Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1118/09.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PODER DE ATRACÇÃO DA CATEGORIA B.
Sumário:1. Para que o contribuinte pudesse ser tributado pela categoria B pelos rendimentos enquadráveis nas categorias F e E seria indispensável que os bens ou valores geradores dos rendimentos fizessem parte do activo da empresa individual do sujeito passivo ou que estivessem afectos às actividades empresariais por ele desenvolvidas, em consagração do princípio da autonomia ou separação patrimonial assente na distinção entre o património afecto à actividade empresarial e o património pessoal.
2. De acordo com a manifestação do chamado poder de “atracção” da categoria B (cfr. art.º 3º/2,b) do CIRS (na redacção aplicável), convertem-se em rendimentos desta categoria aqueles que, em virtude da sua substância, preenchem normas de incidência de outras categorias.
3. Para que essa atracção se torne possível é necessário que haja conexão entre a actividade empresarial e a “fonte atraída”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria foi julgada improcedente a impugnação deduzida por A........ contra o despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto tributário de liquidação de IRS (e juros compensatórios) do ano de 2003, no valor de 97.138,53€.

Inconformado com o decidido, A........ interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas suas alegações, o recorrente formula a final as seguintes conclusões:

1. O recorrente não se pode conformar com a douta sentença proferida, pelo tribunal a quo, a qual incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, devendo, por isso ser revogada, porquanto:

2. A douta sentença recorrida, violou a lei, o princípio de substância sobre a forma, plasmado do Artº 11 n 3 da LGT, ao desqualificar como rendimentos empresarias e profissionais, os obtidos por uma prática comercial reiterada, provada e descrita no RIT, mas com ausência de requisitos formais (licenciamentos);

3. Violou, ainda, o disposto no artº 3, no 2, alíneas a) e b) do CIRS, poder de atração para a categoria "B" dos rendimentos das categorias "F" e "E", ao enquadrar os referidos rendimentos nestas últimas categorias.

4. Foi a AT quem, pela atividade imobiliária (arrendamento de imóveis) coletou oficiosamente o impugnante e, neste particular, e bem, dispensou os requisitos formais (licenciamentos) inerentes a tal atividade.

5. Não se aceitando, por isso, a conclusão inserta na douta sentença recorrida, de que a falta de tais requisitos formais, sejam impeditivos de qualificar os referidos rendimentos na categoria "B" do CIRS, ou que não esteja provado que tais rendimentos são de natureza empresarial/profissional.

6. É que, estando todos os rendimentos, do impugnante, interligados numa actividade económica (descrita sobejamente no RIT), exercida de modo reiterado ao longo de vários anos, consistente em empréstimos, concedidos pelo impugnante aos seus clientes em escritório aberto ao público para o efeito, mediante hipoteca a juros altíssimos, arrendamento dos bens hipotecados e dados em pagamentos de tais empréstimos, dúvidas não existem de que os rendimentos prediais e de capitais, deverão de ser qualificados como rendimentos da categoria "B" do CIRS- Artº 3 no 2, alíneas a) e b)..

7. A douta sentença recorrida, repetimos, assenta na fundamentação de que o recorrente não detinha requisitos formais/legais que o poderiam habilitar a desenvolver duma forma empresarial as atividades de locação financeira, outras atividades de crédito não especificadas ou arrendamento de bens imobiliários.

8. Esta conclusão não reflete, todavia, o que a Administração Tributária apurou, aquando da inspeção tributária ao recorrente, nomeadamente quanto à atividade real, de facto, exercida, e de forma empresarial.

9. É que recorrente estava coletado para a atividade de comissionista e de compra e venda de bens imobiliários, com início de atividade a 02/01/2002, porque foi a própria AT, no seguimento da inspecção, que deu início de atividade oficiosamente, quando concluiu o procedimento em 2006 isto porque, segundo se descreve no ponto 1.1.1 do Relatório de inspeção Tributária, o recorrente havia vendido um lote de terreno, no dia 18 de Abril de 2002.

10. Daqui não se pode presumir, como o faz a douta sentença recorrida, que esta fosse uma atividade que o recorrente exercia a título principal e com carácter de regularidade, entre dezenas de empréstimos ou arrendamentos que também apuraram (Cfr. Facto B) da decisão de facto.).

11. A interpretação que o meritíssimo juiz a quo faz da lei fiscal, no que se refere ao enquadramento e incidência do IRS é demasiado formalista, preterindo os princípios da igualdade, proporcionalidade e da prevalência da substância sobre a forma.

12. Ora, se se concluiu que o recorrente não tinha habilitações formais para fazer empréstimos ou ''locação financeira”, também se deveria de ter concluído que o recorrente também não preenche os requisitos formais/legais para exercer a atividade de imobiliária.

13. Na própria sentença recorrida é reconhecido que "Apesar do impugnante demonstrar que tinha um estabelecimento aberto ao público e que a sua atividade se consubstancia numa prática reiterada e previsível de atos que constituem uma atividade comercial, a ausência dos mencionados requisitos formais de índole legal..." (cfr. pág. 18).

14. Está assente que os atos praticados pelo recorrente, embora não declarados fiscalmente, são ATOS DE COMÉRCIO na medida em que a atividade praticada pelo recorrente visa o LUCRO.

15. Atenta a atividade reiterada de arrendamento (dezenas em cada ano), concessão de empréstimos (dezenas em cada ano) com vista a obtenção de um lucro, cobrança de juros, pode-se concluir com a mais CLARA CERTEZA E SEGURANÇA JURÍDICA que não se tratam de atos isolados (se o fosse a conclusão era igual), donde se conclui que são rendimentos que resultam de uma atividade empresarial, um comércio, no sentido económico do termo.

16. Como aliás, se conclui no venerando Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17/06/2008, in www.dgsi.pt/jtca

“O conceito de comércio adoptado pelo legislador fiscal é um conceito próprio, de natureza económica, cabendo dentro dele toda a actividade (expressa mesmo que em um só acto) que tenha por fim objetivo um lucro”

17. Em face a todo o exposto, a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, de facto e de direito, na medida em que faz uma errada aplicação do direito fiscal aos factos e incorre em erro de interpretação e aplicação dos artigos 3.º n.º 2 alíneas a) e b) do CIRS e do n° 3 do artigo 11° da LGT.

18. Nesta medida, deve a douta sentença ser revogada.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, com o douto suprimento de V/Ex.ªS, Venerandos senhores Doutores Juízes desembargadores, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a impugnação relativa à liquidação do IRS de 2003 com fundamento em ilegalidade por violação de lei e errónea quantificação e qualificação da matéria tributável.

Só assim se fará a VENERANDA JUSTIÇA!”


*

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer onde concluiu no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI20……., os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém desencadearam a acção de inspecção externa ao Impugnante, aos exercícios de 2003 a 2005, de âmbito parcial em sede de IRS, e Imposto Selo, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável, em sede de IRS do exercício de 2003, no montante de 234.201,23€ - cfr. fls. 103 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

B. Em 23/05/2007, foi elaborado pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém o instrumento constante a fls. 104 a 140 Processo de Reclamação apenso aos Autos, denominado de “Relatório de Inspecção Tributária”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde consta o seguinte: « (…)
“2- Descrição sucinta das correcções da acção inspectiva …

Os valores constantes do quadro apresentado na página anterior tem por base as seguintes correcções:
I - IRS

(…)

1.2 - ANO 2003

€ 234.201,23, sendo €128.565,21 referente a rendimentos da categoria E e €105.636,02 a rendimentos da categoria F (Capítulo III – ponto 1.1.1 e 1.2.2 deste relatório)
(…)

Capitulo II – Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção
1 .Credencial e período em que decorreu a acção
O procedimento de inspecção interno ao Sujeito Passivo «A........» NIF 10…, foi efectuado ao abrigo da ordem de serviço no OI200…. e OI200…., desta Direcção de Finanças, para os anos de 2002 e 2003,2004 e 2005. A acção de fiscalização teve o início em 28-11-2006 para o ano de 2002 e o início em 12-03-2007 para os anos de 2003, 2004 e 2005 e o seu termo em 26 -04-2007.
2.Motivo, âmbito e incidência temporal

A presente acção foi efectuada na sequência da apreensão dos documentos pelo ”SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras)” de várias pastas de documentos e livros de recibos, que se encontravam no escritório do sujeito passivo relacionados com a actividade por si exercida.
É uma acção de âmbito parcial a IRS e Imposto de Selo (IS), aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005.
3.Outras situações

3.1 Enquadramento fiscal do Sujeito Passivo

(…)

O Sujeito passivo A, declarou nos anos em análise rendimentos nas seguintes Categorias: - Categoria E, referente a dividendos de acções no ano de 2003, 2004 e juros no ano de 2005: - Categoria F - nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005: - Categoria B - no ano de 2003, pelo serviço prestado de avaliador ao Ministério das Finanças.
O sujeito passivo B, declarou rendimentos da Categoria A no ano de 2004 e 2005. Da análise aos documentos apreendidos verifica -se que o sujeito passivo, obtêm rendimentos derivados dos empréstimos concedidos em dinheiro com garantias reais e sem garantia, sendo as garantias escrituras de Mutuo com Hipoteca, procurações com poderes irrevogáveis, cheques pré-datados dos cliente relativamente ao valor da divida e Letras de Cambio assinadas pelo cliente em branco, elaborando declarações de divida de mutuo acordo e compromisso de pagamento. Além das declarações de divida por vezes pela antecipação da data de pagamento de cheques pré datados, também cobrava juros.
Nos anos em análise vendeu um lote de terreno, fazendo ainda parte do seu património alguns lotes de terrenos e recebeu comissões pela venda de carros.
O sujeito passivo também obtém rendimentos do arrendamento/locação de imóveis

rústicos e urbanos inscritos em seu nome, em nome das suas filhas ou de outrem. Pela actividade exercida de comissionista e de compra e venda de bens imobiliários, vamos dar o seu início, preenchendo para o efeito o BAO (Boletim de Alteração Oficioso) com data de início da actividade em 02-01-2002, e enquadrá-lo para efeitos de IVA no regime de isenção artigo 53.º do CIVA) e para efeitos e IRS, enquadrá-lo no regime simplificado nos termos do artigo 31.º do CIRS.

Capitulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas á matéria tributável
1 - I.R.S

(..)

1.1 – ANO 2003

1.2.1- Rendimentos da Categoria E

De acordo com as informações em anexo o valor dos juros referentes aos empréstimos neste exercício é no montante de €127.737,97, conforme se discrimina por cliente no quadro seguinte:

“(texto integral no original; imagem)”

Da consulta ao anexo E da declaração de IRS, verifica-se que o sujeito passivo declarou rendimentos relativamente a dividendos as seguintes importâncias:
“(texto integral no original; imagem)”

Da consulta ao sistema informático, anexo J/Modelo 10 verifica-se que o sujeito

passivo, obteve os seguintes rendimentos respeitante a dividendos:
“(texto integral no original; imagem)”


Sendo deste modo a correcção relativamente aos dividendos de €827,24 (1.155,00 -

327,76) e o valor da correcção do IRS retido é de € 112,66 (163,00 -50,34). O rendimento proposto para esta categoria é o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”


1.2.2-Categoria F

a) Para o ano de 2003, seguiu-se o mesmo método de apuramento do ano 2002, ou seja além do mapa de apuramento das cobranças de rendas efectuadas por P…… em 2003 (XXXIX.A2), mapa elaborado para apuro de contas de recebimentos e despesas efectuadas por P….., relativo aos recebimentos efectivos de rendas de diversas pessoas, inquilinas do sr. C….. nas casas, espaços ou quartos, situados na rua da E….., …..e casa de Muge, não constando para a maioria destes casos recibos emitidos nos documentos apreendidos pelo SEF (constantes nos
apensos 54 e 57 da l.ª apreensão e apenso 24 da 2.a apreensão do SEF - XXXIX.A.S),

apuraram-se rendas com base em fichas de presença constantes na "mica" designada apenso 25 da 2.a apreensão do SEF (n/ mapa de registos da "mica" apenso 25 do SEF e nos elementos constantes dos recibos relacionados no n/ mapa de recibos emitidos pelo sr. A…… (XXXIX.A.7) e do mapa do anexo XXXIX.A.6.

Apuraram-se ainda valores de rendas no âmbito de análise à conta corrente de cliente do sr. A….. - como no caso de M….. - conforme apuro no n/ mapa de registos de valores dispersos - auto de declarações do anexo XXXIX.B.2.
O valor da correcção é apurado no mapa em anexo XXXIX-C2, sendo os seguintes valores:
“(texto integral no original; imagem)”


b) Apuraram-se despesas de manutenção e conservação constantes em documentos sob a forma legal emitidos em nome do sr. A....... De notar que se mantêm as despesas de manutenção e conservação das declarações de rendimentos das sra.S M......e I…. e que o sr. A…. não declarou quaisquer despesas de manutenção/conservação nos anexos F das declarações d e rendimentos IRS dos diversos anos em causa.
O valor apurado consta no Anexo XXX-D3, sendo o seguinte valor:

ANO 2003

VALOR CONSIDERADO €275,59



c) Apurou-se o valor do Imposto Municipal sobre Imóveis e da Contribuição Autárquica relativo aos imóveis geradores de rendimentos nos diversos anos, liquidado ao sr. A…. ou às suas filhas, considerando-se o imposto das diversas fracções correspondentes ao mesmo n.º de porta na ausência de registo exacto e que indique a fracção do artigo matricial. Exceptuou-se o valor das contribuições relativas aos prédios declarados pelas filhas do sr. A... em cada ano para não haver duplicação do abatimento.
Deste modo de acordo com o mapa em anexo XXXIX-D2, apuraram-se os seguintes valores:
“(texto integral no original; imagem)”

1..2.3- Imposto do Selo

a) Da análise efectuada às letras que foram descontadas e que constam dos documentos apreendidos verificamos que foi liquidado IS no montante de €4üü,2ü, nas letras cuja relação se junta em anexo XLII.
Da consulta ao sistema informático verificamos que foram entregues/pagas pelo Sujeito Passivo e sua filha o valor de € 64,88 sendo o imposto em falta por período os seguintes valores constantes no quadro seguinte:

“(texto integral no original; imagem)”
b) Da análise aos contratos de arrendamentos constantes das pastas dos documentos apreendidos verificamos que há contratos em que não foi liquidado o imposto de selo. De acordo com os contratos celebrados neste ano efectuamos a relação que se junta em anexo XLIV, aonde apuramos a falta de liquidação de Imposto de Selo no montante de €113,50, correspondendo o imposto em falta aos seguintes períodos:

“(texto integral no original; imagem)”

*) A entregar no mês de Janeiro 2004

O Imposto de Selo em falta no ano de 2003 é de €448,82 (335,32+ 113,50).
(…)
Capitulo IX – Direito de audição

O sujeito passivo exerceu o direito de audição nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPIT, com as seguintes alegações, as quais passamos a analisar uma a uma.
Ponto 1 – O sujeito passivo alega que foi enquadrado oficiosamente na categoria B do IRS, obtendo ainda rendimentos de outras categorias de rendimento. Relativamente a este ponto como é mencionado no Capitulo III, ponto 3.1 deste relatório foi enquadrado oficiosamente na Categoria B o sujeito passivo pela actividade exercida de comissionista na venda de carros e na compra e venda de bens imobiliários, visto o mesmo ter rendimentos nestas actividades.
Ponto 2 - O sujeito passivo alega que ao analisar o projecto de relatório de que foi notificado, vê-se impossibilitado de, no prazo de dez dias, poder pronunciar-se sobre cada um dos factos que lhe são imputados, por falta de notificação dos documentos que no relatório se mencionam e cuja notificação ao sujeito passivo foi omitida. Relativamente a este ponto foi o sujeito passivo notificado do projecto de relatório no dia 3-05-2007, de todos os documentos que fazem parte do referido projecto.
Foi concedida, por despacho de dia 2007-05-15, do Chefe de Divisão da Divisão de

Inspecção Tributária I, a prorrogação por mais cinco dias, a contar dessa data, do prazo da audição prévia (artigo 60.º da LGT e do RCPIT) perfazendo o prazo máximo permitido por Lei, quinze dias, que terminou no dia 21 -05-2007, cuja notificação foi efectuada na pessoa do Mandatário do S. P. (Dr. J. L…..) em 2007 -05-15. Esteve disponível nestes Serviços, para consulta, toda a documentação constante do processo individual que serviu de base à quantificação constante do projecto de relatório, conforme cópia da notificação do mandatário relativamente a este despacho de que se junta em anexo XLIX, situação esta, da qual o S.P. não quis usufruir.
Ponto 3 - Alega o sujeito passivo que para se exercer o direito de audição com rigor e certeza é necessário analisar e examinar os documentos comprovativos de cada uma das situações tributárias descritas nos anexos I a XLVIII ao projecto de relatório de Inspecção Tributária e controlar a quantificação dos rendimentos que os inspectores apuraram e enquadraram em 2002, 2003, 2004 e 2005, na categorias B, E e F, análise e quantificação essas impossíveis de efectuar sem estar na posse dos documentos e dos cálculos que originaram os montantes apurados para cada uma das Categorias de Rendimento.
A presente alegação já foi abordada na parte final do ponto anterior.

O sujeito passivo participou no apuramento dos factos conforme se comprova quer pelos autos de declarações prestadas quer por elementos novos apresentados de que são exemplo as cópias de diversos recibos de rendas recebidas relativos ao 2.º semestre do ano 2005.
Constam nos anexos do projecto mapas e informações, em que são devidamente relacionados, explanados e quantificados os factos tributários e todos os valores apurados.
Ponto 4 - Neste ponto o sujeito passivo transcreve somente as correcções efectuadas

relativamente aos rendimentos da Categoria E, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, não contrariando nem os factos nem os valores apurados.
Ponto 5 e 6 – Alega o sujeito passivo não dispor dos documentos que serviram de base

ao apuramento dos rendimentos quantificados e enquadrados na Categoria E, pois, como refere o Projecto de Relatório os mesmos foram apreendidos pelo SEF e as cópias que serviram de base para informação do relatório ficaram no processo do sujeito passivo e não acompanharam o Projecto de Relatório.
Sem documentos e sem menção dos cálculos no Projecto de Relatório, toma-se impossível exercer o direito de audição sobre os valores determinados e enquadrados como rendimentos da Categoria E.
A presente alegação já foi abordada na parte final do ponto 2.
Ponto 7 - Neste ponto o sujeito passivo transcreve as correcções a rendimentos da Categoria F mencionadas no projecto de relatório, nos anos de 2002, 2003 e 2005, não contrariando os valores apurados.
Ponto 8 - Alega o sujeito passivo não dispor dos documentos que serviram de base ao apuramento dos rendimentos quantificados e enquadrados na Categoria F, pois, como refere o Projecto de Relatório os mesmos foram apreendidos pelo SEF e não acompanharam o Projecto de Relatório.
Relativamente a este ponto, o projecto de relatório foi elaborado tendo por base os documentos apreendidos que serviram de base ao apuramento dos rendimentos quantificados nesta Categoria.
Os documentos não acompanharam o projecto de relatório pois os mesmos fazem parte dos documentos de trabalho e que ficam a constar no processo do sujeito passivo.
Ponto 9 - Alega o sujeito passivo que sem documentos e sem uma explícita quantificação no Projecto de relatório dos valores e métodos seguidos para determinação dos rendimentos enquadrados na Categoria F torna-se impossível exercer o direito de audição.
Os valores apurados constam em mapas e quadros onde são inventariados, especificados e discriminados exaustivamente os valores recebidos e os considerados, locais ocupados, os inquilinos, períodos temporais e fonte documental. Nestes apuramentos participou também o sujeito passivo, quer pela confirmação de ocupantes/inquilinos, quer pela entrega de cópias de recibos relativamente ao 2.° semestre do ano 2005, no decorrer do procedimento inspectivo.
Também relativamente a este ponto, a quantificação tem por base os documentos de trabalho que ficam a constar no processo do sujeito passivo e a documentação esteve disponível para consulta conforme já se referiu na parte final do ponto 2.
Ponto 10 - Alega o sujeito passivo que a administração tributária deverá notificar os sujeitos passivos de todos os documentos e elementos omitidos, que tiveram na base de todos os cálculos e conclusões insertas no relatório de fiscalização, após o que se deve facultar ao sujeito passivo o direito de audição, sob pena de, caso assim se não proceda, se verificar a nulidade de todos os actos posteriores.
Relativamente a este ponto, foi o sujeito passivo notificado do projecto de relatório, no dia 2007-05-03 de todos os documentos integrantes do referido projecto, ficando a fazer parte dos documentos de trabalho constantes do processo do sujeito passivo os documentos de onde foi retirada informação, cuja consulta foi autorizada conforme já se referiu na parte final do ponto 2.
No dia 21 de maio o sujeito passivo através do seu mandatário, apresentou o requerimento que se junta em anexo L, veio requerer ao abrigo do art.º 37.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) a certidão de todos os documentos nos quais se baseou a administração tributária para fazer prova e quantificar todas as correcções à matéria tributável nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005.
Sobre este requerimento, recaiu despacho de 22/05/2007, do Chefe de Divisão da Divisão de Inspecção Tributária I, no âmbito da delegação de competências, cujo teor consta em anexo LI.
Pelo anteriormente exposto relativamente à análise dos fundamentos alegados pelo sujeito passivo no direito de audição, conclui-se não terem sido contestados ou contrariados os valores da correcção, nem terem sido apresentados elementos adicionais que pudessem pôr em causa os rendimentos apurados no projecto de correcções, razão pela qual se mantêm os valores propostos no capitulo III deste relatório, apesar da administração tributária ter concedido ao S. P. (como já foi referido) a prorrogação do prazo inicialmente concedido de dez dias e o ter transformado em 15 dias, e, ainda, ter disponibilizado a consulta de todos os elementos constantes do processo, possibilidade essa que o sujeito passivo desperdiçou. Para os devidos efeitos vão ser elaborados os documentos de Correcção os DC e o auto de noticia pelas infracções praticadas. - (cfr. fls. 92 a 128 do processo de reclamação graciosa apenso). (…)»;

C. Em 4/07/2007, foi emitida em nome do Impugnante a liquidação de IRS n.º 2007……, referente ao ano de 2003, no valor de 97.138,53€ - cfr. fls. 36 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

D. Em 25/02/2008, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Almeirim a Reclamação Graciosa da liquidação de IRS referida na alínea anterior, a qual foi indeferia por despacho de 8/05/2008 – cfr. fls. 71 do Processo de Reclamação apenso aos Autos e fls. 50 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos;

E. Em 25/06/2008, o Impugnante interpôs o recurso hierárquico do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa referida na alínea anterior – cfr. fls. 52 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos;

F. Em 26/03/2009, o Subdirector geral dos Impostos indeferiu o Recurso Hierárquico referente ao IRS de 2003 – cfr. fls. 59 do Processo de Recurso Hierárquico apenso aos Autos;

G. Corre termos nos Serviços do Ministério Público de Almeirim o processo de inquérito n.º 323/09.3TAALR, em que é arguido o Impugnante – cfr. fls. 272 dos Autos;

H. Em 3/07/2009, deu entrada no TAF de Leiria a presente impugnação - cfr. fls. 1 dos Autos.

Factos não provados

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa

Motivação

A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos e nos Processos Administrativos apensos aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes.

Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, o Tribunal considerou que os mesmos não se revelaram credíveis nem espontâneos, ou porque tinham uma relação próxima de família (a filha) e necessariamente interesse na causa, ou porque são arrendatários de imóveis do Impugnante e deste modo envolvidos directamente com negócios do Impugnante (as testemunha J…., D….. e V…..). Refira-se que a testemunha D…… apresentou também um depoimento pouco credível, uma vez que não soube explicar em Tribunal por que razão recorreu ao Impugnante para celebrar um contrato de mútuo.

A testemunha M…… apresentou um depoimento confuso.

E não foi tido em conta o depoimento de M….., filha do Impugnante, porque não presenciou os factos em questão tendo referido expressamente que não estava envolvida nos negócios do pai.

Quer isso dizer que o Tribunal considerou que a prova produzida foi vaga e inconsistente, tendo os depoimentos das testemunhas sido hesitantes e incoerentes, tendo também o Tribunal sentido que as mesmas não prestaram depoimentos por forma a concluir-se estarem imbuídos do distanciamento necessário e serem isentos, não logrando, por isso, convencer o tribunal da sua veracidade.

Assim, o Tribunal não deu como provado que o Impugnante desenvolvesse uma actividade reiterada de concessão de empréstimos às pessoas.

Quanto à testemunha da Fazenda Pública – o inspector tributário J……., confirmou o teor do relatório da inspecção”.

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões que nos pedem que analisemos:

(i) - saber se a sentença errou, violando o princípio da prevalência da substância sob a forma, plasmado no artigo 11º, nº3 da LGT, ao desqualificar como rendimentos empresariais e profissionais os rendimentos obtidos por uma prática comercial reiterada, provada e descrita no RIT, embora com ausência de requisitos formais (licenciamentos);

(ii) - saber se a sentença errou, violando o disposto no artigo 3º, nº 2, alíneas a) e b) do CIRS, poder de atracção para a categoria "B" dos rendimentos das categorias "F" e "E", ao enquadrar os rendimentos obtidos nestas últimas categorias.

Vejamos, então, começando por deixar devida nota do teor da sentença proferida pelo TAF de Leiria. Ora, aí se escreveu, numa análise detalhada, o seguinte:

“(…)

No seguimento da acção inspectiva desencadeada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a posterior comunicação de elementos à Inspecção Tributária, esta desenvolveu uma acção de inspecção externa ao IRS de 2003 do Impugnante, tendo emitido uma liquidação oficiosa.

O Impugnante não concordando com a referida liquidação, apresentou a presente acção, alegando a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, a preterição de outras formalidades e a ausência de fundamentação legalmente exigida.

Refira-se também que o Impugnante impugnou neste TAF o acto de liquidação do IRS de 2004 e 2005, tendo a referida impugnação sido julgada improcedente e a qual iremos seguir de perto uma vez que não vimos razão para discordar da sua fundamentação.

Apreciemos.

Dispõe o art.º 1.º do Código do IRS que: «

1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;

Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais;

Categoria E - Rendimentos de capitais;

Categoria F - Rendimentos prediais (…).».

Por outro lado, o art.º 3.º, n.º 1 do CIRS estabelece quais os rendimentos que devem ser considerados de natureza empresarial ou profissional, a saber:

«a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial,

agrícola, silvícola ou pecuária;

b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior;

(…)

O n.º 2 deste normativo considera ainda rendimentos desta categoria «

a) Os rendimentos prediais imputáveis a actividades geradoras de rendimentos

empresariais e profissionais;

b) Os rendimentos de capitais imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais.».

Por seu turno, o art.º 5.º do código em presença, enquadra os rendimentos da

categoria E da seguinte forma «

«1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

a) Os juros e outras formas de remuneração decorrentes de contratos de mútuo, abertura de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro ou outras coisas fungíveis;

(…)».

Quanto a esta categoria de rendimentos importa referir, que com a alteração ao Código do IRS introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, foi criado um conceito amplo do que se entende por rendimentos de capitais, passando a ser considerados rendimentos desta categoria e, portanto, sujeitos a IRS, todos os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, pecuniários ou em espécie, provenientes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária.

Ou seja, a redacção do n.º 1 do artigo 5.º do CIRS, na redacção à data dos factos representa um alargamento substancial da incidência de imposto, sendo agora susceptível de ter aqui enquadramento qualquer situação relacionada com valores mobiliários não tributada noutra categoria.

Todavia, no caso dos Autos defende o Impugnante que por ter estabelecimento aberto ao público e por consistir a sua actividade no arrendamento de imóveis e no recebimento das respectivas rendas e no empréstimos de valores monetários, obtendo como rendimentos os juros estabelecidos, trata-se de uma actividade comercial e, nessa medida, não obstante se tratarem de rendimentos ilícitos, cai no âmbito da excepção prevista na parte final do art.º 5.º, n.º 1 do CIRS, concluindo que os rendimentos se enquadram na categoria B.

Mas não tem razão.

Desde logo, para o efeito, impunha-se a demonstração de que tais rendimentos seriam “imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais”, o que não sucedeu.

Em primeiro lugar, conforme demonstrou a AF, o Impugnante carecia em absoluto de requisitos substanciais e legais que o poderiam habilitar a desenvolver duma forma empresarial as actividades de locação financeira, outras actividades de crédito não especificadas ou arrendamento de bens imobiliários, como sejam o registo, inscrição e autorizações prévias juntos das entidades competentes e o respectivo enquadramento jurídico-fiscal, o que, como ele próprio reconhece, não se verificou.

Depois, essa deslocação de rendimentos por regra subsumíveis à categoria E para a categoria B de rendimentos, apenas à possível por aplicação do designado "princípio da atracção", através do qual rendimentos que, por regra, se encontram no campo de incidência da categoria E são deslocados para a categoria B e aqui tributados.

No entanto, para tal suceder é necessário que exista uma actividade profissional e empresarial principal à qual, a título acessório, possam ser imputados esses rendimentos, o que in casu não se verifica.

Com efeito, a única actividade que o Impugnante exercia a título principal seria de comissionista e de compra e venda de bens imobiliários.

O mencionado princípio da atracção funciona, por exemplo, quanto ao juro obtido por um comerciante em nome individual pelo diferimento no tempo do pagamento que lhe é devido por outrem de um crédito gerado no exercício da sua actividade comercial.

Este rendimento, apesar de compreendido na alínea g) do n.º 2 do artigo 5.º (categoria E), é deslocado para a categoria B, dada a relação de dependência daquele rendimento com a actividade comercial do seu titular.

Precisamente porque tais valores conservam a natureza de rendimentos de aplicação de capitais, muito embora a sua proximidade ou dependência face a uma actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais, a sua atracção para a categoria B para efeitos de englobamento não prejudica a aplicabilidade, àqueles rendimentos, das taxas especiais liberatórias por retenção na fonte previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 71.º, pois que, embora englobados na categoria B, derivam de juros de depósitos a ordem ou a prazo e de quaisquer títulos nominativos ou ao portador.

Assim, apesar do Impugnante demonstrar que tinha um estabelecimento aberto ao público e que a sua actividade se consubstancia numa prática reiterada e previsível de actos que constituem uma actividade comercial, a ausência dos mencionados requisitos formais de índole legal que o poderiam habilitar a desenvolver uma actividade profissional ou empresarial de locação financeira, ou outras actividades de crédito não especificadas, impedem que a sua actividade possa ser enquadrada na categoria B de rendimentos para efeitos de IRS.

Ademais, o Impugnante, de acordo com os elementos constantes dos autos, não possuía qualquer estrutura empresarial nem possuía contabilidade, exercendo uma actividade susceptível de atrair juros e outros rendimentos de capitais auferidos, através de formas atípicas, mantendo assim estes rendimentos uma natureza principal e autónoma, devendo por isso serem tributados em sede de categoria E, por se encontrarem enquadrados na al. p) do n.º 2 do artigo em presença.


*

Quanto aos rendimentos prediais, o Impugnante invoca que a AF errou no enquadramento dos rendimentos na categoria F uma vez que ou os imputava ao recorrente em sede de categoria B (rendimentos provenientes da actividade empresarial traduzida na gestão de imóveis) ou os imputava às titulares (proprietárias) dos imóveis, em sede de categoria B ou F, consoante tais rendimentos fossem ou não imputáveis ao exercício de uma actividade empresarial.

Apreciemos.

O art.º 8.º do CIRS estabelece o seguinte:

«1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.

2 - São havidas como rendas:

a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;

(…)».

Decorre deste normativo que são englobados na categoria F do IRS, os rendimentos prediais, considerando como tal as rendas dos prédios rústicos, urbanos ou mistos, que estarão sujeitas apenas e sempre que forem pagas ou colocadas à disposição dos seus titulares, regra que expressa o princípio geral da tributação de rendimentos reais e efectivos.

A renda, para efeitos civis, enquanto elemento constitutivo do contrato de arrendamento, é, em suma, uma prestação retributiva, periódica, pela qual o arrendatário executa o cumprimento da obrigação em que fica constituído por força do referido contrato e que consiste no pagamento ao senhorio de um preço pelo direito temporário de uso e fruição da coisa imóvel arrendada.

No entanto, à semelhança do que ocorre com outras situações de índole tributária, o legislador fiscal acolheu para efeitos de IRS um conceito de renda mais amplo, considerando rendimentos prediais, não só as rendas propriamente ditas, como são as resultantes de um contrato de arrendamento, mas também outras realidades económicas que não se enquadram na referida noção de renda, ainda que algumas delas possam ser também relativas à cedência do uso de um prédio ou de parte dele.

É neste sentido que são também havidas como rendas, as importâncias recebidas pela prestação de serviços relacionados com a cedência do uso do prédio ou de parte dele, pelo aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no prédio arrendado ou pela cedência de imóveis para fins especiais, como a publicidade.

Portanto, estes rendimentos são tributados pela categoria F de IRS. Só assim não será quando, existindo uma existindo uma actividade principal profissional ou empresarial, estes rendimentos prediais possam ser acessoriamente imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, quando estes rendimentos prediais estejam em conexão com uma actividade geradora de rendimentos desta natureza, caso em que são imputáveis ao exercício daquela, realizando-se desta forma a tributação dessa universalidade num módulo único, a categoria B.

No caso vertente, as importâncias auferidas pelo Impugnante não decorrem da prestação de serviços relativa à gestão dos prédios, decorrente da relação entre as proprietárias dos imóveis e o impugnante, mas do recebimento efectivo das rendas por parte dos seus beneficiários, sejam dos prédios cuja propriedade está em seu nome, em nome de suas filhas ou em nome de terceiros, provindo as rendas de arrendamentos urbanos e rústicos e de origem muito diversa, conforme se explana no relatório inspectivo.

A sua origem, de acordo com a factualidade apurada, é muito diversificada, encontrando-se suportadas por vários tipos de documentos, que vão desde recibos de modelo e forma legais, passando por um "acordo de exploração", ou listagens recapitulativas manuscritas onde se discriminam os montantes que seriam de declarar para efeitos de IRS, daqueles que deveriam ser omitidos.

Tratam-se de rendimentos provenientes de cedência de uso de imóveis, com ou sem contrato, com limites temporais variáveis desde um dia a meses e para diversos fins.

Importa ainda reafirmar que o art.º 8.º do CIRS considera rendas prediais as rendas de prédios pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares e não dos seus proprietários como defende o impugnante, porquanto, para efeitos de IRS, a obtenção de rendimentos prediais não está dependente do exercício do direito de propriedade sobre os imóveis que geradores das rendas, bastando a mera titularidade de facto. Veja-se que a tributação incide sobre rendimentos prediais que abrangem realidades que são havidas como rendas, como as prestações de serviços relacionadas com a cedência do uso do prédio, como previsto no n.º 2, al. a) do sobredito artigo.

Para além disso, foi o próprio Impugnante que declarou perante a AT ser o único beneficiário dos valores das rendas apurada em sede inspectiva.

Acresce ainda, que o Impugnante declarou rendimentos da categoria F na declaração de rendimentos apresentada para o ano em causa, da mesma natureza que aqueloutros apurados pela AF e que nesta sede os rejeita ou pretende que sejam enquadrados na categoria B.

Ao invés, tal como foi comprovado pela AF, o Impugnante carecia em absoluto de requisitos substanciais e legais que o poderiam habilitar a desenvolver duma forma empresarial as actividades de locação financeira, outras actividades de crédito não especificadas ou arrendamento de bens imobiliários, como seja, registo, inscrição e autorizações prévias juntos das entidades competentes, enquadramento jurídico-fiscal.

Donde, se, por outro lado, incumbe à administração tributária o ónus da prova a existência dos pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação oficiosa, sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou dos requisitos que lhe permitiram efectuar a correcção técnica e alterar o rendimento colectável declarado, cabe, por outro, ao contribuinte fazer prova que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística, impostas pela lei comercial e fiscal e refutar os resultados a que chegou a AF.”.

Os rendimentos de capitais e os rendimentos prediais obtidos pelo impugnante e omitidos à declaração de rendimentos do ano de 2003, não são, assim, subsumíveis à previsão das als. a) e b) do n.º 2 do art.º 3º do Código do IRS.

Não resulta da prova efectuada nos Autos que tais rendimentos possam ser, de alguma forma, imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, pois apesar do Impugnante basear a sua tese no facto de ter estabelecimento aberto ao público e que praticava actos geradores de rendimentos de capitais e de rendas com carácter de habitualidade, tal facto não basta para se concluir como pretende.

Inversamente, encontrando-se provado que o Impugnante não detinha os requisitos formais e substanciais para o exercício de uma actividade, acima identificados, resta-nos concluir que estamos perante rendimentos obtidos de forma autónoma e não conexionados com uma outra actividade principal. Conclusão que sai reforçada por o Impugnante não ter qualquer espécie de estrutura empresarial e a forma atípica como tais rendimentos, das várias categorias, eram obtidos.

Por outro lado, em termos de incidência subjectiva do IRS, apenas que ficam sujeitos a imposto as pessoas singulares residentes em Portugal pela totalidade dos rendimentos obtidos (art.º 13°, n.º 1 e 15.º, n.º 1 do CIRS), estando a neutralidade tributária visada com estes normativos reforçada com as regras anti-abuso previstas os artigos 10.º, 38.º e 39.º da LGT, cujo objectivo é a tributação das realidades económicas independentemente da sua regularidade e conformidade jurídicas.

Face ao contexto supra exposto, é seguro que estamos perante rendimentos obtidos de forma autónoma e não conexionados com uma outra actividade principal e, nessa medida, devem ser tributados autonomamente nas categorias E e F do IRS, improcedendo, por isso, nesta parte a presente impugnação”.

As questões que aqui vêm colocadas foram igualmente postas – e apreciadas – no processo nº 1117/09.1 BELRA, no qual foi proferido acórdão no passado dia 16/09/19. Com efeito, neste último processo, em que é Recorrente o mesmo A........, foi sindicada a liquidação adicional de IRS do ano de 2002, a qual resultou de idênticas correcções às que aqui se apreciam.

Assim sendo, não havendo argumentação inovadora relativamente àquela que foi apreciada e estando nós de acordo com o que foi decidido no referido processo nº 1117/09.1 BELRA, passamos a transcrever o teor do acórdão de 16/09/07, de cuja fundamentação, com as adaptações necessárias ao caso concreto, nos apropriamos.

Aí se lê:
“O RECORRENTE discorda do decidido. Reitera ser ilegal a determinação da matéria colectável enquadrada nas categorias E (juros) e F (rendas) por falta de fundamentação e erro de quantificação e qualificação e ainda violação de lei por se imputar ao Impugnante factos tributários com os quais nada teve a ver.
E que a sentença confirmou o enquadramento efetuado pela AT, mas em face do teor do RIT e do depoimento das testemunhas, deveriam os rendimentos prediais e de capitais serem qualificados como rendimentos da categoria B – rendimentos empresariais (Conclusões 15ª a 20ª).
Por outro lado, a sentença assenta na fundamentação de que o recorrente não detinha os requisitos substanciais ou formais/legais que o poderiam habilitar a desenvolver de forma empresarial as actividades de locação financeira e outras actividades de crédito não especificadas ou arrendamento de imóveis
Mas o Recorrente está coletado para a actividade de comissionista de compra e venda de bens imobiliários com início de actividade a 2/1/2002 porque foi a própria AT que deu início de actividade oficiosamente quando concluiu o procedimento em 2006, por ter vendido um lote de terreno no dia 18 de abril de 2002.
O que não significa ser esta a actividade a título principal do Recorrente, entre dezenas de empréstimos ou arrendamentos que também apuraram.
Acrescenta que a interpretação que o MMº juiz faz da lei fiscal é demasiado formalista.
Pois se não tinha habilitações formais para fazer empréstimos ou locação financeira, também não preenchia os requisitos formais para a actividade imobiliária (Conclusões 21º a 28º).
Também os rendimentos provenientes de rendas recebidas por via de contratos de arrendamento deveriam ter sido tributados pela categoria B e não pela categoria F.
Por outro lado, os prédios descritos no Relatório como tendo sido objecto de arrendamento são todos propriedade de terceiros
A gestão ou administração por parte do Impugnante de prédios de terceiros consubstancia uma actividade empresarial tributada na categoria B. (Conclusões 29 e segs.)
Sumariadas as questões e argumentos suscitados no recurso quanto a estes segmentos da sentença, podemos desde já antecipar que o Recorrente não tem razão.
A sentença apreciou bem a questão da tributação pelas categorias E e F e também fundamentou bem as razões pelas quais o RECORRENTE não poderia ser tributado pela categoria B por todos os rendimentos gerados nas diversas actividades que leva a cabo.
Concordamos com a fundamentação desenvolvida na sentença que nos dispensamos de repetir, não se verificando qualquer falta de fundamentação substancial ou formal, na qualificação e quantificação dos factos que serviram de apuramento à matéria tributável, ao contrário do que alega o RECORRENTE.
Acrescentamos apenas que para poder ser tributado pela categoria B pelos rendimentos gerados enquadráveis nas categorias F seria indispensável que os bens ou valores geradores dos rendimentos fizessem parte do activo da empresa individual do sujeito passivo, ou que estivessem afectos às actividades empresariais por ele desenvolvidas (art.º 29º/1 CIRS, na redação aplicável).
Tal afetação poderia ser detetada “...designadamente, com base no tratamento contabilístico conferido aos bens em apreço – a reconhecer como activos enquanto se encontrarem afectos à actividade empresarial ou profissional – ou através do controlo dos encargos relativos aos mesmos – conforme sejam suportados pelo sujeito passivo a título particular ou reconhecidos no âmbito da sua actividade empresarial ou profissional” (1).
Mas não consta dos autos que o RECORRENTE tenha efetuado qualquer afetação dos bens em causa à actividade empresarial, pelo que, também por esta razão, as conclusões do recurso não podem proceder.
A circunstância de os prédios geradores da fonte de rendimentos se encontrarem em nome de terceiros (filhas do RECORRENTE), não implica o afastamento do Impugnante desta tributação, uma vez que o próprio declarou ser o beneficiário de tais rendimentos, o que foi confirmado pelas suas filhas. Sabendo-se que o Art.º 8º/1 do CIRS considera rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares (o que é diferente de proprietários) facilmente se conclui que não há qualquer ilegalidade na tributação destes rendimentos na esfera jurídica do RECORRENTE/IMPUGNANTE.
E quanto aos rendimentos da categoria E, a distinção entre estes rendimentos e rendimentos de outras categorias, nem sempre é simples. Mas a doutrina delineia a necessária fronteira com o recurso ao critério de que os rendimentos integradores da categoria E tendem a ser “rendimentos passivos”, que o seu titular aufere sem recorrer a uma actividade destinada à sua obtenção, enquanto os rendimentos da categoria “B” são por natureza rendimentos “activos” derivados do exercício de uma actividade empresarial ou profissional destinada à respetiva obtenção.
Os rendimentos de capitais apenas exigem a titularidade de um activo mobiliário, de cuja cessão temporária ou aplicação resultam os rendimentos, sem apelar para qualquer engenho ou ordenação por conta própria.
Em contrapartida, entende-se que se os rendimentos previstos no art.º 5º forem obtidos no âmbito de uma actividade empresarial e profissional, estes serão considerados como rendimentos da categoria B e já não da categoria E, como resulta do art.º 2º/b) do CIRS.
Trata-se de uma manifestação do chamado poder de “atracção” da categoria B, que converte em rendimentos desta categoria aqueles que em virtude da sua substância, preenchiam normas de incidência de outras categorias (2).
Contudo, embora o Impugnante efetuasse empréstimos e recebesse juros, não tinha, como bem salientou o MMº juiz, os requisitos legais e substanciais para desenvolver de forma empresarial as atividades de locação financeira e de crédito.
Com efeito, o art.º 3º/2,b) do CIRS (na redação aplicável) permite integrar na categoria B os rendimentos de capitais imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais. Mas também nesta sede não se pode ignorar a exigência a que alude o art.º 29º/1 do CIRS supra mencionado.
Ou seja, para poder ser tributado pela categoria B em relação a rendimentos provenientes da categoria E, seria necessário que os respetivos valores fizessem parte do activo da empresa ou estivessem afectos à actividade empresarial do IMPUGNANTE/RECORRENTE, em consagração do princípio da autonomia ou separação patrimonial assente na distinção entre o património afecto à actividade empresarial e o património pessoal.
E não consta que o Contribuinte tivesse, de algum modo, realizado tal distinção, pelo que não podemos considerar ter efetuado de forma empresarial a actividade geradora de rendimentos integrados na categoria E.
Como tal, os respetivos rendimentos também não poderiam ser sujeitos a tributação pela categoria B.
E também não poderia ser tributado pela categoria B em função do “poder de atração” desta categoria. Para tal suceder, seria necessário que os rendimentos provenientes de fonte integrada noutra categoria (E) estivessem em conexão com a actividade de natureza empresarial exercida a título principal.
A doutrina exemplifica com o caso dos juros recebidos por advogado em razão dos saldos das contas bancárias onde movimenta as quantias recebidas dos clientes (3), e o STA considerou rendimento da categoria B a indemnização recebida pelo arrendatário de uma loja, na qual exerce uma actividade comercial, paga pelo proprietário da mesma, com o intuito de por fim ao contrato de arrendamento(4).
Como se vê dos exemplos apontados, para que a categoria B “atraia” rendimentos provenientes de outras fontes, é necessário que haja uma conexão entre a actividade empresarial e a “fonte atraída”, o que no caso em apreço de modo nenhum verifica.
Por conseguinte, também neste segmento improcedem as conclusões do RECORRENTE.
E assim, improcedendo todas as conclusões do recurso, incluindo a alegada, mas não substanciada (5), preterição dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da prevalência da substância sobre a forma, a sentença deverá ser confirmada com todas as consequências legais”.

Sem necessidade de maiores considerações, uma vez que o transcrito se mostra integralmente aplicável ao caso sub judice, conclui-se pela improcedência das conclusões da alegação de recurso e, nessa medida, pelo não provimento do mesmo.


*

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Oportunamente, actualize a informação solicitada no ofício de fls. 303.

Lisboa, 30 de Setembro de 2019


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(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)


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(1) IRS anotado, Lexit, anotação ao artigo 29º por Sandra Videira e Victor Duarte, pp. 122

(2) Seguimos de perto a doutrina de Paula Rosado Pereira in “Manual de IRS”, Almedina, 2018, pp. 104

(3) Assim, Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 2ª edição, Almedina, pp. 86.

(4) Ac. do STA n.º 339/10, de 8/9/2010

(5) Cfr. ac. do TCAS n.º 00137/04 de 21-09-2004 Relator: Eugénio Sequeira
Sumário: 6. Se o impugnante invocar como causa de pedir, vícios em abstracto imputados ao acto de liquidação, mas os não substanciar, não pode o tribunal deles conhecer, por não poder conhecer de factos não alegados, ainda que subsumíveis a cada uma dessas categorias de vícios, salvo se de conhecimento oficioso