Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02855/09
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:06/09/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
BANCOS.
PROVISÕES.
ILEGALIDADE.
Sumário:1.A lei, nos termos do disposto no art.º 33.º nº d) do CIRC, delegou para entidade não tributária (o Banco de Portugal) os poderes de definição e limites das provisões admitidas quanto às empresas submetidas à sua fiscalização (sector bancário);
2. Neste âmbito o Banco de Portugal emitiu diversos Avisos contendo a disciplina a tal pertinente, designadamente o Aviso n.º 6/95, onde então se continha tal matéria, nele contendo os casos de constituição obrigatória de provisões e outras de carácter facultativo, estas sujeitas a autorização expressa, caso a caso;
A verba apurada pela contribuinte, declarada e feita repercutir na auto-liquidação relativa a “reposição de provisões” não pode, deixar de ser considerada na determinação do lucro tributável para liquidação adicional ao não ser aceite o montante total para “constituição ou reforço de provisões”, ao qual deve ser deduzido, sob pena de dupla tributação (ilegal).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C.............., SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - - na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) A sentença proferida pelo tribunal a quo assenta numa incorrecta apreciação da matéria de facto levada ao seu conhecimento, pelo que, consequentemente, a conclusão a que chegou não pode deixar de também não estar correcta;
b) Pode verificar-se nos documentos juntos à petição de impugnação judicial, com os n.ºs 1 e 2, que na coluna da "constituição ou reforço de provisões" para dotações consta o valor de € 1.943.343,00, tributado pela Administração Fiscal a título de dotações, e na coluna "reposição de provisões", consta o valor de € 85.728,39;
c) A linha do mapa das provisões com a designação de "Sucursal de Paris" que o tribunal recorrido refere na douta sentença, apenas se reporta a provisões "Para Riscos Bancários Gerais";
d) As provisões para pensões de reforma e sobrevivência da Sucursal de Paris estão na tinha relativa a "provisões da Classe 6 - Para pensões de ref. e sobrevivência (P)", em que "P" significa Paris, ou seja, Sucursal de Paris;
e) Uma leitura correcta do mapa de provisões apresentado pela ora Recorrente apontará necessariamente para a conclusão de que, com a correcção à matéria colectável efectuada, se está a criar uma duplicação de colecta, na exacta medida da reposição feita;

Por tudo o exposto, deve a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por decisão judicial que anule, parcialmente, a liquidação impugnada, sendo subsequentemente feita nova liquidação, após redução da correcção das provisões para pensões de reforma e sobrevivência em € 85.728,39, ou seja, de € 1.943.343,00 para € 1.857.614,61, tudo com as demais consequências legais, assim se fazendo a verdadeira e costumada
JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, face ao erro que enferma a matéria do ponto 3. do probatório.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se por o montante de € 85.728,00, relativo a “reposição de provisões”, ter entrado na auto-liquidação efectuada pela contribuinte em IRC no exercício de 2001, a sua não consideração pela AT na liquidação adicional operada importa que, por duas vezes, a mesma verba tenha entrado na determinação do lucro tributável.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização por parte da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da DGCI respeitantes ao IRC do exercício de 2001, que deu origem à liquidação n.º ............ de 2005-11-04 - Doc. Fls. 25 e dos autos e 60 e ss do PAT.
2. A Administração Tributária efectuou correcções à matéria colectável no montante de € 25.419.378,63, do qual € 1.943.343,00 se refere à dotação da provisão para pensões de reforma e sobrevivência da sucursal de Paris e € 32.103.623,43 se refere a provisões da Sucursal de Macau do B...... -Doc. Fls. 60 e ss do PAT.
3. No mapa das provisões apresentado pela impugnante, verifica-se que o valor de 17.187.000$00 (€ 85.728,00) foi objecto de reposição no exercício de 2001, não tendo sido, esse montante, tributado, nem imputado à sucursal de Paris. - Doc. Fls. 21 dos autos.
4. A impugnante incorporou por fusão o BNU em 1 de Julho de 2001, tendo nessa data o B... transmitido para o B... Oriente S.A. a totalidade do património afecto à sucursal de Macau. - Doc. Fls. 84 do PAT.
5. O balancete da sucursal, reportado a 30 de Junho de 2001, apresentava provisões acumuladas no montante de € 32. 103.623,00, que foram consideradas como fiscalmente dedutíveis, na esfera fiscal do B.... - Doc. Fls. 85 do PAT.
6. A colecta à taxa da Região Autónoma da Madeira passou de € 1.171.669,96 para € 1.253.011,98 na liquidação impugnada, tendo sido aplicada em ambas as situações a taxa de 32% para apuramento da matéria colectável correspondente à Região Autónoma da Madeira. - Doc. Fls. 25 dos autos e informação de fls. 280 e 281 do PAT apenso, onde se confessa a aplicação da taxa de 32%.
7. Para efeitos de apuramento de colecta, a A.T. liquidou à taxa normal de IRC relativamente a rendimentos da Região Autónoma dos Açores.

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, em especial os mencionados.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.


4. Para julgar a impugnação judicial improcedente quanto às três questões em que o foi, considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não ocorre duplicação de colecta do montante de € 85.728,00 relativos à sucursal de Paris por o mesmo não ter sido objecto de tributação, tendo o valor da correcção sido o de € 1.943.343,00 apresentado no mapa de amortizações da impugnante, ser a norma do art.º 34.º n.º2 do CIRC aplicável à reposição de provisões da sucursal de Macau e não poderem ser aplicáveis na Região Autónoma dos Açores a taxa reduzida de IRC prevista no Decreto Legislativo Regional 2/99/A, de 20 de Janeiro, por a Comissão das Comunidades Europeias já ter declarado a mesma incompatível com o mercado comum, decisão a que Portugal se encontra vinculado.

Destas três questões em que a impugnação judicial foi julgada improcedente, apenas quanto à primeira a ora recorrente vem esgrimir argumentos tendentes a demonstrar o desacerto da sentença recorrida, pelo que o presente recurso apenas quanto àquela questão se poderá pronunciar, tendo a sentença recorrida transitado em julgado quanto às demais questões que não foram objecto do presente recurso, nos termos do disposto no art.º 684.º n.º4 do CPC.

Para entender que a sentença recorrida laborou em erro de julgamento entende a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, que da correcta leitura do mapa de provisões se pode verificar que na coluna da “constituição ou reforço de provisões” para dotações consta o valor de € 1.943.343,00, tributado pela AT a título de dotações, e na coluna “reposição de provisões”, consta o valor de € 85.728,39, que a mesma AT não considerou na liquidação adicional, enquanto que os valores referidos na sentença recorrida relativo à “Sucursal de Paris” apenas se reporta a provisões “Para Riscos Bancários Gerais”.

Vejamos então.
"Provisão é um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, e destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão(1) ".
"Segundo as considerações técnicas do POC, a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo. A constituição de provisões baseia-se nos princípios contabilísticos da especialização e da prudência. Estabelece o primeiro que os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos independentemente do seu recebimento ou pagamento, e devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam, e o segundo que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso. A não constituição ou a constituição por montantes inferiores de provisões num determinado exercício poderá fazer deslocar para exercícios futuros custos ou perdas pertencentes a este e, em contrapartida, a constituição de provisões desnecessárias ou em montante excessivo difere a tributação dos resultados.
Ao enunciarem-se neste artigo taxativamente as provisões que são fiscalmente dedutíveis e os respectivos limites, adopta-se para efeitos de determinação do lucro tributável uma especialização dos exercícios, de acordo com as regras definidas pelo legislador fiscal, que poderão não coincidir com as que resultam dos critérios contabilísticos.
Face à definição de critérios objectivos de constituição ou reforço das provisões definidas nos art.ºs 33.º a 35.º e à periodização do lucro tributável definida no n.º1 do art.º 18.º, a constituição das provisões é obrigatória para efeitos fiscais, pelo que, quando o sujeito passivo não constitua a provisão que, de acordo com os critérios definidos, deveria ter constituído, originará a não aceitação para efeitos fiscais, no exercício em que se vier a efectivar, do custo ou perda não objecto de provisão.
...
O papel das contas de provisões é importantíssimo: permitem uma maior regularidade na escrituração dos prejuízos ou apuramento dos resultados, evitando que se venha a afectar desfavorável ou desmesuradamente os eventos que conduziram anteriormente à constituição das provisões - cfr. Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, Vol. I, Parte Geral, 4.ª Edição, págs. 353 e 354 e Manuel Henrique de Freitas Pereira, A Periodização do Lucro Tributável; Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (152), pág. 172.

Apesar de só no futuro se conhecer o montante exacto do possível prejuízo, a empresa, de acordo com o princípio da prudência, deverá já nesse exercício criar uma provisão com tal fim.
Estamos, assim, em face de perdas, muito embora actuais, não efectivadas ainda, mas que poderão concretizar-se em exercícios futuros.
A constituição de provisões tem como finalidade essencial incluir em custos ou perdas de certo exercício uma dotação que de outro modo nele não figuraria, por lhe faltar justificação documental para a respectiva movimentação – falta de justificação que a constituição da provisão vem justamente suprir.
Nesta conformidade, diremos que as contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar os encargos ou prejuízos estimados e actuais, de provável processamento futuro, ou, sendo certa a sua ocorrência futura, apenas o seu montante é actualmente incerto(2).

Sob a epígrafe Regime das Provisões, dispõe a norma do art.º 33.º do CIRC:
1 Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a)As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;
...
d) As que tiverem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal e pelo Instituto de Seguros de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização, incluindo as provisões técnicas que as empresas seguradoras se encontram legalmente obrigadas a constituir.
...
Constituindo a provisão um custo do exercício e de constituição obrigatória para efeitos fiscais, como acima se disse, não pode a sua constituição fazer-se a belo prazer do contribuinte e desta forma permitir-se manipular os resultados do exercício, tendo a sua constituição de cingir-se também, a entre outras, às regras da especialização dos exercícios, como os demais custos, nos termos do disposto nos art.ºs 17.º e 18.º do CIRC.

No caso de provisões permitidas para o sector bancário, o legislador – citada alínea d) do n.º1 do art.º 33.º - através de lei formal, estabeleceu uma verdadeira delegação de competências em entidade não tributária – o Banco de Portugal – para definir, ele próprio, os fins e limites da constituição das provisões, apenas podendo ser consideradas verdadeiras provisões aquelas que sejam subsumíveis às normas para o efeito criadas pelo Banco de Portugal, ou que este, venha a aceitar, por posterior acto individual(3).

No caso, não se encontra em causa a constituição de qualquer provisão, cuja legalidade não se discute, antes se tendo por aceite, mas sim se o montante de € 85.728,00 que a ora recorrente diz ter incluído no apuramento do seu lucro tributável na coluna “reposição de provisões”, foi novamente tributado pela AT, por não ter sido deduzido o seu montante ao montante de € 1.943.343,00 relativo a “constituição ou reforço de provisões”, como a mesma defende e como também se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, daí extraindo a consequência jurídica da duplicação de colecta, ou se, ao invés, como interpretou a sentença recorrida, tal montante não foi objecto ou não entrou no cômputo da liquidação adicional.

Lendo e analisando o “Mapa de Provisões”, relativo ao exercício de 2001, em causa, cuja cópia consta a fls 21 destes autos e também a fls 247 do PAT apenso (sendo que este é que parece ser o documento relativo a provisões constante na escrita da impugnante, tendo em conta a data e respectiva assinatura, ao passo que o de fls 21 destes autos nem se mostra assinado e apresenta os valores expressos em escudos), daquele primeiro se vê que a ora recorrente incluiu a verba em causa, então em escudos, no valor de 17.187.000$00, na rubrica “Reposição” do mesmo mapa, enquanto que na rubrica “Constituição ou Reforço”, nela fez incluir a verba de escudos 389.605.300$00 (e neste segundo mapa referiu os mesmos montantes, já em Euros), pelo que tais montantes foram considerados pela ora recorrente no apuramento do seu lucro tributável do exercício, logo considerados na colecta auto-liquidada, são se encontrando pois, tal coluna a zeros, a relativa a reposições, como a sentença recorrida fundamenta, lapso que bem se pode dever a alguma dificuldade na leitura e compreensão de tal mapa, quer pelo diminuto tamanho da sua letra, quer por as respectivas colunas não se encontrarem perfeitamente alinhadas com as respectivas discriminações à esquerda.

A zeros, encontram-se sim, entre outros, na linha de “Sucursal de Paris”, mas refere-se à “reposição” para a provisão de “riscos bancários gerais”, que não para “pensões de ref. e sobrevivência”, que se encontram nas provisões da classe 6, como se pode ver dos mesmos mapas, e bem se pronuncia a ora recorrente.

Como a AT desconsiderou o total da verba de esc. 389.605.300$00 (€ 1.943.343,00), como bem se pode ver do respectivo relatório de exame à escrita, constante de fls 79 e segs do PAT apenso, declarado pela ora recorrente, sem ter em conta o dito montante de esc. 17.187.000$00 (€ 85.728,39), já declarado e considerado na auto-liquidação efectuada pela ora recorrente a título de “reposição de provisões”, sempre relativo a pensões de reforma e sobrevivência com empregados da Sucursal de Paris, como a letra P, à frente de tal provisão a classifica, aquela dita verba entrou duas vezes na determinação do lucro tributável do exercício – na auto-liquidação e na liquidação adicional - que, embora não se possa dar como subsumível à duplicação de colecta prevista no art.º 205.º, n.º1 do CPPT, designadamente por falta da fixação da prova relativamente ao pagamento da auto-liquidação, que na perspectiva da sentença recorrida não interessava à solução de direito, sempre conduz à sua ilegalidade por dupla tributação, já que tal montante, no apuramento do lucro tributável do exercício de 2001, em causa, entrou na determinação do lucro tributável na auto-liquidação e voltou a entrar na mesma determinação donde resultou a liquidação adicional, que assim se encontra eivada deste vício de erro nos pressupostos de facto e/ou de direito, conducente à anulação da liquidação, na parte respectiva.

Assim, a este título de desconsideração da verba para “provisão para pensões de reforma e de sobrevivência”, relativa a provisões não aceites como custos do exercício, deveria a AT apenas ter desconsiderado e feito incluir na liquidação adicional correspondente o montante de € 1.943.343,00 menos 85.728,39, que não aquele valor pela sua totalidade, ou seja aquela primeira verba de dotações, líquida de reposições.

Esta diferente qualificação jurídica do vício invocado pela recorrente sempre o Tribunal pode efectuar ao abrigo do disposto no art.º 664.º do CPC, que dispõe que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º.


A sentença recorrida que nesta parte em contrário decidiu, não se pode manter, sendo de revogar com a procedência do recurso.



C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida na parte em que não anulou a liquidação adicional relativa à desconsideração da verba de € 85.728,00, o que ora se determina.


Recurso sem custas.


Lisboa,9 de Junho de 2009

EUGÉNIO SEQUEIRA
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA


(1) In acórdão deste Tribunal de 29.1.2002, recurso n.º 5939.01.
(2) Cfr. neste sentido o acórdão do então TCA de 29.1.2002, publicado na CTF n.º 405, pág. 236 e segs.
(3) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 26.4.2007, recurso n.º 127/07.