88 €

6. Juros compensatórios: 119,53 €

Total: 2 923,41 €» – cfr. fls. 17 a 23;

D) A Impugnante pagou a importância de € 2 923,41, referida em C – cfr. fls. 17 e 18;

E) Em 27/09/2007, foram apresentados os presentes autos de impugnação, conforme carimbo de fls. 3.

Factos não provados

Considero não provados os seguintes factos porque não foram juntos aos autos nenhuns documentos susceptíveis de provar o que é alegado:

F) A Impugnante adquiriu o imóvel referido em A, em 2000 – cfr. artigo 10.º da petição inicial, a fls. 4;

G) A Impugnante ao adquirir o imóvel pagou a mais valia decorrente da valorização do terreno, em virtude da construção da CREL - cfr. artigo 11.º da petição inicial, a fls. 5.



Ao abrigo do disposto no art. 712.º do CPC (actualmente o art. 662.º), na sequência do despacho de fls. 88, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto:

E1) No processo de construção n.º 436/2004 foi emitido, em 30.01.2005, o alvará de autorização de obras de construção n.º 76/2005 RJUE em nome de “C………… – Construção ……………, Lda” (cfr. doc. de fls. 34 do PAT apenso).

E2) Do “termo de avaliação” subscrito por Paulo …………………, pelo titular do direito de construir, consta como data do pedido de licenciamento o ano de 2004 – proc. n.º 436/2004 (cfr. doc. de fls. 39 a 42 do PAT apenso).



II.2. De direito

No presente recurso a Recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida, porquanto esta julgou a impugnação deduzida procedente com fundamento em ter sido a liquidação de contribuição especial feita em 2007, incidindo sobre um prédio sito na freguesia de Caxias, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03 de Março, e a freguesia de Caxias não está prevista naquele diploma.

Alega a Recorrente, para sustentar a falta de bondade do julgamento efectuado, que a Contribuição Especial (CE) incide sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados nas áreas das freguesias de Barcarena, Cruz Quebrada-Dafundo, Paço de Arcos e Queijas, do município de Oeiras, sendo que tal valorização não depende da freguesia a que o imóvel pertence, mas sim da sua localização geográfica, da qual decorre a proximidade às infra-estruturas e investimentos que está na origem da liquidação da CE. Pelo que, o facto de uma lei posterior cindir o território de uma freguesia em duas, como no caso se verificou, em nada altera a susceptibilidade de valorização do imóvel (cuja localização geográfica, obviamente, não se alterou).

Ou seja, se, por força da criação da nova freguesia de Caxias, cujo território veio ocupar uma área antes pertencente à freguesia de Paço de Arcos (Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho, que cria a freguesia de Caxias, fixando os seus limites geográficos, bem como os novos limites da freguesia de Paço de Arcos, resultantes da criação da nova freguesia), o lote da Impugnante, ora Recorrida, passou a pertencer àquela freguesia, o seu valor ou o seu potencial de valorização, decorrente do RCE, manteve-se inalterado. Conclui a Recorrente que a criação da freguesia de Caxias não veio alterar os limites geográficos da área abrangida pela aplicação do RCE, mas, tão-somente, alterar a designação de parte dessa área, por força da reorganização territorial operada pela citada Lei n.º 18-A/2000.

A decisão recorrida assentou no seguinte discurso fundamentador:

Pela Lei n.º 18-B/2001, de 03/03 é criada a freguesia de Caxias.

Nos termos do artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03 (Regulamento da Contribuição Especial), «A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados nas áreas referidas no número anterior». O n.º anterior, ou seja, o n.º 1 elenca as freguesias abrangidas. A redacção deste preceito não foi alterada/actualizada em virtude da criação da freguesia de Caxias, em 2001. Pelo que, a freguesia de Caxias não consta do elenco exaustivo do Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03, artigo 1.º, que é uma norma de incidência da contribuição especial.

«As normas de incidência definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». (cfr. “Manual de Direito Fiscal” de Soares Martínez, Almedina Coimbra, 1983, página 122).

Quando o Decreto-Lei n.º 43/98 foi criado, Caxias pertencia à freguesia de Paço de Arcos, freguesia prevista naquele diploma. Porém, com a criação da freguesia de Caxias em 2001, significa que esta se autonomizou da freguesia de Paço de Arcos (cfr. artigo 3.º da Lei n.º18-B/2001, de 03/07).

Uma vez que, a liquidação de contribuição especial foi feita em 2007 (cfr. facto C), incidindo sobre um prédio sito na freguesia de Caxias, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03, e a freguesia de Caxias não está prevista naquele diploma, concluo pela ilegalidade da liquidação.

(…)

Pelo que, assiste razão à Impugnante, devendo a liquidação ser anulada.

Em causa está, pois, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo de que quando o Decreto-Lei n.º 43/98 foi criado, Caxias pertencia efectivamente à freguesia de Paço de Arcos, freguesia esta prevista naquele diploma, mas como a Lei n.º 18-B/2001, de 03 de Julho criou a freguesia de Caxias (art. 3.º), tal significa que esta se autonomizou da freguesia de Paço de Arcos e, portanto, deixou de estar prevista na norma de incidência da contribuição especial.

Vejamos então.

A Contribuição Especial criada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 Março, tal como resulta do seu preâmbulo e do artigo l.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento da Contribuição Especial, visa tributar a capacidade contributiva que se manifesta com o aumento de valor dos prédios rústicos e terrenos para construção decorrente da sua situação nas áreas de intervenção da CRIL, CREL, CRIP, CREP, respectivos acessos, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares e extensões do metropolitano de Lisboa. Como é afirmado no referido preâmbulo: “Tal valorização justifica a criação de uma contribuição especial, nos termos já adoptados, em caso de obras públicas de elevados custos, nas zonas beneficiadas com o respectivo empreendimento.

Dispondo o Regulamento da Contribuição Especial, ao que aqui releva, no seu art. 1.º que:

1- A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, situados na área das seguintes freguesias:

a) Com maior percentagem de área beneficiada:

1) Cova da Piedade, Feijó e Pragal, do município de Almada;

2) Brandoa, Buraca, Falagueira-Venda Nova e Mina, do município da Amadora;

3) Alto do Pina, Ameixoeira, Lumiar e Marvila, do município de Lisboa;

4) Olival Basto, Portela, Póvoa de Santo Adrião, Prior Velho, Ramada, Sacavém e Santo Antão do Tojal, do município de Loures;

5) Avioso (São Pedro), Barca, Gondim, Maia, Moreira, São Pedro Fins, Silva Escura, Vila Nova da Telha e Vermoim, do município da Maia;

6) Custóias, Guifões, Leça da Palmeira, Matosinhos, Perafita, Senhora da Hora e Santa Cruz do Bispo, do município de Matosinhos;

7) Barcarena, Cruz Quebrada-Dafundo, Paço de Arcos e Queijas, do município de Oeiras; [sublinhado nosso]

8) (…).”

Dúvida não há, da leitura conjugada do preâmbulo e do normativo transcrito, que ao enunciar as freguesias a que se aplicava o diploma legal em causa, o legislador pretendeu delimitar o âmbito de aplicação territorial do mesmo, por considerar que tais zonas seriam substancialmente valorizadas pelos investimentos efectuados ou a efectuar para a realização das infra-estruturas a realizar. E ao que aqui importa, o lote da ora Recorrida inseria-se na área geográfica da freguesia de Paço de Arcos, município de Oeiras – o que não é sequer alvo de qualquer controvérsia.

Sucede que pela Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho, foi criada a (nova) freguesia de Caxias, cujo território veio ocupar uma área antes pertencente à freguesia de Paço de Arcos (cfr. art. 3.º da Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho), pelo que o lote em causa passou a pertencer àquela freguesia.

Quid juris?

De acordo com art. 11.º da LGT “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (n.º 1). Significa isto que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica; ou seja, prevalecendo a aplicação dos critérios reconhecidos pelo artigo 9.º do Código Civil.

Daqui resulta que, como escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir” (cfr. Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 4.ª Ed., 2012, p. 120).

Assim, na interpretação da norma jurídica, sem transcender a linguagem – a letra da lei –, entendida esta na sua construção linguística (texto enquanto veículo de um conteúdo), haverá que determinar o sentido ou espírito da lei – o pensamento legislativo ou ratio legis. Porém, seja qual for o objecto/sentido que se pretenda atribuir à norma, o mesmo só será possível de alcançar validamente se resultar expresso no contexto lógico-literal ou se for definível com base no próprio contexto.

Ora, como por nós já referido e proficuamente alegado pela Recorrente, o legislador pretendeu sujeitar a contribuição especial os imóveis, como o da ora Recorrida, que à data da elaboração do Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 Março, se situavam dentro dos limites geográficos da então freguesia de Paço de Arcos, tendo, nessa data, exprimido o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC). E fê-lo por considerar que tais zonas seriam substancialmente valorizadas pelos investimentos efectuados ou a efectuar para a realização das infra-estruturas a realizar.

Estabelecida esta finalidade do legislador, haverá então que verificar se a norma de incidência fiscal em causa, contida no art. 1.º, n.º 1, do Regulamento da Contribuição Especial admite a interpretação defendida pela Recorrente.

Do texto da norma em causa resulta que a contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, situados na área das freguesias que depois enumera. Ou seja, os elementos objectivos de interpretação que comporta são: o valor dos prédios rústicos, a possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana e a sua localização na área de determinada freguesia.

Ora, como alegado, desde logo a criação da freguesia de Caxias não veio alterar os limites geográficos da área abrangida pela aplicação do RCE, mas, tão-somente, alterar a designação de parte dessa área, por força da reorganização territorial operada pela citada Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho. O que significa que o elemento objectivo relativo à “área” permanece susceptível de ter um sentido útil na interpretação da norma. Até porque os imóveis localizados naquela área geográfica já se encontravam sujeitos a Contribuição Especial, por força da norma supra citada. Na verdade, não obstante a freguesia de Caxias ter sido criada com a publicação da Lei n.º 18-B/2001, de 3 de Julho, o território nela integrado pertencia anteriormente à freguesia de Paço de Arcos, zona sujeita a Contribuição Especial, nos termos do Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março.

Com efeito, a Contribuição Especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março incide sobre os prédios situados numa determinada área geográfica e visa tributar a capacidade contributiva que se manifesta com o aumento de valor dos prédios rústicos e terrenos para construção decorrente da sua situação nas áreas de intervenção da CRIL, CREL, CRIP, CREP, respectivos acessos, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares e extensões do metropolitano de Lisboa.

Assim, o elemento interpretativo prevalente é o da situação dos prédios rústicos e terrenos para construção decorrente da sua “situação nas áreas de intervenção da CRIL, CREL, CRIP, CREP, respectivos acessos, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares e extensões do metropolitano de Lisboa”. Pelo que o facto de uma lei posterior cindir o território de uma freguesia em duas, como no caso sucedeu, em nada altera a susceptibilidade de valorização do imóvel, cuja localização geográfica, obviamente, não se altera – a situação do prédio continua a permanecer na área de intervenção prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março (mantendo-se o seu valor ou o seu potencial de valorização, decorrente do RCE, inalterado).

Razões pelas quais, ao fazer uma interpretação meramente literal da norma em causa, com desprezo dos demais elementos subjacentes à interpretação jurídica, o Tribunal a quo incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado pela Recorrente. Com o que procede o recurso nesta parte, devendo revogar-se a sentença recorrida.

Conhecendo agora em substituição, por dos autos constarem os elementos para tanto e mostrando-se cumprido o disposto no art. 715.º do CPC (o art. 665.º do actual CPC), temos que a impugnante na p.i. apresentada alegou igualmente que o pagamento da Contribuição Especial devia ter sido exigido com a emissão do Alvará de Loteamento n.º 5/98, sendo que apenas adquiriu o imóvel em 2000. Mas não lhe assiste razão.

Sobre esta questão vejamos o que se disse no acórdão do STA de 28.09.2011, proc. n.º 531/11:

“(…) a contribuição especial a que se reportam os presentes autos foi criada pelo DL 43/98, de 3 de Março, e, como se deixou expresso no seu preâmbulo, está relacionada com os investimentos efectuados ou a efectuar para a realização da CRIL, CREL, CRIP, CREP e respectivos acessos, e da travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares, bem como as extensões do metropolitano de Lisboa e a concretização de sistemas ferroviários ligeiros, os quais valorizariam, substancialmente, os prédios rústicos e os terrenos para construção envolventes.

Sendo essa valorização que justifica a criação de uma contribuição especial nas zonas beneficiadas com os respectivos empreendimentos.

Nessa medida, estabelece o n.º 1 do artigo 2.º do RCE que a contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção e acrescenta o n.º 2 que tal contribuição incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados nas áreas referidas.

Por sua vez, determina o artigo 3.º do mesmo RCE que a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra.

Assim, não há dúvida que a contribuição especial aqui em causa incide sobre a valorização dos prédios resultante da sua utilização como terrenos para construção provocada pela realização de obras públicas nas áreas adjacentes, sendo devida por aqueles que obtiverem o direito de construção e, por consequência, aquele benefício.

E esses só podem ser aqueles em nome de quem seja emitido o respectivo alvará de licença de construção ou de obra.

Ou seja, são os titulares dos ditos alvarás quem detém o direito de construção com o benefício que daí lhes advém.

Daí que a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar se repercuta na esfera jurídica daqueles em nome de quem é emitido o alvará de licença de construção ou de obra” [sublinhados nossos].

Ou seja, de acordo com o art. 3.º do citado regulamento: “A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra”. Identifica-se, assim, os sujeitos passivos da relação tributária como sendo os titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra, sendo que o valor sujeito a contribuição será, nos termos do nº 1 do art. 2.º, a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994 (corrigido nos termos definidos pela última parte do mesmo preceito).

Ora, como resulta patente do probatório por nós aditado, quem requereu o licenciamento de construção e obras foi a Impugnante (Alvará de Obras de Construção n.º 76/2005, emitido em 30.05.2005, no processo de construção n.º 436/2004). Pelo que terá de se concluir que é a impugnante, ora Recorrida, o sujeito passivo do imposto, incumbindo-lhe, portanto, o pagamento da Contribuição Especial.

E não se argumente, como o faz a Recorrida na impugnação deduzida, que o processo de licenciamento de loteamento corresponde ao início de um procedimento jurídico destinado, a final, à construção.

Isto porque o processo de loteamento não tem por fim a emissão do alvará de construção, constituindo Alvará de Loteamento e Alvará de Construção dois actos distintos praticados em resultado de diferentes procedimento administrativos (o Alvará de Loteamento em causa, conforme consta expresso do próprio, foi emitido ao abrigo do disposto no artigo 28.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, que aprovou o regime dos loteamentos urbanos, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro e pela Lei n.º 26/96, de 1 de Dezembro).

Pelo que assiste razão à Recorrente quando alega que: “Assim, constituindo loteamento e construção operações distintas e que resultam de procedimentos igualmente distintos, tendo o acto impugnado sido praticado em virtude da emissão do alvará de licença para construção, procedimento este iniciado pela Impugnante (após a sua aquisição que cf. consta da PI ocorreu em 2000), num terreno já existente, tal acto encontra acolhimento legal no acima citado artigo 1º n.º 2 do RCE.

Ademais, e socorrendo-nos também aqui do supra expendido a propósito dos cânones a que a interpretação jurídica deve obediência, perante a existência destes dois procedimentos distintos – regime dos loteamentos urbanos e regime do licenciamento municipal de obras de construção civil – certamente que o legislador teria levado em devida consideração a apontada dualidade de figuras. Certo é que utilizou a expressão “alvará de licença de construção ou de obra” no art. 3.º do Regulamento da CE, em correspondência com a terminologia constante do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (então em vigor): “alvará de licença de construção” (i.a. os art.s 9.º, 21.º e 22.º) e “licenciamento relativo a obra” (i.a. os art.s 8.º, 34.º, 39.º e 45.º). Ou seja, temos por seguro que o alvará de licença de construção ou de obra a que o legislador se refere, não pode deixar de ser aquele previsto no referido regime referente ao licenciamento de obras de construção e não a operações de loteamento. É que, sob pena de criar norma nova, onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete distinguir (presume-se que na lei não há normas ou palavras inúteis – art. 9.º, n.º 3, do CC).

Por fim, alegou a impugnante, ora Recorrida, que o acto impugnado viola o princípio da igualdade porque quem beneficiou da construção da CREL foi o proprietário, à data, e não os adquirentes posteriores. Mas, também aqui, esta alegação não logra proceder.

Com efeito, em primeiro lugar não vem evidenciado nos autos qualquer benefício concreto do proprietário do imóvel à data da construção da CREL e, em segundo lugar, como supra explicitado, a legitimidade passiva pertence à impugnante, sendo que, como decorre do art. 1º n.º 3 do RCE, a CE não poderá ser cobrada mais de uma vez sobre cada prédio, independentemente do número de entidades que beneficiem da infra-estrutura que fundamenta a sua liquidação.

E quanto à alegação conclusiva relativa ao pagamento pela ora Recorrida da valorização do imóvel incluída no respectivo preço (se bem se percebe o alcance do art. 11.º da p.i.), apresenta-se esta qualquer sem o mínimo de concretização, não dando minimamente cumprimento, portanto, ao ónus de alegação e de prova. Sendo que também não se vislumbra em que tal circunstância poderia violar o princípio da igualdade, porquanto estamos no domínio da fixação do preço onde vigora o princípio da liberdade contratual. Como neste ponto alega a Recorrente, tratando-se de uma cláusula negocial a acordar entre as partes, podem (ou mesmo, devem) as mesmas ter em consideração na sua fixação os encargos fiscais decorrentes da operação a praticar.

Pelo exposto, nada mais vindo alegado como fundamento da impugnação, terá que se julgar a mesma improcedente, com a consequente manutenção do acto de liquidação impugnado.



III. Conclusões

Sumariando:

i) As normas de incidência fiscal devem ser interpretadas de acordo com os cânones gerais da interpretação das leis (art. 11.º, n.º 1, da LGT).

ii) A Contribuição Especial criada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 Março, tal como resulta do seu preâmbulo e do artigo l.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento da Contribuição Especial, visa tributar a capacidade contributiva que se manifesta com o aumento de valor dos prédios rústicos e terrenos para construção decorrente da sua situação nas áreas de intervenção da CRIL, CREL, CRIP, CREP, respectivos acessos, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares e extensões do metropolitano de Lisboa.

iii) A mesma Contribuição Especial é devida por aqueles em nome de quem seja emitido o respectivo alvará de licença de construção ou de obra, pois foram estes que viram reconhecido na sua esfera jurídica o direito de construção e, por consequência, aquele benefício.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,

- Julgar a impugnação improcedente.

Custas pela Recorrida, não sendo por esta devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 10 de Julho de 2014

Pedro Marchão Marques

Jorge Cortês (revi posição)

Pereira Gameiro (Vencido nos termos da fundamentação constante do Ac. deste Tribunal de 6.11.2012, Rec. 5912/12, que subscrevi como adjunto)